domingo, 12 de janeiro de 2014

Folclore Brasileiro: Região Sul (João de Barro)

Contam os índios que foi assim que nasceu o pássaro joão-de-barro.

Segundo a lenda,  há muito tempo, numa tribo do sul do Brasil, um jovem se apaixonou por uma moça de grande beleza. Jaebé, o moço, foi pedi-la em casamento.

O pai dela então perguntou:

- Que provas podes dar de sua força para pretender a mão da moça mais formosa da tribo?

- As provas do meu amor! - respondeu o jovem Jaebé.

O velho gostou da resposta, mas achou o jovem atrevido, então disse:

- O último pretendente de minha fila falou que ficaria cinco dias em jejum e morreu no quarto dia.

- Pois eu digo que ficarei nove dias em jejum e não morrerei.

Toda a tribo se admirou com a coragem do jovem apaixonado. O velho ordenou que se desse início à prova. Então, enrolaram o rapaz num pesado couro de anta e ficaram dia e noite vigiando para que ele não saísse nem fosse alimentado. A jovem apaixonada chorava e implorava à deusa Lua que o mantivesse vivo. O tempo foi passando e certa manhã, a filha pediu ao pai:

- Já se passaram cinco dias. Não o deixe morrer.

E o velho respondeu:

- Ele é arrogante, falou nas forças do amor. Vamos ver o que acontece.

Esperou então até a última hora do novo dia, então ordenou:

- Vamos ver o que resta do arrogante Jaebé.

Quando abriram o couro da anta, Jaebé saltou ligeiro. Seus olhos brilharam, seu sorriso tinha uma luz mágica. Sua pele estava limpa e tinha cheiro de perfume de amêndoas. Todos se admiraram e ficaram mais admirados ainda quando o jovem, ao ver sua amada, se pôs a cantar como um pássaro enquanto seu corpo, aos poucos, se transformava num corpo de pássaro!

E foi naquele exato  momento que os raios do luar tocaram a jovem apaixonada, que também se viu transformada em um pássaro. E, então, ela saiu voando atrás de Jaebé, que a chamava para a floresta onde desapareceram para sempre.

Podemos constatar a prova do grande amor que uniu esses dois jovens no cuidado com que o joão-de-barro constrói sua casa e protege os filhotes. Os homens admiram o pássaro joão-de-barro porque se lembram da força de Jaebé, uma força que nasceu do amor e foi maior que a morte.

Fonte:
http://www.sohistoria.com.br/lendasemitos/br/

Natércia Campos (Almofala)

Para meu filho Zé,
cuja sombra foi levada no redemoinho
enfeitiçado de um rio e hoje vive
encantada em mim.

Em Almofala o vento errante era inexorável no seu eterno movimento a levantar os infinitos grãos de areia. Ele os espargia formando dunas e, em uma lentidão exasperante, as fazia caminhar ao seu sabor. O vento possuía magias ao impelir, invisível, as nuvens, tornando-as esfiapadas e etéreas, ao filtrar os raios de sol, e densas com formas grotescas de rostos e rebanhos, pesadas de chuvas, que as ensombravam. Os ventos chegavam ali de muito longe, das pradarias, vales, cordilheiras e oceanos, mas dependendo de sua natureza, podiam descer céleres, irados, dos espaços, causando vendavais e tormentas. Por vezes, vinham serenos, como brisa, roçando de leve o mar, ondulando as águas e as velas das embarcações. Eram constantes, dia e noite, e nada lhes barrava os caminhos. Com manha e paciência, eles conseguiam aplainar os obstáculos e desviar destinos. No ano em que os gêmeos nasceram, a igreja tornara-se um estranho mausoléu, soterrada pela areia. Emergia daquela singular elevação a torre com seu campanário ainda descoberto, a salvo, como um bizarro marco de sepultura. A menina veio à luz ao meio-dia, quando de repente os sinos repicaram magicamente, tocados pelas rajadas de areia fustigadas pela ventania. O menino só nasceu quando os ventos amainaram e ondularam suavemente, como um bafejo, a vegetação rasteira e os longos e agrestes caniços.

A mãe havia tido outros filhos homens que debandaram cedo, mundo afora, sem apegos, assim ela os criara. Os gêmeos nasceram temporãos, estranhas sementes trazidas pelo ar. A mulher percebeu nos filhos uma leve e contínua oscilação, como se o sopro do vento os envolvesse, a desabrochá-los. Com o tempo ela surpreendeu-se pela afeição extrema que dedicava àquela filha. Os gêmeos cresciam iguais, refletindo um a imagem do outro. Brincavam alheados no seu contínuo e brando vaivém. A menina, mais irrequieta, lembrava o vento de verão, desencadeado e solto a provocar os redemoinhos inesperados de areia. O menino, cada vez mais sereno, igual à aragem que antecede as monções camuflando tempestades. Juntos, pareciam duas correntes de ar a se completarem, e eram de grande valia à mãe. Esta procurava dar as tarefas mais pesadas ao filho, mas a menina jamais se distanciava do irmão nesses momentos.

Eram vistos cedo, ao levantar do sol, indo atalhar a cabra no bebedouro de água doce. Traziam-na docemente, puxando-a pela corda com seu chocalho soando como sinos e a mãe tirava o leite grosso e amarelado que os meninos bebiam no seu constante movimento de pêndulo, quando a areia se amontoava na soleira da casa, a mulher mandava que o menino a retirasse com a longa pá. A menina postava-se ao seu lado, tentando ajudá-lo, enchia com uma lata o balaio forrado de talas de palmeira, que os dois despejavam longe contra o vento. O menino acordava cedo e alvoroçado nos dias em que a mãe lavava roupa no córrego. A menina ia sempre adiante pulando a banhar-se na areia, agarrada à sua desconjuntada bruxa de pano. Ele levava as bacias, o sabão, emparelhado aos passos da mãe, que seguia calada com as trouxas e os vasilhames de comida. A mulher lavava os hábitos e panos das freiras e noviças do distante internato. A menina logo entrava na parte mais alta do arroio, molhando-se a gritar com algazarra. O menino auxiliava a mãe, cavando um grande buraco, para onde desviava a água corrente, deixando ali de molho as roupas, antes de começarem, juntos, o infindável esfregar. A mulher falava com ele ensinando-lhe, dando-lhe ordens, a que o filho obedecia, irmanado totalmente à voz e à figura da mãe. Era o grito da irmã, chamando-o, que o tirava daquele açodamento, e a contragosto sujeitava-se à vontade da mãe, que o mandava ir brincar com a menina. Ficava, no entanto, alerta ao primeiro chamado da mulher para vir ajudá-la a tirar a roupa do coradouro. Mais tarde, famintos, comiam o que a mãe esquentava na velha trempe deixada ali, à sombra das barreiras. À tardinha, recolhiam a roupa branca, que parecia cintilar, dobravam-na, e o cheiro gostoso de sol e sabão daquelas peças entravam-lhes pelo corpo. A mulher enfiava tudo em sacos, e regressavam, já a barra do final do dia surgindo no horizonte. À noite, a mãe sentava a filha no colo e passava óleo de coco nos seus cabelos, fazendo, com desvelo, duas longas tranças. O menino, da rede, olhava-as, sentindo-se apartado e infeliz. Percebia que conversavam baixinho e depois, juntas, rezavam. A mãe então embalava a filha, que, por fim, adormecia, ele continuava de olhos abertos, fitando a luz trêmula da lamparina, que parecia ampliar sua solidão.

Os gêmeos tinham por obrigação entrar na mata certos dias, a fim de apanharem gravetos e lenha, para a mãe acender o fogão de barro.

O menino levava com ele uma lata, e, antes de começar a tirar a madeira, procurava, sob as folhas peludas e grossas do muricizeiro, as frutinhas miúdas e amarelas que sua mãe apreciava. Os meninos haviam aprendido com ela a quebrar nos joelhos as forquilhas e pequenos pedaços de pau, enfeixando-os depois com um cipó. A menina ajudava o irmão a equilibrar na cabeça a rodilha de pano encimada pelo feixe das achas secas de lenha. Ele, ao chegar em casa, estendia para a mãe a lata com o murici, e á noite ela fazia para eles cambica com açúcar e farinha de mandioca. Os gêmeos às vezes eram chamados pelos homens dos roçados distantes. O menino então preparava contrito, enrolando em espiral, estreitas tiras de haste de buriti, que a menina, acocorada, atava com embira-do-mangue. Com este assobio de folha o menino chamava o vento, que descia manso, ajudando os homens na debulha das vagens de feijão e dos caroços de mamona. Quando era preciso o vento descer violento para as grandes queimadas de roçado e capoeiras, a menina o auxiliava, assobiando demorado e longamente. Recebiam, em troca, caça e frutas, que levava, para casa, onde a mãe já os esperava no alto da barreira de veios azinhavrados, parecendo minar ferrugem devido à maresia.

A mulher descera ao encontro deles e agarrara a filha com alegria, carregando-a nos braços. Nem chegou a perceber que ele trouxera um escuro ninho de abelha irapuá. O menino o encontrara no cerrado dependurado no cajueiro. Fizera de palha um facho em que ateou fogo e afugentara as abelhas. Desprendera da árvore o ninho cheio de mel e, amarrando-o na camisa, andara pelos caminhos com extremo cuidado para entregá-lo à mãe, pois sabia de sua preferência pelo mel dessa abelha.

Nessa noite, a lua cheia não o deixou dormir. Através da fresta da porta vira iluminadas a irmã e a mãe, rindo e conversando. Arredio, achegou-se a elas, que, alheadas à sua presença, partiam os favos, enxotando ás vezes alguma solitária abelha, e bebiam o mel, lambuzando-se até ficarem enjoadas e sonolentas. A mãe então banhou a menina, vestiu-a e penteou-a. Ele, já deitado, custou a dormir, sentindo-se desgarrado, como que perdido.

Prendia a custo o choro, que teimava em sair como soluços.

Na época em que sopraram os ventos elísios, em pleno estio, o menino fez uma grande cruz de cana, cobrindo as varetas com papel fino e de cor. Ele a empinava contra o vento e a mantinha segura quase solta no ar. De longe, aquela armação presa a uma comprida e bifurcada cauda de panos assemelhava-se ao peixe arraia, como se ele houvesse subido aos céus provido de asas. A irmã correu para junto dele acompanhando-o. Subia e descia barrancos, atravessava correntes finas de água doce, parecendo também prestes a voar. Ao subir até o alto do platô, para altear o voo da longínqua e diminuta cruz, é que o menino notou a irmã à sua frente. Meio tonto e sem ar, deteve-se atrás dela. Foi tudo tão rápido que ele chegou a sentir quando a menina estranhamente voluteou, perdendo o equilíbrio. Ele assistiu a irmã despencar-se na grota da alta barreira. Deu-se conta do silêncio pesado que a tudo envolveu quando o corpo parou de cair, no fim daquelas paredes profundas e sombrias. Correu alucinado até a casa e contou à mãe, em espasmos, o que acontecera. Ele a guiou até o cimo da barreira, onde os dois estacaram, olhando a menina ainda mais miúda semelhando-se a sua desconjuntada bruxa de pano. Desceram mãe e filho pelas dunas, dando largas voltas, apoiados às lombadas cavadas pela erosão. A menina já estava quase toda revestida de areia, que a ventania levantava em miríades de fino pó. Ambos sabiam que se não a levassem dali o vento a enterraria durante a noite, aplainando aquela elevação.

Enlaçados e, passo a passo, seus vultos, carregando a menina, projetavam-se em esquisitas sombras pelas dunas que se moviam caladas e inexoráveis. Na estrada das Almas, no alto do céu, o carreiro de Santiago atravessava o firmamento. Cansados, viram aflorar da areia a cumeeira da casa em vigília. Ela escutou, nas horas tardias da noite, o bimbalhar longínquo de sinos, choros e gemidos tangidos pelo vento, que até a madrugada se lançou em rajadas bruscas sobre a casa. Pela manhã, o menino não conseguiu abrir a pequena janela, algo fortemente a escorava. Saiu pela porta da frente notando que a casa parecia desequilibrada, estranhamente diminuída. Todo o lado de trás fora calçado pela areia, que se amontoara. De longe, lembrava-lhe um barco à deriva.

Sentiu que a mãe o fitava por cima de sua cabeça em um ponto muito além. Abraçou-se a ela, chorando desnorteado. Muito depois, quando suas lágrimas secaram, notou que o seu contínuo movimento de pêndulo cessara por completo. Dias depois a mãe costurara uma bata comprida, ajudando o filho, submisso, a vesti-la pela cabeça, como um saco. Desde então ele usou aquela veste, que o fazia ainda mais parecido com a irmã. Por onde o menino passava com aquele sambenito cheio de remendos e cerzidos, recordava a todos um pobre penitente nos autos-de-fé. Ele vivia cada vez mais ao redor da mãe, cheio de aflição, e seu olhar surpreso continha uma muda indagação.

A mulher nunca mudou os hábitos, continuou a dividir tudo em três porções, e mandava o filho ir chamar a irmã de volta para a casa. Ele obedecia, retornava em silêncio, esgueirando-se para perto do fogão, mas nunca se sentava no lugar que era o dela. Aos poucos, ele se confundia, tinha às vezes a vaga impressão da presença da menina. Ouvia a mãe conversar baixinho com a irmã, pedindo-lhe sempre para não sair de casa sem antes avisá-la. À noite armava as redes, cheirando lençóis, roupas da filha e abençoando-a. O menino há muito acostumara-se a dormir embalado pelo choro dorido da mãe. Certa noite de inverno escutou ao passar perto do mangue gritos que o assombraram. Ouviu vozes de animais, ruídos de pescador, caçador e alguém quebrava lenha colhendo mel das abelhas. Correu desesperado, contando à mãe sobre a visagem. Ela persignou-se falando: é o guajara que vive encantado no pântano.

A irmã encheu o tempo e a vida dele, devagarinho como o vento, presente e invisível. Notava já sua chegada, ao ouvir cicios de vozes e sussurros na aragem noturna, zumbido nas folhagens. Nas manhãs em que acompanhava a mãe ao córrego, olhava-se na água transparente como vidro e via refletida a sua imagem, tão clara, que mergulhava sôfrego ao seu encalço. Ele, enquanto viveu, foi sempre a sombra da irmã. Compartilhou sentimentos de amarguras, esperanças, sonhos e pesadelos. Só a mãe os separou, até o final dos seus dias. Foi ainda a irmã a última imagem que seus olhos viram ao apagarem-se. Estava ela à sua espera, ainda tão pequena, afogueada da subida ao platô, quando ele em um movimento brusco, igual a um traiçoeiro golpe de ar repentino e frio, empurrou-lhe as costas rumo ao abismo.

 (Natércia Campos, Iluminuras)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Natércia Campos

Natércia Campos de Saboya (Fortaleza, 1938 – 2004) publicou primeiro no suplemento literário de O Povo. Recebeu, depois, o 1º prêmio no 2º Concurso Literário do Banco Sudameris, que lhe foi outorgado pela Academia Botucatuense de Letras ao conto “A Escada”, em 1987. Em 1988, foi premiada pela IV Bienal Nestlé de Literatura Brasileira com o livro de contos Iluminuras (São Paulo: Editora Scipione, 1988). Suas histórias estão em antologias e periódicos: O Talento Cearense em Contos, Antologia do Conto Cearense, Quem Conta um Conto, Almanaque de Contos Cearenses e Letras ao Sol - Antologia da Literatura Cearense. Publicou também Por Terras de Camões e Cervantes - Relato de viagem a Portugal e Espanha (Imprensa Universitária do Ceará, 1998); A Noite das Fogueiras, romance fantástico (edições Fundação Demócrito Rocha, 1998); A Casa, romance, publicado em 2ª edição pela Editora UFC, Fortaleza, 2004; e Caminho das águas (Imprensa Universitária da UFC, 2001).

Os dramas vividos pelos personagens de Iluminuras parecem originados de lendas ou do lendário sertanejo, que, embora modificado, adaptado ao ambiente nordestino, tem suas raízes na cultura popular europeia ou, mais precisamente, ibérica. Vejam-se as histórias de gêmeos (“Almofala” e “O Rio”), do menino pagão (“O Pagão”), da velha rezadeira (presente em algumas narrativas), do pescador encantado (“Alumbramento”), da mulher solitária (pelo menos em duas), da menina enigmática (“Uma Velha Canção”, “A Menina” e “Lua Cris”), do menino ou da menina e do avô ou da avó (“Crisálida” e “Mãe Natureza”), do faroleiro e o navio fantasma (“O Farol”), do cordeiro imolado (“Perdão”) e do leproso (“Penitentes”).

Os ingredientes básicos destas narrativas são o ambiente, pode-se dizer, medieval, seja rural ou marítimo; a presença constante de personagens estranhos, como rezadeiras, loucos, visionários, encantados, deformados; as crenças e crendices como foco principal; o enigma embutido no conflito; e a linguagem mais para clássica (Alexandre Herculano) do que para a dos contos populares: “contam que...”, dos irmãos Grimm, Charles Perrault. Nada mais semelhante a um conto de fada do que “Uma Velha Canção”, no qual uma menina chora a morte da mãe, vive anos a fio com o pai e a ama num casarão, se cerca de gatos e, depois, só, é encontrada morta. “Muitos anos depois” o povo ouvia “uma voz de mulher, que cantava com suavidade uma velha canção”. E “Crisálida”, no qual avó e neta saíam para o povoado carregadas de alfenins, como Chapeuzinho Vermelho a conduzir docinhos pela floresta.

O ambiente das dunas de Almofala, do primeiro conto, é mostrado como num filme, com toda a sua exuberância, sem muitos adjetivos. A igreja soterrada pela areia, o campanário ainda descoberto, os barrancos, as correntes finas de água doce, o platô, a ventania. Nos demais contos, situados em lugares diversos, veem-se cemitérios, mosteiros, ermidas, caminhos, matos, brejos, rios, praias, o mar, onde se movimentam poucos ou solitários personagens. Em espaços menores, casa, alpendre, jardim, quarto, sala, personagens angustiados contam suas vidas ou têm narrados seus anos de solidão e dor.

As descrições de Natércia não constituem meros exercícios de linguagem. Ao contrário, servem de apoio às narrações e sem as quais estas pareceriam longas frases cheias de verbos e substantivos. Ocorre também a simultaneidade da narração ao longo do tempo e da descrição do ambiente. Esta nunca se dá de forma isolada, isto é, sempre antecede ou sucede a narração de um fato. Talvez nem seja assim: Não antecede nem sucede a narração, se faz durante a elaboração das frases. Como em “O Jardim”. Enquanto descreve o jardim, narra curtos episódios de um passado mais distante.

A linguagem de Natércia Campos é limpa, elegante e atraente. Nada de gírias, lugares-comuns, frases feitas. Os verbos são os mais propícios à narração e à descrição: adejar (os ventos adejavam), farfalhar (as folhagens), aconchegar (o xale), firmar (a vista), reter (o vulto) etc. Não se trata de linguagem pomposa, de difícil leitura. A escritora não tem necessidade de ostentar erudição. Também o uso frequente de nomes de objetos em desuso e outros substantivos, adjetivos e verbos esquecidos da maioria dos escritores brasileiros contemporâneos faz de Natércia Campos uma narradora singular.

As narrativas deste livro trazem enredos compostos de tons de suave impressionismo. A pintura medieval do ambiente está mais presente em “Iluminuras”. Medieval em sentido amplo, alegórico, do inconsciente: O cemitério, a cruz, as ervas, o mosteiro. Ambiente povoado de personagens antigos: O ferreiro, o fazedor de selas e arreios, o fabricante de armadilhas e gaiolas, monges, penitentes. Nada de sertões, romarias de Padre Cícero, devotas de todos os santos.

As crenças, as crendices, as lendas das histórias de Natércia foram colhidas, certamente, do imaginário popular e da própria memória da escritora: O guajara “que vive encantado no pântano”; o pagão encantado, que, morto, chorava sem parar e, após o batismo póstumo, se desencantou; o possuído pelo Maligno; a mulher (sereia) de “cântico dolente e fino”, “longos cabelos”, que afogou o menino (“Alumbramento”); a mulher solitária e suas visões de sombras, entes invisíveis. 

A presença de enigmas, em meio a superstições, é outra característica dos contos de Natércia. A começar pelos enredos ou pela fragmentação dos enredos. A morte da menina no primeiro conto se dá de forma misteriosa. Apesar de todo o amor do menino por ela, teria o ciúme (a mãe vivia “rindo e conversando” com a menina, enquanto ele se sentia “desgarrado, como que perdido”) motivado uma vingança? Teria sido ele o causador da morte da irmã? Em outro belíssimo conto, “A Menina”, narrado por uma mulher, qual o significado daquela menina assustada, sempre agarrada a seu carneirinho, que um dia apareceu e de repente foi embora? E a morte da menina gaza, que se “evaporou na areia ressequida”, para depois surgir “uma cerca de estranha folhagem gaza, por suas manchas esbranquiçadas”, no conto “Lua Cris”?

                A par disso, o drama psicológico está presente em todos os contos, sempre em narrações-descrições suaves, sem assombros para o leitor. “Almofala” é, sem dúvida, uma obra-prima do conto brasileiro contemporâneo, de uma profundidade nunca vista. Nesta e em outras narrativas a descrição do ambiente se faz com cores naturais. O ambiente em que viviam os gêmeos – as dunas, o vento, a casa – tudo está retratado com fidelidade. E que dizer da descrição, ou da aposição no ambiente, de objetos de uso doméstico e diário, como chocalho de cabra, balaio, trempe, lamparina, fogão de barro, panela de barro, rodilha de pano? Tudo por necessidade da narração, nada como simples enfeite, adereço literário.

Natércia Campos também utiliza com frequência o cruzamento dos tempos e das ações. No primeiro conto, por exemplo, o conflito se instaura lentamente, desde o nascimento do menino e da menina, vai se engrandecendo aos poucos, nos pequenos atos, no dia-a-dia, até o ápice – que ainda não é o ápice – quando o menino “assistiu a irmã despencar-se na grota da alta barreira”. O desfecho – muitos anos depois, quando os olhos do menino se apagaram – nas últimas frases do conto, revela todo o drama, toda a tragédia dos gêmeos.

                Esses dramas psicológicos se apresentam em variadas conotações, especialmente no medo, na solidão e no abandono dos personagens. Do homem do mar, sempre às voltas com o insondável, o mistério, o absoluto, a morte, como em “Alumbramento”. Da mulher solitária em permanente contato com os fantasmas dos parentes mortos, sombras, seres perceptíveis somente pelos sentidos internos, e que conduzem à loucura (“Eles”). Do leproso, o papa-figo, em suas andanças, a tanger uma matraca, em aviso de sua condição. Das mulheres solitárias e seus presságios, os maus agouros, as superstições. Na dor e na morte da mulher que ensopou com querosene a lã do cordeiro e lhe ateou fogo, o cordeiro de Deus, o agnus Dei da oração e da inscrição no conto “Perdão”.

                Não se sabe a origem das obras literárias: como nascem, se formulam. Fala-se em missão, destino, vocação, dom, inspiração. Talvez hajam sido as fadas as inspiradoras de Natércia Campos. Com a ajuda de Herculano, Grimm, Perrault, Moreira Campos. Seja como for, o conjunto de seus contos de fadas, o seu fadário, o seu destino é ser Natércia Campos.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 20 – 18 de junho de 1887

Rosa de Malherbe, ó rosa
Velha como as botas velhas,
Que foste grata e cheirosa,
E ora desprezada engelhas;

Rosa de todos os vasos,
De todas as mãos humanas,
Trazida a todos os casos,
Com lírios e com bananas;

Rosa trivial e chocha,
Pior que as mal fabricadas,
Menos que rosa, uma trouxa
De folhas esfarrapadas,

Não por má, não que não prestes,
Não que não sejas ainda
A mesma rosa que deste
Vida e cor à estrofe linda,

Mas porque é nosso costume,
Se achamos um dito a jeito
Tirar-lhe todo o chorume
Até deixá-lo desfeito.

Às vezes, menos que um dito,
Uma locução somente,
Um verbo novo ou bonito,
Pelintra ou cousa decente...

Vagabundo é que não anda;
Terá tanto e tanto emprego
De salão ou de quitanda
Que nunca achará sossego;

Até que lá vem um dia,
Em que o infeliz surrado,
Gasto, podre, sem valia,
Ao lixo é abandonado.

Lá vou eu buscar-te, ó rosa
De Malherbe; é necessário
Fazer citação dengosa
Num caso extraordinário.

Não o caso pavoroso
Do sindicato, alta e baixa.
Negocio tão ponderoso
Que acabou quebrando a caixa.

Demais, ouço tais notícias,
Tantas cousas segredadas,
Que só pegando em milícias
Para rimar com pancadas.

Posto que essa rosa bela
Viveu, como as outras rosas,
Um dia, e sem mais aquela
Perdeu as folhas viçosas.

Não trato dessa, mas trato
Da rosa legislativa,
Nascida sem aparato,
Morta quando apenas viva.

Foi o senador Uchoa
Que lhe deu vida e nascença,
Pareceu-lhe a idéia boa,
Propô-la sem mais detença.

Em verdade, não contava
Ninguém com tal aditivo;
Foi como uma vaca brava
Ao pé de um par pensativo.

De mais a mais, sem discurso,
Modesto, calado e manso;
Mal comparando, era um urso
Metido em pernas de ganso.

Urso, embora parecesse
Ao golpe das mãos humanas,
Podia ser que vivesse
Uma, duas, três semanas.

Era vir, tambor à frente,
Polcando ao som de rabeca,
Lançando ao ar, como gente,
Foguete, bomba ou peteca.

Menos de um mês viveria;
Mas, surgindo assim calado,
Viveu apenas um dia,
Foi morto e foi sepultado.

Lá que mais tarde apareça
Em forma de idéia nova,
E que outrem se desvaneça
De o passar por outra prova,

De maneira que essa rosa,
Que foi rosa e que foi urso,
Ganso e vaca furiosa,
Passe a sol nalgum discurso,

Não me espantará. Comigo
Uma só cousa há que espante:
Se desta vez a não digo
É falta de consoante.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Humberto de Campos (Os Submarinos)

À margem do Tietê, em lugar em que o rio se tornava mais claro e menos profundo, tomavam banho, uma tarde, sete ou oito crianças, de quatro a nove anos, entre as quais uma encantadora menina, a Lili, irmã do Armindinho, que era, no grupo, o mais insuportável e barulhento. Com a inocência peculiar à idade, apresentavam-se todos despidinhos, nadando, mergulhando, pulando, como um bando de golfinhos irrequietos.

O barulho que faziam, era, como facilmente se imagina, ensurdecedor. Entregues a si mesmos, rolavam-se na areia, atiravam-se terra, empurravam-se, nadando, ora de papo para cima, ora de papo para baixo, com as mãos em movimento dentro dágua, no "nado de cachorro", batendo com os pés, na imitação dos navios de roda, ou de barriga para o sol, agitando os braços ritmadamente, como escaleres em marcha pelo impulso regular de dois remos.

Estavam os pequeninos tritões no mais aceso do entusiasmo, quando o Armindinho propôs, gritando:

- Vamos brincar de submarino?

- Vamos! - concordaram os outros, aos pulos, com o busto fora dágua. - Vamos!

Unindo o gesto à palavra, o Armindinho atirou-se à frente dos companheiros, nadando, ágil, de peito para o ar, meio submerso, dando marcha ao corpo com o movimento das mãos debaixo dágua. Imitando o inovador, os outros pirralhos fizeram o mesmo, de papo para cima,, pernas estiradas, silenciosos, como uma verdadeira flotilha de submersíveis.

Momentos depois, de volta à margem, iam repetir a proeza, quando a Lili pediu, nuazinha, batendo as mãos:

- Eu também vou, mano, eu também vou! Sim?

O Armindinho encarou-a, com a superioridade de um oficial alemão, e protestou:

- Não; você não pode!

E virando-se para um dos companheirinhos, explicou, com a maior inocência do mundo:

- Ela não tem periscópio; não é?

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze.

Aluízio Azevedo (Vida Literária) Literatura nacional 1

Agora, sempre que por aí se fala de literatura nacional, diz-se que ultimamente há grande desfalecimento entre os escritores brasileiros e que diminui o numero de volumes publicados, e que só se escreve sobre finanças e sobre política.

É exato. Mas a culpa não é dos escritores; é das dificuldades que se apresentam hoje em dia para realizar a publicação de qualquer trabalho. A falecida baronesa de Mamanguape levou os seus últimos anos de vida a publicar; na casa Pinheiro, um volume de versos, que nunca veio à luz e lhe abreviou naturalmente os dias de existência.

Aluízio Azevedo, tem há quase ano e meio, um volume de contos a publicar-se na casa Mont'Alverne, hoje Companhia Editora; e, apesar de haver pago adiantado a primeira folha de composição, ainda não teve o prazer de ver uma página impressa do seu livro; outros e outros homens de letras queixam-se de iguais contrariedades, e não é natural que alguém se disponha a escrever com boa vontade, tendo uma obra encalhada no prelo.

Repetimos: a culpa não é de quem escreve; a culpa é dos que imprimem. Hoje, no Rio de Janeiro, dar um livro à publicidade é quase tão difícil como viver, ou talvez mais ainda, se atendermos ao que por aí vai pelas tipografias e casas editoras.

É que no Rio de Janeiro atualmente, ninguém quer trabalhar. A febre do jogo, criada desde o ministério Ouro-Preto e desenvolvida depois pela revolução, o desespero de enriquecer forte e rapidamente, o desalento causado pelos graves prejuízos trazidos pelo descalabro de companhias, que eram a grande esperança dos ambiciosos; tudo isso transformou a maior parte da população fluminense num infernal bando de jogatineiros decavés, doidos perdidos, furiosos, desanimados, sem vintém e sem ânimo para o mais insignificante trabalho honesto.

Vai-se a uma tipografia para imprimir uma obra. Aparece-nos o dono da casa, triste, desorientado, pensando nas suas tantas mil ações sem valor, e ouve-nos distraidamente, sem conseguir ligar importância ao trabalho que lhe encomendamos; e, quando lá voltamos, o homem já nem se lembra do que lhe dissemos a primeira vez.

Mas, se apesar de tudo, a encomenda fica feita, por um preço paradoxal, e tornamos lá para ver as provas, ai! que triste espetáculo nos espera! Cada tipógrafo é também uma vítima da bolsa; cada tipógrafo tem em casa, inúteis como um baralho de bilhetes brancos de loteria, unia infinidade de títulos de companhias arrebentadas.

E, macambúzio, dedos enterrados no cabelo, cotovelos fincados na caixa de composição, cada desgraçado desses olha sonambulamente para os tipos empastelados, mortos, emudecidos e cobertos de pó, e não encontra em si coragem para compor um paquet.

Compor! Trabalhar! Para quê?... Para receber uma soldada que, com os preços atuais do pão, mal chega para não morrer de fome?... Ganhar 5$000 por dia, quando, se não rebentasse tal companhia ou banco tal, deveríamos empolgar 300 ou 400 contos?... Não! definitivamente não há valor de homem capaz de ir até lá!

E o tipógrafo, convencido de que não vale a pena trabalhar tão resignadamente para ganhar tão pouco, faz como a maior parte dos operários, toma o chapéu, despede-se da casa em que está empregado, e sai de cabeça baixa e o coração encharcado de desalento; vai pedir dinheiro emprestado a um amigo, ou empenhar alguma joiazinha da mulher, para correr à roleta, que nada mais e do que a caricatura da bolsa; a roleta a ultima esperança de lucro rápido; a roleta, donde o infeliz nunca mais voltará ao trabalho e à dignidade da vida, porque a engrenagem daquela máquina infernal jamais largou a presa que lhe caiu nos dentes!

E diz o dono da tipografia, quando o autor vai à vigésima vez, pelas provas do seu pobre livro:

- Vê, meu caro senhor?... Estou sem gente!... Os operários foram-se todos! Estou disposto a pagar o duplo do que pagava dantes, mas ninguém aparece! E se isto continua assim - fecho a porta!

E a verdade inteira é que este dono de tipografia está morrendo por fazer como fez o tipógrafo: correr à roleta! Correr à tavolagem!

E lá, em volta dos malditos trinta e oito números, de 0O a 36, ou à música implacável do Trente et quarente irá ele encontrar como em uma praia de desilusão todos esses náufragos da megalomania, arrojadas à casa do jogo pelas ondas do oceano da bolsa.

Todos lá vão ter, desde o assombroso titular até o magro poeta, que interrompeu os estudos, para meter-se no ensilhamento. Banqueiros, doutores, funcionários públicos, artistas, caixeiros, todos, todos!

Triste e desconsoladora romaria que só tem uma fé - ganhar. Só tem uma esperança - levar a banca à glória.

Todos e tudo lá vão ter à praia da tavolagem. Sim, meus senhores, aqueles belos carros, aqueles cavalos de raça, aqueles diamantes, tudo isso rolará para sempre na areia e, com os tipos da composição e com as páginas, os poetas e prosadores.

O Combate, 2 de março de 1892.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura
Imagem de Aluizio Azevedo, por William Medeiros

sábado, 11 de janeiro de 2014

José Feldman (Aquarela de Trovas n. 12)


Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer mover os lábios,
cada livro é um professor.
A. A. DE ASSIS (PR)
-
No rosto só tem pintura:
rouge, pó, batom vermelho.
Mesmo com tanta feiúra
quer botar culpa no espelho!...
ADEMAR MACEDO (RN)
-
Paquerador, mas casado,
da aliança faz segredo.
Sai por aí, o safado,
com um bandeide no dedo…
ADILSON DE PAULA (PR)
-
Quanta vez em tristes rotas
tombei sem me ter queixado
porque nas minhas derrotas
tive a Esperança ao meu lado.
AGMAR MURGEL DUTRA (RJ)
-
No verdor da mocidade,
 quanta esperança entretive!
 Agora tenho saudade
 das esperanças que tive!
 ALFREDO DE CASTRO (MG)
-
Não irá jamais embora
quem deixou tanta amizade;
a despedida de agora
é presença na saudade.
ALMIR PINTO DE AZEVEDO (RJ)
-
Falar, se é dever calar-se;
calar, se é dever dizer,
são dois sinais sem disfarce
de um fraco de proceder.
AMILTON MONTEIRO (SP)
-
A esperança é voz do Além
  que nesta vida nos guia.
Sem este amparo ninguém
às mágoas sobrevivia.
ANA ROLÃO PRETO M. ABANO (ANGOLA)
-
Zumbindo sobre as corolas,
de delicada beleza,
os insetos são violas
na orquestra da Natureza!
ANGÉLICA VILLELA SANTOS (SP)
-
Mãe que traz uma criança
nas entranhas do seu ser,
carrega a própria esperança
no filho que vai nascer.
ANIS MURAD (RJ)
-
Há muita gente na vida
que a felicidade alcança,
não por ter sorte florida,
mas por viver de Esperança!
ANTONIETA BORGES ALVES (SP)
-
Pensando, na tarde calma,
 logo me ocorre à lembrança
 que a própria vida tem alma,
 e a alma da vida é a esperança!
 APARÍCIO FERNANDES (RJ)
-
A Esperança se revela
 em cousa bem natural:
 um sapato na janela
 numa noite de Natal!
 ARCHIMINO LAPAGESSE (RJ)
-
Sem alegria no rosto,
mas para espantar o pranto,
tento esquecer meu desgosto
cantando, triste, mas canto.
ARGEMIRA F. MARCONDES (SP)
-
Desde o tempo de criança
- de ingênua colegial -
fiz de ti minha esperança
e só tenho esse fanal.
ARIETE REGINA DE PAULA FERNANDES (RJ)
-
Os poetas sempre estão
trazendo alegria à terra.
Cada verso é uma oração,
cada rima um sonho encerra!
ARLENE LIMA (PR)
-
Por que é verdade a esperança?…  
Se todo o mundo soubesse…
- É que, por mais que se espere,
ela nunca amadurece…      
PE. BELCHIOR D’ATHAYDE ( BA)
-
É sina dos trovadores,
no mundo tão incomum,
falar de tantos amores,
às vezes sem ter nenhum.
CARLOS ALVES CABRAL (SP)
-
Que não seja a tua esmola,
vazia de coração;
a esperança mais consola
do que um pedaço de pão.
CÉLIA CAVALCANTE (RJ)
-
Há muito mais esperança,
 segundo o meu evangelho,
 numa lágrima de criança
 que num sorriso de velho.
 COLBERT RANGEL COELHO (RJ)
-
Se deu bem mal minha amiga,
e agora não tem mais jeito:
Escorregou (PR)a barriga
o silicone do peito.
DARLY O. BARROS (SP)
-
Entre o meu pai – já velhinho,
 e o meu filho – uma criança,
 vejo estender-se o caminho
 por onde passa a esperança.
 DENANCY MELLO ANOMAL (RJ)
-
Eu ergo a taça a brindar
a noite que o quarto invade
e, no cristal do luar,
bebo o vinho da saudade!
DOMITILLA BORGES BELTRAME (SP)
-
Quem diz que o sonho acabou
se engana... a ilusão não finda.
Quanta gente já acordou,
e teima em sonhar, ainda!
DOROTHY JANSSON MORETTI (SP)

-
No táxi, ao fazer um “bico”,
furei o pneu no buraco,
e só não “paguei um mico”
porque levei o “macaco”.
EDMAR JAPIASSÚ MAIA (RJ)
-
Esse mundo feminino
de segredos permeado
é um gracejo do destino
pelos homens odiado.
ELIANA RUIZ JIMENEZ (SC)
-
A bela flor de papel
que tu me deste outro dia
foi tão perfeita e fiel
que o cheiro dela eu sentia!...
EVA YANNI GARCIA (RN)
-
– Esse biquíni agarrado…
Meu bem, o que aconteceu?
– Foi na água que, molhado,
rapidinho se encolheu…
GASPARINI FILHO (SP)
-
Nesta vida tão inquieta,
o meu consolo é pescar.
Sou pescadora-poeta,
que pesca versos no mar!
GISLAINE CANALES (SC)
-
Pior que não ver estrelas
sobre os caminhos que eu trilho
é olhar para o céu e vê-las,
mas não enxergar seu brilho…
IZO GOLDMAN (SP)

Se sofres, poeta, canta,
que essa cantiga, aonde for,
consola, embala, acalanta,
quem vive pobre de amor!
JEANETTE DE CNOP (PR)

A morena, quando passa,
no molejo das cadeiras,
deixa nos olhos a graça;
no pensamento, besteiras!…
J. J. GERMANO (RJ)

Zarpei ao romper do dia
no meu barco a velejar
para “pescar” a poesia
que a Lua escondeu no mar.
JOSÉ LUCAS DE BARROS (RN)
-
Com seu jeitinho de santa,
no mesmo olhar ela oferta
a timidez que me encanta
e a audácia que desconcerta!
JOSÉ OUVERNEY (SP)
-
Voltou sorridente e bela,
porém não voltou sozinha:
sem saber, voltou com ela
a alegria que eu não tinha!
JOSÉ TAVARES DE LIMA (MG)
-
Sou, nas praias dessa vida,
que o destino desprezou,
fugaz espuma esquecida
que o mar, na areia, deixou!
JOSÉ VALDEZ DE C. MOURA (SP)
-
O amor que se oferta a Deus
é essência da caridade.
E o cuidado aos filhos seus
chama-se fraternidade.
LAIRTON T. ANDRADE (PR)
-
Teu beijo, bombom cremoso
de conhaque com anis,
é o manjar mais saboroso
que minha boca já quis!
LISETE JOHNSON (RS)
-
Procurei por Deus em tudo
pra ter, de novo, esperança;
achei-O, após grande estudo,
… num meigo olhar de criança.
LÓLA PRATA (SP)
-
Quisera que o mundo visse
meu ar de felicidade
assim que você me disse:
“Namoro” – e não: “Amizade”.
LUIZ HÉLIO FRIEDRICH (PR)
-
Quanto mais festa e mais luz
nesses Natais de salões,
mais nós sentimos Jesus
ausente dos corações!
LUIZ OTÁVIO (SP)
-
De vaidades despojada,
com fortunas não me iludo.
Quero apenas ser amada ...
Para mim, o amor é tudo!
MARIA MADALENA FERREIRA (RJ)
-
Por querer abrir caminhos
segui à risca esta lei:
fui retirando os espinhos
das rosas todas que dei!...
MARIA HELENA O. COSTA (PR)
-
Imagens difusas... Sonho
irrealizado, sofrido,
que eu componho e recomponho
na dor de te haver perdido...
MILTON NUNES LOUREIRO (RJ)
-
Tirei da gaveta o sonho,
limpei o mofo, espanei;
revi meu viver bisonho
e, afinal, recomecei.
NÁDIA HUGUENIN (SC)
-
Preguiça é grande pecado!,
diz minha sábia vizinha.
- Vem “preguiçar” ao meu lado,
assim não peco sozinha…
NEIVA PAVESI (SP)
-
Folha em branco à minha frente,
inquisidora, calada,
como a esperar que eu invente
um verso, uma trova…e nada !
NÉLIO BESSANT (SP)
-
Nas capelas, a candura
das esposas, nas novenas.
Fora delas, a aventura
dos maridos “noutras” cenas…
OLGA AGULHON (PR)
-
Assisto com emoção,
sob a luz dos candeeiros,
nas noites do meu sertão
ao cantar dos violeiros.
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE (RJ)
-
Para quem não teve glória
que valha a pena cantar,
é tolice ter memória
pois não há nada a guardar!
RODOLPHO ABBUD (RJ)
-
Passado? Foi num repente.
Futuro – não descortino…
Melhor viver o presente,
que ele é um presente divino!
ROSE MARI ASSUMPÇÃO (PR)
A amizade Deus criou
naquele exato momento,
quando estrelas semeou
nas trevas do firmamento!
ROZA DE OLIVEIRA (PR)
-
Uma lágrima dorida,
nos olhos turvos, tristonhos.
No encontro da despedia,
a renúncia dos meus sonhos.
SÔNIA SOBREIRA (RJ)
-
Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.
THALMA TAVARES (SP)
-
Nesta vida alucinante
e de ilusões passageiras,
às vezes, em breve instante
vale mais que horas inteiras.
THEREZINHA DIEGUES BRISOLLA (SP)    
-
Revezam-se em nossas rotas
sombra e luz, contras e prós,
e as vitórias e derrotas
começam dentro de nós…
VANDA FAGUNDES QUEIROZ (PR)
-
O sabiá de peito roxo,
passarinho cantador…
Seus gorjeios sem muxoxo
são melodias de amor!
VIDAL IDONY STOCKLER (PR)
-
Nosso amor, nossos carinhos,
vão conosco na viagem,
pondo flores nos caminhos
e embelezando a paisagem!
YEDDA PATRÍCIO (SP)

Irmãos Grimm (O Principe Rã ou Enrique de Ferro)

Há muito tempo, quando os desejos funcionavam, vivia um rei que tinha filhas muito belas. A mais jovem era tão linda que o sol, que já viu muito, ficava atônito sempre que iluminava seu rosto.

Perto do castelo do rei havia um bosque grande e escuro no qual havia um lagoa sob uma velha árvore.

Quando o dia era quente, a princesinha ia ao bosque e se sentava junto à fonte. Quando se aborrecia, pegava sua bola de ouro, a jogava alto e recolhia. Essa bola era seu brinquedo favorito. Porém aconteceu que uma das vezes que a princesa jogou a bola, esta não caiu em sua mão, mas sim no solo, rodando e caindo direto na água.

A princesa viu como ia desaparecendo na lagoa, que era profunda, tanto que não se via o fundo. Então começou a chorar, mais e mais forte, e não se consolava e tanto se lamenta, que alguém lhe diz:

- Que te aflige princesa? Choras tanto que até as pedras sentiriam pena. Olhou o lugar de onde vinha a voz e viu um sapo colocando sua enorme e feia cabeça fora da água.

- Ah, és tu, sapo - disse - Estou chorando por minha bola de ouro que caiu na lagoa.

- Calma, não chores -, disse o sapo; Posso ajudar-te, porém, que me darás se te devolver a bola?

- O que quiseres, querido sapo - disse ela, - Minhas roupas, minhas pérolas, minhas jóias, a coroa de ouro que levo.

O sapo disse:

- Não me interessam tuas roupas, tuas pérolas nem tuas jóias, nem a coroa. Porém me prometes deixar-me ser teu companheiro e brincar contigo, sentar a teu lado na mesa, comer em teu pratinho de ouro, beber de teu copinho e dormir em tua cama; se me prometes isto eu descerei e trarei tua bola de ouro."

- Oh, sim- disse ela - Te prometo tudo o que quiseres, porém devolve minha bola; mas pensou- Fala como um tolo. Tudo o que faz é sentar-se na água com outros sapos e coachar. Não pode ser companheiro de um ser humano.

O sapo, uma vez recebida a promessa, meteu a cabeça na água e mergulhou. Pouco depois voltou nadando com a boa na boa, e a lançou na grama. A princesinha estava encantada de ver seu precioso brinquedo outra vez, colheu-a e saiu correndo com ela.

- Espera, espera - disse o sapo; Leva-me. Não posso correr tanto como tu - Mas de nada serviu coachar atrás dela tão forte quanto pôde. Ela não o escutou e correu para casa, esquecendo o pobre sapo, que se viu obrigado a voltar à lagoa outra vez.

No dia seguinte, quando ela sentou à mesa com o rei e toda a corte, estava comendo em seu pratinho de ouro e algo veio arrastando-se, splash, splish splash pela escada de mármore. Quando chegou ao alto, chamou à porta e gritou:

- Princesa, jovem princesa, abre a porta.

Ela correu para ver quem estava lá fora. Quando abriu a porta, o sapo sentou-se diante dela e a princesa bateu a porta. Com pressa, tornou a sentar, mas estava muito assustada. O rei se deu conta de que seu coração batia violentamente e disse:

- Minha filha, por que estás assustada? Há um gigante aí fora que te quer levar?

- Ah não, respondeu ela - não é um gigante, senão um sapo.

- O que quer o sapo de ti?

- Ah querido pai, estava jogando no bosque, junto à lagoa, quando minha bola de ouro caiu na água. Como gritei muito, o sapo a devolveu, e porque insistiu muito, prometi-lhe que seria meu companheiro, porém nunca pensei que seria capaz de sair da água.

Entretanto o sapo chamou à porta outra vez e gritou:

- Princesa, jovem princesa, abre a porta. Não lembras que me disseste na lagoa?

Então o rei disse:

- Aquilo que prometeste, deves cumprir. Deixa-o entrar.

Ela abriu a porta, o sapo saltou e a seguiu até sua cadeira. Sentou-se e gritou: - Sobe-me contigo.

Ela o ignorou até que o rei lhe ordenou. Uma vez que o sapo estava na cadeira, quis sentar na mesa. Quando subiu, disse:

- Aproxima teu pratinho de ouro porque devemos comer juntos.

Ela o vez, porém se via que não de boa vontade. O sapo aproveitou para comer, porém ela enjoava a cada bocado. Em seguida disse o sapo:

- Comi e estou satisfeito, mas estou cansado. Leva-me ao quarto, prepara tua caminha de seda e nós dois vamos dormir.

A princesa começou a chorar porque não gostava da ideia de que o sapo ia dormir na sua preciosa e limpa caminha. Porém o rei se aborreceu e disse:

- Não devias desprezar àquele que te ajudou quando tinhas problemas.
Assim, ela pegou o sapo com dois dedos, e a levou para cima e a deixou num canto. Porém, quando estava na cama o sapo se arrastou até ela e disse:

- Estou cansado, eu também quero dormir, sobe-me senão conto a teu pai.

A princesa ficou então muito aborrecida. Pegou o sapo e o jogou contra a parede.

- Cale-se, bicho odioso; disse ela.

Porém, quando caiu ao chão não era um sapo, e sim um príncipe com preciosos olhos. Por desejo de seu pai ele era seu companheiro e marido. Ele contou como havia sido encantado por uma bruxa malvada e que ninguém poderia livrá-lo do feitiço exceto ela. Também disse que no dia seguinte iriam todos juntos ao seu reino.

Se foram dormir e na manhã seguinte, quando o sol os despertou, chegou uma carruagem puxada por 8 cavalos brancos com plumas de avestruz na cabeça. Estavam enfeitados com correntes de ouro. Atrás estava o jovem escudeiro do rei, Enrique. Enrique havia sido tão desgraçado quando seu senhor foi convertido em sapo que colocou três faixas de ferro rodeando seu coração, para se acaso estalasse de pesar e tristeza.

A carruagem ia levar ao jovem rei a seu reino. Enrique os ajudou a entrar e subiu atrás de novo, cheio de alegria pela libertação, e quando já chegavam a fazer uma parte do caminho, o filho do rei escutou um ruído atrás de si como se algo tivesse quebrado. Assim, deu a volta e gritou:

- Enrique, o carro está se rompendo.

- Não amo, não é o carro. É uma faixa de meu coração, a coloquei por causa da minha grande dor quando eras sapo e prisioneiro do feitiço.

Duas vezes mais, enquanto estavam no caminho, algo fez ruído e cada vez o filho do rei pensou que o carro estava rompendo, porém eram apenas as faixas que estavam se desprendendo do coração de Enrique porque seu senhor estava livre e era feliz.

Fonte:
Contos de Grimm

Jangada de Versos do Ceará (4)

BATISTA DE LIMA
Lavras da Mangabeira (1949)

SEGUNDA-FEIRA

A segunda-feira amanheceu
de cara feia
batendo as portas
e acordando a todos
nervosamente

Encheu os coletivos
de descontentes
entupiu as ruas de carros
e andantes apressados

A segunda-feira
estava naqueles dias

 CONSTATAÇÃO II

Na primeira viagem que fiz
estranhei não poder levara o açude
e os potes

Na segunda viagem tentei
levar o alpendre

Na terceira não tentei
mais nada
apenas acenei para o engenho

Nas outras fui esquecendo despedidas
pois finalmente descobri
que todos iam comigo
onde quer
que eu pudesse ir
==========================

ANTONIO GIRÃO BARROSO
Araripe (1914 – 1990) Fortaleza

AS TRÊS PESSOAS

Eram três pessoas distintas mas uma só, na verdade:
eu, o Floro e o Assis.
Três corpos numa lama só.
(O povo dizia que nós éramos
três amizades perfeitas
e meninos de futuro, sim senhor.)
Depois veio o tempo mau
o tempo que tudo leva
e levou o Floro pro céu.
O Assis ficou na terra.
Eu não sei onde fiquei.

SONETO À LUA
                               A Arthur Eduardo Benevides

Lua Branca, como é terrível tua face      
No céu escancarada, a se mostrar aos homens
Ó astro fluorescente, a espiar as mazelas
Surgidas cá em baixo, ao toque das espumas.

Mulher, ó dulçorosa, o mar te espelha tímida
Mente, corça da noite, ó tu, lua fremente
Que navegas ao léu, sem bússola nem norte
Lua branca, vergel, perdida nas alturas.

Continente de gelo, o sangue tu derramas
De virgens sem fanal, ao jeito das marés
Que sacodem o meu barco, a dois passos da terra

Não te deténs, ó lua, e indiferente estás
A brisa que se espalha, terna como carícia
ou aos ventos tão febris, que acordam as madrugadas.
================================

ARY ALBUQUERQUE
Fortaleza (1934)
-
ECO

Meu eco extravasou-se em desatino,
perdeu sem saber o seu destino,
sumiu no mar em desaprumo
e sem querer, coitado,
perdeu seu rumo.

Melhor ficasse aqui olhando o sol que brilha,
pastorando no céu o cintilar de estrelas,
ou me envolvesse inteiro com a noite fria,
respirando o ar seco que o espaço trilha.

LAMENTAÇÕES


Não choro a chuva.
Não choro o vento.
Choro o meu lamento
por alguma coisa que me fez triste
e triste vivo ao relento.
===================================

CÂNDIDO ROLIM
(José George Cândido Rolim)
Várzea Alegre

MÍNIMA ADJACÊNCIA

dê vez ao próximo da fila ou
facilite o troco

exame mais demorado
— luz direta
na cara —
contraria a reputação
a custo construída

riso aceno sotaque
tudo falsa
aproximação

se não corresponde
tegumento e
tez

CABEÇA A ÓLEO

atado a graúdos
adestramentos líricos
jamais neguei ao murro
sua drástica
preponderância

nunca pronto para
uma vontade nado
a grandes braçadas
contra o que se tem
seguro e certo

conto sempre na
iminência
imprestável à
atribuição

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/ceara/ceara.html

Simões Lopes Neto (O Meu Rosilho "Piolho")

Não gosto nem admito fanfarrices perto de mim.

Frequentemente encontro sujeitos maturrangos contando façanhas e fazendo gatimoribas de campeiros e a todo instante falando - no meu cavalo, porque o meu cavalo e o meu cavalo, e vai-se a ver e trata-se de um sotreta qualquer, assoleado ou manco.

Cavalo, o que se diz - cavalo -, de chapéu na mão, foi o meu rosilho "Piolho"!

Isso, sim, era de se lavar com um bochecho d'água; de cômodo, era uma rede! de patas, um raio! de rédea, como uma balança! E manso como um cordeiro, de boa boca como um frade, faceiro como uma rosa, e armado, de barba ao peito, como um conde de baralho!

A não ser um azulego do capitão Manduquinha Pereira nunca encontrei outro pingaço para cotejo. Foi domado pelo Chico Piola e não preciso dizer mais nada.

Morreu de garrotilho, até hoje ainda me treme a raiz da alma quando lembro o garbo do meu rosilho...

Uma vez, andava eu, de escoteiro, para as bandas do Alegrete. Calor de rachar. Lá pelas tantas, desviei-me da cruzada sobre uma restinga, disposto a dar um alce ao rosilho e ao mesmo tempo tirar uma sesteada, até abrandar a quentura.

Apeei-me à sombra de um salsal; dei água ao flete e maneei-o, para um verdeiozito. Era ele cavalo mui mestre nestas cousas.

Em seguida estendi os arreios e aplastei-me sobre os pelegos, de carnal pra cima; puxei o chapéu para os olhos e encruzei os braços sobre a boca do estômago, tendo antes posto de jeito o facão e a pistola, por um - se acaso.

Nem as folhas buliam, nem um passarinho cantava, apenas um que outro trilirim de gafanhoto vermelho saltando nas macegas. Nem quero-quero fazia ronda.

Assim tirei uma cochilada morruda e iria a mais se.

Amigo! ouvi um tronar forte, de tremer o chão! Era um temporal de verão, desses que não dão tempo nem para se apagar o cigarro!

Foi o quanto saltei das caronas e trouxe o rosilho, enfrenei-o - num vá! - sentei-lhe as garras - num vu - e montei de pulo. A trovoada roncava ali, logo no outro lado da canhada.

Via-se cair a chuva, em manga, em linha, e via-se muito bem porque o sol dava de refilão pela esquerda. E todo aquele borbotâo d'água que desabava corria sobre mim, no pé-do-vento.

Levantei as rédeas, firmei-me nos estribos e trepei a coxilha e no que achei campo em frente, rumbeei para a estância do falecido João Silvério, que branqueava lá longe, obra de três quartos de légua, cortando à direita.

Nisto senti um - tchá! tchá! tchá! -atrás de mim; olhei, de relancina apenas, porque nem tempo para mais, tive; era o temporal, a bomba d'água que se despenhava, quase nos garrões do rosilho! Foi o quanto amaguei o corpo e toquei, de meia rédea.

Cupins e buracos de caranguejos, tacurus, macegas e carquejas, sangas, lagoas, barrais - o diabo! - não vi nada! Se rodasse, nem o sebo da coalheira se me aproveitava!

Mas o rosilho "Piolho" era firme e bonzão, sem mais nada!

Eu corria, é verdade, porém a manga d'água também corria. A polvadeira que eu levantava a chuvarada engolia logo.

Eu sentia-lhe a frescura, percebia que ela estava-me na garupa, na anca dó rosilho, nos garrões dele! Um que outro pingo de chuva mais ponteiro batia-me às vezes na aba do chapéu.

Era um duelo esquisito. Um duelo, em que um valente fugia para ficar vencedor!

Vencer, aqui, era chegar enxuto.

E assim viemos, eu e a tormenta, na mesma disparada: a que te pego! a que te largo! a que te pego! a que te largo! - Já perto das casas, vi a gente do João Silvério, e ele mesmo, todos de mão em pala sobre os olhos, gozando aquela gauchada.

Isso foi rápido, pois logo todos entraram, a fechar portas e janelas, quando viram que eu vinha feito sobre o galpão.

Quando ia mesmo a entrar, saiu-me a cachorrada, furiosa, enovelando-se, em latidos e investidas: suspendi a rédea com pena de matar algum debaixo das patas.

Olhem que isto foi como um pensamento; mas foi o tempinho bastante para o demônio da chuva molhar a anca do cavalo!

Fiquei furioso! Se não tenho a pieguice de poupar um daqueles ladrões daqueles cachorros, a chuva não me tocava, nem na cola do rosilho: chegaria enxuto!

Assim é que entendo cavalo bom.

O João Silvério ficou doudo pelo "Piolho"; dava-me cem onças de outro, um apero completo, de prataria lavrada, por fim, de quebra, por cima de tudo, ainda me tenteou com um rodeio tambeiro.

Um horror de propostas. Mas eu não quis. Durante muitos anos aí esteve ele vivo e são, que podia contar este caso, tal qual eu. Hoje não sei que fim levou essa gente, e mesmo se eu quisesse ir agora a essa estância, talvez não atinasse mais com o caminho, por causa da divisão dos campos, estradas novas, cercas e corredores que despistam muito um vaqueano. Mas que o caso passou-se, isso, passou-se!! mal apenas a chuva tocou a anca do baio e isso mesmo por causa dos cachorros do João Silvério!
======================
continua… mais casos

Fonte:
Wikipedia

Humberto de Campos (A Epilética)

- Estás, então, separado de tua esposa?

- É verdade; internei-a em uma casa de saúde.

E como se tratasse de uma palestra afetuosa, entre amigos que lia muito se não viam, o mais moço dos dois, o Sr. Nataniel de Miranda, caixeiro viajante de uma conceituada casa da praça, justificou a sua conduta:

- A situação em que dia me colocou era intolerável. Eu seria um perverso, um miserável, um desumano, se conservasse na minha companhia uma senhora sabidamente enferma, perseguida por moléstia tão delicada.

- Era, então, doente?

- Doentíssima! - confirmou o esposo inconsolável.

E como se visse nos olhos do amigo uma interrogação luminosa, um desejo de conhecer, fase por fase, os detalhes daquela tragédia de coração, tomou-o pelo braço e, fazendo-o sentar-se em uma das mesas do botequim, principiou, calmo, a descrever-lhe o caso, deixando esfriar, entre voltas de fumaça, as duas xícaras de café.

- Há muito tempo eu andava desconfiado da moléstia da Luisinha. Afastado sempre de casa por exigência mesmo do meu gênero de vida, ora em excursão pelo interior de Minas, ora por S. Paulo, era com estranheza, com mágoa íntima, que eu observava, de mês para mês, a mudança nos modos de minha mulher. A transformação do seu caráter, das suas maneiras, do modo, enfim, por que definhava, a olhos vistos, fazia-me triste, aflito, preocupado, na suspeita de que alguma coisa de grave, de anormal, se estava passando na sua saúde. Em uma dessas viagens, com a alma carregada de preocupações, confessei a um parente meu, fazendeiro em Uberaba, a desconfiança, que eu tinha, de que ela sofria de ataques, na minha ausência. Ele escutou-me, pensou um momento, e, chamando-me para o interior da casa, perguntou-me porque eu não tirava a limpo essa dúvida, empregando, no caso, a experiência da tigela de leite.

- Da tigela de leite? - interrompeu o amigo.

- Da tigela de leite, sim.

E continuando:

- Esse fazendeiro explicou-me, então como era a prova. Pega-se uma tigela de leite, e põe-se debaixo da cama, em um lugar que corresponda ao meio do colchão. Em seguida, toma-se de uma colher, ou de uma vara de uns dois palmos, e amarra-se no estrado de arame, de ponta para baixo, exatamente sobre a tigela, de modo que, com o peso natural de uma pessoa, não chegue até o leite, mas de maneira que, com um movimento mais forte, como nos ataques de epilepsia, a colher, ou coisa semelhante, molhe a ponta no liquido da tigela, registrando o fenômeno.

- E fizeste a experiência?

- Espera aí. Chegado ao Rio, procurei um momento em que a Luisinha se achava ausente, e fiz o que me haviam aconselhado. com a diferença, apenas, da colher, que, por ser a cama um pouco alta, foi substituída na ocasião, por um batedor de doce, que encontrei na dispensa da casa. Feito isso, declarei que ia a São Paulo, e parti. Dois dias depois, voltei.

- E então? - indagou o amigo, ansioso, com a curiosidade nos olhos.

- O batedor tinha batido tanto, tanto, que a tigela...

- Que é que tem? - interrompeu o outro.

E o desgraçado, enxugando os olhos:

- Estava cheia... de manteiga!…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze.

Nilto Maciel (O Descanso do Criador)

E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.
Gênesis

O mágico chegou a Palma falando pouco e dizendo-se dinamarquês. Para facilitar a comunicação com os palmenses, escreveu numa folha de papel, em grandes letras, duas palavras: Egill Raunkiaer. E, rindo, apontou um dedo para o próprio peito.

As primeiras mágicas aconteceram imediatamente após a sua chegada. E só então o povo soube estar diante de um mágico. Egill se cercou de mais gente. A praça parecia em dia de festa religiosa.

Mais tarde e no dia seguinte disseram estar a cidade repleta de coelhos e coberta de pombas. Uma sujeira nunca vista. Tudo saído da cartola e do lenço do mágico. Algumas senhoras piedosas até não estariam contra o estranho, se os pobres do Potiú, do Beco do Labirinto, das Lajes matassem e comessem os coelhos e os pombos.

Indignado, o prefeito ordenou a captura dos bichos e multou o mágico em um cruzeiro por cada animal por ele criado. Revoltado, Egill enviou uma revoada de pombas em direção à casa do edil, cobrindo-a de excremento. E pagou com prisão pelo ato de desrespeito e desacato à autoridade-mor de Palma.

Para espanto de todos, o mágico fugiu da cela, sem quebrar o cadeado, sem abrir o portão, sem esburacar chão, paredes ou teto. E voltou à mesma praça. O primeiro coelho saltou da cartola, andou ao redor do seu criador e desapareceu aos olhos dos poucos espectadores. Uma caixa de fósforos se transformou num relógio, uma caneta sumiu, outra pomba saiu do lenço, e logo a multidão se extasiava diante do dinamarquês. No entanto, queriam coelhos e pombas. Egill sorria, alisava a cartola e amassava o lenço. “Um coelhinho branco para o meu filho, seu mágico.” Uma pombinha surgia trêmula nas mãos do estrangeiro. Batia as asinhas, voava, voava, e sumia no céu. Um coelhinho saltava da cartola, olhinhos vermelhos de espanto, focinho inquieto, e as primeiras mãos do povo o agarravam sangrentas.

Ora, o mágico precisava banhar-se, alimentar-se, descansar. E, mais tarde estaria de novo na praça. Não, a multidão não aceitava intervalos no espetáculo. Mágico não podia descansar, não sentia fome, não se sujava. Ou criava mais coelhos e pombas, ou se preparasse para o pior. Alguém mais sensato sugeriu deixarem a decisão nas mãos do vigário, do prefeito e do delegado. O estranho podia voltar ao hotel. O povo ia ouvir as autoridades.

Chamado à presença do prefeito, Egill tentou ser claro: para criar tantos coelhos e pombas necessitava de alguns cruzeiros. Nesse caso, criasse também outros bichos. Sim, por que não criar bichos de estimação? Melhor, animais exóticos, selvagens. Leões, elefantes, girafas. Sim, um zoológico. Ora, o Jardim Zoológico de Palma. A grande realização de sua gestão na prefeitura. Eleição garantida para deputado.

Inteirado do projeto zoogênico, o padre concordou com o prefeito. A cidade precisava mesmo desenvolver-se, crescer. Pensou noutra direção e se fez atônito. Ora, um homem não podia criar animais. O administrador quis se irritar, por que um homem não podia criar animais? E os criadores de gado? Por acaso a Igreja então se opunha aos fazendeiros? O vigário também se exaltou. Qualquer pessoa tinha o direito de criar bois, bodes, porcos, galinhas. Porém, toda criação era obra de Deus. O boi nascia da vaca, o bode nascia da cabra, o porco nascia da porca, a galinha nascia de outra galinha. O prefeito não concordou com a lição do padre. Da vaca nascia bezerro e não boi, e da galinha saía ovo, e deste nascia pinto.

Ameaçado de excomunhão, o edil custou a entender a descrença do pároco. Porém, acreditava nas mágicas do estrangeiro. E correu em busca de apoio do delegado ao seu projeto. O zoológico serviria de diversão para o povo. Palma ficaria famosa em todo o Ceará. E ele, prefeito, se elegeria deputado ou mesmo governador. O tenente passaria a capitão. Não, a major. Quem sabe, a coronel. Envaidecido, o delegado aplaudiu de pé o discurso-plano do chefe.

Convocado mais uma vez à prefeitura, o mágico deixou o povo na praça a ver nuvens. E os cruzeiros, bem, o Cruzeiro não podia ser destruído. Talvez um bom local para o zoológico fosse o campo de futebol. Ou a Praça da Matriz. Não, o vigário não aceitaria ver os bichos diante da igreja. Melhor sacrificar o jogo.

A notícia se espalhou pela cidade feito água. E todos gritaram de felicidade. O prefeito merecia todos os mais pomposos adjetivos. Porém, um homem se levantou contra o projeto do jardim zoológico. Redigia e editava havia mais de cem anos um jornaleco. Sempre em oposição ao prefeito, ao delegado, ao deputado, ao governador, ao presidente. Para que gastar milhares de cruzeiros num jardim zoológico, se na cidade faltavam jardins de infância? Chamaram-no de louco, inimigo da criação de coelhos e pombas, anticristo.

O prefeito convocou e contratou todos os homens do município para a construção do jardim. E se iniciou o grande projeto.

No hotel, já reformado e melhorado por exigência do mágico, se refestelava o estrangeiro. E passeava de jipe pela cidade, corria os sítios a cavalo, olhos e mãos nas mocinhas, esquecido de coelhos e pombas. Tratado como lorde, marquês ou rei.

No antigo campo de futebol os muros iam altos, as jaulas se fortaleciam para receber as feras, buracos se escavavam no chão, pequenos lagos se formavam.

Entusiasmado, o prefeito anunciou o dia da inauguração da obra. E convocou de novo Egill Raunkiaer: os animais seriam criados num só dia, no dia da inauguração do zoológico. E por que não em sete dias? Porque ali estavam os seus cruzeiros. E apontou para uma mala a um canto.

Tudo em vão: no dia da criação dos bichos que povoariam o jardim, o mágico desapareceu da cidade.

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Paulo Véras

Paulo Roberto da Trindade Véras (Parnaíba, Piauí, 1953 – Fortaleza, 1983), poeta, contista, novelista e romancista, cedo se mudou para Fortaleza, onde se formou em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Exerceu o magistério. Membro do Grupo Siriará. Publicou o livro de contos Cabeça de Cuia (São Paulo: Ed. Moderna, 1979). Em parceria com Leila Mícolis, editou o livro de poesia Maus Antecedentes, em 1981. Também de poesia lançou O Centro da Pedra. Escreveu um livro de literatura-infantil e poemas. Publicou também a novela Ita. Participou da revista Escrita, nº. 6, de São Paulo, com o poema “Tranlucidez”, e de O Saco Cultural, nº. 5, do Ceará, com o conto “O circo do vidro ou a Imitação da Fantasia”. Em Queda de Braço: uma antologia do conto marginal saíram os contos “O aniversário” e “Os corações devem ser postos na lata de lixo”.

Na opinião de Ligia Morrone Averbuck, “os vagos limites entre o real e o fantástico, a razão e a loucura, a verdade e o faz-de-conta emergem das páginas de O Cabeça-de-Cuia” (...)

Seus contos são quase todos tecidos a partir do fio da memória, razão por que os personagens situam-se entre a infância e a adolescência.

Como está nos manuais, o conto é uma peça literária curta, de poucos personagens, de um só núcleo fático. É o caso dos contos de O Cabeça-de-Cuia. Todos curtos, quase sintéticos, quase à maneira de Dalton Trevisan. Períodos incisivos, sem rodeios, sem malabarismos de linguagem. Espécie de roteiro para elaboração de narrativas mais extensas. Ao lado disso, um linguajar bem nordestino, tal como em Graciliano Ramos ou Juarez Barroso, sem o folclorismo da literatura regionalista, apesar dos “num” em vez de “não”, dos “tá” em vez de “está”. O povo rude fala assim. Mas também não diz, por exemplo: “duas bilas de vidro”. Diz: “duas bila de vrido”. Isto, que Graciliano não fazia, não pode desmerecer a literatura de Paulo Véras. Não chega a ser um grande pecado.

Os vinte e seis contos de O Cabeça-de-Cuia carregam esta mesma maneira de escrever, apesar de não haver homogeneidade temática. Uns são mais voltados para o interior das personagens, outros para o binômio homem-ambiente. E são estes últimos, quase todos circunscritos ao espaço rural, os que apresentam melhor feição. Gravitam em torno de personagens situados entre a infância e a adolescência. Neles o contista melhor se revela. Certamente Paulo é dono de prodigiosa memória, pois, movimentando personagens antigos e complexos, como as crianças no mundo rural, pinta quadros tão coloridos que é de se imaginar ter ele escrito os contos quando ainda criança. Não menos coloridas e vivas são as personagens.

Porém, um senão deve ser registrado – o conto “O Equívoco”, de tão comum, tão falto de criatividade, deveria ter sido excluído do livro. Apesar disso, Paulo Véras se situa ao lado dos bons narradores das pequeninas criaturas do interior nordestino.

Não fosse o conto “O Equívoco” (título excelente para um trocadilho), O Cabeça-de-Cuia poderia ser incluído no rol dos bons livros de contos surgidos no período histórico aqui estudado. E é justamente o único em que o contista tenta mostrar-se engajado. É o caso de se dizer: quem nasceu para Cornélio Pena nunca chega a Lima Barreto.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 19 – 12 de junho de 1887

Parece que há divergências
Entre câmara e senado;
Comparam-se as influências,
Fala-se em patriciado.

Soube disso ultimamente
Pelas folhas... Pelas folhas
Sabe tudo toda a gente,
Votos, lãs, óbitos, rolhas.

E, antes de ir ao parlamento,
Direi que soube por elas
Negócio de algum momento,
De varões e moças belas.

Li que uma sociedade,
Sociedade Protetora
Dos Animais da cidade
(Ó minha Nossa Senhora!)

Ia dissolver-se, e dava
A razão do ato; era, em suma,
Que nenhum esteio achava
Nas leis nem em parte alguma.

Ora, eu que me ri, há meses,
De vê-la, toda capricho,
Falar de si muitas vezes
E mui rara vez de um bicho,

Injusto fui. Ora o vejo,
E confesso os meus remorsos.
Não fiz justiça ao desejo
Dela nem aos seus esforços,

Nem também principalmente
À sua audácia provada
De falar do bruto à gente,
Sem ser para bordoada.

Cuidar de cães... Ter piedade
De um triste e magro orelhudo,
Que arrasta pela cidade
Carroça, este mundo e tudo;

Isto a sério, isto sem medo
Do riso de outras pessoas;
Fazer disto ofício ledo,
Pôr isto entre as ações boas;

Quando é certo que cachorro,
Nem burro, cavalo ou gato,
Não sabem de tal socorro,
Nem dão charanga ou retrato;

Trabalhar sem recompensa
Imediata e tangível,
Não é de gente que pensa,
É maluquice visível.

Entretanto, a sociedade,
Depois de pensar uns dias,
Fica, e não se persuade
Que entra em baldadas porfias.

Baldadas e generosas...
Fique-lhe este prêmio, ao menos:
Espalha as mãos dadivosas
Aos pequenos mais pequenos.

Mas, voltando à vaca fria:
Li que a câmara conhece
No senado a primazia,
E se dói, e se aborrece.

Não tédio em dar, a ponto
De brigar abertamente;
Faz com tristeza o confronto
Sem magoar a outra gente.

Quando muito, ouve calada,
Alguma palavra nua,
E confessa encalistrada
Que ou cede ou vai para a rua.

Busca-se agora um remédio,
Alguma cousa que faça
Cessar esse amargo tédio...
Aqui lh'o trago de graça.

Deu-m'o um espírito agudo,
Que também é deputado,
Varão conspícuo e sisudo,
Não sei se desanimado.

Droga fácil e sumária,
Que não traz dor, mas delícia;
É fazer da temporária
Uma cousa vitalícia.

Então, sim; iguais as damas,
Serão iguais os vestidos,
Iguais as perpétuas chamas
Nos peitos endurecidos.

Não respondi à pessoa
Que isto me dizia, nada;
Se a idéia é ruim ou boa,
Aí a deixo estampada.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Aluízio Azevedo (Vida Literária) Gasparoni

Ora, até que afinal apareceu um livro de literatura amena. E' o primeiro que surge depois que O Combate existe.
 
CONTOS DE UM DILETTANTI
por Alexandre Gasparoni

Seja benvindo!

O autor é um bom rapaz, simpático e honesto; inteligente e trabalhador, que, em vez de dar as suas horas de descanso à pândega ou à preguiça, entendeu de aproveitá-las escrevendo contos para diversas folhas; e agora, depois de reuni-las em volume, oferece-os ao público.

Como declara logo no prólogo, o Sr. Gasparoni não tem pretensões artísticas e não tem filiação literária. Faz contos, como o Sr. Taunay faz música e como o espirituoso escritor França Júnior fazia pintura, por gosto, para matar o tempo e divertir os amigos.

Nada mais natural e mais de direito. Eu, porém, é que não vou com semelhante sistema. A arte é cousa muito séria e respeitável para ser cultivada assim, nas horas vagas, descansando de outros trabalhos.

A vida inteira de um artista é muito pouco ainda para a sua obra. Na arte, seja literatura, música, pintura ou estatuária, não há meios termos - ou é arte ou não é arte!

Se é arte pertence ao público, pertence à nação, pertence ao mundo, se não é arte pertence ao dono ou dona da prenda, e não deve sair de casa do autor; deve ficar na sala de visitas, sobre os consolos, entre os bibelots e os bordados da família.

Se é arte, pertence à crítica que a julgará, sem nunca tirar nem pôr do seu merecimento. Forte, ela atravessará os séculos, marcando eternamente na história a época em que veio ao mundo; fraca, morrerá logo ao nascer, desconhecida de todos e esquecida até pelo próprio autor.

A arte é honesta e só se entrega a quem a ama mediante rigoroso casamento. Não quer amantes passageiros. É egoísta e cruel: não admite que o seu idólatra volva uni só momento os olhos para outro ideal; quer que ele se dê todo inteiro, todo de corpo, todo de alma; quer beber-lhe a existência, gota a gota, instante a instante, até deixá-lo totalmente vazio, seco, inutilizado para todas as outras aspirações da vida.

O artista não vive: o artista trabalha. O artista não descansa: o artista pensa. Deitado, passeando, comendo, enquanto as mãos deixaram o pincel, ou o escopro ou a pena, o pensamento continua a executar a obra interrompida.

Dormindo, ele trabalha ainda. Não é raro vê-lo levantar-se ao meio da noite, no meio do sono, e, esquecido da mulher que tem ao lado na cama, ir, como um sonâmbulo, acender a vela e correr ao seu quadro, ou à sua estátua, ou ao seu poema, para modificar uma linha ou corrigir uma frase.

A obra concebida nestas condições, o filho legítimo dessa união indissolúvel do artista com n sua arte estremecida, não pede desculpas quando aparece, nem aparece ao público enquanto não se sente capaz de impor a sua passagem.

A arte nunca deve pedir; deve sempre surgir de pé, armada e pronta, altiva, superior, e seguir tranquilamente o seu destino, sem olhar para trás, nem para os lados, nem para o chão.

Como, por conseguinte, aceitar, no prólogo de um livro de contos, esta confissão do autor: "Sou apenas um dilettanti" o que quer dizer: "não sou um artista; não sou um escritor"?

Mas, valha-me Deus! se não é escritor, não escreva! Se não é pintor, não pinte! Se não é flautista, para que se mete a tocar flauta fora de casa, em concertos públicos?

Isto faz-me lembrar certos quadros que às vezes se expõem por aí com esta declaração por baixo: "O autor não aprendeu desenho!"

Como se fosse preciso semelhante declaração, quando o quadro aí está para não deixar dúvidas a esse respeito.

E, no entanto, a declaração mais necessária não a faz o autor, explicando por que diabo é que ele pinta e expõe quadros, tendo consciência de que não está habilitado para isso.

Mas o Sr. Gasparoni, apesar de pregar por debaixo do seu quadro um letreiro em que declara não passar de simples dilettanti despretensioso e sem preocupação de escolas literárias, diz-nos também que, para escrever, se inspirou "na encantadora simplicidade de linguagem destes três mestres da literatura francesa: Alfonse Daudet, Guy de Maupassant e Paul Bourget".

E' caso para dizer: Bem lembrado! Unicamente convém notar que a chamada simplicidade desses três escritores parisienses, que nada têm de comum com as nossas letras, é resultado de muita arte, de muito esforço e de longos anos de trabalho e de estudo.

Qualquer desses três artistas para alcançar essa bela simplicidade sedutora, de que fala o Sr. Gasparoni, deu em troca, durante uma vida de calceta, tudo o que de melhor possuíam: a sua força cerebral e a sua força física. Daudet está moribundo em conseqüência de esgotamento nervoso, e Maupassant está perdido e louco para sempre; de Bourget nada me consta por enquanto, mas não dou muito pela integridade dos seus músculos e dos seus nervos.

Tome cuidado o Sr. Gasparoni e mude de mestres enquanto é tempo! Além de que, não há necessidade de pedir esmolas à literatura francesa, tendo a quem recorrer na própria, e até aqui mesmo, em nossa querida pátria. Volva o Sr. Gasparoni as vistas para Machado de Assis, para Lúcio de Mendonça, para Raul Pompéia, para Artur Azevedo e para os nossos outros bons narradores de contos e me dirá se o engano!

E é isso principalmente o que não perdôo ao estimável autor dos Contos de um dilettanti, é a sua pretensão de ser discípulo daqueles três escritores franceses. Não perdôo, porque além de tudo, não é verdade. O seu livro, onde figuram mulatinhas parafinas, das que gostam de ser beliscadas na festa da Glória, e de primos Jojocas, nenhum parentesco tem com a doentia, preciosa e amorfinada literatura parisiense; o seu livro é um netinho franzino dos nossos velhos e engraçados escritores; descendo do Pena, do Mace do, do França Júnior, e um pouco também do diletantismo alegre e burguês de Ferreira de Araújo.

Que isso que fica dito não seja traduzido por má vontade contra o autor; que sirva antes para lhe chamar o apetite de trabalhar forte e rijo nas letras, porque no seu livro há revelações de bons qualidades, que, uma vez cultivadas a sério, podem desabrochar em trabalho de arte.

Será com o maior prazer que um belo dia, falando de Alexandre Gasparoni, em vez de "Bom rapaz", tenha eu que dizer "Bom escritor".

O comércio e a bolsa perderão um dos seus agentes mais esperançosos, mas as letras pátrias rejubilarão de gozo.

O Combate, 12 de março de 1892.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura
Imagem = Aluizio de Azevedo, por William Medeiros

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Arlindo Tadeu Hagen (Saudade... Eterna Saudade)


2º Concurso da UBT de San António/Texas (Resultado Final)

Tema: Honestidade
para Trovadores Brasil e Portugal

TROFÉU A. A. DE ASSIS

Vencedores:

 1º Lugar


Para viver sigo o rastro
dos que acreditam e entendem,
que a honestidade é o lastro
dos homens que não se vendem.
MESSIAS DA ROCHA

2º Lugar


Durante a candidatura,
honestidade é bandeira.
Eleito, nova postura:
mostra a face verdadeira.
EDWEINE LOUREIRO DA SILVA

3º Lugar


Sonho um mundo diferente
em que sempre a Humanidade
possa  vestir toda gente,
com traje de Honestidade! ....
IVONE TAGLIALEGNA PRADO

4º Lugar


Seria o viver bem doce
sem o amargo da maldade,
se toda ação do homem fosse
pautada na honestidade!...
LUCILIA TRINDADE DE CARLI

5º Lugar


Valorize a honestidade
e guarde a lição de cor:
quem fala sempre a verdade
constrói um mundo melhor.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO

Menção Honrosa

1º Lugar


HONESTIDADE é a conduta
de quem escolhe na vida
a liberdade, absoluta,
de andar de cabeça erguida.
 WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ

2º Lugar


Agir com honestidade,
sem pecha de hipocrisia
é princípio, na verdade,
de muita sabedoria.
JOSEL HIRENALDO

3º Lugar


Só quem respeita a verdade
pode mesmo compreender
que agir com honestidade
é ter paz para viver!
GLÓRIA TABET MARSON

4º Lugar


De olhos nos olhos, sem pressa,
cumprimenta os teus Irmãos,
que a honestidade começa
já nesse aperto de mãos!
CAROLINA RAMOS
 
5º Lugar


Quem fala sempre a verdade
cultiva em seu coração
um rosal de honestidade
que o conduz à perfeição.
MARINA VALENTE

Menção Especial

1º Lugar
 

Honestidade, na essência,
é compostura, altivez,
é ter verdade, decência,
ter probidade, honradez!
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY

2º Lugar
 
Ergo os olhos para o céu
e agradeço, de verdade,
pois eu tiro meu chapéu
em louvor à honestidade.
  DARI PEREIRA

3º Lugar


Se quer ter felicidade
e na vida se dar bem,
haja com honestidade
não prejudique ninguém.
 IGNEZ FREITAS FONSECA

4º Lugar


Que eu ponha, na honestidade,
a minha razão de ser,
fazendo da dignidade
o orgulho do meu viver!
DELCY CANALLES

5º Lugar


Hoje em dia, a honestidade
é difícil de encontrar
pois a tal impunidade
tem ensinado a roubar.
CECY BARBOSA CAMPOS

 Trovas Destaque


Não é somente a fartura
que faz rica a sociedade.
– É o alto grau de cultura,
sobretudo a honestidade.
A. A. DE ASSIS

A liberdade prospera
onde existe honestidade.
Muito mais que uma quimera,
ela é a expressão da verdade.
 AGOSTINHO RODRIGUES

Longe de todas as críticas,
feliz a sociedade,
se o Governo tem políticas
pautadas na honestidade.
DODORA GALINARI

 Unir laços de irmandade
entre todas as nações
se faz com honestidade
na mais grata das missões!
ABILIO KAC

De que vale ter riqueza,
no lodo da improbidade ?
O tesouro da pobreza
¡é a joia da honestidade !
ALBA HELENA CORRÊA

Se naquela ou nesta idade,
tanto fez ou tanto faz;
vale sempre a Honestidade
no tempo que a vida traz.
 JOSE CACILDO

 O homem, ainda..., sonha
com um "mundo de verdade",
onde não haja a vergonha
de se ter a honestidade!!!
ROBERTO TCHEPELENTYKY

Toda honestidade tem
o grande e forte poder
que faz o brio de alguém
bom crédito merecer.
RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK
 

Vendo em crise a honestidade,
lanço ao mundo o meu protesto,
ensinando à mocidade:
- Morra pobre,... mas honesto!!!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA

 Viver com honestidade
enobrece o cidadão...
Pois quem vive na verdade
tem amor no coração.
NEIVA FERNANDES

 A “ erosão “, em andamento,
compromete a humanidade:
- Honestidade é o “cimento “,
que dá liga à sociedade...
DARLY O.BARROS

 A honestidade devia
ser integrante do ser,
ela nos traz alegria
e faz feliz o viver!
GISLAINE CANALES

 Sendo a ganância o defeito
que seduz a humanidade
merece grande respeito
quem conserva a honestidade.
ARGEMIRA FERNANDES MARCONDES

 Dos atos de honestidade
brota uma íntegra pessoa
que expande com dignidade
os valores que apregoa.
MARIA CRISTINA CACOSSI CAPODEFERRO

 Quando ajustamos o passo
com o próximo, primeiro,
honestidade é o abraço
da paz com o travesseiro.
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA

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Comissão Julgadora para 2º Concurso Internacional de la UBT de San António  Texas-2013-
Tema: HONESTIDADE- para Trovadores Brasil e Portugal
Dorothy Jansson Moretti
José Lucas de Barros
Amilton Maciel Monteiro
Clênio Borges
Alice Brandão
Ari Santos de Campos
Thalma Tavares

Fonte:
Messias da Rocha