sábado, 28 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 147


Luiz Poeta (Canção de Ninar Estátuas)


Ao se virar, o sangue correu-lhe gélido e impetuoso pelos capilares. Sentiu, estarrecido, o olhar da estátua abismando-se no fundo de suas nebulosas e trêmulas retinas. Conteve o temor inicial e pouco a pouco foi retomando o fôlego. Cerrou e baixou a vista instintivamente, mas levantou-a de maneira tímida e naturalmente cautelosa, tentando resistir àquela metafísica provocação óptica tão... absurdamente humana.

Então, aconteceu a metamorfose... os olhos de bronze foram mudando gradativamente de cor. A princípio eram marrons, depois vermelhos, turquesa, violeta... azuis... expressiva e profundamente azuis... Ele fitava-os boquiaberto. O coração batia-lhe descompassado. O conflito intensificou-se: o corpo da estátua adquiriu movimentos. Suas mãos apoiadas num cajado mexiam-se suavemente. O tórax inflou na primeira respirada e os lábios simularam um tênue sorriso.

Boquiaberto, o transeunte deixou-se cair pesadamente no banco da praça. E a móvel escultura encaminhou-se para ele - o metal das roupas esvoaçando-se no vento, os cabelos de estanho caindo-lhe sobre os olhos... azulíssimos.

O homem afunilou-se no próprio estupor.

A estátua bem próxima - para sua conclusão de autoconsciência esquizofrênica, indagou solenemente:

- Como vai, companheiro?

Ele não ousou responder. Vítreas pelo terror, suas trôpegas pupilas pousaram abruptamente naquela imagem metálica que se movimentava e completava sua fala:

- Há algum tempo eu o tenho observado. Sei de todos os seus movimentos. Cataloguei-os todos no meu arquivo de silenciosas reflexões sobre a vida humana - no meu ângulo de visão, é claro. Colocaram-me neste pedestal olhando eternamente o jardim, privando-me do contato ocular com o portão principal que dá para esta praça. E exatamente por vê-lo sentar-se neste banco à minha frente todos os dias, vê-lo colher flores ou mexer com as cutias… ou ainda arremessar pedrinhas ou grãos de cereais nas águas do lago, bulindo com os peixes, é que eu conheço cada atitude sua, cada movimento ínfimo que seja; até essa sua mania de coçar os cotovelos. Eles são diários, sabia? ... há algum tempo, inclusive, senti que estava ficando estrábico, porque quando o senhor se afastava para o lado oposto à minha visão, o interesse em acompanhá-lo era tanto, que meus olhos quase viravam para a direita ou para a esquerda, onde quer que passasse ou estivesse. Há algumas pessoas que vêm para este lado do parque, mas poucas têm a sua sensibilidade. A maioria delas passa indiferente aos aspectos bucólicos deste jardim. Ficam aqui alguns instantes olhando para o relógio ou consultando o celular, depois retiram-se absurdas e inexpressivas como vieram. Por isso é que eu saí da minha inércia para conversar com você - permita-me, com todo respeito, chamá-lo assim. O que acha disto? Se o incomodo, desculpe-me o atrevimento - eu me estatualizo ou me estatifico (não sei que neologismo usar)... senão... conversaremos.

O homem continuava perplexo, enlevado. Não conseguia compreender aquilo. A estátua, apesar dos olhos fundos e azuis, tinha o corpo todo de bronze, embora se movimentasse e falasse surpreendentemente. Os cabelos finíssimos como capilares metálicos, caía-lhe sobre a testa brilhante sob os raros raios de sol que atravessavam a frondosidade das árvores.

A insistência o convenceu.

- ...mas... como?

- Como... - a estátua intrigava-o mais ainda, parecendo provocá-lo.

- Como você consegue falar?

- Ora como... tenho boca, língua, aparelho fonador e respiração, só isso.

- Mas...você é uma estátua!

- E daí ? Nunca ouviu uma estátua falar?

- Mas é claro que não... é antifísico, fictício, louco, sei lá...

- Como louco? Você não está me vendo, ouvindo, falando comigo?

- É evidente que estou.

- Então? Por que louco ?

- Ora, porque isto é irreal, é fantástico, extrafísico, sei lá!

- Eu não acho tão extraordinário assim. Sou uma estátua, e o que isto tem de tão inusitado? Privar-me-ão do direito de ser entendido só porque não tenho massa celular, encefálica, neuronial?

- Não é bem assim... afinal, de onde veio você?

- Vim da fundição, naturalmente. Fizeram-me de bronze, ferro, estanho. Quiseram-me com esta cara, este busto, estas roupas espalhafatosas, até atemporais. Quando fui feito, meu jeito já era anti-época. Este vestuário já não condizia com a realidade deste século.

- Pela inscrição no seu pedestal, parece que você foi um... poeta!

- Não sei, não me consultaram.

- Como? Você não sabe quem foi?

- Não. Não sei.

- Mas isto é ridículo: transformar o minério bruto em quem se queira,

- É, se assim não fosse, eu não seria nada.

- Mas as pessoas o conhecem como poeta...

- Como estátua.

- E a sua inscrição no pedestal?

- Ninguém a lê. Não se importam nem com letreiros luminosos, quanto mais com uma tola inscrição. Esse povo parece que nunca teve uma história.

- Não é possível., mas você há de ter sido alguém.

- Meu espírito sim.

- Quê? Não vai me dizer que você é um espírito?!

- Não, eu apenas tenho alma. Respiro, inspiro, aspiro... você não está vendo? Além do mais, só creio no que toco, nunca no que vejo.

- Ah... espera aí... ou eu pirei ou estou vendo você. Posso tocar sua mão?

- Claro. É honroso cumprimentá-lo,

- Engraçado, sua mão é de bronze entretanto parece humana... como é que isto pode acontecer?

- Agora você me pegou.

- Sabe dona... estátua... você representa o passado, você é um milagre que contraria a ciência e a metafísica ao mesmo tempo... não me lembro de nenhum livro mítico, científico ou bíblico que fale de um fato estranho como o seu... posso até ter lido algo a respeito, mas estou vendo e tocando você! Você tem corpo, movimento e uma inscrição que diz que você foi um poeta que, aliás, só falta declamar!

- Evidentemente que sou o que minha forma representa. Minha imagem é tão filosófica como sua concepção de si mesma...

- Filosófica coisa nenhuma! Eu estava passando como sempre faço: observando os pássaros, mexendo com as cutias, colhendo flores para enfeitar minha sala...

– Assobiando...

- Assobiando?

- É, cavalheiro... assobiando, Ou você não sabe que assobia enquanto anda?

- Eu assobio?

- Assobia sim senhor. Um assobio até meio chatinho, monocórdico... porque é sempre a mesma melodia.

- Melodia? Mas...de que música ?

- Ora, sei lá... uma estátua velha fincada no meio de uma praça não tem tempo de sair andando por aí para pesquisar acordes de uma música repetitiva como a sua.

- Ah, já sei, é uma música de ninar.

- Parece mesmo. E por que você a assobia sempre?

- Bem, na verdade eu nem sabia que a assobiava todos os dias, mas acho que é uma maneira de lembrar minha avó.

- Ela cantava essa música pra você dormir?

- Todas as noites.

- E onde foi isso? Quando?

- Bem, já faz uns oitenta anos. Eu era bem pequeno ainda. Lembro que minha avó ia comigo à praça... comprava-me algodão-doce, pipoca e amendoim torradinho e sentava-se sempre em um banco de concreto como este aqui, em frente a uma estátua… ué?!… mas a estátua era você! a praça… a praça era esta! … meu Deus… o que está acontecendo comigo?

– Estranho, muito estranho… embora esteja há bastante tempo nesta praça, não me lembro de você com sua avó…

– Mas claro, como ia de lembrar? Eu era um menino.

– É, isto não me havia passado pela cabeça. Mas… sua avó… como era ela?

– Bonita. Muito bonita. Os homens a cortejavam, faziam reverências com acenos de cartolas… lembro-me de um que sentou-se junto conosco exatamente neste banco, falou coisas de estátuas que eu não compreendia bem, enquanto eu me deitava no colo de minha avó e acabava adormecendo sob as notas musicais da canção de ninar. Uma tarde, entretanto, quando despertei, minha avó estava recostada com a cabeça tombada, os olhos abertos extremamente azuis fitando eternamente o céu… o moço que falava sobre estátuas tinha sumido… deixou-me só com ela, com a vovó…

A estátua olhava-o afetuosa e profundissimamente humana e seus olhos eram dois abismos azulíssimos  dentro daquela face metálica, e ele sentiu-se envolver por uma calma tão grande, tão abstramente absurda e boa como a canção de ninar de sua avó…

Tropeçando na sonolência dos fonemas, balbuciou que as estátuas não falam nem têm olhos azuis… nem tampouco se movem… enquanto uma lânguida nuvem descia sobre seus oitenta e cinco anos… o azul dos olhos da estátua transformaram-se gradativamente num abismo celestial e seu espírito bom resvalou suavemente, doce como uma pétala branca que se solta impelida pelo delicado peso de uma minúscula e gelada gota de orvalho… e ele voou, elevando-se serenamente no vento manso daquela tarde,

Na manhã seguinte, num alegre burburinho de pardais e pombos na praça, um menininho gritou alegre e curioso:

– Vovó… aquela estátua se mexeu! Eu vi, vovó! Eu vi ela se mexer! Vem ver, vovó!

Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

Maurício Norberto Friedrich (Trovas Avulsas)


1
A vida, às vezes, malvada,
traiçoeira, inconsequente;
nos tira a pessoa amada
e não tem pena da gente.
2
Almejem sempre a vitória,
em todos empreendimentos,
que ficarão na memória,
pelos seus merecimentos.
3
Amar-te, pra mim, foi vício,
doença que não tem cura;
e este foi grande suplício
que me levou à loucura.
4
Amor é doce tormento!
Amor é vício sem cura!
É o amor um linimento
entre a razão e a loucura!
5
Ao Novo Tempo a vitória,
neste concurso de paz:
pois, já bem merece a glória
quem pela trova assim faz.
6
Ao ter fé em Nosso Senhor,
levo a vida em linha reta,
pois, com fé, esperança e amor,
minha vida se completa.
7
Ao ver a Lua Bailando,
com tanto brilho e esplendor,
eu já me ponho rezando:
- Obrigado, meu Senhor!
8
Aposentou-se o freguês…
e a pobre esposa reclama
que, banho, é só um por mês,
mas, sem tirar o pijama!
9
As marcas que a tua ausência,
deixou em meu coração,
são as marcas da pungência
da nossa separação.
10
As trovas de um trovador
são belas, ricas em rimas
pois são feitas com amor,
verdadeiras obras primas!
11
Bailando sempre a procura
do néctar de belas flores,
o beija-flor, com ternura
não se importa com as cores.
12
Beber da fonte hipocrátlca
para o médico é um dever,
é a fórmula democrática
da medicina exercer!
13
Casamento - ação esperta!
Isto já está definido,
onde uma parte está certa
e a outra é sempre o marido!
14
Com grande amor e trabalho,
carinho e dedicação,
do meu amor eu me valho,
pra fisgar teu coração!
15
Combater, do fumo o vício
para o médico é um mister:
exaltar seu malefício
como a ética requer!
16
Combater com veemência
o triste vício do fumo,
sem dó e sem clemência,
pra saúde andar no rumo!
17
Compondo versos eu sonho,
que trovador, inda, serei
e, nos versos, que componho
no teu nome já pensei!
18
Contigo sinto que a vida
tem sentido e fulgor,
pois teus carinhos, querida,
dão esteio ao meu amor!
19
Cuida, ao contar um segredo,
em quem tu vais confiar:
é a liberdade, bem cedo,
que, ao certo, vais entregar...
20
Da singeleza nos vem
mensagem de amor e de paz;
é a mensagem de Belém
que um anjo de Deus nos traz!
21
Dando fim às duras penas,
nossa princesa c'oa mão,
com dois artigos, apenas,
aboliu a escravidão...
22
Daquele beijo roubado,
em pausa de tua festa,
sinto o gosto adocicado,
o bom sabor que me resta.
23
Desta vida, na escalada,
cada degrau tem a altura,
muito bem delimitada
no tamanho da cultura.
24
Descrente, sou eu, de tudo...
muito mais sou de sereia
mas, é no verão, contudo,
que vejo tanta na areia!
25
Distante de ti, amor,
noites insones, eu passo
fazendo a Deus um clamor:
pra ver-te, um dia, em meu braço!
26
Do amor, divino expressar,
a encantadora seresta
faz da janela um altar,
de apaixonados, em festa.
27
É indizível a tristeza,
dum sabiá na gaiola;
cabisbaixo e sem beleza
nem à amada, cantarola!
28
É Natal! Que cante o sino
para ao mundo anunciar
a vinda do Deus Menino
que hoje veio nos salvar!
29
É nobre de coração,
o médico pediatra:
dá amor, carinho e afeição,
à toda criança que trata!
30
Já no ocaso desta vida,
com tanta conta a ajustar,
peço a Deus, seja abatida
a despesa... por te amar!
31
Lembranças da mocidade
são um espelho em que a gente
só vê, com tanta saudade,
o passado... no presente!
32
Lembro de ti, com saudade,
nos tempos que longe vão;
tu eras felicidade,
dentro do meu coração!
33
Lindos traços, no teu rosto,
que harmonizam a beleza,
me fazem exclamar com gosto:
-Tu és, sim, minha princesa!
34
Pobre é a nação sem cultura,
sem heróis e sem memória,
cujo povo não procura
resgatar a sua história!
35
Poesia, versos de amor
nascidos no coração;
versos em que o rimador
exprime a sua paixão.
36
Poeta! Sou trovador!
Que todos possam saber:
faço trovas por amor,
faço trovas por prazer.
37
São Francisco, nas veredas,
feito um pobre vagabundo,
despido de suas sedas,
encheu, de amor, este mundo!
38
Saudade é uma dor silente
que nos ataca e vem mansinha;
entra no coração da gente,
toma posse e ali se aninha!
39
Saudade, saudade e meia,
é o que sinto de você;
meu coração serpenteia,
- só você é que não vê!
40
Saudade! Triste amargor!
Dolorosa e tão pungente,
a nos causar tanta dor;
só a entende quem a sente!

Fonte:
Luiz Hélio Friedrich. Maurício Norberto Friedrich. Família Friedrich em Trovas. Curitiba/PR: Centro de Letras do Paraná, 2018.

Alcântara Machado (A Sociedade)


- Filha minha não casa com filho de carcamano!

A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas. Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo a porta. O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e saiu de casa abotoando o fraque.

O esperado grito do cláxon fechou o livro de Henri Ardel e trouxe Teresa Rita do escritório para o terraço.

O Lancia passou como quem não quer. Quase parando. A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino. Uiiiiia - uiiiia! Adriano MeIli calcou o acelerador. Na primeira esquina fez a curva. Veio voltando. Passou de novo. Continuou. Mais duzentos metros. Outra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-C já sabe: uiiiiia-uiiiiia!

- O que você está fazendo aí no terraço, menina.

- Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais?

Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido do Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.

- Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar!

- Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus!

Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou para a Avenida Paulista.

Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar:

Dizem que Cristo nasceu em Belém...

Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais.

Os pares dançarmos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feias e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passos.

- Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade.

- Não!

- Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu.

... mas a história se enganou!

As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum!

- Meu pai quer fazer um negocio com o seu.

- Ah sim?

Cristo nasceu na Bahia, meu bem...

O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons.

... e o baiano criou!

- Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho, você aponte o olho da rua para ele, compreendeu?

- Já sei, mulher, já sei.

Mas era coisa muito diversa.

O Cav. Uff. Salvatore Melli alinhou algarismos torcendo a bigodeira. Falou como homem de negócios que enxerga longe. Demonstrou cabalmcnte as vantagens econômicas de sua proposta.

- O doutor...

- Eu não sou doutor, Senhor Melli.

- Parlo assim para facilitar. Non é para ofender. Primo o doutor pense bem. E poi me dê a sua resposta. Domani, dopo domani, na outra semana, quando quiser. lo resto à sua disposição. Ma pense bem!

Renovou a proposta e repetiu os argumentos pró. O conselheiro possuía uns terrenos em São Caetano. Coisas de herança. Não lhe davam renda alguma. O Cav. Uff. tinha a sua fábrica ao lado. 1.200 teares. 36.000 fusos. Constituíam uma sociedade. O conselheiro entrava com os terrenos. O Cav. Uff. com o capital. Armavam os trinta alqueires e vendiam logo grande parte para os operários da fábrica. Lucro certo, mais que certo, garantidíssimo.

- É. Eu já pensei nisso. Mas sem capital e senhor compreende é impossível...

- Per Bacco, doutor! Mas io tenho o capital. O capital sono io. O doutor entra com o terreno, mais nada. E o lucro se divide no meio.

O capital acendeu um charuto. O conselheiro coçou os joelhos disfarçando a emoção. A negra de broche serviu o café.

- Dopo o doutor me dá a resposta. lo só digo isto: pense bem.

O capital levantou-se. Deu dois passos. Parou. Meio embaraçado. Apontou para um quadro.

- Bonita pintura.

Pensou que fosse obra de italiano. Mas era de francês.

- Francese? Não é feio non. Serve.

Embatucou. Tinha qualquer cousa. Tirou o charuto da boca, ficou olhando para a ponta acesa. Deu um balanço no corpo. Decidiu-se.

- Ia dimenticando de dizer. O meu filho fará o gerente da sociedade... Sob a minha direção, si capisce.

- Sei, sei... O seu filho?

- Si. O Adriano. O doutor... mi pare... mi pare que conhece ele?

O silêncio do Conselheiro desviou os olhos do Cav. Uff. na direção da porta.

- Repito un'altra vez: O doutor pense bem.

O Isotta Fraschini esperava-o todo iluminado.

- E então? O que devo responder ao homem?

- Faça como entender, Bonifácio...

- Eu acho que devo aceitar.

- Pois aceite.

E puxou o lençol.

A outra proposta foi feita de fraque e veio seis meses depois.

O Conselheiro José Bonifácio
de Matos e Arruda
e senhora
têm a honra de participar
a V. Ex.a e Ex.ma família o
contrato de casamento de sua
filha Teresa Rita com o Sr.
Adriano Melli.
Rua da Liberdade, no. 259-C.

_________________________________________
O Cav. Uff. Salvatore Melli
e senhora
têm a honra de participar       
a V. Ex.a e Ex.ma família o
contrato de casamento de seu
filho Adriano com a Senhorinha
Teresa Rita de Matos Arruda.
Rua da Barra Funda, no. 427.


                       S. Paulo 19 de fevereiro de 1927.

No chá do noivado o Cav. Uff. Adriano Melli na frente de toda a gente recordou à mãe de sua futura nora os bons tempinhos em que lhe vendia cebolas e batatas, Olio di Lucca e bacalhau português, quase sempre fiado e até sem caderneta.

Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 146


Monteiro Lobato (A Gralha Enfeitada com Penas de Pavão)


Como os pavões andassem em época de muda, uma gralha teve a ideia de aproveitar as penas caídas.

– Enfeito-me com estas penas e viro pavão!

Disse e fez. Ornamentou-se com as lindas penas de olhos azuis e saiu pavoneando por ali afora, rumo ao terreiro das gralhas, na certeza de produzir um maravilhoso efeito.

Mas o trunfo lhe saiu às avessas. As gralhas perceberam o embuste, riram-se dela e enxotaram-na à força de bicadas.

Corrida assim dali, dirigiu-se ao terreiro dos pavões pensando lá consigo:

– Fui tola. Desde que tenho penas de pavão, pavão sou, e só entre pavões poderei viver.

Mau cálculo. No terreiro dos pavões coisa igual lhe aconteceu. Os pavões de verdade reconheceram o pavão de mentira e também a correram de lá sem dó.

E a pobre tola, bicada e esfolada, ficou sozinha no mundo. Deixou de ser gralha e não chegou a ser pavão, conseguindo apenas o ódio de umas e o desprezo de outros.

Amigos: lé com lé, cré com cré.
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– Esta fábula é bem boazinha – disse Dona Benta. – Quem pretende ser o que não é acaba mal. O Coronel Teodorico vendeu a fazenda, ficou milionário e pensou que era um homem da alta sociedade, dos finos, dos bem-educados. E agora? Anda de novo por aqui, sem vintém, mais depenado que a tal gralha. Por quê? Porque quis ser o que não era.

– Isso não, vovó! – objetou Pedrinho. – Ele ficou rico e quis levar a vida de rico. Só
que não teve sorte.

– Não, meu filho. O meu compadre apenas se encheu de dinheiro – não ficou rico. Só enriquece quem adquire conhecimentos. A verdadeira riqueza não está no acúmulo de moedas – está no aperfeiçoamento do espírito e da alma. Qual o mais rico – aquele Sócrates que encontramos na casa de Péricles ou um milionário comum?

– Ah, Sócrates, vovó! Perto dele o milionário comum não passa de um mendigo.

– Isso mesmo. A verdadeira riqueza não é a do bolso, é a da cabeça. E só quem é rico de cabeça (ou de coração) sabe usar a riqueza material formada por bens ou dinheiro. O compadre pretendeu ser rico. Enfeitou-se com as penas de pavão do dinheiro e acabou mais depenado que a gralha. Aprenda isso...

– E que quer dizer esse “lé com lé, cré com cré”? – perguntou Narizinho.

– Isso é o que resta de uma antiga expressão portuguesa que foi perdendo sílabas como a gralha perdeu penas: “Leigo com leigo, clérigo com clérigo”. Em vez de clérigo, o povo dizia “crérigo”. Ficaram só as primeiras sílabas das duas palavras.

Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas.

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) 1


Ah,
Como fica bom o meu dia
Quando tu abres a cortina da alma num sorriso
Se constituindo na paisagem mais linda do mundo.
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Ah,
Esse mar beijoqueiro!
Faz tanta onda por um beijo
Mas depois de que dá primeiro
Vai e volta querendo mais.
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Ao passar das sete luas
Abri minha janela pra rua,
Não mais sabático,
De alma curada
Voltei a florir.
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As tuas palavras
Me abraçam
Mas os teus beijos,
Ah!
Estes
Lavam a minha alma.
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Depois de tantas desilusões
Em terra desértica ela se fez
Mas pra conquistar seu coração
Em mandacaru me tornei.
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Desfiando nuvens,
Por você,
Casaco de sol eu me fiz.
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Fechei os olhos pra poesia
E ela saiu
Em forma de oração.
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Hoje
A saudade fez um barulhão no meu peito
Queria de todo jeito
Te trazer pra perto de mim.
Abraço o teu perfume
Beijo o teu sorriso
Como se estivesse contigo
Em silêncio
Vendo passar o rio.
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Mesmo com a tua grandeza
O amor em ti transborda
E eu tão pequeno
Vou sorvendo pelas bordas.
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Na despedida
Lágrimas caídas
Estrelas no chão.
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Na flor da idade
Guardei em mim o teu perfume
Com o passar do tempo
Um belo jardim de nós se fez (filhos).
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Na imensidão da noite
Enquanto o vento grita
A lua se faz de pipa
E brinca enroscada na árvore.
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Nas entrelinhas
Os meus versos brincam de esconde-esconde.
Mas quando aparecem
As rimas-meninas
Elas se divertem no carrossel encantado.
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Nos braços da noite
Amparo meus sonhos
Aguardando tranquilo
Pelo amanhecer.
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Olhos azuis
Ou seriam verdes que me confundem!
Ah, menina!
Quando te vejo
As meninas dos meus olhos
Brincam maravilhadas
Com o oceano que há nos teus.
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Ruidoso mar
Com as tuas batidas
Ensurdeces o fado
Que grita no meu peito.
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Você partiu
Fiquei menor
Pois escapou dos meus olhos
Um pedacinho da alma.
__________________________

Fonte:
Facebook da AVIPAF

Rachel de Queiroz (O Homem e o Tempo)

    
Quem lê algum livro das eras de dantes, um romance de Jane Austen, por exemplo, escrito há quase duzentos anos atrás, tem a impressão de que o tempo daquela gente rendia muito mais que o nosso, ou que eles tinham tempo para tudo, enquanto nós não temos tempo para nada. Eles realizavam coisas, erguiam grandes casas, criavam grande família, plantavam jardim e pomar e ainda tinham tempo para meditação e debate, para as artes amenas da convivência civilizada — as visitas, as palestras, a correspondência. E só conheciam como meio de tração terrestre o cavalo, navegavam a vela, não sonhavam com telégrafo nem telefone, quanto mais com rádio e TV!

O que aconteceu com o homem atual, vítima da permanente impressão de que o seu tempo encolheu? A gente se agita, quebra a cabeça, vai lá e vem cá, mas não realiza propriamente nada — ou, pelo menos, o que se realiza nem de longe corresponde ao esforço que se faz. Não se tem tempo. Não se escreve um livro com calma, aqueles substanciosos livros meditados, cheios de digressões, alargados em conceitos tranquilos, que representavam o labor de toda uma vida. E se alguém escrevesse tais livros, como alguma alma anacrônica ainda o tenta, não encontraria ninguém para o ler. A gente vive correndo de Herodes para Pilatos, do nascer ao pôr-do-sol, da segunda ao sábado e se esgota toda nessa correria. Eu, por exemplo, que não sou das mais ativas: atualmente o meu trabalho fica a três mil quilômetros, ou seja, a quinhentas léguas do lugar onde moro. Não é coisa de louco? Mas não sou exceção, a exceção são os que moram perto. D. Pedro II reinou no Brasil durante 58 anos e conheceu apenas uma parte do território nacional, o que foi uma omissão. Mas também é exagero o que faz qualquer presidente atual; numa única semana percorre mais território do que o Imperador em mais de meio século; para governar, governa simultaneamente em duas cidades, separadas uma da outra mais de mil e quinhentos quilômetros — Brasília e Rio.
     Tudo seria muito belo, a velocidade e o mais, se a nossa pessoa física estivesse à altura das exigências que nós lhe impomos. Pois o trágico da vida do homem moderno é que ele não é feito para o ritmo que a sua existência atual lhe exige, mas para o tranquilo, sereno ritmo dos tempos de dantes. A carne, os músculos, o sangue, o coração, as vísceras todas do homem foram criadas para as pequenas distâncias, para o andar a pé. O cavalo já nos exigiu uma adaptação especial — que dirá então do avião, da astronave? Nenhum homem das civilizações antigas poderia conhecer o desgaste prematuro e terrível representado por essa moléstia hoje vulgar em aviadores, rapazes de menos de trinta anos: a fadiga do voo. Para as conquistas deste século deveria haver outro homem, não aquele que nós somos, filhos de Adão feito de barro.

A gente se obriga, mas a carne reclama. Desde o enjoo do mar ao enjoo do ar, ah, o horrendo enjoo do ar que me martirizou por mais de vinte anos de viagens aéreas, até que se usasse a pressurização nos aviões comerciais! Nós vivemos dentro das nossas cidades no seio do progresso que nós inventamos e fabricamos, como hóspedes do interior vivem na casa de primos ricos — onde tudo é uma admiração e um constrangimento. Basta encarar o problema da escala. Pois tudo que a civilização fabrica, ultrapassa a nossa escala, como se fosse destinado ao uso de gigantes. Para termos uma visão do mundo que nos cerca, temos que o reduzir a miniaturas, fotos, mapas, maquetes. Experimente olhar da calçada a torre de um grande edifício — dá vertigens e o nosso olhar não apanha nada do conjunto.

Eu tenho a impressão de que um progresso realmente assimilável pelo homem seria um progresso que funcionasse de dentro para fora quer dizer, se o homem mesmo, o seu corpo, a sua carne participassem do progresso. Mas nós sabemos inventar elementos exteriores que nos transportam, nos elevam no ar, nos afundam, nos cegam, nos deslumbram, sem nada penetrar a nossa essência física, sem sequer melhorar a nossa constituição corporal. Somos pacientes, não agentes. A ave que voa, voa por si, voa mesmo. Nós “somos voados”. Alguma coisa voa nos levando dentro. Nadar e mergulhar com o nosso corpo é uma atividade maravilhosa, que nos dá a sensação de dominar um elemento novo e adverso: mas navegar dá náuseas e mergulhar num submarino a mim, pelo menos, dá horror.

Não sei se me faço entender, mas considero essa questão a própria chave da incompatibilidade do homem com sua obra: nenhum progresso alcança a nossa estrutura,
fica tudo na superestrutura, no exterior.

Tudo é feito de matéria inerte, nada é vivo, nada é de carne, nada cresce, nada dói. Sim, aí é que bate o ponto: nada do que nós fazemos é capaz de sentir nada, mormente sentir dor.

Progresso seria se a gente conseguisse tornar o nosso coração de músculo num coração de duralumínio. Um pulmão de espuma de aço, um sangue incorruptível como petróleo, um cérebro que não tonteie nem esqueça, meu Deus, um cérebro eletrônico. E, dizendo isso, verifico que o homem capaz de fruir com plenitude a civilização de engenhos mecânicos por ele criada tinha que ser também um homem mecânico — tinha que ser um robô.

[17 jun. 1967]

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 145


Contos e Lendas do Mundo (Irlanda: Gobán, o Carpinteiro)

Vivia na Irlanda, há muito tempo, um homem a quem chamavam Gobán Saoir, que era um exímio carpinteiro. Naqueles tempos, era costume construir as casas de madeira, e ninguém o fazia melhor que ele. O seu nome tornara-se famoso em todo o país, pelo que todas as pessoas de certa classe e renome lhe pediam que construísse as suas habitações.

Tinha apenas um filho, que trabalhava com ele, e muita gente recorria a eles, quando precisava de bons profissionais. Um dia, Gobán Saoir decidiu procurar uma mulher para o filho. Como a sua própria esposa estava a envelhecer, concebeu um plano para o ajudar a conseguir uma companheira satisfatória.

Ordenou ao rapaz que fosse buscar uma ovelha e sacrificou-a. Em seguida, retirou-lhe a pele meticulosamente, enrolou-a e guardou-a até ao dia de mercado seguinte.

— Leva a pele da ovelha à cidade, hoje — indicou ao filho. -Depois, volta a trazê-la e o dinheiro que te derem por ela.

O jovem pôs-se a caminho e, ao chegar ao mercado, estendeu a pele no chão. As pessoas que passavam perguntavam-lhe quanto pedia por ela e ele respondia que queria conservá-la em seu poder, juntamente com o preço que tinham de lhe pagar. Todos reconheciam que não devia regular bem da cabeça e, ao anoitecer, regressaram a casa e ele à sua com a pele.

— Vendeste-a? — perguntou o pai.

— Não consegui. Julgavam-me louco.

— Bem, tentarás outro dia.

— Para quê? — replicou o filho. — Com essa condição, ninguém ma comprará!

— Garanto-te que a hás de vender, ainda que demores um ano.

No dia de mercado seguinte, o pai mandou o jovem novamente ao local, assegurando-lhe que venderia a pele. O filho colocou-se no mesmo lugar, e a história repetiu-se. Quando aparecia um interessado e ele o advertia de que teria de manter a pele em seu poder, juntamente com o dinheiro do preço pedido, desinteressava-se. No fim do dia, o mercado encerrou as portas e ele enrolou a pele e regressou a casa.

— Então, vendeste-a? — perguntou o pai.

— Não — respondeu o rapaz. — Fartaram-se de rir de mim.

— Tens de voltar a tentar.

— Aposto o que quiseres que farei essa viagem em vão.

— De qualquer modo, tens de efetuar mais uma tentativa.

Quando se dirigia mais uma vez para o mercado, cruzou-se com uma jovem das imediações, que vinha da fonte com um cântaro de água e lhe perguntou:

— Vais ao mercado?

— Vou, mas acredita que não me apetece nada.

— Que te leva lá?

— Tenho de vender esta pele de ovelha e hoje é a terceira tentativa, mas duvido que o consiga.

— Nesse caso, porque vais lá?

— Estou numa situação muito difícil. Tenho de a entregar ao meu pai, juntamente com o dinheiro que custa.

— E ninguém a quer comprar?

— Ninguém. No mercado, todos se riem de mim.

— Acompanha-me a casa — propôs ela. — Talvez eu te a compre.

O jovem assentiu, sabendo que se tratava da serviçal de um agricultor que vivia perto dali. Uma vez chegados, ela pousou o cântaro e pediu:

— Tira a pele do saco, para que a veja.

Ele obedeceu e desenrolou-a diante da lareira. Em seguida, ela pegou numa tesoura, cortou a lã e pesou-a.

— Pronto — anunciou. — A pele tinha dois quilos de lã e cada quilo custa oito pence*. Aqui tens o dinheiro da lã. Podes ficar com o couro e levá-lo ao teu pai, exatamente como ele te recomendou.

E o jovem regressou a casa satisfeito. Quando Gobán Saoir lhe perguntou se vendera a pele, respondeu:

— Vendi, e não tive de ir muito longe. Comprou-a uma jovem. Deu-me o dinheiro da lã, que ela própria cortou da pele com uma tesoura, e deixou-me ficar com o couro, mas não sei se isso é do teu agrado.

— E, sem dúvida, porque tudo resultou como eu desejava. Agora, procura essa moça e pede-lhe que venha esta noite. Mas atenta no seguinte: não deve vir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, não pode trazer companhia, mas não deve vir só. E não entrará, nem ficará lá fora.

— Com a breca! — exclamou o jovem. — Que exigências tão estranhas!

— Vai e faz o que te mando.

O filho de Gobán Saoir dirigiu-se à fazenda e, quando chegou, perguntou pela jovem à dona da casa.

— Foi buscar batatas ao campo — informou ela. — Podes ir lá procurá-la.

Quando o viu, a jovem mostrou-se surpreendida.

— Não me digas que o teu pai não ficou satisfeito com a venda da pele!

— Não venho por causa disso. Ele quer que o visites esta noite, mas não deves ir nem por estrada, nem por caminho, nem através do campo. Além disso, tens de ir só, mas acompanhada. Como se isso não bastasse, não podes entrar em casa, nem ficar fora.

— Muito bem — concordou. — Comunica-lhe que não faltarei.

Depois de colher as batatas e terminar as outras tarefas que lhe competiam, ela pôs-se a caminho, mas antes chamou o cão. Depois, subiu ao alto vale que se estendia da fazenda até à porta da casa de Gobán Saoir e só desceu de lá quando se encontrou no final. Por fim, colocou um pé dentro da porta e o outro fora.

— Que Deus e a Virgem Maria estejam contigo — proferiu.

— Não queres entrar? — convidou Gobán.

— Segundo a tua ordem, não devo entrar nem ficar fora. Como vês, encontro-me entre os dois pilares da porta.

— Tens toda a razão. Que caminho utilizaste?

— Vim pelo alto vale, do qual só desci aqui, no umbral da porta.

— E a tua companhia? — insistiu ele. — Quem está contigo?

— Este — disse ela, chamando o cão, cujo nome era Sólan.

— Tens razão, mais uma vez. Não estarás só, enquanto se conservar a teu lado. Muito bem. Podes entrar.

Assim fez e sentaram-se à mesa, para saborear um jantar excelente.

— O que eu pretendia, minha querida jovem, era o seguinte - explicou Gobán. — Uma boa dona de casa para o meu filho, e ficaria muito satisfeito se fosses tu. Resta-me fazer a pergunta sacramental. Queres casar com ele?

— Fá-lo-ei de bom grado, desde que queira casar comigo.

O filho do carpinteiro declarou-se encantado com a ideia, pelo que assinaram o contrato matrimonial.
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Glossário:
Pence – A libra esterlina ou simplesmente libra (em inglês, pound, plural pounds, informal. Pound Sterling, ou pounds sterling, formal) é a moeda oficial do Reino Unido. Desde 15 de Fevereiro de 1971 e da adoção do sistema decimal, ela é dividida em 100 pence (singular: penny). Antes dessa data, uma libra esterlina valia 20 shillings (que valiam por sua vez 12 pence cada um), ou 240 pence. Atualmente (dezembro de 2019), 1 Real é equivalente a 18.90 pence esterlino.

Fonte:
Contos Tradicionais da Irlanda