terça-feira, 21 de novembro de 2017

Adelino Fontoura (Poemas Escolhidos)


BORGHI MAMO

Ao doce timbre harmonioso e brando
Da tua voz, ó alma enamorada,
Sinto minha alma em sonhos embalada
E como que eu também fico sonhando!

Como agitava o vento, perpassando,
A harpa eólia no salgueiro alada,
Tal me agita essa voz apaixonada
Quando, ó ave de amor, surges cantando.

Ouvir-te é como ver nascer a aurora:
Tudo inunda de luz, tudo ilumina
A tua voz angélica e sonora.

Solta, pois, a volata peregrina!
Ama, geme, soluça, canta e chora,
Celeste Aída, Malibran divina!

ATRAÇÃO E REPULSÃO

Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui ter junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano

ANTES DE PARTIR

Venho ensopar de lágrimas o lenço
No tristíssimo adeus de despedida;
Em breve a Pátria vou deixar perdida
Além - na curva do horizonte imenso!

Em breve sobre o mar profundo e extenso
Adejará minh’alma dolorida,
Como a gaivota errante, foragida,
Sem ter um ninho onde pousar, suspenso!

Então, senhora, hei de pensar, tristonho,
Revendo a vossa angélica bondade,
Neste ninho de amor calmo e risonho;

E triste, sobre a triste imensidade,
Como quem despertou de um ledo sonho,
Hei de chorar o pranto da saudade.

VÁCUO

Não sei se pode haver padecimento
Mais profundo, mais íntimo e que tanto
Nos ponha na alma a dor que gera o pranto,
Do que um longo e tristonho isolamento.

Não ter um bem sequer no pensamento,
Nem o calor de um lar, nem o encanto
De um amor de mulher suave e santo,
É viver sem nenhum contentamento.

Bem sei que é bom sofrer, e me parece
Que esta vida sem dor nada seria,
E que é por isso até que se padece.

Mas esta solidão contínua e fria
Chega a ser tão cruel, que a não merece
Um coração que a dor mereceria.

SÚPLICA

Por mais que aspire ou queira, anele ou tente
Esquecer-me de ti - jamais me esqueço,
Ó bem amado ser por quem padeço,
Por quem tanto soluço inutilmente!

Bem que eu te peça, foges de repente,
E só me fica a dor que te não peço;
E eis tudo, ó céus! eis tudo o que eu mereço,
Em paga deste amor tão puro e crente.

Se te não move, pois, um desafeto
E se te apraz ao menos consolar
A desventura amarga deste afeto,

Ilumina com teu divino olhar
Esta alma que os teus pés, anjo dileto,
Vem, banhada de lágrimas, beijar.

GAZETINHA
 (No dia do seu primeiro aniversário)

Eu não venho trazer a voss’excelência
Um fantástico mimo high-lifeano;
Possuo um coração meridiano,
Mas não vivo nas pompas da Regência.

Porém, se eu fosse um príncipe indiano,
De sangue azul e antiga descendência,
Possuindo a Golconda, essa opulência,
E os tesouros do Índico Oceano,

Nessas pequenas mãos, tímido e mudo,
Minha senhora, eu deporia tudo...
Como os brilhantes de um colar, dispersos!

Mas... se sou pobre, o que tão mal me fica,
Consinta que, sem luvas de pelica,
Venha depor-lhe aos pés estes meus versos.

DESPEDIDA

Pois que é chegada finalmente a hora
Do triste afastamento e da provança,
Venho dizer-te adeus, gentil criança,
Venho dizer-te adeus, pois vou-me embora.

Morreu em mim a última esperança,
Bem como um sonho bom que se evapora;
Não sei que dor maior que resta agora
Sofrer, nem que maior desesperança.

Não sei, ó sorte mísera e nefasta,
Que assim me arrancas do seu lar querido,
Que assim me roubas sua imagem casta.

Bem vês que eu tenho o coração partido,
E teu peito, inda assim, não desengasta
Um soluço, uma lágrima, um gemido.

OHS! E AIS!

Essa mulher que tantos ohs! provoca,
Essa mulher que tantos ais! arranca,
Essa mulher quem é? Por que abre a boca
O Silvestre quando a vê? - É branca?

É morena? É francesa? É carioca?
As belezas helênicas desbanca?
O seu olhar os cérebros desloca?
O seu sorriso as lágrimas estanca?

Vamos, Raimundo, tu que viste há dias
A mágica visão, o ser terrestre,
Por quem já deste uns ais! e uns ohs! eu sinto,

Tira as garras da dúvida ao Matias,
Faze valsar o Lins, rir o Silvestre
E reler os Subsídios o Filinto.


terça-feira, 14 de novembro de 2017

Olivaldo Júnior (Poemas Escolhidos) III

Um pequeno barco

Pela praia mais bonita,
onde o mundo é só um arco
e minh'alma é infinita,
vem vindo um pequeno barco...

Vem vindo um pequeno barco
que parece a minha vida:
porto a porto, vira um marco
que só marca despedida...

Barco a vela, vela ao vento
que nos leva para longe,
onde o mundo é um moinho

e essa praia, o movimento
da memória cujo bonde
traz à tona algum barquinho...
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Cora, doce Coralina!...
20/08/2017: 128º Aniversário de Cora Coralina+

Cora, doce Coralina!...
Inda acolhe uma menina,
a "doceira de Goiás",
num fazer que a satisfaz!...

Da colher, tão pequenina,
doce Cora, a Coralina,
faz nascer quem vai e faz,
verso a verso, sua paz!

Velho tacho acobreado,
no calor do coração,
ferve a obra, seu legado,

nobre amor que vira pão,
o poema adocicado
que de Cora vem à mão!...
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No Café do Amor Platônico

No Café do Amor Platônico,
bebo só com a Solidão,
pois meu bem ficou irônico
ao pedir-lhe a sua mão...

Já tomei meu "Biotônico",
me afoguei no chá em vão,
pois o mal é supersônico,
sempre alcança o coração.

No Café de quem foi bobo,
vou tomando amor com pão,
sou cordeiro, nunca o lobo...

Um pedaço a mais de "não",
e eu me perco no meu globo,
meu "mundinho" de ilusão.
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Uma pérola de homem...
À memória de Luiz Melodia (7/1/1951 - 4/8/2017)

Negra pérola em fulgor
fez nascer a melodia
que vibrou neste cantor
toda a luz da poesia...

'Luís Carlos' fez amor
com as fadas que 'tecia',
magrelinhas de valor,
negras musas, dia a dia...

Juventude Transviada
cala a boca frente à cruz,
ante à pérola apagada

que mantém a sua luz
sob as vistas da moçada
lá do Estácio, de Jesus.
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Pelas mãos do Agricultor
28 de julho: Dia do Agricultor

Lá no ventre da Mãe Terra,
pelas mãos do Agricultor,
a semente vence a guerra,
'primavera' à luz em flor.

A verdura que ela encerra,
pelas mãos do Agricultor,
mais saúde a nós descerra,
dando à vida mais sabor.

Sem veneno, tão divino,
pelas mãos do Agricultor,
cada ramo vira um hino,

canto verde de um labor
que, gigante ou pequenino,
faz nascer um lavra-dor!
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O escritor já está em casa
25 de julho: Dia Nacional do Escritor

- Falem baixo, por favor,
que o silêncio perde a asa!...
Devagar com seu andor,
o escritor já está em casa.

Cada estrela é um amor
que São Jorge logo abrasa!...
Deixe em brasa sua flor,
o escritor já está em casa...

O escritor já está em casa,
no seu quarto, sem ninguém,
pois jamais o "tal" se casa!...

Sem "donzela", nem vintém,
de uma "pena" faz a casa
que aprisiona e lhe faz bem.
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Para o filho que hoje é pai
13 de agosto de 2017: Dia dos Pais

Para o filho que hoje é pai,
toda a paz de ser alguém
cuja força não se esvai,
nem que parta para o Além...

Nem que parta para o Além,
quem foi filho e já foi pai
nunca fica sem ninguém,
pois é filho de Deus Pai...

Num asilo, lá no "exílio",
para o pai que já foi filho
sempre é dia de pensar

que seu filho vai voltar
e, vagão com fé no trilho,
ter o pai por estribilho.

Fonte: O Autor

domingo, 12 de novembro de 2017

Contos do Mundo: Brasil (A Festa no Céu)

Entre os bichos da floresta, espalhou-se a notícia de que haveria uma festa no Céu. Porém, só foram convidados os animais que voam. As aves ficaram animadíssimas com a notícia, começaram a falar da festa por todos os cantos da floresta. Aproveitavam para provocar inveja nos outros animais, que não podiam voar.

Um sapo muito malandro, que vivia no brejo, lá no meio da floresta, ficou com muita vontade de participar do evento. Resolveu que iria de qualquer jeito, e saiu espalhando para todos, que também fora convidado.

Os animais que ouviam o sapo contar vantagem, que também havia sido convidado para a festa no céu, riam dele.

Imaginem o sapo, pesadão, não aguentava nem correr, que diria voar até a tal festa! Durante muitos dias, o pobre sapinho, virou motivo de gozação de toda a floresta.

- Tira essa idéia da cabeça, amigo sapo. - “ dizia o esquilo, descendo da árvore.- Bichos como nós, que não voam, não têm chances de aparecer na Festa no Céu.

- Eu vou sim.- dizia o sapo muito esperançoso. - Ainda não sei como, mas irei. Não é justo fazerem uma festa dessas e excluírem a maioria dos animais.

Depois de muito pensar, o sapo formulou um plano. Horas antes da festa, procurou o urubu. Conversaram muito, e se divertiram com as piadas que o sapo contava. Já quase de noite, o sapo se despediu do amigo:

- Bom, meu caro urubu, vou indo para o meu descanso, afinal, mais tarde preciso estar bem disposto e animado para curtir a festa.

– Você vai mesmo, amigo sapo? - perguntou o urubu, meio desconfiado.

– Claro, não perderia essa festa por nada. - disse o sapo já em retirada.- Até amanhã!

Porém, em vez de sair, o sapo deu uma volta, pulou a janela da casa do urubu e vendo a viola dele em cima da cama, resolveu esconder-se dentro dela.

Chegada a hora da festa,o urubu pegou a sua viola, amarrou-a em seu pescoço e voou em direção ao céu. Ao chegar ao céu, o urubu deixou sua viola num canto e foi procurar as outras aves. O sapo aproveitou para espiar e, vendo que estava sozinho, deu um pulo e saltou da viola, todo contente.

As aves ficaram muito surpresas ao verem o sapo dançando e pulando no céu. Todos queriam saber como ele havia chegado lá, mas o sapo esquivando-se mudava de conversa e ia se divertir. Estava quase amanhecendo, quando o sapo resolveu que era hora de se preparar para a "carona" com o urubu. Saiu sem que ninguém percebesse, e entrou na viola do urubu, que estava encostada num cantinho do salão.

O sol já estava surgindo, quando a festa acabou e os convidados foram voando, cada um para o seu destino. O urubu pegou a sua viola e voou em direção à  floresta. Voava tranquilo, quando no meio do caminho sentiu algo se mexer dentro da viola. Espiou dentro do instrumento e avistou o sapo dormindo , todo encolhido, parecia uma bola.

- Ah! Que sapo folgado! Foi assim que você foi à festa no Céu? Sem pedir, sem avisar e ainda me fez de bobo!

E lá do alto, ele virou sua viola até que o sapo despencou direto para o chão. A queda foi impressionante. O sapo caiu em cima das pedras do leito de um rio, e mais impressionante ainda foi que ele não morreu. Nossa Senhora, viu o que aconteceu e salvou o bichinho. Mas nas suas costas ficou a marca da queda; uma porção de remendos. É por isso que os sapos possuem uns desenhos estranhos nas costas, é uma homenagem de Deus a este sapinho atrevido, mas de bom coração.

Fonte:
Christiane Angelotti, adaptação do conto de Luís da Câmara Cascudo. Disponível em Contos de Encantar 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Academia Paranaense de Poesia (Programação Nov/Dez)

2017 – 15 anos de Oficina Permanente de Poesia – 15 anos de Academia Paranaense da Poesia
  
BOLETIM de Novembro e Dezembro de 2017
 
OFICINA PERMANENTE DE POESIA                                                                                             

Quintas-feirasde 18h a 19h45.

Projeto da Academia Paranaense da Poesia em parceria com a Biblioteca Pública do Paraná – VOLUNTARIADO DA POESIA – desde 15/08/2002 (de março a junho e de agosto a novembro) – na BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ, Rua Cândido Lopes,133 - 3º andar –
de 18 a 19h: aula sobre Poesia;
de 19 a 19:45h: declamação de poemas pelos participantes.  
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16/11

UBTA Trova no Paraná
– poetisa Andréa Motta (presid. UBT/Curitiba);
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23/11

Poetas angolanos de língua portuguesa
– poeta Paulo Roberto Karam;
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30/11

Tribuna Livre
(até 19h15; em seguida, Confraternização, no Restaurante San Domingos).
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TARDE DE SERESTA (92ª)

11/11de 17h30 a 21h

– no RESTAURANTE SAN DOMINGOS – Rua Voluntários da Pátria, 368, 1º andar (antiga Confeitaria Iguaçu) – Fone – 3222-5925 – Café Colonial.
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21/11às 15h

AGO ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
– no auditório do CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ – Rua Prof. Fernando Moreira, 370, Centro. (Antecedendo a 231ª Tarde de Música e Poesia)
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21/11às 17h

TARDE DE MÚSICA E POESIA (231ª)
– no auditório do CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ – Rua Prof. Fernando Moreira, 370, Centro.  Incluindo homenagem ao centenário de nascimento de Evangelina Strutt (cadeira musical número 1). Quadro “Cinco minutos com Vanju”, apresentado por Orly Bach.
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25/11de 11h30 a 15h

ALMOÇANDO COM MÚSICA E POESIA (98º)
– no RESTAURANTE PRATO FINO – Rua José Loureiro, 385, Centro – (entre Ruas Monsenhor Celso e Barão do Rio Branco) – Fone 3026-1526 – Buffet por quilo. 
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05/12às 17h

- RECITAL NATALINO (13º)
no auditório do CENTRO DE LETRAS DO PARANÁ – Rua Prof. Fernando Moreira, 370, Centro.

Obs.: Após o Recital Natalino, faremos um recesso; as atividades serão retomadas a partir de março de 2018.
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GALERIA DA SAUDADE
– Aniversariantes de novembro:
01 – Nelson Saldanha de Oliveira;
05 – Heitor Stockler;
09 – Diva Ferreira;
18 –  Raul Faria Gomes;
21 – Luiz Carlos G. de Matos;
22 – Aldo Silva Junior;
24 – Nair Cravo Westphalen;
26 – Dario Vellozo.

Aniversariantes de dezembro:
01 – Leocádio Cysneros Correa;
03 – Reinaldo Steudel;
04 – Manuel Lacerda Pinto;
14 – Leonardo Henke;
31 – Jorge Omar Cardozo Pagano.

 “Sua presença e alegria são a festa da Poesia!”  (Roza de Oliveira)

Lilia Souza  

Presidente

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Rita Mourão (Ramalhete de Trovas)


1
Ante à miséria e o afeto
eu jamais vi tanto brilho
no olhar de uma mãe sem teto
enquanto amamenta o filho.
Vencedora em Cantagalo/RJ - tema Miséria.
2
Ante os nãos e os poucos prós,
nosso amor meio tardio,
mostra a força que há em nós
quando amar é um desafio.
Premiada em São Paulo/SP - tema Desafio
3
Com ousadia me olhaste,
ousada eu correspondi.
Com loucura me abraçaste,
e o resto eu juro, nem  vi!
Vencedora em Pindamonhangaba/SP - tema Ousadia
4
Descrevê-lo, não me iludo,
a  minha fé nem se atreve.
Deus é bem mais do que tudo
que a mente humana descreve
5
É um velho lar meu legado
onde o amor gerou bonança
e pôs um filho ao meu lado
multiplicando essa herança.
Premiada em Nova Friburgo/RJ - tema Herança
6
Não lamento o meu passado,
nem mesmo o tempo me ofende.
Viver é um aprendizado 
quem mais vive, mais aprende.
7
No céu tecendo magia,
com frases mudas a lua,
nas pautas da noite fria
faz versos á minha rua!
Premiada em Nova Friburgo/RJ - tema Magia
8
Nos volteios dos deslizes
quando o corpo já cansou,
como dói pisar raízes
que a nossa fé não regou!
Premiada em São Paulo/SP - tema Raízes
9
Peço a Deus que a minha prece
seja feita em tom de trova
e a inspiração me trouxesse 
a graça da fé que  inova.
10
Perdi meu esteio mor
quando perdi  minha fé.
Mas Deus construtor maior
de novo me pôs em pé!
11
Por mais que o orgulho insista,
peço a Deus, a quem me entrego,
que no calor da conquista
eu saiba despir meu ego!
12
Quando esta lua indiscreta
me traz lembranças sem fim,
eu choro o velho poeta
que morreu dentro de mim!
Vencedora em Nova Friburgo/RJ - tema Poeta
13
Quando renova a paisagem
na tela de um novo dia,
Deus capricha na mensagem
que eu chamo de poesia!
Vencedora em Ribeirão Preto/SP - tema Paisagem
14
Se a opressão se faz maior
ante a paz em construção,
a família e o esteio mor
que sustenta uma nação.
15
Seja lírica ou de humor,
a trova encanta o universo,
rimando  sem se opor
nossa fé cantada em verso!
16
Se me entrego ao devaneio,
minha esperança se aflora
e vai fincando outro esteio
onde a ilusão pede escora!
-
Fonte: Trovas enviadas pela autora

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Poetas Africanos (2)

(As fotos correspondem aos poetas desta postagem)
MORGADO MBALATE
(Moçambique)

Um Sonho Africano

Um sonho se guarda em volta dos meus passos.
África sonha quando escrevo.
Escrevo para incentivar o povo africano a sonhar.
Todos os meus escritos
são tentativas de renascer-me África.
Ser africano é ser invadido pelo sonho de liberdade.
Sou um pouco da África que nasce.
Sou um pouco da África que morre.
Sou muito da África que sonha.
_______________________________

ANTÓNIO CARDOSO 
(Angola) 

Árvore de Frutos
  
Cheiras ao caju da minha infância 
e tens a cor do barro vermelho molhado 
de antigamente; 
há sabor a manga a escorrer-te na boca 
e dureza de maboque a saltar-te nos seios. 

Misturo-te com a terra vermelha 
e com as noites 
de histórias antigas 
ouvidas há muito. 

No teu corpo 
sons antigos dos batuques á minha porta, 
com que me provocas, 
enchem-me o cérebro de fogo incontido. 

Amor, és o sonho feito carne 
do meu bairro antigo do musseque! 
_______________________

ARMANDO ARTUR
(Moçambique)

A arte de viver

Habito no halo
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto

é a arte de viver...

como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
    porque voo sem asas
    porque vivo sem vida

no avesso dos versos escondo
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade
____________________________

GERALDO BESSA VICTOR 
(Angola) 
  
As raízes do nosso amor
  
Amo-te porque tudo em ti me fala de África, 
duma forma completa e envolvente. 
Negra, tão negramente bela e moça, 
todo o teu ser me exprime a terra nossa, 
em nós presente. 

Nos teus olhos eu vejo, como em caleidoscópio, 
madrugadas e noites e poentes tropicais, 
- visão que me inebria como um ópio, 
em magia de místicos duendes, 
e me torna encantado. (Perguntaram-me: onde vais? 
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes...) 

A tua voz é, tão perturbadoramente, 
a música dolente dos quissanges tangidos 
em noite escura e calma, 
que vibra nos meus sentidos 
e ressoa no fundo da minh'alma. 

Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo 
o gosto do caju, da manga e da goiaba, 
- sabor que vai da boca até às vísceras 
e nunca mais acaba... 

O teu corpo, formoso sem disfarce, 
com teu andar dengoso, parece que se agita 
tal como se estivesse a requebrar-se 
nos ritmos da massemba e da rebita. 
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço, 
me desperta e me convida 
para um batuque só nosso, 
batuque da nossa vida. 

Assim, onde te encontres (seja onde estiveres, 
por toda a parte onde o teu vulto for), 
eu te descubro e elejo entre as mulheres, 
ó minha negra belamente preta, 
ó minha irmã na cor, 
e, de braços abertos para o total amplexo, 
sem sombra de complexo, 
eu grito do mais fundo da minh'alma de poeta: 
- Meu amor! Meu amor! 
____________________________

REIS VENTURA
(Angola)

Baião de Luanda

Tão velhinha e tão linda, e tão presa
nos mistérios das ondas do mar,
é Luanda uma flor, uma beleza
com perfume e encantos sem par.

De S. Paulo à Marginal
- Vem ver , meu amor! -
Luanda ao sol-pôr,
Como é sem favor, divinal!

Raparigas do Bungo e da Samba,
do Cruzeiro e da Sé, do Balão,
na Paris, Polo Norte ou Mutamba,
são a nossa maior tentação.

Nesta terra onde eu nasci
eu quero casar
e ter o meu lar
e rir e chorar
só por ti.

Pelos bailes seletos da Alta,
nos batuques tão ricos de cor,
é Luanda que dança e que salta,
numa festa de vida e amor.

Bungo, Samba e Sambizanga
ou Portas do Mar
- Tudo isto é Luanda,
cidade e quitanda
ao luar...

Tão velhinha e tão bela e fagueira,
debruçada nas ondas do mar,
É Luanda sagaz, feiticeira.
Quem cá chega, cá quer ficar!
___________________________

JULIÃO SOARES SOUSA
(Guiné-Bissau)

Cantos do meu País

Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas Américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País
__________________________

ANTÓNIO JACINTO
(Angola)

Declaração

As aves, como voam livremente
num voar de desafio!
Eu te escrevo, meu amor,
num escrever de libertação.

Tantas, tantas coisas comigo
adentro do coração
que só escrevendo as liberto
destas grades sem limitação.
Que não se frustre o sentimento
de o guardar em segredo
como liones, correm as águas do rio!
corram límpidos amores sem medo.

Ei-lo que to apresento
puro e simples -  o amor
que vive e cresce ao momento
em que fecunda cada flor.

O meu escrever-te é
realização de cada instante
germine a semente, e rompa o fruto
da Mãe-Terra fertilizante.

Como se Contam os Contos de Fada

Fonte: Clarissa Haddad Yakiara

Muitos pais se perguntam se deve ou não contar contos de fadas para a criança. Os preocupa se lhe fará mal tal ou qual passagem horrenda, pois no conto se relatam acontecimentos cruéis que poderiam perturbar a inocência da criança. Muitas vezes pensando assim se decide eliminar tais contos. Em consequência, se priva a criança do melhor alimento para a alma, porque nos verdadeiros contos de antigamente estão contidos acontecimentos da alma, que têm suas raízes nas forças construtivas da humanidade. Os antigos sabiam disso e relatavam de forma tradicional os contos aos seus filhos. Dando-lhes vida aos contos de fadas ao relatá-los novamente, avivavam as crianças com a variedade dos acontecimentos narrados, avivando assim ao mesmo tempo suas próprias almas de adultos.

Uma boa narrativa comove ativamente a alma; dá asas aos sentimentos, ativa uma sã vontade e estimula a mente num entre jogos de pensamentos.

Com o conto de fadas bem narrado ativa-se e intensifica-se toda uma série de experiências na criança: passam por sua alma, uma atrás da outra, compaixão, crítica, tensão, alívio, tristeza, alegria, medo, coragem, etc.

Tais emoções não fazem mal à criança se a narrativa se constitui claramente de causa e efeito e prevalecer no final o sentido de justiça tão almejado pela criança que quer ver o mal sendo castigado e o bem recompensado. Fortalecendo assim na criança sua confiança no trunfo da bondade, fortifica-se também sua confiança na vida. Tudo isso estimula também as funções orgânicas e age benignamente. Contribui também a que aprenda a frear sua eventual inquietude e que não se perca nos anos posteriores num sentimentalismo barato por coisas superficiais.

Se conseguimos ainda, respeitando-a guiar sua vontade sem quebrá-la, dispor de forças suficientes para reparar (superar o grave, o sangrento, o cruel dos contos de fada sem impressionar-se mais do que o devido; e essa capacidade será transformada, mais tarde, numa fonte permanente de novas forças. (O Dr. Bruno Bettlheim afirma que “os contos de fadas são a chave para ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da realidade”).

Quanto mais a privamos destes contos de dragões e bruxas, etc, tanto mais fraca resultará sua alma de adulto. Mais tarde, quando as asperezas e as durezas da vida golpearem, lhe faltará o valor e a firmeza de haver aprendido através dos acontecimentos dos contos de fadas; seu comportamento será como um barco sem leme, açoitado pelas ondas da vida. Se os pais e os professores lhes proporcionaram esse “valor e coragem” destacados nos acontecimentos dos contos, se estas qualidades foram semeadas qual semente de força moral em sua alma, manejará o leme de sua sorte (destino) com a mão direita e segura, e estará preparado e armado contra as provas da vida, contra a intriga, o engano e o ódio, contra a sedução e o sofrimento.

Com o passar dos anos, quando ressurgem do fundo da alma as experiências obtidas de escutar com atenção os contos de fadas na nossa infância, as impressões que recebemos nos abrem e apresentam um aspecto bastante diferenciado; entendemos melhor seu conteúdo com a base adquirida na própria experiência; nos servem para dar-nos solidez interior e lucidez na crítica.

Nos verdadeiros contos de fada (como os dos Irmãos Grimm) há uma lei impecável: “a recompensa do bem e o castigo do mal”. Esta lei forma a base na alma infantil. Mais tarde, verificamos que surgiu, no íntimo do homem a faculdade de discernir entre o bem e o mal que nos dá uma clareza na consciência e nos ajuda nos momentos de decisão; trata-se de um profecia, solução de problemas, de mantermos no caminho certo da verdade, do bem, da compaixão, do sentimento nobre e muitos tesouros para a vida em comunidade.

As profundas impressões vividas na infância mantém sua força. Quando o príncipe circundado de luz vence o dragão, quando esse ia devorar a bela princesa, a criança se identifica com essa coragem triunfal que mais tarde, do fundo de seu ser surge e ajuda a trazer luz na escuridão da vida, impulsionada por essa recordação.

Por esta razão não devemos eliminar nenhum dos contos de fadas tradicionais. Gradualmente temos de contar os contos colecionados pelos Irmãos Grimm e Bechstein. Não devemos selecionar nem adaptar, abreviar ou trocar nada por “algo” que nos pareça melhor. Devemos começar com os contos simples e logo mais tarde aos 5 anos mais ou menos até os 6 continuar com alguns mais complicados, cheios de interessantes e emocionantes acontecimentos. São benfeitores, e mais tarde darão frutos como forças protetoras ante as vicissitudes e obstáculos que se apresentam no caminho da criança nos seus anos vindouros.

Fonte: 
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