sábado, 26 de janeiro de 2019

Antonio Cícero da Silva "Águia" (A Flor Amarela)


Na fazenda do senhor Cosmo, nasceu uma planta bem diferente das demais, em toda a região.

E com o passar do tempo, ela foi crescendo e crescendo. Depois de estudada por profissionais da área, foram colhidas amostras, por tratar-se de uma planta desconhecida pela ciência, em toda a região, para possíveis levantamentos referentes à mesma.

A planta cresceu sem que as pessoas soubessem seu nome. Ninguém a conhecia. Na sua espécie, pessoa alguma conseguia comentar, por falta de conhecimentos.

Até que um dia, floresceu uma grande e linda flor amarela, que era bem maior que um girassol.

E um homem que passava no local, ao acariciar a tão linda flor amarela, ficou sarado na hora, das lesões de um derrame, em que havia sofrido.

O homem, falou ao proprietário do local, senhor Cosmo, do que havia acontecido com ele.

O fazendeiro, por sua vez, tomando conhecimento de que o senhor Aquiles estava novinho em folha, de maneira que nem parecia pessoa que tivesse sofrido a um recente derrame, pegou um menino seu criado que era cego e levando-o sem nenhum alarde, juntamente com o senhor Aquiles, até a planta, que media um metro e meio de altura e fizeram com que a criança tocasse a planta, que ficou sarado, no mesmo instante.

O menino, quase entrou em estado de choque, por nunca ter visto o mundo e por alcançar a um tremendo milagre, estava enxergando a tudo.

A notícia rapidamente se espalhou por toda a região e vinham pessoas de todos os lugares, com diferentes problemas de enfermidades e ao tocarem a flor, eram completamente curadas.

E assim, tudo aconteceu por um longo tempo.

Até que um dia, um dos filhos do fazendeiro senhor Cosmo, teve uma ideia de passar a cobrar pedágio a título de taxa para conservação, a todas as pessoas, que alcançassem a graça de serem curadas, por aquela desconhecida planta.

De início, seu pai relutou contra aquela ideia, mas sendo vencido pelo cansaço, abriu mão do assunto.

O senhor Cosmo não aceitou a tal ideia, por ter nascido aquela planta por acaso, no local onde vivia, por conta do destino.

Leandro passou então, a cobrar o pedágio, de todas as pessoas que iam a procura de um milagre.

De início, cobrava apenas, das pessoas que alcançavam o que desejavam, mas logo em seguida, passou a cobrar de todos os que fossem lá. Mas um fato inusitado aconteceu. Tendo em vista a tamanha usura do moço, dentro de oito dias, a planta secou e com ela, desapareceram os milagres.

E toda a população passou a comentar, que por motivo do olhar tão grande do Leandro, desapareceu a planta tão milagrosa.

O tempo passou e um dia, o Leandro ao ser acometido por uma serpente, correu até ao local de onde havia anteriormente a planta da flor amarela e milagrosa e veio a morrer de joelhos, naquele lugar, sem alcançar também a nenhum milagre, por motivo de sua avareza.

Fonte:
Eldorado (coletânea de poemas, crônicas e contos). vol. II. 
Santos/SP: Celeiro de Escritores.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 3



Ralph Waldo Emerson
Boston/Massachusetts/EUA, 1803 - 1882, Concord/Massachussets/EUA
NÃO VENS…E É QUASE DIA…
É fácil viver no mundo conforme a opinião das pessoas. 
É fácil, na solidão, viver do jeito que se quer. 
Mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão, 
mantém com perfeita doçura a independência da solidão.
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Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

Quando a vida se complica
nas horas de solidão,
amigo é aquele que fica
depois que os outros se vão.
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Manuel Bandeira
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Belo Belo II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.
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Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Não tenho filho nem filha
que me afague o coração,
pois eu vivi tal qual ilha
perdida na solidão.
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Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Uma Maior Solidão

Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jazo-me sem nexo, ou fim…
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim
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Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Um bom livro nos envolve, 
dá prazer e distração; 
é um amigo que dissolve 
o amargor da solidão!
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Joaquim Namorado
Alter do Chão/Portugal (1914 – 1986) Coimbra/Portugal 

Poema 7

Sobre a planície cai
uma chuva de lume
do sol a prumo.
A solidão sem sombras
incendeia-se de estrelas
e o silêncio estala
como a pele de frenéticos tambores
batidos furiosamente.
Os homens dobrados para a terra levantam
as cabeças medindo os horizontes rasos e
distantes com olhos ávidos, sem piedade
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Adaucto Soares Gondim 
Pedra Branca/CE, 1915 - 1980, Fortaleza/CE

Meu coração triste e frio,
sofrendo sempre em segredo,
faz lembrar ninho vazio
na solidão do arvoredo.
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Gislaine Canales  
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Glosa: Lareira Saudade…

MOTE:
Fiz da saudade que aquece
a solidão dos meus dias,
a mensagem que enternece
minhas horas tão vazias.
Carolina Ramos
(Santos/SP)

GLOSA:
FIZ DA SAUDADE QUE AQUECE,
minha doce companheira,
peço, fique, quase em prece,
comigo, na noite inteira!

Eu preciso amenizar
A SOLIDÃO DOS MEUS DIAS,
minhas noites, a chorar,
são tristes, sem alegrias.

Quando o meu tempo anoitece
lanço em ecos pelo mundo
A MENSAGEM QUE ENTERNECE
desse meu sofrer profundo!

Saudade, lareira ardente,
vem, aquece as horas frias,
enche de amor, ternamente,
MINHAS NOITES TÃO VAZIAS.
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Arlindo Tadeu Hagen 
Juiz de Fora/MG

Saudade são velhos trapos,
pedaços do coração,
que fica feito farrapos
na cerca da solidão!
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Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
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Marcos Assumpção
Niterói/RJ

Casa Vazia

Falar de amor não é mistério
Nem tão difícil de explicar
A gente nunca faz por mal
Meu coração praia deserta
Morre de medo do inverno
E da solidão que me devora
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
Pensar que o amor é sempre eterno
Que é impossível ele se acabar,
Você bem que podia tentar, mas não, não, não…..
Então quero falar por um momento (só por um momento)
Da tua ausência no meu corpo
E dessa lágrima no meu rosto
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
O fogo arde sob o nosso chão
Nada é tão fácil assim
Eu ando sozinho, no olho do furacão
Você nem lembra mais de mim
Agora, a casa vazia,
Eu grito seu nome,
Só o silêncio me responde
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A. A. de Assis
Maringá/PR

A história, através dos anos,
ensina a grande lição:
– o destino dos tiranos
será sempre a solidão!
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Amália Rodrigues
Lisboa/Portugal, 1920/22 – 1999

Silêncio

Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um céu tão recolhido
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ó céu
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás d’ ela
E eu
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora
Solidão
Que nem mesmo essa é inteira
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai solidão
Quem fora escorpião
Ai solidão
E se mordera a cabeça
Adeus
Já fui pr’além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede
Adeus
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai como dói
A solidão quase loucura
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Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

- Quando o amor se faz lembrança
e a solidão nos invade,
ou se vive de esperança
ou se morre de saudade...
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Amaury Nicolini
Rio de Janeiro/RJ

A Felicidade Mora Ao Lado

Cruzamos nossos olhares nesta rua
onde somos, há muito, dois vizinhos,
ainda que sem ouvir uma palavra tua
nos tantos anos de comuns caminhos.

Nunca trocamos nenhum cumprimento
e nem nunca detivemos nosso passo.
Um pelo outro passamos, e o momento
se perde, num segundo, pelo espaço.

Mas hoje, ao te olhar, senti bem perto
uma voz a me dizer: “fala com ela”,
e ao teu encontro atravessei a rua.

O que eu fiz não podia ser mais certo:
da vida a sós abriram-se as janelas
e a minha enorme solidão beijou a tua.
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Alfredo Alencar Aranha 
Rio de Janeiro/RJ

Minha vida foi feliz
nas asas de uma ilusão.
Hoje a saudade me diz
que só resta a solidão.
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Silvia Motta
Belo Horizonte/MG

Acróstico da desilusão :
Coração de férias

C-Coração está quase a parar…
O-O ritmo sem motivação fez
R-Requerimento de férias
A-Amorosas e, sem ilusão
Ç-Cessou até de sonhar…
Ã-Agora, está vazio de emoção!
O-O tempo não quer parar!
 –
D-Deixei o relógio cair ao chão
E-E nem assim ele quebrou…
 –
F-Felicidade não há na solidão!
É-É triste chorar sozinho no canto…
R-Recordando de tanta decepção!
I-Inaceitável ausência de carinho!
A-As férias estão em meu peito,
S-Sinto-me desfalecer deste jeito!
___________________________________________________

Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Triste e sozinha eu me deito,
mas encontrando um desvão,
a lua invade o meu leito,
e afugenta a solidão.
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Antonio Manoel Abreu Sardenberg
São Fidélis/RJ

Amor perdido

A vida minha já não é mais minha
E nem mais meu este coração,
Você levou tudo de bom que eu tinha,
Só me restou esta solidão.

Água que passa não retorna mais,
Amor desfeito não se recupera,
É só passado que ficou pra trás,
Não se refaz… e agora já era!

O sentimento, quando é pequeno,
Só traz tristeza para o coração.
É bem pior que o pior veneno,
É prato feito pra desilusão.

E desse jeito vou levando a vida,
Segue à deriva minha embarcação…
Assim eu volto ao ponto de partida
E parto em busca de outra paixão.
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Jean-Jacques Rousseau
Genebra/Suiça, 1712 - 1778, Ermenonville, França
É sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.
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Paulo Roberto Oliveira Caruso
Rio de Janeiro/RJ

Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra 
minha antiga solidão!
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Fonte:
Folhetim Literário "Desiderata" - n.5 - janeiro de 2019 - Tema: Solidão

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Majela Colares (Poemas Escolhidos)


ANTES DA ORIGEM E DEPOIS DA ORIGEM

nos confins das cores a cor se assusta
com os possíveis movimentos quando

nem mais do tempo se percebe o instante

não existe antes, nem depois existe
um ponto neutro - supõe ser o tempo

indefinido, amordaçado, um caos

onde se finda e tem começo o impulso
o movimento que define as cores

antes da origem e depois da origem
a luz, a sombra, a imagem, o susto

AQUI JAZ UM SONETO

Uma ideia conspirada  — um soneto —
que, ao certo, sangraria minha vida,
desprendeu-se da memória suicida
morrendo nos limites de um quarteto.

DESEJO & CHOCOLATE

um arco–íris surgiu entre dois lábios
no azul do mar, no céu, no azul, azul...
tinha a cor dos teus olhos – entre nuvens 
com sabor de alga, amido e chocolate

um arco-íris no mar riscou tua boca
entre ondas, lampejantes, mil desejos
exalados na brisa, aceso olfato
doce aroma de amor e de segredos

entre gotas de chuva e leves toques...
foi-se a tarde ancorando no teu rosto
sob o rastro de um sol quase poente

em meus braços restou a tua imagem:
um arco-íris risonho e transcendente;
em teus lábios: desejo & chocolate

POEMA ANÔNIMO

O poema que não fiz
(mas sempre canto)
está mais em mim
que muitos... 
(pouco que escrevi)
é o mais inconstante
indefinido 
dos poemas que vivi

o poema que não fiz
traduz meu mundo
está implícito... 
único
em meu verso
já não sei quem sou
quem ele é
- fundiram-se todos os limites

O poema que não fiz
sorri comigo e sofre
e dorme e finge...
pensa a anônima forma
só para não ser,
enfim, subjuntivo

o poema que não fiz
surge do nada
e conspira a relatividade do tudo
(é a razão variável do verbo)
não há palavras
não há gestos
metáforas
tinta
que o descreva

o poema que não fiz
(mas sempre canto)
fecunda a própria poesia
que me seduz a vida inteira

O SILÊNCIO DA FLOR

Foi quando as flores não vingaram frutos:
(nos secos ramos, ressecaram tardes)
as folhas murchas despencaram pálidas
se dispersaram contornando rastros

pelos caminhos conspiravam fugas
levando marcas de uma morte lenta,
porque raízes omitiram seiva
para mante-las sempre ao caule, sempre...

mas foi da terra sim, que a morte veio
do chão que a planta ruminava nuvens,
o fio de água, transformado em lodo,
contido pela rigidez da argila.

Foi quando as folhas se acharam adubo:
(nas secas tardes, renasceram ramos)
antigas folhas inundando o caule, 
imune seiva, frutos-flores, quando...

OS LIMITES DO TEMPO

Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.

Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.

Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.

Nos limites da sombra projetada 
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.

O MAMULENGO

Sentir o mundo - movimento e graça -
bordar sorrisos, encarnar em pano.
(Esta emoção ao morto-vivo abraça)
gesto ilusório. Sábio? Não. Profano?

Irreal vida exsurge, incerto plano
de ser boneco e homem, palco e praça
ao projetar-se voz, trejeito - engano...
confuso rito que no olhar disfarça.

O mamulengo finge o rosto e tinge
de rubra cor os lábios, flor-esfinge,
erguida, efêmera, na instável face

incontroversa (esta anônima peça)
que no teatro de boneco expressa
o homem louco sem nenhum disfarce.

O SOLDADOR DE PALAVRAS

Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com ideia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A ideia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.

SONETO PARA UMA ESTAÇÃO

Estas sombras antigas de poente
guardam arcos de sol - dias de outono -
desfolhados na noite, nunca ausente,
quando as horas bocejam voz de sono.

São instantes maduros de nascente
na surpresa incessante do mês nono,
concebidos em gestos, mão silente,
quando as horas bocejam cor de sono.

Entre os cílios, o mundo em movimento,
sob as asas dos olhos morre um vento
para não ser sequer restos de sono.

Mas ao leste dos lábios pousa a aurora
fogem sombras antigas, vão-se embora...
surgem arcos de sol - dias de outono.

VERDE PELÚCIA

A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,

que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.

Majela Colares (1964)


Majela Colares nasceu em Limoeiro do Norte/CE, em 1964. Graduado em Direito. Radicou-se no Recife/PE, em 1992, onde deu inicio a sua trajetória literária.  

Seu contato com a poesia ocorreu através dos romances de feira, hoje conhecidos por Cordéis, quando menino: Romance do Pavão Misterioso, Peleja do Cego Aderaldo e Zé Pretinho, A Batalha de Oliveiros com Ferrabraz, As Aventuras de João Grilo, A Morte dos Doze Pares de França, (uma versão da canção de Rolando em cordel). Leituras que fazia às vezes solitariamente e em outros momentos lia, com muita empolgação, em voz alta, para os amigos. Outra forma de poesia que teve contato cedo, talvez antes mesmo dos cordéis, foi a Cantoria. O verso improvisado. Mestres do improviso como Antônio Nunes de França, Dimas Batista, Otacílio Batista, Pedro Bandeira, Diniz Vitorino, dentre outros, foram os primeiros que ouvi improvisando um Galope à beira-mar, um Martelo Alagoano, um Mourão voltado, um Quadrão Mineiro, um Desafio. Esse contato inicial foi com a poesia popular nordestina. Com o tempo, misturou-se a essa experiência popular, as leituras dos clássicos. Primeiramente Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Camões...

Segundo Majela, duas definições de poesia que acha maravilhosas. 
“a poesia é a arte de dizer apenas com palavras o que apenas palavras não podem dizer”. 

“poesia é tirar de onde não tem e colocar onde não cabe”. 

Baseado nestas, afirma: “poesia é algo que de forma alguma pode ser dito e, de repente, alguém diz”. embora poesia é muito mais do que isto. É algo indefinível.

Livros Publicados: 

POESIA: 
Confissão de Dívida, 1993; 
Outono de Pedra, 1994; 
O Soldador de Palavras, 1997; 
A Linha Extrema, 1999; 
Confissão de Dívida e Outros Poemas, 2001; 
O Silêncio no Aquário, (edição bilíngue português-alemão, tradução de Curt Meyer-Clason), 2004; 
Quadrante Lunar, 2005;
O Fantasma de Samoa (conto), 2005;
As Cores do Tempo, 2007. 

Tem participação em antologias publicadas no Brasil e no exterior. 

Fontes:
Entrevista para o blog Poesia Diversa 

Fernando Sabino (Cem Cruzeiros a Mais)


Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou que o funcionário lhe havia dado cem cruzeiros e mais. Quis voltar para devolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.

Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechasse na cara a janelinha de vidro:

- Tenham paciência, mas está na hora do meu café.

Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila maior – não conseguiu sequer aproximar-se do guichê antes de encerrar-se o expediente.

No dia seguinte era o primeiro da fila: 

- Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais.

- Eu?

Só então reparou que o funcionário era outro. 

- Seu colega, então. Um de bigodinho.

- O Mafra.

- Se o nome dele é Mafra, não sei dizer. 

- Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra. Não fui eu. Logo...

Ele coçou a cabeça, aborrecido:

- Está bem, foi o Mafra. E daí?

O funcionário lhe explicou com toda urbanidade que não podia responder pela distração do Mafra:

- Isto aqui é uma pagadoria, meu chapa. Não posso receber, só posso pagar. Receber, só na recebedoria. O próximo!

O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o cotovelo. Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou conter-se e se afastou, indeciso. Num súbito impulso de indignação - agora iria até o fim - dirigiu-se à recebedoria.

- O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou.

- Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cem cruzeiros a mais.

Informaram-lhe que não podiam receber: tratava-se de uma devolução, não era isso mesmo? E não de pagamento. Tinha trazido a guia? Pois então? Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil cruzeiros a troco de quê?

- Mil não: cem. A troco de devolução. 

- Troco de devolução. Entenda-se. 

- Pois devolvo e acabou-se. 

- Só com o chefe. O próximo!

O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No dia seguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia hora, o chefe informou-se que deveria redigir um ofício historiando o fato e devolvendo o dinheiro.

- Já que o senhor faz tanta questão de devolver. 

- Questão absoluta. 

- Louvo o seu escrúpulo.

- Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar ao senhor – suspirou ele.

- Quem disse isso?

- Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria, parece.

- O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhe para deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que falei. O Araújo sempre se metendo a entendido!

- Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazer logo o ofício.

- Impossível: tem de dar entrada no protocolo.

Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo para dizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por cima do vidro e foi-se embora.

Fonte:
Fernando Sabino. A Companheira de Viagem. 
Ed. Sabiá, 1972.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) VI


AREIAS

Areias do meu tempo de criança
é mais do que saudade.., é só doçura...,
é algo que me alegra com lembrança
que não se apaga mais, nem desfigura!

Os casarões por toda a vizinhança,
recordavam os tempos de fartura...
Seu povo, apesar da vida mansa,
sonhava com evolução futura...

E foi assim, que após setenta anos
de a ter deixado, com meus desenganos,
fui revê-la e... qual minha  surpresa!

Enquanto fiquei velho e já alquebrado...
Areias remoçou por todo lado
e está quase vibrante. E uma beleza!

ARTESÃO

Quisera ser poeta... Sou apenas
um humilde artesão da poesia,
que lida com palavra, a duras penas,
para louvar o amor com alegria.

Trabalho quando as noites são amenas
e tenho a alma cheia de estesia;
tal qual oleiro que produz dezenas
de vasos até ver o que queria...

O artífice de si só dá o melhor,
na busca de alegrar seu bem maior,
que é uma das razões de seu viver.

Se não tem perfeição de um bom poeta,
coloca o coração no que  arquiteta...
Por seu amor..., não importa se morrer!

AVÓS

Dizem que avós são pais açucarados...
E deve ser verdade, com certeza!
Quantos netinhos são apaixonados
pelo doce dos velhos. Que beleza!

Isso não só em parentes mais chegados
eu vejo, em geral, e com clareza, 
netos beijando avós, muito abraçados,
com amor, tal qual manda a natureza!

Infelizmente eu não senti de perto
o gosto de viver com avós. E é certo
que, isso, me marcou a vida inteira...

Meus quatro avós morreram antes mesmo
de eu ter nascido!  E não por morte a esmo;
mas na “febre amarela”  brasileira!

FILHO

Que maravilha ter um filho, ou filhos!
Só quem os teve pode asseverar;
se for um bardo, faz-lhes sonetilhos,
para poder, enfim, os exaltar!

Filhos já nascem bons e com seus brilhos
próprios, tal qual do sol, ou do luar,
que, mesmo refletido, tem vidrilhos,
que Deus nos dá, pois quer nos ver sonhar...

Sonhar com eles fortes, educados,
crescidos, generosos e gentis,
amantes da família e do País.

Sonhar também com eles muito honrados,
seguindo com amor os Evangelhos,
e não largando os pais depois de velhos!

MÃE 

Além de “desdobrar fibra por fibra
o coração”, conforme Coelho Neto
já imortalizou com tanto afeto;
ser mãe é quem seu filho mais desfribra.

E nele, ao ver valores, como vibra
o seu peito de mãe, que no dileto
fruto prevê um cidadão correto,
que ao crescer não se desiquilibra!

Sonha mantê-lo sempre protegido
com as bênção de Deus, agradecido!
Amparo de seus pais e da Nação!

Por sua vez o filho, mesmo adulto,
depõe à sua mãe todo o seu culto
e nela vê seu norte, de antemão!

MARISA
À saudosa e querida sobrinha, Marisa (16.02.36 - 24.02.1977)

A sua morte foi uma surpresa,
que deixou a família desolada;
e  embora prematura, é certeza 
de que a encontrou há muito preparada!

Seu rosto já sem vida nessa mesa,
com tanta rosa mal desabrochada,
tem a boa feição que a natureza
dá aos que já têm a alma bem formada.

Você se vai, mas deixa aqui na terra
um bom lastro de amor e de perdão,
que se multiplicou nos filhos seus!

 Se nesta vida o seu dever se encerra,
outro melhor, Jesus,  já de antemão
lhe reservou  -  viver bem junto a Deus!

Fonte:
O Poeta