domingo, 8 de julho de 2018

Malba Tahan (O Sinal de Ramanita)

Há poucos anos, quando visitei Calcutá, tomei para guia, a fim de melhor conhecer as curiosidades religiosas da índia, um brâmane chamado Marichipa, que me fora indicado pelo gerente do Hotel Dakka.

Uma tarde, quando percorríamos o templo de Parvati, passou junto de nós, acompanhada de diversos turistas ingleses, uma mulher loura, elegantemente trajada, e que despertava a atenção de todos pelas linhas incomparáveis de sua formosura.

— Quem será essa encantadora estrangeira? — perguntei ao guia. — Dificilmente poderíamos encontrar, sob o céu da Ásia, criatura mais sedutora!

— É uma das hóspedes do Grande Hotel — explicou-me Marichipa. — Disseram-me que veio da América e que pretende chegar, numa excursão de automóvel, até Alahabad. É rica, muito destemida e percorre o mundo à procura de ídolos exóticos para uma coleção.

Ao meu espírito de muçulmano causou não pequena admiração aquela criatura maravilhosa que abandonava o conforto da civilização para vir caçar manipansos entre os adoradores do Ganges. Parecia-me impossível que se me deparasse outra vez na vida tão original colecionadora de ídolos.

— Por Allah! — exclamei, com entusiasmo. — Essa americana do Grande Hotel é a verdadeira perfeição.

Marichipa sorriu, exibindo os seus dentes amarelos.

— Verdadeira perfeição... — repetiu ele. — Só mesmo um cego ou um apaixonado deixará de notar que aquela mulher traz no rosto o sinal de Ramanita!

Fitei o guia hindu sem disfarçar o grande interesse que as suas palavras haviam despertado em mim. Já não era a primeira vez que me acontecia ouvir referir-se alguém ao sinal de Ramanita. Declarei-lhe, pois, que não hesitaria em gastar meia libra para ouvir uma explicação minuciosa a tal respeito.

O ouro torna eloquente o indivíduo mais tímido e acanhado. A meia libra prometida operou o milagre. O guia contou-me, numa linguagem obscura, cheia de realismos grosseiros uma interessante lenda que poderia ser intitulada “O Sinal de Ramanita”.

Vou tentar traduzi-la.

No país de Navayanta vivia uma jovem chamada Ramanita, que possuía as sete virtudes, os quinze atributos e era, além do mais, de boa casta e de origem nobre.

Os brâmanes disseram-lhe um dia: — Queres agradar ao incomparável Indra (1), deus do ar? Vem servir no templo. Poderás acompanhar pelas ruas as vacas sagradas e receber, nos dias de festas, as dádivas dos fiéis.

A formosa Ramanita não atendeu ao convite dos sacerdotes. Para servir no templo de Indra seria ela obrigada a renunciar ao amor do jovem  Deybek,  príncipe  do  Adjimir. E a menina, embora venerasse Shiva e temesse Indra, não se sentia com coragem para tão grande sacrifício. Na Índia é assim: a mulher apaixonada põe o seu amor acima dos próprios deuses!

— Verdadeira perfeição!... — repetia ele. — Só mesmo um cego ou um apaixonado deixará de notar que aquela mulher no rosto o sinal de Ramanita!

E os deuses hindus são poderosos; alguns há que possuem quatro e até oito braços!

Vivem no mundo — assim afirmam os adeptos de Indra — certos seres gigantescos e perversos chamados Rakshassas (2). E aconteceu que o pai de Ramanita caiu gravemente enfermo, ferido pela maldade sem limites de um desses demônios.

Os brâmanes procuraram novamente a jovem:

— Ó Ramanita! O teu velho pai sofre a influência dos espíritos maus! Queres salvá-lo? Já vimos um Deityas rondando tua casa com o rosto coberto com véu preto!

— Que devo fazer? — perguntou Ramanita.

— Bem sei que os Deityas são mensageiros da morte!

— Vem servir em nosso templo durante um ano — aconselharam os brâmanes. — Intercederemos junto a Indra por teu pai e, é certo, ele ficará, em consequência de nossas preces, são e salvo. Pelas quatro faces de Brama, ó Ramanita, salva teu pai!

As palavras dos sacerdotes calaram fundo no coração da jovem. O apelo feito — pelas faces do Grande Deus — não foi em vão e Ramanita resolveu servir ao templo durante um ano e assim o fazia somente para livrar seu pai das garras impiedosas dos Rakshassas.

Como esquecer, porém, durante tão largo período, aquele que era o seu único amor?

E uma noite, quando Ramanita, já presa no templo, fiel à sua palavra, lamentava o seu triste destino, viu surgir na sua frente a figura deslumbrante de Laidasa, que é uma das muitas ninfas, — denominadas apsaras — que habitam o céu de Indra.

— Por que choras. Ramanita? — perguntou, com voz carinhosa, Laidasa. — Aqui estou, por ordem de Indra, para auxiliar-te. Dize, pois, o que desejas. Tudo farei para servir-te.

— Tenho saudades de meu noivo — soluçou Ramanita. — E, além dessa saudade vive dentro de mim um ciúme torturante. Assalta-me o receio de que as mulheres, durante a minha ausência roubem o coração daquele que será meu esposo.

 — Que queres que eu faça? — perguntou a ninfa.

    — Bondosa apsara — acudiu a jovem apaixonada. — sei que és dotada, como todos os gênios que pertencem ao paraíso de Indra, de um poder extraordinário. Só poderei permanecer tranquila neste templo se for atendida no pedido que te vou fazer. Não quero que apareça no mundo, enquanto eu estiver afastada do meu noivo, mulher alguma que seja dotada de uma beleza impecável. Deixarás, bem visível, em todas as mulheres, por mais formosas que sejam, um traço qualquer de imperfeição.

— Assim farei, minha filha — respondeu a enviada celeste. — Conserva em paz o teu coração, pois enquanto estiveres presa ao serviço de Indra, não aparecerá no mundo mulher alguma que possa dizer como Ramanita: “A minha formosura é impecável!”

E tendo pronunciado tais palavras, Laidasa desapareceu.

Alguns meses depois soube Ramanita que o príncipe Deybek havia perecido nas garras de um tigre, durante uma caçada.

A infeliz serva do templo não resistiu a esse golpe da fatalidade.

E quando ela morreu, o seu corpo adorável, conduzido pelos sacerdotes, foi atirado ao Ganges.

Desaparecia com Ramanita, nas ondas do rio sagrado, a última mulher perfeita do mundo.

E sabe por quê?

Porque o deus Indra, fiel à sua promessa, continuou a imprimir em todas as mulheres, por mais formosas que pretendam ser, um traço qualquer de imperfeição. Uma tem os olhos excessivamente pequenos; outras apresentam as faces descoradas; uma terceira não sabe disfarçar o nariz defeituoso. Esta tem o queixo saliente; envergonha-se aquela da pele toda manchada. Queixa-se uma da boca demasiadamente grande; lamenta a outra a pequenez ridícula do colo. Se algumas são baixas demais, outras há exageradamente altas. Vesga é uma; parece-nos gagá a outra. Uma é formosa e não tem caráter: outra e linda, mas estúpida e pouco inteligente. Ali encontramos uma que é deslumbrante, mas tem o grave defeito de ser fria e inexpressiva: acolá surge-nos outra que é interessante, cheia de encantos, mas é pérfida e desonesta. Todas têm, enfim, no corpo, ou resvalando para o espírito, o infalível sinal de Ramanita.

Quando o guia terminava a sua curiosa narrativa, passou novamente pelo lugar em que nos achávamos a sedutora americana do Grande Hotel — a original aventureira que caçava ídolos pela índia.

Olhei atentamente para o rosto da linda excursionista e reparei que ela tinha, realmente, sobre a face direita, uma pequena mancha escura que descendo do nariz vinha formar uma curva sinuosa junto ao lábio.

Era, com certeza, o sinal de Ramanita, — o sinal terrível que toma mil formas, um milhão de aspectos, mas que, felizmente para as mulheres, os homens apaixonados nunca chegarão a ver.
_____________________
NOTAS
1- Indra — Um dos deuses da mitologia hindu. Vide nota 3 incluída no conto “Minha vida querida”.

2 - Rakshassas — São gênios que só se preocupam com o mal que podem fazer aos mortais. São tidos, por isso, como verdadeiros demônios.

Fonte: 
Malba Tahan. Minha vida querida.

Augusto Gil (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol.3) IV


NOIVA
A João da Silva

«Anda a dor dissimulada
Mas ela dará seu fruto.»
Crisfal

«Vai ser pedida. Casa qualquer dia.»
     (Trecho duma carta)

Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vai ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquilo no meu peito
– Continuou a bater como batia...

Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciúme? Nem sequer saudade?!
– E nem ciúmes, nem saudade achava...

Saudades, não; que o teu amor antigo
Guardam-no as cinzas (neste coração)
Como em Pompeia aqueles grãos de trigo
Que após centenas d'annos deram pão...

Saudades! Mas de quê?! Pois não sei eu
A lei antiga como o próprio mundo
De que o prazer mal chega, já morreu,
E só a dor nas almas cava fundo?

Causei-te longas horas d'amargura,
Não consegues voltar a ser feliz;
A chaga que te abri não terá cura,
E se curar – lá fica a cicatriz.

Á luz dum juramento que traíste
Tu hás de ver-me toda a vida pois.
Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste
E Deus casou-nos esse dia, aos dois...

Ciúmes também não, por te venderes.
Desgraçadinha! Antes te houvesses dado;
Não descerias tanto entre as mulheres,
Seria mais humano o teu pecado.

Porém, embora a tua falta aponte,
P'ra mim és a que foste (ou que eu supus);
O sol desaparece no horizonte
– E a gente vê-o ainda a dar-nos luz...

Pode a desgraça erguer em frente a mim
Altas montanhas d'elevados cumes.
O sol do amor doura-las-a, e assim,
Vendo-o tão alto, não terei ciúmes.

Ciúmes! - Ele - é que há de te-los, quando,
Em claras noites de luar silente,
Ouvir vibrar alguma voz, cantando
Os versos que te fiz devotamente.

Versos para te ungirem os ouvidos
E os lábios d'anêmica e de santa,
Tão pobres, tão ingênuos, tão sentidos,
Que o povo humilde os acolheu e os canta.

Então, se te olhar bem, logo adivinha...
Logo sombriamente se convence
De que a tua alma se fundiu na minha
– E apenas o teu corpo lhe pertence.

DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE
À Léo

Ao charco mais escuso e mais imundo
Chega uma hora no correr do dia
Em que um raio de sol, claro e jocundo,
O visita, o alegra, o alumia;

Pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
Nesta contínua e intérmina agonia,
Nem tenho uma hora só dessa alegria
Que chega ás coisas ínfimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
A movimentam vossas mãos leais
Num aceno impulsivo e repentino,

Sem que na cega turbulência a domem?!
Senhor! Não é um seixo o que esmagais;
Olhai que é – “o coração dum homem”!...

QUANDO AS ANDORINHAS PARTIAM...
A Cassianno Neves

Boca talhada em milagrosas linhas,
A luz aumenta com o seu falar.

Esta manhã um bando de andorinhas
Ia-se embora, atravessava o mar.

Chegou-lhes ás alturas, pela aragem,
Um adeus suave que ela lhes dissera,

– E suspenderam todas a viagem,
Julgando que voltara a primavera...

A PARÁBOLA DO PÚCARO D'ÁGUA

Acreditaram os românticos que a arte residia principalmente na disformidade. Se através das próprias dores descessem às profundas realidades da vida, teriam observado que... o viver do povo encerra em si uma poesia sagrada. Senti-la e mostra-la não é tarefa de maquinista; para tal, não é necessário juntar-lhe efeitos teatrais.

... O que é preciso é ter olhos para ver na sombra, na pequenez e na humildade, é um coração que auxilie a vista nestes recessos do lar, nestas sombras de Rembrandt.
(MICHELET. “O Povo”)

A Manuel Penteado

Buscava em algum assunto adrede
A versos que inculcassem novidade,
Quando uma intensa e irreprimível sede
Me fez voltar do sonho á realidade.

E pedi água (já se vê) que veio
Consoante é d'uso cá por entre o povo
Num púcaro de barro ingênuo e feio,
Servindo-lhe de salva um prato covo.

Bebi o liquido dum trago só;
E dito o «Deus te pague» habitual,
Subi de novo a escada de Jacó
No heroico intuito de escalar o ideal...

Mas o idealismo é como a névoa ondeante
Que os rios erguem pela madrugada;
O olhar distingue-a, quando está distante,
E da que nos rodeia – não vê nada...

De que serve afinal tentar a gente
Reter, dentro das mãos, fumo de palha,
Se aqui, aos nossos olhos, no existente,
Há tanta coisa que os atraia e valha?...

A água vinda neste vaso frágil
Que um ignorado artista modelou
Num gesto – já mecanizado e ágil -
Á força d'imitar o que encontrou,

É um assunto cheio de beleza,
Cheio de claro e alto ensinamento.
Assim na branda fala portuguesa
O desse eu, como o tenho em pensamento!...

A água é como a esp'rança
Que a tudo se sujeita...
Onde quer que se deita
Lá fica humildemente acomodada,
Seja a concha da mão duma criança,
Ou a taça lendária da balada...

Tanto sacia
Num vaso tirreno dos da antiga Roma
(Que um só valia
O rútilo ouro d'avaro banqueiro)
Como a que se toma
Na argila porosa,
Alegre trabalho dum simples oleiro...

E é
Até
Bem mais saborosa
No barro suarento
Deixado à janela,
Que num opulento
Copo lavrado
Que seja pertença de rica baixela
E sonho gentil, cinzel fantasista
Dalgum grande artista
Dos raros d'agora, ou do tempo afastado...

Bichos humanos, feras em pé,
Sede bondosos como a água o é...

No luzente alcantil da magnitude,
Ou no áspero declive da pobreza,
Nunca cerreis o espirito á virtude,
Nunca fecheis os olhos á beleza.
Que todo o coração,
Desde o sábio de gênio ao cavador,
Seja o Cálix de paz e de perdão
Contendo a água límpida e lustral
Dum irmanado e perpetuo amor...

Água que limpe a mácula do mal
E mitigue a miséria, a ânsia, a mágoa
Desta cruenta e impiedosa guerra
Em que tantas criaturas se consomem.

      Nem só da água
      Que vem da terra
      Tem sede o homem...

Nasce uma fonte
Rumorejante
Na encosta dum monte;

E mal que do seio
Da terra brotou,
Logo o seu veio
Transparente
E diligente
Buscou e achou
Mais baixo lugar...

E sempre descendo,
E sempre a cantar,
Vai andando,
Galgando,
Vencendo,
(Ou tenta vencer...)
Folha, raiz, areia, o que tolher
A sua descida...

Ao brotar da dura frágua
– É uma lágrima d'água...

Mas esse humilde fiozinho,
Que um destino bom impele,
Encontra pelo caminho
Um outro que é como ele...

Reúnem-se, fundem-se os dois,
Prosseguem de companhia,
E fica dupla depois
A força que os leva e guia...

Junta-se aos dois um terceiro,
Outros confluindo vão,
E o regato é já ribeiro
E o ribeiro é rio então...

E nada agora o domina
Ao fiozinho da fonte.
Entre colina e colina,
Ou entre um monte e outro monte,

Caminha sem descansar,
Circula através do mundo
– Até á beira do mar
Onipotente e profundo...

Da altura em que estejais (ou vos pareça;
A vaidade é uma amante enganadora)
Que o mais alto de vós se humilhe e desça
Como se humilde e pobre sempre fora...

E que os demais desçam também de todo
O orgulho e mando sobre escravas gentes
Até ao vale, de lágrimas e lodo
Onde a miséria brada e range os dentes.

E como as águas que se vão juntando
E juntas, e cantando, vão descendo,
Reuni o choro derramado, quando
Atravessardes esse vale horrendo.

E o atoleiro que se havia feito
No val, dantesco, pútrido, sombrio,
Mudar-se-ha no irrigante leito
Dum fertilizador e claro rio;

E o rio, andando, andando, há de alargar
– Com bilhões de lágrimas vertidas -
Num infinito e luminoso mar
De novas e amplas e cantantes vidas!

Fonte:
Augusto Gil. Luar de Janeiro. 
Lisboa/Portugal: A Lanterna, 1909

sábado, 7 de julho de 2018

Poemas Premiados sobre a Natureza

Trova premiada no XIV Concurso de Trovas de Pindamonhangaba/ 2004


SEI DE UMA ILHA…

Eu sei,
que não me isolei
na ilha dos meus sonhos.

Tropecei,
na ternura de um bailado
entrelaçado de silêncios
e ornado de jardins suspensos.

Fiquei,
emocionado ao mergulhar
na seiva dos versos florais,
que embalam as ondas do mar
cantando a primavera dos corais.

Escalei,
ao íngreme da montanha
na ânsia de um novo olhar,
de esvoaçar no rasto do vento
e me deixar levar, pela claridade adentro.

E voei
no grito alvoraçado
de um bando de aves marinhas,
por um céu de fogo pincelado
e matizado de esperanças minhas.

Inventei,
cascatas escorrendo
pelas rochas escarpadas,
nas águas onde me vou lendo
pela pureza que me lava a alma,
na aprazível frescura das palavras…

Eu sei,
que sobre isso nada direi
até que algum poente me doa,
numa tábua do tempo, carcomida.

Sou ainda muito novo para estar só
e eu gosto do lado mais romântico da vida…

Pensei,
ir mais para sul,
em latitudes de azul…

e por momentos,
encontro meus pensamentos
espalhados por um extenso areal,
a céu aberto estendidos
por entre todos os sentidos
e banhados por um mar emocional…

e essa ilha
essa força selvagem,
que tenho em mim e em mim fervilha,
é o meu refúgio, o meu porto de ancoragem.

(Medalha de Bronze no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


ÁRVORE DA VIDA

Um toque de frescura
Reflete a gota de orvalho
Do meu querido carvalho
Unindo beleza e ternura.

No aconchego de tuas folhas
Junto ao doce perfume das flores
Que prima lindas cores
Os ventos dançando maravilhas.

Dentro de si
Uma luz que não se alcança
Uma sombra que traz a lembrança
Dos frutos que já vivi.

Da minha estimada infância
A árvore da vida
Minha amiga querida
Guarda os segredos da esperança.

(Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O SORRISO DA NATUREZA

Olha o azul do infinito
E o azul-turquesa dos mares!
Olha o verde da campina
E o colorido bonito
Dos jardins e dos pomares!

Olha a fonte borbulhante
D'água pura e cristalina
A correr de monte a monte!
Olha o encanto da floresta
Com seus brados e rumores!

Olha as aves multicores
Nos seus voos e gorjeios
Numa alegria de festa!
Olha a lua, a branca lua
A tingir de prata os seios
Da moça a banhar-se nua!

Olha a beleza e a fragrância
Do lírio da cor da neve
Tremulando à brisa leve
E a recender à distância!

Olha o frescor e a pureza
Dos campos e pinheirais
E neles a singular reza
Que é o pipilar dos pardais!

E o sol rubro no poente
Caindo no azul do mar
Muito, muito lentamente.
Visão de encanto e magia
Não é noite, não é dia
É cena que faz sonhar!

Tela imensa de riqueza
Divina tela florida
Em que a alegre natureza
Tem mais graça, tem mais vida.

(Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


NO RANCHO

Aqui, sim, a vida é bela
Na sombra deste ranchinho,
Sentado à beira do mato,
Meu mais doce e casto ninho,
Como se, na vida, eu fosse
Um liberto passarinho.

Contemplo campos e serras
Azuladas, muito além...
No panorama do sul
Vejo a cidade também,
Mas ali, como nos campos,
Belezas tantas não tem.

Lá existem belas praças
Que os namorados desejam,
Mas as flores mais viçosas
Que os beija-flores beijam
Não têm o mesmo perfume
Das flores que aqui vicejam.

Há festas e diversões,
Parece um mar de orgia,
Porém ali na cidade,
Palco de tanta alegria
Não tem a sombra do rancho
Onde eu escrevo poesia.

 Lá não tem a melodia
Da passarada que canta,
Nem cheiro virgem da terra
Que a chuva do chão levanta,
Por isso que do matuto
A felicidade é tanta.

O povo ali da cidade
Se do caboclo faz troça,
É porque aquela gente
Nunca veio aqui na roça
Para também ser feliz
Na sombra duma palhoça.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


ARACURI

Teu canto é guerra,
Defende a terra,
Que é ventre e é seio,
Que é berço e é pão.

É o canto da fauna
Em serestas vigias,
Para a ecologia
A pedir proteção.

Deixai que nas matas,
Cantem os pássaros,
E os peixes nas águas
Possam viver.

Deixem nos campos
Andarem as emas,
E entre os serrados
A vida nascer.

Que as gralhas azuis
E os patos –arminhos,
Teçam seus ninhos
Sem nada temer.

Que as aves cativas,
cortem os ares,
Sobre os jaguares
Andantes da paz.

Que o canto de todos
No meio ambiente,
Impeçam na terra
A vida morrer.

Que os passarinhos
Cantem a beleza
Da natureza
Em doação.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O VENTO E A LUA

Lá fora o vento assovia
Uma canção ao luar.
À lua reverencia.
Ela não quer escutar.

Olhando através do frio
Pela janela se vê
Vê-se a lua num navio.
Delírio, só pode ser.

Em meio às nuvens navega
Em águas muito serenas.
Pobre vento: ora sossega
Ora expõe as suas penas.

Mas a lua, indiferente,
Continua a navegar.
O barco vai sempre em frente
Até o abismo encontrar.

Escura nuvem o apaga
Nenhum olho o pode ver.
Do vento o assovio vaga
Vai saudar o alvorecer.

Nós também vemos fugir
Em um navio fantasma,
Sem sequer se despedir,
O amor que nos cegava.

Somos ventos que assoviam
Para a pessoa que amamos
Que nem sempre desconfia
Do quanto a idealizamos.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O TAPETE DA VIDA

Que a morte venha ternamente
e a vida se esvaia lentamente,
para que eu possa, em placidez,
assistir aos meus últimos momentos.

Que sejam como os das flores
e das folhas do outono,
que ao soçobrarem,
quando dos galhos se desgarrem,
flutuem bailando no ar,
até pousarem num tapete,
casual e úmido,
de flores murchas,
 folhas mortas
e húmus.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)

Fonte:

Darcy Pinheiro (Atitude Revolucionária)

Darcy é de Cruz Alta/RS
O texto abaixo da imagem é Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza (organizado por Oliveira Caruso em 2015), Categoria Prosa
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Em época não muito distante, havia um proprietário de vasta área de terra, sendo  vinte por cento de campo e restante de mato, nativo formando uma floresta na qual habitavam animais de diversas espécies.

O campo era utilizado parte em agricultura e parte em pecuária. Com o passar do tempo, visando aumentar a área agricultável, deu-se,  início à derrubada da floresta. Consequentemente aumentou também a pulverização na lavoura, com a utilização de agrotóxicos.

A mata abrigava rico ecossistema: fauna e flora nativas habitada por animais de várias espécies, flores naturais, silvestres, abelhas em ocos de árvores,  pássaros, em grande quantidade completavam a beleza do local.  Com uso de agrotóxicos, nas pulverizações, as abelhas e pássaros começaram a morrer.

Sabe-se que na hierarquia das abelhas, as obreiras (soldados), são responsáveis pela  segurança, alimentação e higiene de todo o enxame, inclusive pela alimentação da rainha.

Uma obreira vendo as companheiras morrerem envenenadas ao coletarem o  néctar das flores, resultado do veneno utilizado na pulverização,  pressentiu que os enxames  corriam  risco de extinção. Sendo uma das responsáveis pela segurança do enxame, contatou com as companheiras de trabalho, sugerindo reunião com outras colmeias, a fim de estudarem providências a serem tomadas, para terminarem com o ato responsável pelo extermínio de abelhas.

Enxames organizados surgiram várias propostas para ação. Grupos queriam iniciar o protesto, picando o tratorista, quando este estivesse pulverizando. A revolucionária alertou-os,  que seria  suicídio coletivo, porque aquelas que fossem picar acabariam mortas.

Apresentou então, seu plano de ação:  Primeiro – começariam  voando,  em pequenos grupos,  sobre a cabeça do tratorista, para assustá-lo; Segundo:  não obtendo êxito, o enxame continuaria voando e uma abelha, apresentar-se-ia como voluntária, mesmo sabendo que morreria  ao executar a picada no tratorista; Terceiro – caso não lograssem êxito, dois ou mais enxames, pousariam no corpo do tratorista, iniciando pela cabeça até o cobrirem totalmente; Quarto: se  assim mesmo, não obtivessem vitória, mais obreiras iriam para o suicídio, com a finalidade de salvarem as irmãs e companheiras, Assim o ato de picar seria em grupos.

Decidiram em assembleia que o protesto continuaria até suspenderem a aplicação de veneno. Caso houvesse necessidade, convocariam outros animais e aves da floresta para participarem do ato. Designou-se também um pequeno grupo para repassar a ideia aos animais,   para em conjunto e demonstrando força, impedirem que mais habitantes da floresta continuassem morrendo pelo veneno utilizado nas pulverizações. 

Dias depois, mal clareado o dia, tratoristas e seus companheiros chegaram na lavoura, com  pulverizadores puxados por tratores. Ao iniciarem o trabalho,  um enxame revoou suas cabeças. Todos,  apavorados correram para se abrigarem. Passado certo tempo, voltaram para reiniciarem o trabalho. Então os enxames,  em prontidão, retomaram suas atividades e como combinado as voluntárias os picaram, enquanto que  o  restante do enxame continuou revoando e aumentando os zumbidos, fazendo-os   novamente saírem apavorados.

No dia seguinte, os enxames, avisados pela abelha de plantão, souberam de que os colocadores de veneno, voltaram à pulverizar. A abelha líder autorizou o início do terceiro plano. Ao  ligarem os tratores, todas as abelhas voaram em grupo,  em cima dos operários. Os enxames pousaram na cabeça dos tratoristas, e em seguida cobriram todo o corpo. Todos desesperados retornaram à granja, deixando o maquinário na lavoura.

Mais um dia se passou. Armados de foices, facão e motosserra,  se dirigiram para a floresta. Sempre vigiados, iniciaram a derrubada de árvores. As abelhas em permanente sobreaviso, partiram para o ataque. Agora um número maior de operárias se apresentou como  voluntárias, ao sacrifício. As picadas foram tantas que desnorteados os destruidores mais uma vez,  abandonaram as ferramentas indo  para a sede da granja. 

A abelha, revolucionária, solicitou ajuda aos tatus: que durante a noite cavaram buracos ao redor do trator, fazendo o mesmo afundar e impossibilitando-o de  operar por alguns dias.

Os trabalhadores não se davam por vencidos, voltaram  para destruírem a mata. Antes de iniciarem a derrubada de árvores, enquanto discutiam, como proceder, começou o ataque das pequenas formigas, ardedeiras, que os esperavam, alojadas nas proximidades das ferramentas. Mais uma vez vencidos tendo em vista que as pequenas formigas entraram, dentro das roupas, picando-os por todo corpo,  desistiram de executar o trabalho, ficando ausente, por algum tempo. O proprietário entendeu que não venceria por terra os animais da floresta. Resolveu que a única maneira de salvar sua lavoura seria com pulverização aérea e assim foi decidido. As abelhas ao avistarem um avião aterrissar perto da lavoura contataram os outros animais, em prontidão. Após escurecer vários animais de grande porte entraram em ação. Primeiramente viraram o avião, deixando-o com as rodas para cima, em seguida amassaram o tanque de combustível, inutilizando-o.

Quando o piloto e seus auxiliares chegaram, se surpreenderam com o estado da aeronave: incapacitada para o serviço.

Desesperado o granjeiro desistiu e procurou um especialista, para obter informações sobre outros meios para combater as lagartas que dizimavam a lavoura. .

No período interrompido, cada animal comprometeu-se a mostrar sua capacidade de ação. Todos os pássaros da floresta passaram a se alimentarem de lagartas,  demonstrando assim serem capazes de acabar com elas. As demais aves também comiam os insetos que prejudicavam a plantação.

Quando o agricultor verificou a grande quantidade de pássaros revoando e pousando em sua lavoura desesperou-se. Sem saber o que fazer, reuniu os empregados e batendo em latas, percorreram a lavoura na tentativa de espantá-los. Vendo que o método era  ineficiente, desistiu e ficou na espera do prejuízo.

Sem obter resultado com este método o agricultor decidiu conceder aviso prévio aos empregados com a justificativa de que não mais plantaria.

Esperando completar o aviso, um empregado, por curiosidade, foi examinar a plantação, verificou que não existiam lagartas. O número de vagens nos pés de soja era surpreendente. O milho também estava com ótimas espigas, sem nenhuma praga. Imediatamente contou ao proprietário, que não acreditando,  verificou pessoalmente. Constatada a veracidade, comentou com seus vizinhos, os quais confirmaram o não ataque de lagartas, resultando em boa produção.

O fazendeiro suspendeu a dispensa dada aos empregados, que iniciaram a preparação das máquinas para a colher e fazer nova plantação.. Após a colheita, mais uma surpresa, a produção superou as expectativas, muito superior as de anos anteriores.  Calculado  o lucro obtido pelo aumento da produção, acrescido à economia dos agrotóxicos,  verificou-se um aumento bastante significativo no lucro.

Suspenso o uso de agrotóxicos dois anos depois, a produção continuou aumentando. Desmontou o pulverizador utilizando algumas peças em outras máquinas e o vendeu como ferro velho. Designou os empregados para reflorestarem, parte da floresta que havia sido devastada.

                Com produção crescendo e despesas  diminuídas, foi possível aumentar o reflorestamento. Com a ausência de produtos químicos, os pássaros, abelhas e outros predadores dos inimigos das lavouras, aumentaram e se tornaram verdadeiros protetores das plantações.

Salienta-se: as abelhas, ao retirarem o néctar das flores, pousando e levantando voo contribuem com a polinização das plantas.

A partir desse acontecimento, o granjeiro passou a utilizar somente produtos orgânicos. Aumentou o numero de empregados contratados para recolherem no campo, esterco do gado, depositando-os em local apropriado, onde eram misturados com os dejetos dos suínos. Esse passou a ser o único adubo utilizado.

Por outro lado, costumava-se banhar o rebanho para terminar com os carrapatos, pelo menos duas vezes por ano. Quando chegou a época do banho de carrapaticida, mais uma vez agradeceu à cadeia alimentar tão necessária, visto que a própria natureza se encarrega de que haja seu crescimento. O gado passou a não ter nenhuma infestação de carrapatos. O ganho econômico aumentava.

Junto aos empregados, olhou para o céu e agradeceu pela ajuda dos pássaros. Afirmou aos empregados que principalmente os bem-te-vis, as garças e outras aves, estavam livrando o gado dos carrapatos. Assim a economia aumentava.   

        Em menos de cinco anos a granja foi a primeira na região, a obter reconhecimento e certificado, como produtora de cereais cem por cento orgânicos, elevando seus produtos a obterem maior preço no mercado internacional.

Outro setor foi desenvolvido, além dos produtos agrícolas: a produção de mel em grande escala, superando em valores a renda obtida com a plantação de milho. Seus vizinhos também entraram nesta nova atividade, tornando a região conhecida como produtora e exportadora de mel orgânico. Assim,  tudo que era produzido na região, recebia o rótulo: e/ ou selo de produtos orgânicos.

A nova técnica, foi expandida para outros produtores que  tomando conhecimento da atitude positiva deste produtor, respeitando todo o tipo de animais, iniciaram reflorestamento e diminuíram aplicações de produtos nocivos.

Em palestras, para as quais era convidado, o amigo da natureza, sempre afirmava que respeitando a natureza, ela sempre retribui. Provava que toda árvore derrubada destrói o habitat dos amigos e dos parceiros agrícolas, como costumava dizer, ao se referir aos animais da floresta, estes eram os melhores amigos dos agricultores, principalmente uma certa colmeia que comandada por valentes abelhas, revolucionaram a parceria entre todos os setores da agricultura regional e a natureza.    

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