terça-feira, 10 de abril de 2018

UBT-Curitiba (Atividades em 19 e 21 de abril de 2018)

A União Brasileira de Trovadores - Seção de Curitiba convida todos os Trovadores, Poetas e Amigos simpatizantes da Trova, para:

DIA 19 DE ABRIL: OFICINA DE TROVAS.
Atividade conjunta com a Academia Paranaense da Poesia e Biblioteca Pública do Paraná.

às 18h00
Palestra - Tema: A Trova no Paraná: Trovas de Vânia Ennes
com Maria da Graça S. de Araújo
Local: Biblioteca Pública do Paraná – Sala de Reuniões – 3° andar. Cândido Lopes, 133 - Curitiba – Paraná.

DIA 21 DE ABRIL 
das 14h30 às 17h00
Local: Centro de Letras do Paraná. Rua Fernando Moreira, nº 370, quase esquina com o SESC da Esquina.

REUNIÃO MENSAL
 * DENTRO DA PROGRAMAÇÃO:

- Concurso Interno: Tema – Liberdade (Lírica ou Filosófica). 01 trova por concorrente. Sistema de envelopes.

- Revoadas de trovas (Reunião dedicada a Trovas referentes aos temas de abril, tais como: Mentira, Índio, Tiradentes, Brasil, etc.).

- Apresentações Musicais:

- Sorteio de Brindes

- Lanche

* Participe durante a reunião das revoadas, declamando trovas sobre os temas do mês de abril e com temas de sua preferência.

Contamos com a sua presença e participação!

UBT-Curitiba.

Fonte: Facebook UBT Curitiba

Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 45 a 48

45 — “DIGA AO POVO QUE FICO.”

D. João vi voltou para Portugal com sua Corte. Estávamos em 1821. D. Pedro ficou como Príncipe Regente do Brasil. Estava assim com o ar de quem tinha nas mãos uma bomba com o pavio aceso. Olhava para o lados, aflito, procurando um lugar para onde jogar a bomba. A situação era difícil. O povo estava revoltado e exigia umas tantas coisas. Havia ainda as forças portuguesas que puxavam naturalmente para o lado de Portugal.

D. Pedro andava sobre brasas. Eu via. Eu sentia. Suas noites eram de insônia. Tinham já acabado os dias despreocupados de boêmia. Agora ele era regente dum país imenso. Imenso e desorganizado. Era preciso levar a vida a sério. E o príncipe tinha apenas 23 anos...

Eu andava satisfeito com o mundo e comigo mesmo. D. Pedro me fizera oficial do regimento de dragões. Tibicuera vivia muito orgulhoso de seus alamares, de seus botões dourados, de seu capote e de sua espada. Portugal começou a inticar com o Brasil. Inticar é um termo popular que deve ficar no nosso dicionário, pois é muito expressivo. Mandou fechar os tribunais e as repartições do Rio. Tomou outras medidas desagradáveis para os brasileiros Formara-se aqui o Partido da Independência. Era composto de um grupo de patriotas, homens inteligentes e de posição.

Bem na hora mais crítica vem de Portugal uma ordem: D. Pedro deve fazer uma viagem pela Europa. Balbúrdia no Rio. “O príncipe não vai!” — berrava o povo. “O príncipe vai, sim, senhores!” retrucavam as forças portuguesas.

Eu me lembro de um certo dia que ficou na História. D. Pedro andava de um lado para outro no salão do Palácio, com as mãos às costas, o passo duro, a testa franzida. Não esqueci as palavras do pai que, ao despedir-se, lhe dissera que previa a separação do Brasil de Portugal e que ele, Pedro, não devia deixar a Coroa cair nas mãos de aventureiros. Chegou ao paço o representante do Partido da Independência. Chamava-se José Clemente Pereira. O momento era solene. Vinha ele pedir ao príncipe que não se retirasse do Brasil. Depois que ele falou, fez-se um silêncio difícil. Mas o príncipe se perfilou. Seus olhos cintilaram. E ele disse, firme:

— Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico.

E ficou mesmo. Ficou no Brasil. Ficou na História. E. depois que Clemente Pereira foi embora, ficou também a olhar perdidamente para o bico das botas polidas...

46 — FAREJO GUERRA...

Eu sentia cheiro de guerra no ar. A coisa não podia ficar assim. As tropas saíram dos quartéis, tomaram o Morro do Castelo e lá de cima intimaram o príncipe a obedecer às ordens de Portugal. Aquele dia foi para mim de agitação. Andei em cima de meu cavalo malhado de um lado para outro, servindo de ligação entre vários oficiais brasileiros. Dentro em pouco as forças nacionais que amparavam o príncipe se achavam prontas para dar combate às tropas portuguesas.

Eu estava com tanta saudade do cheiro da pólvora e do tinir da arma branca, que fiquei até triste quando nos veio a notícia de que os soldados portugueses, negando combate, iam embarcar para a Europa. O Rio estava em festa. Falava-se abertamente na independência. Eu me metia pelo meio do povo, orgulhoso do meu fardamento de dragão.

Recebemos comunicação de que em Minas, como em outras províncias, havia gente disposta a brigar. O príncipe em pessoa foi até lá, conseguindo acalmar os ânimos. Deram-lhe no Rio um título: Defensor Perpétuo do Brasil. Entusiasmado, D. Pedro resolveu convocar uma Constituinte. Chegou a pensar na nossa esquadra, dando o comando dela ao Almirante Lorde Cochrane. E foi também ao ponto de assinar uma proclamação em que convidava os brasileiros a que se unissem a fim de conseguirem sua independência.

A separação do Brasil de Portugal estava por um fio. E o Príncipe cortou esse fio com uma frase.
47 — MAL SABIA O RIACHO...

Quando fiquei sabendo que devia acompanhar o príncipe a São Paulo, numa visita de cortesia, dei pulos. Eu ia exibir naquela cidade os meus botões dourados, as minhas botas que eram um espelho, o meu peito musculoso, apertado no dólmã justo. Fomos recebidos com aclamações. Isto é: D. Pedro é que foi recebido com festas. Mas as flores e as aclamações foram tantas, que sobraram para todos nós.

Mas céu sem nuvens não dura muito — assim me dizia a experiência. Quando voltávamos de Santos, chegou-nos um comunicado do Rio: Portugal por novos decretos queria nos reduzir à condição de colônia. Os mensageiros que nos traziam a notícia nos encontraram às margens dum riacho sem importância. Era um fio d’água humilde. Tinha um nome inexpressivo: Ipiranga. Corria calmo ao sol, alheio às lutas e às paixões dos homens. Quis a sorte que fosse aquele o ponto de encontro...

D Pedro leu o comunicado. Estava montado no seu belo cavalo, que batia inquieto com as patas no chão. Primeiro o príncipe ficou muito pálido e depois seu rosto se coloriu dum vermelhão forte. Eu o contemplava, aflito. Tudo se passou rápido. De repente D. Pedro arrancou da espada e gritou: “Independência ou morte!” No primeiro momento ninguém respondeu, pois a surpresa deixava todos aturdidos. Houve alguns segundos de silêncio. Depois os outros compreenderam e romperam num viva entusiasmado.

Mais sereno, já com a espada na bainha, D. Pedro disse que as cortes de Lisboa queriam mesmo nos escravizar e que convinha declarar já a nossa independência. Terminou com estas palavras: “Estamos definitivamente separados de Portugal. De ora em diante traremos um outro laço de fitas verdes e amarelas, que serão as cores do Brasil.”

O riacho continuava a correr ao sol, sem qualquer entusiasmo. Mas, mesmo sem o saber, já estava célebre. Ipiranga! Um nome que dali por diante seria repetido como um símbolo.

Chegamos ao Rio todos cheios de laços verdes e amarelos. No paço pude ver o sorriso satisfeito e sereno de um homem que desempenhou papel importante na nossa independência. Era o Ministro José Bonifácio de Andrada e Silva. Tinha uma cabeça privilegiada. Depois de Anchieta, foi o primeiro homem que me fez duvidar da força do músculo para me fazer pensar na força do miolo.

Havia outras figuras tão importantes como a de Andrada no movimento libertador. Joaquim Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira, por exemplo. E outros, outros...

No dia em que vi Andrada com o sorriso da vitória, resolvi deixar de ser o Tibicuera valente das guerras para tratar de estudar um pouco. Em suma, queria trocar a espada pelo livro. Quando D. Pedro me disse:

— Tibicuera, pede o que queres...

...respondi:

— Um professor.

O príncipe ficou surpreendido. Eu também...
48 — EU E OS LIVROS

Deram-me um professor. Era um sujeito calvo e calado, feio e tristonho. Solteirão, seu quarto era pobre e ficava numa rua tranquila Ele me abriu as portas de um mundo maravilhoso: O mundo dos livros. Aprendi Francês, Latim, um pouco de Grego, Geografia, História, Gramática Portuguesa e outras matérias. Quando chegamos à Botânica e à Zoologia, tive discussões terríveis com o meu bom professor. Ele dizia o nome científico das plantas e dos bichos; eu lhes dava o nome indígena. O professor conhecia os bichos porque os tinha visto desenhados em livros ou empalhados e catalogadinhos nos museus. Quanto a mim eu os conhecia ao vivo ou, melhor, pessoalmente.

Fiquei tão apaixonado pelos livros, que me esqueci das guerras e das aventuras. Deixei os dragões. O Imperador me deu bom emprego numa repartição pública.

A literatura me absorveu durante muitos anos. Comecei a ler os livros dos escritores brasileiros. Gostei muito dum certo Sr. Gregório de Matos, que nasceu na Bahia em 1623. Era formado em Direito. Contam que foi um sujeito patusco, alegre e atrevido. Fez gostosos versos satíricos e também poesias líricas. Achei insuportável o Sr. Bento Teixeira Pinto, que é considerado o primeiro literato do Brasil. Mas primeiro — está claro — por ordem cronológica. Escreveu um livro de nome engraçado: Prosopopeia

Outros poetas que li: Cláudio Manuel da Costa, José Basílio da Gama, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga... Este quarteto, como vocês devem estar lembrados, tomou parte na Inconfidência Mineira. Conheci outros poetas: Frei Manuel de Santa Rita Itaparica, Frei Santa Rita Durão, Manuel Inácio da Silva Alvarenga...

Meti-me História a dentro e li Frei Vicente do Salvador, que escreveu uma História do Brasil. Quando contei a meu professor que tinha tomado parte na guerra contra os holandeses, ele me olhou com o rabo dos olhos, franziu a testa e acabou dizendo.

— Deixe-se de gracejos, rapaz.

A guerra holandesa durara de 1624 a 1654. Estávamos em 1823. 0 professor fez as contas de cabeça e achou que eu estava me fazendo de engraçado.

Conheci também as obras de Rocha Pita, de Baltasar da Silva Lisboa, de José Feliciano Pinheiro e de outros historiadores menores. Muito me encheram de entusiasmo os discursos dos dois Andradas: Antônio Carlos e Martim Francisco. Outro nome de que não me esquecerei é o de um jornalista que era padre e político. Guardo-o na memória por causa de seu nome — Frei Joaquim do Amor Divino Caneca — e porque ele tomou parte na revolução pernambucana de 1824.

Mas a minha grande admiração mesmo era por Frei Francisco de Mont’Alverne. Foi Anchieta que me converteu ao Deus Único. Foi Mont’Alverne que com seus formidáveis sermões me fortaleceu nessa fé. Outro cidadão bom cem por cento era José Bonifácio de Andrada e Silva, político e filósofo. Muito entendido em Mineralogia, Química e Matemática. Ficou o homem com o título de “Patriarca da Independência”. Ora, estas palavras em si mesmas não significam coisa alguma. Eu queria que vocês tivessem conhecido pessoalmente o homem, para terem uma ideia do que ele valia, sabia e fazia.

Andei também às voltas com os artigos de Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, sobre Matemática. Fui fã do Marquês do Maricá, o homem que escrevia pensamentos. Devorei o seu famoso: “Máximas, Pensamentos e Reflexões do Marquês do Maricá”. E andava sempre com um dito na ponta da língua. Eu devia estar mesmo insuportável!

Como eu andava fazendo a minha literaturazinha por aquela época, conheci um jornalista que muito me auxiliou na publicação de meus artigos. Chamava-se Evaristo Ferreira da Veiga. Fundou o jornal Aurora Fluminense, que surgiu lá por 1827.

Outros homens inteligentes com quem travei conhecimento: José da Silva Lisboa, entendido em Filosofia e Grego. Antônio José da Silva que escrevia para o teatro. E o primeiro dicionário que vi na minha vida foi o do brasileiro Antônio de Morais Silva. Foi publicado em 1789. Nunca ouviram falar no “Dicionário de Morais”? Pois é esse mesmo. Não abram a boca de surpresa. E esse mesmíssimo.

Tive o prazer de ler os versos de meu querido amigo Anchieta. E ninguém me dava crédito quando eu contava que ouvira alguns deles dos lábios do próprio poeta.

Mas eu não estou escrevendo um compêndio de Literatura Brasileira e sim a minha vida, as minhas aventuras!

Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Fernando Pessoa (Quadras ao Gosto Popular) V

1
Andorinha que vais alta,
porque não me vens trazer
qualquer coisa que me falta
e que te não sei dizer?
2
Ao dobrar o guardanapo
para o meteres na argola,
disseste-me conhecer
como um coração se enrola.
3
Baila o trigo quando há vento,
baila porque o vento o toca.
Também baila o pensamento
quando o coração provoca.
4
Caiu no chão a laranja
e rolou pelo chão afora.
Vamos apanhá-la juntos,
e o melhor é ser agora.
5
Dá-me um sorriso a brincar,
dá-me uma palavra a rir,
eu me tenho por feliz
só de te ver e te ouvir.
6
«Das flores que há pelo campo,
o rosmaninho é rei…»
É uma velha cantiga...
Bem sei, meu Deus, bem o sei.
7
Deixaste cair no chão
o embrulho das queijadas.
Ris-te disso — e porque não?
A vida é feita de nadas.
8
Deste-me um cordel comprido
para atar bem um papel.
Fiquei tão agradecido
que inda tenho esse cordel.
9
Duas horas vão passadas
sem que te veja passar.
Que coisas mal combinadas
que são amor e esperar!
10
É limpo o adro da igreja.
É grande o largo da praça.
Não há ninguém que te veja
que te não encontre graça.
11
Esse xale que arranjaste,
com que pareces mais alta
dá ao teu corpo esse brio
que à minha coragem falta.
12
Fazes renda de manhã
e fazes renda ao serão.
Se não fazes senão renda,
que fazes do coração?
13
Fizeste molhos de flores
para não dar a ninguém.
São como os molhos de amores
que foras fazer a alguém.
14
Fui passear no jardim
sem saber se tinha flores.
Assim passeia na vida
quem tem ou não tem amores.
15
Lá por olhar para ti
não julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
e nem o posso fitar.
16
Manjerico, manjerico,
manjerico que te dei,
a tristeza com que fico
inda amanhã a terei.
17
Meia volta, toda a volta,
muitas voltas de dançar...
Quem tem sonhos por escolta,
não é capaz de parar.
18
Na quinta que nunca houve,
há um poço que não há,
onde há de ir encontrar água
alguém que te entenderá.
19
No dia em que te casares,
hei de te ir ver à Igreja
para haver o sacramento
de amar-te alguém que ali esteja.
20
O moinho que mói trigo
mexe-o o vento ou a água,
mas o que tenho comigo
mexe-o apenas a mágoa.
21
Por cima da saia azul
há uma blusa encarnada,
e por cima disso os olhos
que nunca me dizem nada.
22
São já onze horas da noite.
Porque te não vais deitar?
Se de nada serve ver-te,
mais vale não te fitar.
23
Toda a noite ouvi os cães,
p'ra manhã ouvi os galos.
Tristeza — vem ter conosco.
Prazeres — é ir achá-los.
24
Vai alta sobre a montanha
uma nuvem sem razão.
Meu coração acompanha
o não teres coração.
25
Voam débeis e enganadas
as folhas que o vento toma.
Bem sei: deitamos os dados,
mas Deus é que deita a soma.

Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.

domingo, 8 de abril de 2018

Contos e Lendas do Mundo (A Bruxa e o Caldeirão)

Quando preparava uma sopa com uns olhinhos de couve para o jantar, a bruxa constatou que o caldeirão estava furado. Não era muito, não senhor. Um furo pequeníssimo, quase invisível. Mas era o suficiente para, pinga que pinga, ir vertendo os líquidos e ir apagando o fogo. Nunca tal lhe tinha sucedido. Foi consultar o livro de feitiços, adquirido no tempo em que andara a tirar o curso superior de bruxaria por correspondência, folheou-o de ponta a ponta, confirmou no índice e nada encontrou sobre a forma de resolver o caso. Que haveria de fazer?

Uma bruxa sem caldeirão era como padeiro sem forno. De que forma poderia ela agora preparar as horríveis poções? Para as coisas mais corriqueiras tinha a reserva dos frascos. Mas se lhe aparecia um daqueles casos em que era necessário preparar na hora uma mistela (vinho de baixa qualidade)? Como o da filha de um aldeão que engolira uma nuvem e foi preciso fazer um vomitório especial com trovisco, rosmaninho, três dentes de alho, uma semente de abóbora seca, uma asa de morcego e cinco aparas de unhas de gato.

Se a moça vomitou a nuvem? Pois não haveria de vomitar? Com a potência do remédio, além da nuvem, vomitou uma grande chuvarada de granizo que furou os telhados das casas em redor.

Era muito aborrecido aquele furo no caldeirão. Nem a sopa do dia-a-dia podia cozinhar. Mantinha-se a pão e água, que remédio, enquanto não encontrasse uma forma de resolver o caso. Matutou dias seguidos no assunto e começou a desconfiar se o mercador que lhe vendera o caldeirão na feira há muitos anos atrás a não teria enganado com material de segunda categoria. A ela, bruxa inexperiente e a dar os primeiros passos nas artes mágicas, podia facilmente ter-lhe dado um caldeirão com defeito. Decidiu então ir à próxima feira e levar o caldeirão ao mercador.

Procurando na seção das vendas de apetrechos de cozinha, a bruxa verificou que o mercador já não era o mesmo. Era neto do outro e, claro, não se lembrava – nem podia – das estrepolias comerciais do seu falecido avô. Ficou desapontada. Perguntou-lhe, todavia, o que podia fazer com o caldeirão furado. O mercador mirou-o, remirou-o, sopesou-o com ambas as mãos e disse:

– Este está bom é para você pôr ao pé da porta a fazer de vaso. Com uns pés de sardinheiras ficava bem bonito.

A bruxa irritou-se com a sugestão e, não fosse a gente toda ali na feira a comprar e a vender, transformava-o em sapo. Acabou por dizer:

– A solução parece boa, sim senhor. Mas diga-me cá: Se ponho o caldeirão a fazer de vaso, onde cozinho eu depois?

– Neste novo que aqui tenho e com um preço muito em conta…

A bruxa olhou para o caldeirão que o mercador lhe apontava, sobressaindo num monte de muitos outros, de um brilhante avermelhado, mesmo a pedir que o levassem. A bruxa, que tinha os seus brios de mulher, ficou encantada. O mercador aproveitou a ocasião para tecer os maiores elogios ao artigo, gabando a dureza e a grossura do cobre, os rendilhados da barriga, o feitio da asa em meia lua, a capacidade e o peso, tão leve como um bom caldeirão podia ser, fácil de carregar para qualquer lado.

– Pois bem, levo-o.

O mercador esfregou as mãos de contente.

– Mas aviso-o – acrescentou a bruxa. – Se lhe acontecer o mesmo que ao outro, pode ter a certeza de que o transformarei em sapo.

O mercador riu-se do disparate enquanto embrulhava o artigo. Os anos foram passando e a bruxa continuou no seu labor. Até que um dia deu por um furo no novo e agora velho caldeirão.

Rogou uma praga tamanha que o neto do segundo mercador que lho vendera, a essa hora, em vez de estar a comer o caldo na mesa com a família, estava num charco a apanhar moscas.

Fonte:
Portal São Francisco

Odenir Follador (Convite para Solenidade de Posse: 26 de abril)


sábado, 7 de abril de 2018

Zelinda Slomp (40 Trovas Seletas)


1
A água move o moinho,
o moinho mói o grão...
Do grão moído, fininho,
sai farinha para o pão.
2
A energia das mãos dadas,
numa devota oração,
sempre abre portas fechadas
e conquista o coração.
3
A mãe natureza oferta
florestas, a água e o ar.
Elementos, que na certa,
precisamos preservar.
4
À sombra da Catedral
está o velho campanário
chamando todo pessoal
para rezar o rosário...
5
Cheia de nós pelas costas
e a língua muito ferina,
tem sempre pronta as respostas
a irrequieta menina!
6
De mãos dadas e beijinho,
arrulhos no roseiral.
Cenas de amor e carinho
do apaixonado casal.
7
Diga com toda franqueza:
Oh! Espelho, espelho meu!
Onde está toda beleza
que a natureza me deu?
8
Do primeiro namorado,
guardo sempre na lembrança
um doce beijo roubado...
Brincadeira de criança...
9
Eu te exalto, verde e ouro
como exalto o branco e o anil.
São símbolos do tesouro
que é o nosso imenso Brasil.
10
Harpas, violinos e banjos,
em suave melodia,
embalam cantos de anjos
ao chegar um novo dia.
11
Homem de boca pintada,
mulher de basto bigode:
é correr em disparada,
pois com eles ninguém pode!
12
Maria Mãe de jesus,
da catedral padroeira,
seu exemplo nos conduz
a uma fé mais verdadeira.
13
Milhões de luzes brilhantes
no universo das estrelas
são como joias distantes,
só vejo, não posso tê-las!
14
Não fiques aí na gare
olhando o trem que passou.
Corra, lute, não pare,
que a vida o vento levou.
15
Não há no mundo uma herança
mais rica e mais valiosa
do que uma bela lembrança
escrita em verso ou e prosa...
16
No começo deste dia,
a minha bela oração:
peço a Jesus e Maria,
dos males - libertação.
17
No grande palco da vida
há um cenário iluminado
por uma estrela perdida
que espera a volta do amado.
18
O enorme brilho da lua
faz aumentar o meu desejo
de tocar tua pele nua
com o calor do meu beijo.
19
O poder da minha fé
está sempre na oração:
peço a Maria e José,
ajuda e consolação.
20
O povo na Catedral,
numa sublime oração,
louva o Cordeiro Pascal
com amor e devoção!
21
Para vidas estressadas,
existe uma solução,
se estivermos de mãos dadas,
"Coração a coração"!
22
Por lugares bem risonhos
viaja o meu pensamento...
Vai transformando os meus sonhos
em ânsias soltas ao vento.
23
Por um ato de bravura,
por um ato de grandeza,
abolindo a escravatura,
perdeu seu trono a princesa.
24
Quando fenece o vigor,
com as águas já passadas,
restará amizade e amor
caminhando de mãos dadas.
25
Quem na lisura não medra,
deve agir devagarinho,
evitando jogar pedra
no telhado do vizinho.
26
Quem na vida pede tralhas
não lamente o que perdeu,
pois as tralhas são migalhas
de tudo o que Deus lhe deu!
27
Quem tem força, garra e raça,
e faz tudo com amor,
vai em frente, enfrenta, abraça...
Será sempre um vencedor!
28
Quem na vida tem vontade
de galgar os altos cumes
tenha ao seu lado a bondade,
e de nada tenha ciúmes.
29
Saint-Exupéry criou
um príncipe de alma pura
que toda jovem buscou
como fonte de cultura.
30
Se adormecer o vigor
com as águas já passadas,
haverá amizade e amor
caminhando nas calçadas.
31
Se é amor a primeira vista,
não perca a oportunidade:
vá em frente, não desista,
abrace a felicidade.
32
Sejam Maria ou Teresa
a musa do eterno amante,
é na língua portuguesa
que o verso aflora vibrante.
33
Somente tendo vontade
não se criam boas trovas.
É preciso, na verdade,
buscar sempre ideias novas!
34
Se perguntar não é ofensa,
digo então para a comadre:
Tens barriga de nascença?
Ou é obra do compadre?
35
Tem um fantasma escondido
nas brumas do meu passado,
lembrança do amor partido
do primeiro namorado!
36
Tenho sempre na lembrança
aquele amor que perdi.
E por simples vingança,
só sublimei, não vivi.
37
Toda luz que nos aquece
emana, sempre, de Deus;
nosso Pai jamais esquece
dos amados filhos seus!
38
Todos no palco da vida,
representam seu papel:
para uns, difícil lida...
para outros, só favos de mel.
39
Velho, levante a cabeça!
Não mire apenas o chão!
Deixe que o mundo conheça
em seu olhar... a paixão!
40
Zás-trás! É num só segundo
aciono um simples botão.
Abro a janela do mundo,
recebo a Televisão.

___________________________________________________
Zelinda Cecília Regla Slomp nasceu em Carlos Barbosa/RS, em 1931. Mudou-se para Caxias do Sul ainda jovem. Licenciada em História pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Caxias do Sul (UCS), formou-se em 1964.

Sempre gostou muito de escrever. Conheceu a poetisa e trovadora Eloy M. de Oliveira Fardo da qual se tornou amiga, as quais junto a outros apreciadores da boa poesia, passou a fazer parte da União Brasileira de Trovadores, Seção Caxias do Sul. Zelinda, em 1996 recebeu Menção Honrosa no Concurso Estadual de Trovas e, em 1997 foi Vencedora no Concurso Municipal de Caxias do Sul . Em 2000 participou da Antologia "A Trova Literária em Caxias do Sul". Era sócia efetiva do Clube da Simpatia de Olhão, de Algarve, Portugal.

Zelinda teve textos publicados em diferentes livros e escreveu, em Porto Alegre, o livro de trovas “Só Trovas” e em 2002, o obra “A Aurora da Minha Vida”. Finalizou a publicação com a trova:

“Não fiques aí na gare
olhando o trem que passou.
Corra, lute, não pare,
que a vida o vento levou.”

Zelinda morreu aos 83 anos, em Porto Alegre, vítima de complicações do Parkinson.

Fontes:
Jornal de Santa Catarina – Seção Obituário
– União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Milton S. De Souza (editor). Livro de Trovas de Zélia de Nardi e Zelinda Slomp. Coleção Terra e Céu vol. XCIX. Porto Alegre/RS: Textocerto, 2016.
– União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Calêndula Literária.

Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 41 a 44

41 — A CABEÇA NA PONTA DO POSTE

Um tal Joaquim Silvério dos Reis, coronel de um regimento de cavalaria auxiliar, tinha denunciado os conspiradores. Para encurtar o caso: Cláudio Manuel da Costa enforcou-se na prisão. O poeta Gonzaga foi mandado para a África, para bem longe de Marília dos seus sonhos. Muitos tiveram a mesma sorte. Outros foram condenados à morte.

Chegaram-nos notícias de Tiradentes. Submetido a interrogatórios repetidos, ele insistia em negar a culpabilidade dos amigos. Dizia-se o único responsável por tudo: o animador, o chefe e principal culpado da tentativa de revolta. A pena de morte dos outros foi comutada. Mas Tiradentes foi levado à forca. Eu não quis assistir ao seu martírio. Sei que ele manteve a coragem e a fé até o fim. Não fraquejou. Foi levado para o patíbulo num cortejo assustador.

Devia estar impressionante naquela bata branca que ia ser a sua mortalha. Levava na mão um crucifixo preto, para o qual ele olhou todo o tempo, murmurando preces. Quando me disseram que o corpo de Tiradentes fora esquartejado, sendo sua cabeça espetada na ponta de um poste — estremeci de raiva e cheguei a chorar de sentimento. E não sei se por influência dos versos de Gonzaga, começou a dançar em minha cabeça esta frase: “Aquela cabeça na ponta do poste é uma bandeira, a bandeira da nossa liberdade.”

Foi assim que terminou a aventura da Inconfidência Mineira. Foi assim que perdi o meu amigo Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

42 — CHEGA-NOS NOVO SÉCULO E UM REI...

Entramos num novo século. No ano de 1800 eu me encontrava no Rio de Janeiro. Minha cabeça era um ninho de ideias confusas. As recordações da taba se misturavam com as dos quilombos, com as da guerra contra os holandeses e com as de meu convívio com Anchieta. Eu continuava a ser um homem solitário. Se por um lado não era ainda civilizado, por outro lado já tinha deixado de ser um selvagem completo.

Anchieta me fizera perder o medo aos espíritos do mato e me dera a conhecer o Deus único, que era agora o meu Deus. Mas eu ainda sentia o desejo da aventura e, para mim, quem dizia aventura dizia guerra.

Aconteceram coisas importantes em Portugal no ano de 1807. D. João VI assumira desde 1792 a regência do país, porque sua mãe, a Rainha Maria I não estava “regulando bem”, como se diz em linguagem familiar. Como já contei, Portugal sempre foi aliado da Inglaterra. Inimigo deste último país, Napoleão Bonaparte mandou invadir Portugal. Que foi que fez D. João VI, Príncipe Regente: Rumou para o Brasil, transferindo para cá a sede da monarquia portuguesa. Com ele vieram 15 000 pessoas.

Pude ver com meus olhos e ouvir com meus ouvidos as festas com que receberam o soberano e sua comitiva no Rio. A cidade teve a sua importância aumentada. Ganhou um ministério, tribunais, escolas, repartições...

Logo após sua chegada, entusiasmado com a recepção, contente por ter escapado à fúria conquistadora de Napoleão, encantado com a beleza da heroica cidade de São Sebastião, — D. João VI praticou vários atos de utilidade pública. Abriu os portos do Brasil ao comércio das nações amigas. Criou uma academia de Belas-Artes, a imprensa régia, uma biblioteca pública e um jardim botânico. O Regente D. João VI estava em franco idílio com o Brasil. Foi por esse tempo que comecei a amar de verdade os livros. Durante vários anos frequentei uma escola. Para me manter, trabalhei como sapateiro remendão. Ganhava o suficiente para viver. Visitava a biblioteca pública. Aos poucos ia ficando com uma visão mais larga do mundo e da vida.

Assisti pela primeira vez a uma corrida de touros. Foi lá que o selvagem que dormia dentro de mim tornou a despertar. Num dado momento, não resistindo ao grande entusiasmo que me fervia no peito, saltei para a arena. Ergueu-se uma gritaria. Sai fora! Olha o touro! O’ maluco! Eu estava fascinado. O touro, parado, fuzilou para mim um olhar furioso. Precipitou-se na minha direção. Quebrei o corpo e me livrei do golpe. Em seguida segurei o animal pelas aspas e nossa luta começou. Eu tinha músculos rijos. Os espectadores da tourada estavam em silêncio. Os toureiros recuaram. O sol batia em cheio na praça e perto de nós as nossas sombras também lutavam no chão. Aquilo durou cinco minutos. Derrubei o touro, torci-lhe o pescoço. Ele ficou estirado no pó, ofegando. Ergui-me. Estouraram palmas e vivas.
43 — UM CAPRICHO DE D. CARLOTA

D. João VI, que assistia à tourada do camarote real, mandou-me chamar. Falei com o Regente sem a menor comoção. Vi que era um homem de bochechas gordas e coradas. Tinha um ar camarada. Perguntou-me se eu queria ser criado do paço. Aceitei, é claro, e no dia seguinte estava metido numa libré de botões dourados. Passei a ter vida um pouco melhor.

Muitas vezes acompanhei a princesa real D. Carlota nos seus passeios de carruagem. Eu ia à boleia, muito perfilado e enfeitado. Quando a carruagem real passava, todas as criaturas eram obrigadas a parar e ajoelhar-se, estivessem onde estivessem. Eu vi lindas moças e belos cavalheiros dobrarem o joelho à passagem de Sua Alteza. Por quê? — perguntava eu a mim mesmo. D. Carlota não era uma pessoa igual às outras, de carne e osso? Todos os homens não eram iguais como nos ensinava Anchieta? Eu guardava esses pensamentos para mim. E quando ia abrir a portinhola da carruagem para a princesa descer, quase encostava também o nariz no chão.

Nas horas vagas eu apanhava algum livro e lia. Sentia agora vontade de conhecer outros povos, outras terras. Seria bem bom lutar sob as ordens de Napoleão ou sair em um navio em busca de terras distantes.

Lá por 1817 nos chegaram notícias alarmantes de Pernambuco. A ideia de Tiradentes andava ainda assombrando o Brasil. Falava-se em independência. Domingos José Martins e Domingos Teotônio Jorge estavam à frente dum movimento revolucionário que declarou a independência da Província, instituindo um governo provisório. Confesso que fiquei alegre, lembrando-me de meu amigo Tiradentes. Mas a revolução não tardou em ser abafada. Seus chefes foram condenados à morte. Mais vítimas! Mais vítimas!

Falei-lhes há pouco na agora Rainha D. Carlota, não foi? Pois um dia ela teve um capricho... Olhando por acaso um mapa, viu lá no extremo sul do Brasil um território cujo nome lhe soou bem: Banda Oriental. Manifestou o desejo de ser rainha também dessa terra. Lavrava a guerra civil nesse país. D. João VI examinou a situação. Viu que os Estados do Prata estavam cansados de repetidos ataques da parte dos ingleses. Não hesitou. Mandou invadir a Banda Oriental. Mas antes de transporem as fronteiras, as tropas de D. João VI tiveram a notícia de que a Inglaterra, intervindo na questão, conseguira a assinatura do armistício. D. João VI teve de se comprometer a não meter o real bedelho na nação vizinha. Mas quatro anos depois, caudilhos orientais praticaram depredações nas nossas fronteiras. Belo pretexto! D. João VI viu nele a oportunidade de realizar o sonho de D. Carlota.

Mandou ocupar a Banda Oriental, espichando dessa forma as fronteiras do Brasil. O Ten. Gen. Lecor marchou sobre Montevidéu. Em 1821 a Banda Oriental passava a fazer parte da Coroa de D. João VI com o nome de Estado Cisplatino.
44 — IDEIAS QUE O VENTO TRAZ...

Mas a todas essas eu não contei nada a vocês a respeito do filho de D. João VI. No entanto muito trabalho me deu ele. Chamava-se Pedro. Chegara ao Brasil com nove anos e meio. Era um rapaz inquieto e impetuoso, travesso e todo cheio de vontades. Quando ficou mocinho me escolheu para pajem. Segui-o em muitas aventuras e mais de uma vez consegui livrar o príncipe de grandes apertos.

Lá por fins de 1820 rebentou uma revolução em Portugal. A notícia estourou no Rio como uma bomba. D. João VI resolveu que seu filho Pedro partisse para Portugal para tomar conta do governo. O Rio de Janeiro estava em polvorosa. As ideias de liberdade que andavam espalhadas por todo o mundo, como que trazidas pelo vento, contagiaram os brasileiros. O que naquela época acontecia, eu não podia compreender com limpidez. Hoje vejo claro. O povo decerto raciocinava assim:

“Ora, se Napoleão com tanta facilidade tomou conta de Portugal atirando D. João VI e sua Corte para o Brasil, por que não havemos nós de com igual facilidade mandar D. João VI e seu povo para Portugal? Somos maioria. Temos direito de ser nação independente. Olhem os Estados Unidos, vejam como progride aquela terra!”

D. João VI, sem querer, contribuíra para alimentar essas ideias de independência. Criando bibliotecas, escolas, jornais, museus — dera vistas mais largas ao povo e este foi compreendendo as vantagens de ser livre, de ter regalias, de progredir. Os portos estavam abertos aos navios das nações amigas. Chegavam barcos da Europa, trazendo gente europeia, costumes europeus, ideias europeias.

Assim como nos nossos dias o cinema divulgou pelo mundo todos os costumes, a música e as coisas dos Estados Unidos da América do Norte — os viajantes que aportavam ao Brasil naquele tempo, os livros que vinham da França e da Inglaterra, os artistas que D. João VI mandava vir do Velho Mundo — espalharam por nossa terra as ideias de liberalismo.

Quando um dia o povo e as forças se revoltaram, obrigando o rei a jurar a futura constituição, eu sorri, pensando no meu amigo Tiradentes. A cabeça dele na ponta do poste era mesmo uma bandeira...

Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.

III Concurso de Trovas de Cachoeira do Sul/RS (Prazo: 30 de Julho de 2018)

REGULAMENTO

1. O III CONCURSO DE TROVAS DE CACHOEIRA DO SUL, promovido e realizado pela União Brasileira de TROVADORES, Seção Cachoeira do Sul, obedecerá a seguinte regulamentação:

2,  Para efeito deste concurso, entende-se por TROVA a composição poética de 4 versos (ou linhas) setissilábicos, rimando o 1º com o 3º e o 2º com o 4º, expressando um sentido completo.

3. Os temas, âmbitos e gêneros serão os seguintes:

ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL: PRINCESA (L/F)

ÂMBITO ESTADUAL: ARROZAL (L/F) – para trovadores residentes no RS.

4. Cada autor poderá enviar um máximo de 2 (duas) trovas,

      4.1. pelo sistema de envelopes, para o endereço a seguir: “a/c de Jaqueline Machado – Rua Alarico Ribeiro, 2.502, CEP 96503-268 – Cachoeira do Sul – RS.

      4.2. Por e-mail, para a fiel depositária:  concurso.cachoeiradosul@gmail.com

5. Prazo para remessa: 30.07.18.

6. Serão constituídas comissões julgadoras, compostas por trovadores de reconhecido mérito literário, para ambos os temas.

7. A premiação, composta de diplomas, será enviada diretamente aos vitoriosos via Internet. Haverá um mínimo de 3 vencedores, 3 menções honrosas e 3 menções especiais, a critério da UBT Cachoeira do Sul, em conjunto com as comissões julgadoras.

8. Os casos omissos serão resolvidos pela diretoria da UBT Cachoeira do Sul.

JAQUELINE MACHADO
Presidente

Fonte: Jaqueline Machado

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Trova 286 - Joaquim Carlos Trovador (Nova Friburgo/RJ)

André Kondo (Poema em 1.º Lugar no Prêmio de Literatura Unifor 2018)


O poema "Sobre sementes e folhas", de André Telecazu Kondo  ficou em 1.º lugar no Prêmio de Literatura Unifor 2018, categoria trabalho inédito, e está estampado na orelha do livro "A Peregrinação das Folhas Caídas". Aqui a primeira estrofe do poema:

Penetro na surda casca do outono
As linhas do meu tronco tatuam
Cada intempérie congelada em desterro
Camadas de perdas e esquecimentos

(...)

Em 2011, o seu livro "Cem pequenas poesias do dia a dia" venceu o Prêmio Unifor.

O primeiro poema deste livro:

uma folha
brinca sozinha
dando cambalhotas
de outono


Em 2012, como parte do prêmio, André foi aos Estados Unidos. Chegou lá no primeiro dia de outono daquele ano no hemisfério norte.

A obra foi selecionada pelo ProAC e ele escreveu a narrativa poética dessa viagem.

A convite da Unifor, voltou ao Teatro Celina Queiroz para lançar o livro em outono de 2018.

"Não sei como essas coisas acontecem, como a poesia funciona, mas sei que a peregrinação das folhas caídas... sempre traz um sabor de retorno." (André Kondo)
Quem quiser conhecer a obra, que recebeu o Prêmio Vicente de Carvalho - UBE-RJ e a Bolsa de Criação Literária do Governo de São Paulo, é só pedir aqui:

https://kondo.lojaintegrada.com.br/a-peregrinacao-das-folhas-caidas-andre-kondo

O livro acompanha sementes de "Sensitiva", uma planta cujas folhas... se movem ao toque.

O sucesso desse lançamento só foi possível porque foi realizado em quatro atos:

1) 22/03, no Teatro Celina Queiroz, pela Unifor.

2) 23/03. na Monsenhor Dourado pelo SESC-CE.

3) 24/03, no Centro Universitário Farias Brito, pela Especialização em Escrita Literária da Socorro Acioli.

4) 25/03, na cerimônia do Prêmio Yoshio Takemoto pela Nikkei Bungaku em São Paulo (os últimos exemplares, que não havia levado para Fortaleza).

Link sobre a premiação:

https://g1.globo.com/ce/ceara/especial-publicitario/unifor/ensinando-e-aprendendo/noticia/21-autores-de-poesia-sao-premiados-no-premio-de-literatura-unifor.ghtml
_________________
André Kondo é autor de vários livros premiados. Foi finalista do Prêmio Jabuti e recebeu mais de 250 prêmios no Brasil e no exterior. Filho de imigrantes japoneses, morou no Japão e na Austrália, sendo pós-graduado pela University of Sydney. Viajou por mais de 60 países em busca de inspiração, mergulhando na Grande Barreira de Corais no Pacífico, percorrendo trilhas no Himalaia, escalando um vulcão ativo na Guatemala, cruzando o Círculo Polar Ártico e os desertos de Gobi e do Atacama, navegando pelos rios da Amazônia e visitando os lugares mais sagrados e fascinantes do mundo: Jerusalém, a Grande Muralha da China, Petra, Machu Picchu, a Ilha da Páscoa, o Taj Mahal, os jardins de Lumbini, as pirâmides do Egito... “A Peregrinação das Folhas Caídas” é o seu segundo livro de poesia, que narra a sua aventura poética em busca dos grandes autores da América do Norte. Vive de literatura.

Fontes:
Texto sobre a premiação obtido no Facebook de André Kondo
Livraria Kondo

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Thalma Tavares (Inspiração)

Fonte: Facebook

Contos e Lendas do Mundo (Rússia: A Princesa Sapa)

Há muito muito tempo havia um rei que tinha três filhos. Quando eles chegaram a uma certa idade, o rei chamou-os e disse:

"Meus queridos jovens, quero que vocês casem para que possa ver meus netos antes de morrer."

E seus filhos replicaram:

"Muito bem, Pai, dê-nos sua bênção. Com quem devemos casar?"

"Cada um de vocês deve tomar uma flecha, ir até a campina e atirá-la. Quando a flecha cair, ali estará seu destino."

Então os filhos se curvaram diante do pai, e cada um tomou uma flecha e foi a campina executar o que tinha sido determinado.

A flecha do mais velho caiu nos domínios de um nobre, e a sua filha apanhou-a. A flecha do filho do meio caiu no quintal de um mercador, e a sua filha apanhou-a. Mas a flecha do mais jovem, príncipe Ivan, voou e foi-se para lugar desconhecido. Ele caminhou em sua busca, e já estava quase desistindo quando encontrou um sapo sentado com a flecha em sua boca. O príncipe Ivan disse:

"Sapo, sapo, devolva minha flecha."

E o sapo replicou:

"Case comigo!"

"Como eu posso casar com um sapo?"

"Case comigo, este é o seu destino."

O Príncipe Ivan estava muito desapontando, mas o que ele poderia fazer? Ele juntou o sapo e encaminhou-se para casa. O Rei celebrou os três casamentos: seu filho mais velho com a filha do nobre, seu filho do meio com a filha do mercador e o pobre príncipe Ivan com o sapo.

Um dia o Rei chamou os filhos e disse: "Quero ver qual de minhas noras é mais hábil com a agulha. Deixe que cada uma me faça uma camisa."

Os filhos se curvaram em direção ao pai e saíram. Príncipe Ivan foi para casa e sentou-se numa poltrona, muito desconsolado. O sapo apareceu pulando no chão e disse-lhe:

"Por que está tão triste, Príncipe Ivan? Está com algum problema?"

"Meu pai quer que você lhe faça uma camisa para amanhã de manhã."

Disse a sapa:

"Não desanime, príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é mãe dos conselhos."

Então príncipe Ivan foi para a cama e o sapo esperou que ele fechasse a porta, tirou sua pele de sapo e transformou-se em Vasilisa a sábia, uma donzela com formosura além de qualquer comparação. Ela bateu suas mãos e exclamou:

"Criadas e amas, estejam prontas para trabalhar! Amanhã de manhã quero uma camisa como meu próprio pai usaria!"

Quando Príncipe Ivan levantou-se na manhã seguinte, o sapo estava novamente no chão, e numa mesa, enrolada numa fina toalha, a camisa. Príncipe Ivan ficou encantado. Ele apanhou a camisa e levou-a ao seu pai. Ele encontrou o Rei recebendo os presentes de seus outros filhos. Quando o mais velho entregou a camisa o Rei disse:

"Essa camisa será de um dos meus empregados!"

Quando o do meio entregou o Rei disse:

"Esta é boa somente para o banho".

O Príncipe Ivan entregou sua camisa, finamente bordada em ouro e prata. O Rei tomou-a, olhou e disse:

"Agora esta sim é a camisa! Eu a vestirei nas melhores ocasiões!"

Os dois irmãos mais velhos foram para casa e disseram um ao outro:

"Parece que rimos antes da hora da esposa de Ivan - ela não é um sapo, e sim uma feiticeira."

Novamente o Rei chamou seus filhos:

"Que suas mulheres me façam um pão para amanhã de manhã" ele disse. Quero saber qual delas cozinha melhor.

Príncipe Ivan retornou à  sua casa muito triste. A sapa perguntou-lhe:

"Por que está tão triste, príncipe?"

"O Rei quer que você lhe faça um pão para amanhã de manhã" replicou seu marido.

"Não se apoquente, Príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é a mãe de todos os conselhos."

As outras noras do rei que tinham rido da sapa na primeira vez, enviaram um velho criado para ver como a sapa fazia seu pão. Mas a sapa era astuciosa e adivinhou o que elas queriam. Ela misturou a massa, quebrou os ovos, colocou água, fez uma meleca e colocou no forno. O velho criado correu de volta para as outras esposas e disse-lhes o que tinha visto a sapa fazer.

Então a sapa esperou que todos se afastassem e se transformou em Vasilisa a Feiticeira, bateu palmas e gritou:

"Criadas e amas, estejam prontas, trabalhem logo! Amanhã pela manha quero um pão tão leve e branco como jamais nenhum ser humano tenha experimentado."

O Príncipe Ivan acordou pela manhã e encontrou sobre a mesa um pão que lhe pareceu o melhor que já tivesse provado, todo enfeitado com belas figuras, que ele levou imediatamente ao seu pai. O rei, ao experimentar o pão levado por Ivan, exclamou:

"Isso é o que chamo de pão! é tão bom que só serve para ser comido nos feriados!"

E o Rei determinou que seus filhos trouxessem, no dia seguinte, suas esposas para um banquete.

O Príncipe Ivan tornou-se sombrio novamente. A sapa, vendo-o assim, perguntou:

"Por que a tristeza, príncipe Ivan? Seu pai foi grosseiro com você?"

"Sapa, minha sapinha, como você poderia me ajudar? Meu pai quer que eu leve você ao banquete, mas como pode você aparecer diante do povo como minha esposa?"

"Não se amofine, Ivan," disse a sapa. "Vá para a festa sozinho que eu vou depois. Quando você ouvir uma batida e um estouro, não tenha medo. Se lhe perguntarem, diga que somente é sua Sapinha pulando na caixa."

Então foi o príncipe Ivan, sozinho. Seus irmãos mais velhos levaram as esposas, maquiadas e vestidas com roupas finíssimas. Eles aproveitaram para gozar de Ivan:

"E então, Ivan, não trouxe a sua esposa? Você poderia tê-la embrulhado num lenço. Você não deveria deixá-la sozinha por aí, com tanta beleza. Deve procurá-la no pântano!"

O Rei e seus filhos e noras e todos os convidados começaram o banquete. De repente, houve uma batida e um estouro que foi ouvido em todo o palácio. Então o príncipe Ivan disse:

- Não tenham medo, boa gente, é apenas minha sapinha passeando em sua caixa. 

Foi quando uma carruagem dourada, puxada por seis cavalos brancos parou em frente ao palácio e Vasilisa, a Feiticeira, num vestido azul-turquesa clamado de estrelas e com uma lua sobre sua cabeça, tomou Ivan pela mão e levou-o até a mesa do banquete.

Os convidados começaram a comer, beber e se divertir. Vasilisa bebeu de seu copo e derramou as sobras em sua luva esquerda. Então comeu e colocou os ossos na luva direita. As esposas dos príncipes mais velhos viram-na fazendo isso e imitaram seus gestos.

Quando a comilança acabou, era hora da dançar. Vasilisa convidou Ivan, e ambos dançaram e rodopiaram, sob os olhares admirados de todos. Ela sacudiu então sua luva esquerda e... apareceu um lago! Ela sacudiu a luva direita e cisnes começaram a nadar no lago. O Rei e seus convidados ficaram impressionados com tal maravilha. Então as noras do rei foram dançar. Elas sacudiram uma das luvas, mas apenas vinho caiu sobre os convidados; sacudiram a outra, mas apenas ossos roídos caíram, sendo o Rei atingido na testa por um.

Enquanto isso, Ivan correu de volta para casa. Ele encontrou a pele do sapo e jogou-a no fogo. Quando Vasilisa voltou para casa, procurou a pele mas não conseguiu achá-la. Triste, falou a Ivan:

- O que você fez? Tivesse esperado mais alguns dias, eu seria sua para sempre. Mas agora, adeus. Procure-me além das Trinta e Nove Terras, no Décimo Reino, onde Koshchei, o Imortal, vive. 

Dizendo isso, transformou-se num cuco cinza e voou pela janela. O Príncipe Ivan, desesperado, partiu em busca de sua esposa, Vasilisa. Caminhou, caminhou, que os seus sapatos perderam as solas, e sua túnica se rasgou, e sua capa não mais o protegia da chuva. No caminho, encontrou um homenzinho, muito muito velho.

"Bom dia, meu rapaz - disse o velhinho. – "Onde estás indo e qual a tua missão? 

O Príncipe Ivan contou-lhe o acontecido.

"Ah, por que queimaste a pele, Ivan?" disse o velho. "Ela não era sua nem era seu direito fazê-lo. Vasilisa ficou tão sábia quando seu pai, e por isso ele se enraiveceu e transformou-a em sapo por três anos. Ah, bom, mas não vai ajudá-lo agora. Pegue esse rolo de barbante e siga para o local que ele desenrolar.

Ivan agradeceu ao homenzinho e seguiu a bola de barbante. Num campo aberto, ele encontrou um urso. Ivan estava pronto a matá-lo quando ouviu-o falar em voz humana:

- Não me mate, príncipe Ivan, pois talvez precises de mim um dia."

Ivan então deixou o urso partir. Subitamente ele viu um marreco voando sobre sua cabeça. Pegou sua arma e, quando foi atirar, ouviu o marreco falar com voz humana:

- Não me mate, Ivan, pois talvez precises de mim um dia. 

Ele poupou o pato e se foi. O mesmo aconteceu em seguida, só que com uma lebre e mais uma vez ele poupou a vida do animal.

Caminhando ainda, Ivan chegou ao mar e viu um lúcio debatendo-se na areia.

- Ah, príncipe Ivan ,disse o peixe,  jogue-me de volta ao mar.- 

Então, ele jogou o peixe de volta na água e continuou seguindo a bola de barbante, indo parar numa floresta, onde encontrou uma cabana de madeira. Lá, estava sentada Baba-Yaga, a bruxa, com uma vassoura na mão. Quando ela viu Ivan, disse:

"Ugh, ugh, sangue russo, nunca encontrado por mim, agora eu sinto cheiro na minha porta. Quem é? ? Onde está? 

"Você poderia me dar comida e bebida e um banho de vapor antes," retorquiu Ivan.

Então Baba-Yaga deu-lhe um banho de vapor, alimentou-o e colocou-o na cama. Então o Príncipe Ivan perguntou-lhe sobre sua mulher, Vasilisa a sábia.

"Eu sei, eu sei,"disse Baba Yaga. "Sua esposa está agora sob o poder de Koshchei, o Imortal. Vai ser duro trazê-la de volta. Koshchei não é páreo para você. As morte está na ponta de uma agulha. A agulha está num ovo. O ovo está num pato. O pato está numa lebre; a lebre num cofre; o cofre no topo do mais alto carvalho que Koshchei, o Imortal, guarda com olhos de águia."

Ivan passou a noite com Baba-Yaga, e, pela manhã, ela mostrou o caminho até o carvalho. Ele caminhou, caminhou, e chegou até carvalho, onde viu o cofre de pedra no topo. Mas era muito difícil de atingir. De repente, surgiu um urso e, jogando-se sobre a árvore, sacudiu-a de tal forma que o cofre caiu, quebrou e se abriu. Do cofre saiu uma lebre que partiu numa corrida. A outra lebre, cuja vida o príncipe havia poupado, disparou atrás da primeira e capturou-a. De dentro dela saiu um pato, que partiu como uma flecha pelo ar. Mas em seguida o pato, cuja vida Ivan havia poupado, partiu em sua perseguição, e o fez soltar o ovo, que caiu no mar.

Ivan caiu em prantos. Como poderia achar o ovo no mar? Neste momento o lúcio, salvo por Ivan, nadou até a borda da praia com o peixe em sua boca.

Ivan quebrou o ovo, pegou a agulha e quebrou sua ponta. Não demorou muito para Koshchei curvar-se e gritar, mas tudo em vão. Caiu morto. Ivan correu até o castelo de pedras brancas. Vasilisa correu em sua direção, abraçando-o, beijou-o. E príncipe Ivan e Vasilisa voltaram para sua própria casa e viveram em paz e felicidade até a velhice.

Fonte:
Contos de Encantar

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Trova 285 - Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)


Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 37 a 40

37 — A DESTRUIÇÃO DOS QUILOMBOS

Foi em 1687 — nove anos depois do tratado — que a grande expedição comandada por Domingos Jorge Velho se aproximou dos Palmares. Preparamo-nos para a luta. Não pensem que ela durou três dias. Foram oito anos de guerra encarniçada, com pequenos intervalos de descanso aqui e ali. Dizem que o negro é covarde. Quem o viu lutar nos Palmares não acredita nesta afirmação.

Cercados, cansados, com a munição diminuindo, começamos a afrouxar a resistência. As mulheres do quilombo choravam e gemiam. A coisa mais triste de que me lembro foi de uma noite, já no fim da campanha, quando os tiros tinham cessado. As negras — velhas, moças, meninas — desataram num cantochão tão triste, tão arrastado, tão doloroso que eu tive vontade de sair correndo e gritando e me entregar aos soldados de Domingos Jorge Velho.

Os nossos guerreiros se acabavam. Aos poucos íamos perdendo terreno. Os olhos do Zumbi brilhavam e eu podia adivinhar um pensamento desesperado dentro daquela cabeça de gigante.

Por fim fomos completamente destroçados. O quilombo invadido e destruído. Não me esquecerei nunca mais daquela cena. O Zumbi e seus generais subiram para o alto dum penhasco. Eu os segui. Lá do alto eles ainda fizeram um gesto de desafio para as forças invasoras. Depois se precipitaram no abismo. Fechei os olhos. E no momento seguinte me encontrei sozinho naquele pico. Era preciso fazer alguma coisa. Só um pensamento me ocorreu: fugir... Fugi. Se não fugisse, não podia estar aqui agora, contando a vocês esta espantosa aventura.
38 — CEM ANOS SÃO CEM ANOS...

Vocês já leram a “Nova Floresta” do Pe. Manuel Bernardes? Há lá uma deliciosa história chamada “Como o Tempo Passa” onde se encontram estas palavras; tiradas dum salmo: “Mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que passou...”

O tempo é mesmo uma coisa muito relativa. Relativa e vaga. Às vezes se confunde com o espaço. Por exemplo: “Que distâncias há daqui até ali?” — perguntamos. Respondem-nos: “Duas horas de trem; uma hora de automóvel.” Como se vê, medimos o espaço com o tempo. E vice-versa, pois, referindo-nos a uma palestra que mantemos num trem em movimento, podemos dizer: “Nossa conversa durou três quilômetros.” Não há minutos que nos parecem uma eternidade? E anos que nos parecem rápidos como um dia?

Cem anos são cem dias na História dum povo.

Que se passou nos dez anos que se seguiram à derrota e destruição dos Palmares? Na minha vida, nada. Foi um período cinzento, vazio de fatos interessantes. Na vida do Brasil tivemos a Guerra dos Emboabas e a Guerra dos Mascates. Emboabas era o nome que se dava aos portugueses. Ora, os paulistas, gente da terra, tinham descoberto as famosas minas gerais. Foi uma corrida parecida com a que muitos anos mais tarde se verificaria rumo do ouro da Califórnia. Toda a gente queria enriquecer da noite para o dia. Mas acontece que quem descobria as minas tinham sido os paulistas, que não viam com bons olhos o fato de os emboabas quererem também avançar nelas. A coisa acabou em guerra. Os emboabas levaram a melhor. O Governador Antônio Albuquerque de Carvalho serenou os ânimos e resolveu a questão. Tempos depois o governo tomou uma medida que prejudicava os trabalhadores das minas. Houve uma revolução cujo chefe foi Felipe dos Santos. Chegaram os revoltosos a sonhar com a independência de sua capitania. Mas apareceu por lá um tal Conde de Assumar (eles deviam desconfiar deste nome esquisito), fez umas promessas tentadoras, os revoltosos deixaram-se levar pelas cantigas do conde e acabaram mal. Filipe dos Santos foi condenado a ser atado vivo à cola de um cavalo bravo e arrastado pelas ruas. Seria mau gosto descrever a vocês o que foi esse suplício.

Por isso vamos dar depressa um salto para 1710, ano em que tivemos a Guerra dos Mascates, Mascates eram os portugueses estabelecidos no Recife. A guerra terminou em 1711. Uma rivalidade parecida com a que se verificou entre paulistas e emboabas; acontecia que no caso dos mascates não havia minas era jogo.

Quem olha hoje as claras fronteiras do extremo sul do Brasil, não imagina as lutas que se travaram em fins do século XVIII e princípios do XIX por causa delas. Graças aos paulistas e aos jesuítas o Brasil crescera, espichando-se até os confins do Paraguai e da Bolívia. Começou então a guerra entre portugueses e espanhóis por causa das fronteiras. Os portugueses fundaram a Colônia do Sacramento no extremo sul do Brasil, à margem esquerda do Rio da Prata. José de Garro, governador de Buenos Aires, não gostou da história, assaltou a nova colônia e tomou-a. Veio um tratado e mais tarde Sacramento voltou para os portugueses. Houve alterações na política da Espanha — fatos que não eram absolutamente de nossa conta mas que vieram influir na nossa vida. Surgiu um exército comandado por D. Alonso Valdez e lá se foi a Colônia do Sacramento outra vez para as mãos dos espanhóis.

Alguns anos mais tarde fez-se outro tratado e Sacramento tornou a voltar para o poder dos portugueses. A colônia era como uma peteca que andava dum lado para outro, num jogo que custava muitas vidas e muito dinheiro.

Entre 1710 e 1711 tivemos a amável visita de nada menos de dois corsários franceses, que queriam simplesmente tomar conta do Rio de Janeiro. O primeiro — François Du Clerc, foi mal sucedido. Vencido na guerra, foi depois assassinado misteriosamente, como num romance de Edgar Wallace. O outro — Duguay-Trouin — encontrou um governador fracalhão — Castro Morais - e tomou conta da cidade. Exigiu um resgate de 600 000 cruzeiros, 100 caixas de açúcar e 200 bois. Só foi embora depois que recebeu a última prestação do resgate. A História não conta — e eu não sei — se os bois foram também postos a bordo e levados para a França.

1750 foi o ano em que se procurou traçar claro a linha divisória entre os domínios de Portugal e os de Espanha. Lá veio outro tratado, o de Madrid.

Segundo ele, Portugal era obrigado a entregar a Colônia do Sacramento, recebendo em troca o território dos Sete Povos das Missões. Na hora, porém, em que a comissão encarregada de demarcar as fronteiras estava realizando o seu difícil trabalho, vieram os índios atrapalhar. Dou minha palavra de honra como não estava no meio deles. A questão acabou em briga feia. Em Portugal, o Marquês do Pombal desconfiou de que eram os jesuítas que incitavam os índios a guerrear os demarcadores das fronteiras. Promoveu então a expulsão dos jesuítas das terras de Portugal. Mas isso não matou a questão, é claro.

Rebentaram novas lutas nas bandas do Sul. D. Pedro Zeballos tomou a Colônia do Sacramento, invadiu o Rio Grande do Sul, apossou-se de alguns fortes, como Santa Teresa, São Miguel e o da povoação de São Pedro. A Europa estava em guerra por esse tempo. Os Bourbons, que governavam a França, as Duas Sicílias, Parma e Espanha, uniram-se em aliança contra a Inglaterra. Portugal nesse tempo era aliado da Inglaterra e ainda continua a sê-lo neste ano da graça de 1942. Foi uma razão bem forte para o rompimento das hostilidades entre portugueses e espanhóis no sul do Brasil.

Mas a pombinha da Paz pousou tímida no continente europeu. O tratado de Paris estabelecia que se restituísse tudo quanto se havia tomado como presa de guerra. Zeballos, porém não concordou com a decisão e só devolveu aos portugueses a famosa Colônia, ficando com os territórios ocupados no Rio Grande do Sul, que naquele tempo era conhecido pelo nome de Continente de São Pedro.

Zeballos não queria chegar às boas? Então de novo ia haver barulho. Por esse tempo o Rio de Janeiro foi elevado a Capital do Brasil e o vice-rei, Conde da Cunha, tratou de movimentar o seu exército para reconquistar os territórios perdidos no Sul. Depois duma longa campanha de altos e baixos, avanços e recuos — vence hoje o espanhol, vence amanhã o português — chega a notícia de que se firmara na Europa o Tratado de Santo Ildefonso, determinando, preto no branco, as fronteiras entre os domínios espanhóis e os portugueses. Quem saiu perdendo no negócio foi Portugal. Descontente, recorreu de novo às armas. Aquela gente gostava mesmo de brigar: atirava-se à guerra sem a menor cerimônia. Os espanhóis viram-se obrigados a, de derrota em derrota, recuar até Cerro Largo. Dois rio-grandenses desses de “faca na bota” — Borges do Canto e Santos Pedroso — conquistaram as Missões, que se compunham de sete povos: São Borja, São Nicolau, São Miguel, São Luís Gonzaga, São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo.

Á paz de Badajoz pingou um ponto final a essas guerras. E antes de botar o ponto final a este capítulo, quero repetir que cem anos são cem dias na História de um povo...
39 — POR CAUSA DE UMA DOR DE DENTE

Por causa de uma dor de dente eu me vi envolvido num dos dramas mais sérios e importantes da História do Brasil. Eu conto. Foi lá por fins do século XVIII Os ventos da sorte me tinha empurrado para Minas Gerais e eu me encontrava parado na Vila Rica como um navio que de repente, esquecido do rumo, tivesse estacado em meio do oceano.

Lembro-me bem de que passei uma noite em claro, por causa dum dente que me doía horrivelmente. A verdade era que nos meus tempos de índio livre eu não sentia nada na dentadura, apesar de lhe dar sempre um serviço duro e perigoso.

Vi clarear o dia. O meu desespero aumentou. Na rua mal tive voz para perguntar ao primeiro homem que encontrei:

— Moço, onde é que eu encontro um dentista?

Resposta:

— Vá à casa do Alferes Joaquim José.

Julguei que ele estava troçando e fiquei vermelho de raiva.

— Sou índio mas não sou burro. Onde se viu um alferes tirar dentes?

Disse isto e fiquei com vontade de brigar.

— Bom homem, não se zangue. Joaquim José da Silva Xavier é alferes dos dragões, mas nas horas vagas faz de dentista. Deram-lhe até o apelido de Tiradentes. É um sujeito muito habilidoso. Vá e não ficará arrependido.

Deu-me o endereço do alferes dentista Fui.

Encontrei um homem impressionante. Olhos escuros, brilhantes, cabelos pretos. O rosto pálido tinha um ar de decisão e de coragem. Dentro de um minuto eu estava na cadeira do Tiradentes. Enquanto preparava os ferros ele ia fazendo perguntas.

— Como se chama?

— Tibicuera.

— Descendente de índio?

— Não. Índio puro.

— Ah! Abra a boca e tenha coragem.

Vinte segundos depois Tiradentes me mostrava na ponta de um ferro o meu dente cariado. A dor foi aguda e forte, mas eu a suportei sem gemer.

— Agora faça bochechos com isto.

Deu-me um copo com água salgada. E enquanto eu bochechava, o dentista me fazia novas perguntas sobre minha vida. De repente parou diante de mim e disse:

— O Brasil também está com dor de dentes.

Olhei para ele espantado. Meus olhos perguntaram:

— Como?

— O dente que dói, o dente que é preciso tirar são os portugueses. Devemos mandá-los embora para sua terra e tomar conta deste grande país para nós, brasileiros.

Eu estava espantado. Esqueci o dente e fiz uma série de perguntas. Não me passara nunca pela cabeça a ideia de que fosse possível fazer o que Tiradentes queria.

— Mas os portugueses concordam em ir embora? — perguntei.

O alferes soltou uma risada.

— Havemos de vencê-los pelas armas. Faremos uma revolução! De repente se calou, ficou sombrio, como que arrependido de ter falado tanto na
frente dum desconhecido.

Levantei-me.

— Quanto custa? — indaguei.

— Não custa nada.

— Mas eu quero pagar.

— Então me pague da seguinte forma: pense no que lhe disse, procure amar o Brasil, desejar-lhe a liberdade, fazer dele uma nação independente, grande...

À medida que falava, Tiradentes ia se exaltando de tal forma que por fim já havia lágrimas em seus olhos. Disse-me que os brasileiros viviam esmagados pelos impostos. O governo em breve ia fazer a cobrança de impostos atrasados. Vila Rica não progredia, era até chamada Vila Pobre. Outros países já se tinham livrado de seus opressores. Os Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, haviam proclamado sua independência, separando-se da Inglaterra. Era um povo novo como o nosso. Por que não podíamos nós também ser uma nação independente?

Fui-me da casa daquele homem levando um peso na alma. O Brasil podia ser livre! Esta ideia não me deixou o resto daquele dia, fez parte de meus sonhos daquela noite. Ao amanhecer um novo dia, fui procurar Tiradentes. Contei-lhe que era só no mundo e não tinha planos. Eu queria me entregar a ele. Seria um amigo seu, disposto a tudo. Eu não tinha influência política nem dinheiro; mas sabia brigar, podia repetir sem erro um recado e conhecia os caminhos do litoral.

Para encurtar o caso: fiquei com Tiradentes.

O alferes não descansava. Fazia propaganda da sua ideia Conseguia novos soldados para a revolução. Havia gente de posição metido na conspiração. Mas eu não sei que pressentimento me estava dizendo que aquilo tudo ia acabar mal.
40 — A CONSPIRAÇÃO

Uma noite os conspiradores se reuniram na casa de Tiradentes. Tive o prazer de lhes fazer um bom café. Enquanto eles discutiam, fiquei junto da porta, indo de quando em quando passeei pelo corredor e espiar pela fresta da janela, a ver se se aproximava algum vulto suspeito. As pessoas que lá estavam eram Joaquim José da Silva Xavier, o meu querido chefe; Alvarenga Peixoto, o Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, José Álvares Maciel, o Pe. Carlos Correia de Toledo e Melo, o Cel. Domingos de Abreu... e não me lembro mais de nenhum nome.

O plano era simples. Quando o governo fizesse a cobrança dos impostos — a derrama — explodiria o movimento. A senha era esta: “Hoje faço o meu batizado”.

O povo se revoltava, conseguia a adesão dos dragões, que seriam influenciados por Tiradentes e pelo seu comandante Paula Freire de Andrada. Prenderiam as autoridades portuguesas. Libertariam os escravos. Instalariam muitas fábricas importantes — todas as fábricas que um decreto recente de Portugal proibira de funcionar no Brasil. E a nova nação teria uma bandeira com este dístico: Libertas quae será támen. Quando os inconfidentes falaram nisto, não gostei. Eu não entendia. Fiquei sabendo depois que era uma frase latina do poeta Virgílio. Queria dizer: “Liberdade ainda que tarde”.

O Pe. Toledo junto com Alvarenga Peixoto conseguiu convencer o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o Dr. Cláudio Manuel da Costa a aderirem ao movimento. Gonzaga era poeta. Estava apaixonado por uma moça chamada Dorotéia. Fazia versos em que lhe dava o nome de Marília. Sempre impliquei com esse costume que os poetas têm de não darem o nome verdadeiro às coisas. Mas eu gostava de Gonzaga, que era um homem melancólico, de ar sonhador. Muita vez levei recados seus à noiva. Foi um romance bonito mas que não teve aquele final dos romances antigos: “Casaram-se e foram muito felizes.”

A ideia marchava. Tiradentes resolveu ir até o Rio a serviço da revolução. Acompanhei-o montado num burro emprestado. Foi uma viagem dura. Chegamos à Capital do Brasil e uma tarde percebi que estávamos sendo seguidos. Disse de minhas desconfianças a Tiradentes. Ele sorriu e troçou:

— Tibicuera está vendo fantasmas...

Mas eu sentia a nosso redor a sombra dos espiões. Passei a andar inquieto e de olho alerta.

Tiradentes parava na casa de um amigo na Rua dos Latoeiros, que hoje se chama Gonçalves Dias. Um dia ouvimos barulho de passos na rua. Devia ser uma patrulha, a julgar pela cadência das batidas no calçamento. O dono da casa foi à janela e empalideceu. Voltou-se para o hóspede e não teve voz para lhe dizer que a casa estava cercada. Tiradentes compreendeu tudo num relance.

Gritou:

— Foge, Tibicuera!

E precipitou-se para a porta dos fundos. Era tarde. Prenderam-no cinco soldados. Mais dois caminhavam para mim. Dei um salto de tigre e desandei a correr pelo corredor... Derrubei o primeiro homem que encontrei pela frente. Saltei pela primeira janela aberta. Cai numa pequena área. Um muro na minha frente. Escalei-o com a agilidade de um... de um homem perseguido. Poucos segundos depois eu entrava na varanda de uma casa desconhecida onde duas mulheres se puseram a gritar. Ganhei o pátio dessa casa, saltei por cima de novo muro e me vi noutra rua. Comecei a andar com naturalidade. Caminhei durante meia hora. Estava fora de perigo. Mas um pensamento tomara conta de mim: Era preciso avisar os inconfidentes de Vila Rica. Com as economias que tinha, comprei um burro e me pus a caminho. Quando, dias depois, cheguei a Vila Rica foi para saber que todos os inconfidentes estavam presos.

Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Trova 284 - Cleber Roberto (São João de Meriti/RJ)


Contos e Lendas do Mundo (Irmãos Grimm: A Bela e a Fera)

Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suas três filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por isso era chamada de “BELA”.

Um dia, o pai teve de viajar para longe a negócios. Reuniu as suas filhas e disse:

— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trarei presentes. O que vocês querem?

As irmãs de Bela pediram presentes caros, enquanto ela permanecia quieta. O pai se voltou para ela, dizendo:

— E você, Bela, o que quer ganhar?

— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas não crescem, respondeu Bela, abraçando-o forte.

O homem partiu, conclui os seus negócios, pôs-se na estrada para a volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas, que viajou por muito tempo sem descansar. Estava muito cansado e faminto, quando, a pouca distância de casa, foi surpreendido, em uma mata, por furiosa tempestade, que lhe fez perder o caminho. Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada, quando, de repente, descobriu ao longe uma luz fraca.

Com as forças que lhe restavam dirigiu-se para aquela última esperança. Chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto e acolhedor. Bateu várias vezes, mas sem resposta. Então, decidiu entrar para esquentar-se e esperar os donos da casa. O interior, realmente, era suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado de maneira esquisita.

O velho mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se e percebeu que havia uma mesa para uma pessoa, com comida quente e vinho delicioso. Extenuado, sentou-se e começou a devorar tudo. Atraído depois pela luz que saía de um quarto vizinho, foi para lá, encontrou uma grande sala com uma cama acolhedora, onde o homem se esticou, adormecendo logo.

De manhã, acordando, encontrou vestimentas limpas e uma refeição muito farta. Repousado e satisfeito, o pai de Bela saiu do palácio, perguntando-se espantado por que não havia encontrado nenhuma pessoa. Perto do portão viu uma roseira com lindíssimas rosas e se lembrou da promessa feita a Bela. Parou e colheu a mais perfumada flor.

Ouviu, então, atrás de si um rugido pavoroso e, voltando-se, viu um ser monstruoso que disse:

— É assim que pagas a minha hospitalidade, roubando as minhas rosas? Para castigar-te, sou obrigado a matar-te!

O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menos deixá-lo ir abraçar pela última vez as filhas.

A fera lhe propôs, então, uma troca: dentro de uma semana devia voltar ou ele ou uma de suas filhas em seu lugar. Apavorado e infeliz, o homem retornou para casa, jogando-se aos pés das filhas e perguntando-lhes o que devia fazer. Bela aproximou-se dele e lhe disse:

— Foi por minha causa que incorreste na ira do monstro. É justo que eu vá…

De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida. Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino. Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe havia descrito o pai e também não conseguiu encontrar alma viva. Pôs-se então a visitar o palácio e, qual não foi a sua surpresa, quando, chegando a uma extraordinária porta, leu ali a inscrição com caracteres dourados: “Apartamento de Bela”. Entrou e se encontrou em uma grande ala do palácio, luminosa e esplêndida. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim.

Na hora do almoço, sentiu bater e se aproximou temerosa da porta. Abriu-a com cautela e se encontrou ante de Fera. Amedrontada, retornou e fugiu através da salas. Alcançada a última, percebeu que fora seguida pelo monstro. Sentiu-se perdida e já ia implorar piedade ao terrível ser, quando este, com um grunhido gentil e suplicante lhe disse

: — Sei que tenho um aspecto horrível e me desculpo ; mas não sou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa ser-te agradável. Para o momento, queria pedir-te, se podes, honrar-me com tua presença no jantar.

Ainda apavorada, mas um pouco menos temerosa, bela consentiu e ao fim da tarde compreendeu que a fera não era assim malvada. Passaram juntos muitas semanas e Bela cada dia se sentia afeiçoada àquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil, culto e educado.

Uma tarde, a Fera levou Bela à parte e, timidamente, lhe disse:

— Desde quando estás aqui a minha vida mudou. Descobri que me apaixonei por ti. Bela, queres casar-te comigo?

A moça, pega de surpresa, não soube o que responder e, para ganhar tempo, disse:

— Para tomar uma decisão tão importante, quero pedir conselhos a meu pai que não vejo há muito tempo!

A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por ela que, ao final, a deixou ir, fazendo-se prometer que após sete dias voltaria. Quando o pai viu Bela voltar, não acreditou nos próprios olhos, pois a imaginava já devorada pelo monstro. Pulou-lhe ao pescoço e a cobriu de beijos. Depois começaram a contar-se tudo que acontecera e os dias passaram tão velozes que Bela não percebeu que já haviam transcorridos bem mais de sete.

Uma noite, em sonhos, pensou ver a Fera morta perto da roseira. Lembrou-se da promessa e correu desesperadamente ao palácio. Perto da roseira encontrou a Fera que morria. Então, Bela a abraçou forte, dizendo:

— Oh! Eu te suplico: não morras! Acreditava ter por ti só uma grande estima, mas como sofro, percebo que te amo.

Com aquelas palavras a Fera abriu os olhos e soltou um sorriso radioso e diante de grande espanto de Bela começou a transformar-se em um esplêndido jovem, o qual a olhou comovido e disse:

— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpo monstruoso. Somente fazendo uma moça apaixonar-se podia vencê-lo e tu és a escolhida. Queres casar-te comigo agora? Bela não fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizes e apaixonados.

Fonte:
Portal São Francisco