segunda-feira, 22 de março de 2021

I Concurso de Pantun do Brasil (Prazo: 31 de Março)

 


Prazo: 31 de Março de 2021 (só por e-mail)

 O Clube dos Trovadores do Seridó (CTS), com sede em Caicó-RN, fundado em 08.10.1967, conjuntamente com a União Brasileira de Trovadores (UBT), Seção Caicó-RN, lançam o I CONCURSO DE PANTUN DO BRASIL, em níveis Estadual e Nacional.

 REGULAMENTO:

 1. Pantun: forma poética de origem malaia, com característica de um jogo de rimas em cadeia. Especificamente, passamos a desenvolver o Pantun a partir de uma Trova-tema, sendo esta a regra aqui adotada;

 2. O participante deverá escrever o Pantun a partir de uma “trova tema”;

 3. O Pantun deverá possuir um “título”, de acordo com a trova tema; exemplos: Pantun do sonho feliz; Pantun do abandono; Pantun da primavera;

 4. O Pantun é formado por um conjunto de 5 trovas; sendo uma “trova tema”, da qual se originam 4 novas trovas, com todos os versos em redondilha maior, no sistema ABAB;

 5. Inicia-se o Pantun usando-se o 2ª e o 4ª versos da “trova tema”, que passarão a ser o 1º e o 3º versos da primeira nova trova; e assim, sucessivamente, até se encerrar o Pantun, fechando-se a 4ª e última trova com o 1º verso da “trova tema”;

 6. Os terceiros versos de todas as trovas não serão usados no conjunto do Pantun;

 7. Assim, a estrutura do Pantun é: Título, “trova tema” com a citação do nome do autor, seguida das quatro novas trovas, conforme o modelo anexo;

 8. O participante deverá observar o tempo em que ocorre a ação da “trova tema” (se no passado, presente ou futuro), bem como, qual é a pessoa verbal (se na 1ª, 2ª ou 3ª), e assim segui-los, para que se desenvolva o Pantun corretamente; do mesmo modo, deve-se desenvolver o Pantun com a mesma ideia da “trova tema”, sem que ela perca a sua essência;

 9. Apenas 1 (um) Pantun por concorrente;

 10. Do prazo: Impreterivelmente, até o dia 31.03.2021;

 11. Por força do agravamento da pandemia, o recebimento do material do concurso será exclusivamente virtual;

 12. Em nível Nacional, enviar para: franciscoribeiro.natal@gmail.com

Trova Tema - Nível Nacional:

Não fale, não diga nada,

aperte mais minha mão,

faça a promessa quebrada

não precisar de perdão.

(Amália Max-PR)

 

13. Em nível Estadual, enviar para: jersonbrito.pvh@gmail.com

 Trova Tema - Nível Estadual:

Irmão, não fiques tristonho

se a estrada é longa e sofrida,

porque a beleza de um sonho

vale a espera de uma vida!

(José Lucas de Barros-RN).

Caixa de Texto: I Concurso de Pantun do Brasil 

14. Da premiação: Envio de Diploma virtual para os 15 vencedores.

15. Maiores esclarecimentos pelo e-mail: profgarciacaico@gmail.com ou pelo telefone / Whatsapp (84) 99963-5685.

Caicó-RN, 22.12.2020.

 Professor Garcia

Presidente do CTS e da UBT Seção Caicó-RN


MODELO DE PANTUN:


Professor Garcia

PANTUN DO SONHO ESQUECIDO

Sempre só e abandonado,

sou de modo angustiante,

um troféu empoeirado

perdido em qualquer estante.

Eugênia Maria Rodrigues (MG)


Sou de modo angustiante,

um livro que foi tão lido,

perdido em qualquer estante,

há tanto tempo esquecido.

 

Um livro que foi tão lido,

não vê ninguém... preso e mudo,

há tanto tempo esquecido,

foi mestre de quase tudo.

 

Não vê ninguém... preso e mudo,

num silêncio que angustia,

foi mestre de quase tudo,

facho de luz que nos guia.

 

Num silêncio que angustia,

qual farol velho, apagado,

facho de luz que nos guia,

sempre só e abandonado.

domingo, 21 de março de 2021

Arquivo Spina 32: Beth Iacomini

 


Laurindo Rabelo (Poemas Escolhidos) IV

A MINHA VIDA

I

Este mundo é-me um deserto
Por onde um vulcão passou,
E gravada a minha história
Em traços negros deixou.

São-lhes tetos bronzeados
Escuros, medonhos céus,
Onde bramam tempestades
Em contínuos escarcéus.

Só, por ele vai minh’alma,
Nos destroços tropeçando,
Com passo tardio e incerto
Tristemente caminhando.

Marcha... marcha... enfim, cansada
De tão longo caminhar,
Nalguma pedra que encontra
Descansa, e põe-se a chorar.

Olha o céu... nem uma estrela!
Olha a terra... é negro chão!
Clama em brados por socorro,
Só responde o furacão!

Nos olhos seca-lhe o pranto...
Continua a caminhar,
E noutra pedra distante
Descansa, e põe-se a chorar.

II

É triste o seu fadário: mas ao menos
Oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!
Da infeliz peregrina a dor pungente
Um pouco mitigais.
E só me alento

Quando posso chorar: são meus prazeres
Um banquete de lágrimas! Mil vezes
Alegre ter-me-ão visto entre os alegres,
Conversando, soltar ditos chistosos
A rir e fazer rir. Um drama a vida
Não é? Porque julgar-se do semblante,

Do semblante, essa máscara de carne
Que o homem recebeu para entrar no mundo,
O que por dentro vai? É quase sempre,
Se há estio no rosto, inverno n’alma.
Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!
O meu riso é fingido; sim, mil vezes

Com ele afogo os ecos de um gemido
Qu’imprevisto me chega à flor dos lábios;
Mil vezes sobre as cordas afinadas
Que tanjo, o canto meu acompanhando,
Cai pranto. Oh! praza ao céu qu’inda o não vísseis!

Eu me finjo ante vós, que o fingimento
É no lar do prazer prudência ao triste.
Louco fora por certo o que cantasse
D’exéquias hino em bodas: ou de noiva,
Qu’em transportes de amor o esposo abraça,
Crepe de viuvez lançasse ao tálamo.

Eu me finjo ante vós porque venero
O sublime das lágrimas; conheço-as;
São modestas Vestais, vivem no ermo,
Aborrecem festins; olhos que o fogo
Do banquete acendeu-lhes são odiosos:
Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,
Têm vestes de cristal, temem manchá-las.

Bem fechadas nos claustros de meus olhos,
Dentro em meu coração hei de escondê-las,
Guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,
Porque a dor me não traia neste empenho,
Zelosa e vigilante sentinela,
Em meus lábios trazer constante um riso.

III

Hei de fingir-me ante vós,
Porque sei que o desgraçado,
Se a desgraça não oculta,
É de todos desprezado:

Que o feliz, que goza os frutos
Dos pomares da ventura,
Não conhece o gosto acerbo
Da peçonha da amargura;

Que aos tristes consoladoras,
Palavras nos lábios seus,
São as palavras de Cristo
Na boca dos Fariseus.

IV

Nestes versos vos dou minha vida:
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.

É veneno de arábico aroma,
Entre fumo sutil disfarçado;
É cadáver de carnes despido,
Com vestidos de gala trajado.

É sepulcro, onde, o escárnio da morte,
Mausoléu majestoso se arvora;
Morte, trevas e terra por dentro:
Vida, luzes e pompa por fora.

Nestes versos vos dou minha vida,
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.

Lygia Fagundes Telles (A testemunha)


Ele tinha o olhar fixo no anúncio luminoso, suspenso no fundo negro de um céu sem estrelas. Já fazia uma hora que linha o olhar fixo no anúncio onde um cisne branco aparecia fosforescente em primeiro plano no espaço tumultuado de nuvens. Logo em seguida, com ondulações de pétalas mansas, abria-se em torno do cisne um pequeno lago que chegava até quase a meia lua branca da qual saía o letreiro. Cortado pelo perfil de um edifício. Só as cinco primeiras letras do anúncio eram visíveis, as outras desapareciam detrás do cimento armado.

— Belon — disse ele antes que as letras se apagassem Voltou-se devagar para o recém-chegado. — Belon, Belon...

O que será que vem depois desse Belon? Vai, Rold, me ajude.

— Belonave — disse o outro voltando-se para o luminoso. Encarou o amigo. E inclinou-se para o banco de pedra — Mas este banco está molhado, você vai pegar um resfriado pelo traseiro. Que ideia. Miguel, por que um encontro aqui? Este parque deve ser bom no verão.

— Não é Belonave, é outra coisa, Belon...

— Belominal. Contra dores, enxaquecas. Você está aqui há muito tempo?

Detesto umidade, as juntas começam a endurecer. Que noite!

— Não vou saber nunca Pode ser o nome de um colchão de molas. Ou de uma geladeira. Ou de um uísque, tanta coisa já passou pela minha cabeça. Assim como um sino, hem, Rolf? Belon, Belon...

Rolf tirou a folha seca que se colara ao sobretudo do amigo.

— Se formos nesta direção, no fim da alameda a gente pode saber.

— Não é preciso, Rolf. Você sabe.

Rolf tomou o amigo pelo braço. Estava bem-humorado.

— O que é que eu sei?

Mancando um pouco, Miguel deixou-se conduzir. Ainda olhou o cisne lá no alto do seu lago fosforescente.

— Você sabe.

— Mas sei o que, meu Deus!

— O que aconteceu ontem à noite. Você sabe. Devo ter tido um acesso.
Então, não vai me dizer?

Rolf levantou a gola do casaco. Esfregou as mãos com energia — Umidade desgraçada. A gente podia ir comer um peixe com um bom vinho tinto, besteira isso de vinho branco com peixe. Quero um tinto ligeiramente aquecido, uau!

— Não vai me dizer, Rolf?

— Dizer o quê rapaz?

— O que aconteceu ontem.

— Ora, o que aconteceu! Mas então você não sabe?

— Não, não sei. Não me lembro de nada, nada.

— Mas como não se lembra?

— Não me lembro, simplesmente não lembro — repetiu Miguel torcendo as mãos muito brancas. Fechou-as contra o peito.

— Sei que você foi me visitar, isso eu sei. Mas depois não me lembro de mais nada, minha memória breca de repente justo nesse pedaço, fica tudo escuro. Como aquele luminoso, olha lá, agora apagou completamente... Sei que aconteceu alguma coisa mas não lembro, não lembro. Você vai me dizer, não vai, Rolf? Responde, não vai me dizer? Hem?!

Rolf desviou o olhar da cara lívida, em suspenso na sua frente. Um vinco profundo formou-se entre suas sobrancelhas. Ainda assim, conseguiu sorrir. Segurou com firmeza o amigo pelo braço, obrigando-o a andar.

— Mas não aconteceu nada de especial, rapaz.. Não tenho o que contar.

— Não? Não tive um acesso, não fiz coisas?... Não banquei o...

— Não. Lógico que não. Se quiser mesmo saber, presta atenção, cheguei em sua casa por volta das nove. Comentei a beleza da noite, tanta estrela... Você me pareceu enfarruscado, se queixou de dor de cabeça, lembra?

— Disso eu me lembro. E daí?

— Daí você foi buscar uma aspirina, parece que a dor passou de repente. Então veio a hora da animação, você ficou todo excitado com o livro de um húngaro que estava lendo, não sei que livro é esse nem vem ao caso, o fato é que você desatou a falar. Falou, falou...

— Falei o quê?

— Falou sobre tudo. Sobre esse tal livro, sobre outros livros. Enveredou pela política, fez uma análise fulgurante da situação do país...

— Fulgurante?

— Fulgurante. Comentou depois sobre uma fita de ficção científica, falou sobre a morte de Otávio. Milhares de coisas.

— E então...

— Então, acabou. Fiquei cheio, me deu vontade de tomar um café e fui
até a cozinha, lembra?

— Não, desse pedaço não lembro mais. Vejo você chegando e dizendo uma coisa qualquer ligada à garrafa térmica, que o café se degradava na garrafa, não sei se usou essa palavras, degradar. Mas foi a palavra que me veio agora. E eu me queixando de uma dor bem aqui...

— Na nuca.

— Isso, na nuca — confirmou Miguel, apressando o passo para ficar ao lado do outro que tinha pernas compridas, andava mais rápido.

Afastou com um gesto exasperado o ramo de salgueiro que pendia no meio da alameda.

— O resto esqueci, não sei de mais nada. Não sei.

— Pois quando voltei com o café você se queixou dessa dor, se estendeu no sofá e ficou dormindo feito uma criancinha. Fechei a luz e saí. Acabou.

— Por favor, Rolf, não fique com pena de mim que é pior ainda, pode dizer!

— Mas dizer o quê, se não aconteceu mais nada. Quer que eu invente, é isso? Posso inventar, se quiser.

Seguiram andando. Rolf alguns passos adiante de Miguel que mancava um pouco.

— Sei que tinha uma pessoa por perto e essa pessoa só pode ser você — disse Miguel num tom indiferente. Baixou a aba do chapéu de feltro. Levantou a gola do sobretudo e enfiou as mãos nos bolsos. — Você sabe o que eu fiz. Mas não vai me dizer nunca.

Rolf chutou com irritação um pedregulho e abriu os braços. Cerrou os maxilares quando levantou a face para o céu e de repente pareceu se distrair com algumas estrelas que vislumbrou num rombo da nuvem.

— Milagre! Elas conseguiram mas não vai durar, olha aquela nuvem preta que já vem correndo e cobrindo tudo. Só vai chover mesmo lá pela madrugada, gosto de dormir ouvindo a chuva.

Miguel olhava em frente. O outro teve que se inclinar para ouvir o que ele dizia agora: — Hoje cedo encontrei o relógio despedaçado, aquele relógio em forma de oito. Completamente despedaçado. E um rasgão no lençol. O relógio e o lençol.

— O lençol?

— Também não encontrei mais o Rex. A tigela de água virada, a porta da cozinha aberta... Eu tinha paixão por aquele cachorro. Sai procurando, perguntei na vizinhança, andei dando voltas pelo quarteirão. Nada. Você sabe, mas não vai me dizer. Estou vendo nos seus olhos a minha loucura, mas você não vai me dizer nada.

Caminharam algum tempo em silêncio. Pararam diante do lago de água verde-negra, aninhado entre as árvores. Os ramos mais longos do salgueiro chegavam a tocar na superfície estagnada, com coágulos finos como lâminas de vidro fosco. Rolf acendeu um cigarro, fez um comentário sobre a água que devia estar podre e tomou o amigo pelo braço. Sacudiu-o afetuosamente. Riu.

— Com esses elementos você pode reconstituir tudo, não pode? O relógio, o lençol. O cachorro. Você gostava de livro policial, não gostava? Então é simples, estou preocupado é com o cachorro.

— Não brinca, Rolf. É sério. Eu preciso saber.

— Mas não estou brincando — disse e empurrou enérgico o amigo para a frente. — Vamos, rapaz, tudo bobagem, chega de se atormentar. Não pensa mais nisso, não aconteceu nada. Acho que você está precisando é de mulher, essa nossa vida, uma solidão miserável. Se tivesse por aí umas simpáticas, hum? Por onde andam nesta cidade as simpáticas, antigamente tinha tanta gueixa, vem me esquentar, vem me agradar! Elas vinham. Agora só encontro umas meninas chatas, tudo intelectual. Mania de feminismo, competição. Andei aí com uma nortista que me deixou tonto, falava feito uma patativa. Era socióloga, já pensou?

Um jovem de tênis e abrigo de inverno passou correndo e bufando entre os dois homens, que se afastaram para lhe dar passagem. Quando o jovem desapareceu na curva da alameda. Miguel Voltou-se para o amigo.

— Curioso isso. Como você sabe o que aconteceu, sempre que olho para você vejo que aconteceu alguma coisa.

— Ah, mas minha cara é muito expressiva! Miguel começou a torcer as mãos feito trapos. A silhueta atarracada, parecia maior devido ao sobretudo que vinha de um tempo em que era mais gordo. Levantou a face de um branco úmido.

— Por favor, Rolf, por favor! Preciso saber até que ponto eu cheguei, preciso.

— Mas o que você quer que eu faça? Só se eu tive o acesso junto, nós dois completamente loucos, quebrando coisas, espancando o cachorro. E agora esqueci tudo, os dois sem memória, esses ataques podem dar de parceria. Ou não, sei lá.

Miguel enfiou as mãos nos bolsos e prosseguiu no seu andar meio incerto. Sorriu para o amigo.

— Nós dois juntos. Rolf? Um acesso na mesma hora? Sacudiu-se de repente num riso reprimido. Enterrou o chapéu de feltro até as orelhas e acendeu o cigarro, divertia-o a ideia do acesso em conjunto, "Nós dois. Rolf? Ao mesmo tempo?" Rolf estava sério, andando no seu passo largo, cadenciado. Olhava o chão.

— Vamos sair deste parque. Sugiro comer alguma coisa.

— Isso mesmo. Rolf, também estou com fome. Peixe com vinho tinto meio aquecido, acho genial. Conheci outro dia um restaurante fabuloso, é meio longe mas vale a pena. Vinho tinto italiano, o vinho eu ofereço.

— Machucou o pé, Miguel?

— Por quê?

— Você está mancando.

— Estou? — Ele se surpreendeu. Olhou espantado para os próprios pés.

— Sabe que não sinto nada. Você disse que estou mancando?

— Um pouco.

— Não sinto nada.

Rolf tirou o lenço do bolso da japona e limpou o nariz. Olhou para o lenço enquanto o dobrava. Olhou para o amigo.

— Esse restaurante. É muito longe? Já está meio tarde, será que ainda
servem a gente?

— Claro que servem, fica aberto até de madrugada. É a dona mesmo quem cozinha, uma espanhola chamada Esmeralda. Não sei o nome da rua mas sei onde fica, já fui lá um monte de vezes.

Rolf atirou a ponta do cigarro no canteiro. A fisionomia se desanuviou. Apertou os olhos de novo zombeteiros.

— Tive uma namorada chamada Esmeralda. Você não conheceu a Esmeralda?

— Não. Essa não.

— Ela era engraçada, só pensava em casar, acordava com esse pensamento, dormia com esse pensamento, casar. Então eu avisei, só me caso quando chegar aos quarenta, faltam dois anos. Nessa noite fizemos um amor tão perfeito, dormimos contentes. Me acordou de madrugada, descobriu não sei como minha cédula de identidade e montou em mim, seu mentiroso, você tem 45 anos, vamos casar Imediatamente!

— Imediatamente, Rolf?

Miguel tomara a dianteira, o passo curto, o cigarro apagado no canto da boca. Quando saíram da avenida e entraram numa rua mais tranquila, esperou pelo amigo até se emparelhar com ele. Sacudiu na mão uma caixa de fósforos.

— A marca que meu pai usava tinha um olho dentro de um triângulo, eu ficava fascinado quando ele guardava o olho suplementar dentro do bolso. Será que ainda existe essa marca?

Rolf mordiscou o lábio superior até prender nos dentes um fio do bigode. Contornou com o braço o ombro do amigo.

— Presta atenção, Miguel, o que passou, passou. Não se preocupe mais, somos todos normalmente loucos. Fingimos até uma loucura maior mas não tem importância, faz parte do sistema, é preciso. De vez em quando, dá aquela piorada e piora mesmo, que diabo. E daí? O tal cotidiano acaba prevalecendo sobre todas as coisas que nem na Bíblia. Isso de dizer que só um fio de cabelo nos separa da loucura total é tolice.

— Claro. Rolf, claro. Você tem razão.

Com as pontas dos dedos, Rolf começou a consertar o bigode. Tirou de Miguel a caixa de fósforos que ele ainda sacudia.

— Você está com 51 anos.

— Cinquenta e dois.

— Certo. Eu tenho três mais que você. E sua família, rapaz? Continua por aqui?

— Não, mudou-se para Casa Branca. Por quê?

— Lembrei agora da sua mãe. Ela fazia uns pastéis deliciosos.

— Fazia melhor o amor.

Rolf desviou do amigo o olhar oblíquo.

— Ai! meu Hamlet, que cansaço. E esse seu restaurante que não chega
nunca. Hoje você está muito chato, cansei.

— Acho que é fome, Rolf, perdão, perdão! — E Miguel tomou o amigo pelo braço, ficou de repente descontraído, alegre. — Faz tempo que não como direito, deve ser isso. Mas juro que depois ainda vou cantar para você um tango inteirinho, Cuesta Abajo, tenho uma voz linda, com vinho então fica um esplendor.

— Nem diga.

Enveredaram por uma rua escura, quase deserta. No fim da rua, a ponte, um curvo traço de união entre as margens do rio. A névoa subia mais densa na altura da água. Rolf parou de assobiar — Ainda está longe?

— O quê?

— O restaurante, rapaz.

— Ah, fica logo depois da ponte — disse Miguel. E inclinou-se para amarrar o cordão do sapato. — Conheço tanto esse rio, eu morava aqui por perto quando criança. Todo sábado vinha nadar com a molecada. A água era suja mas imagine se me importava. Também remava, sempre tive mania de esportes. Não cresci muito mas olha só a largura do meu ombro.

— Eu sei, já vi.

Um cachorro perdido passou a uma certa distância. Estava enlameado e tinha uma pequena corda dependurada no pescoço. Miguel ficou olhando o cachorro.

— Podia ser o Rex — disse, e voltou-se para o amigo. Animou-se.

— Cheguei a ser campeão de bola ao cesto.

— Acho que foi por isso que você ficou desse jeito, vida muito saudável
não dá certo. Sempre tive horror de clubes, uma chateação.

Miguel aproximou-se e puxou o outro pela manga. Riu.

— Um bicho-de-concha. Você devia ter aprendido ao menos a nadar.

— Namorei uma nadadora. Cheirava a cloro, por mais que se lavasse, tinha sempre um pouco daquele cheiro, principalmente no cabelo. É curioso, não me lembro da sua cara, só do cheiro.

Tinham atingido a ponte. Miguel parou. Olhou em redor.

— A gente se esquece de certas coisas e de outras... Ainda tem um cigarro?

Rolf tirou do maço o último cigarro, que veio amassado.

— Fuma este.

— E você?

— Agora não quero.

Miguel abrigou na gruta da mão a chama do fósforo. A face avermelhou, esbraseada.

— Mas veja. Rolf, esqueci por completo o que aconteceu ontem e isso não teria a menor importância se não fosse você. Você e esta ponte. A única ponte que me liga a véspera — disse e abaixou-se como se fosse amarrar o sapato.

Rolf abotoou a japona. Prosseguiu de mãos nos bolsos, um pouco encolhido. Miguel então veio por detrás e ainda agachado, agarrou o outro pelas pernas, ergueu-o rapidamente por cima do parapeito de ferro e atirou-o no rio. As águas se abriram e se fecharam sobre o grito afogado, se engasgando.

Debruçado no gradil, Miguel ficou olhando o rio. Vislumbrou seu chapéu que tinha caído e agora flutuava meio de banda na água agitada. Flutuou um instante com movimentos de um pequeno barco negro. Desapareceu, Um resto de espuma foi se diluindo na superfície acalmada.

Miguel apanhou no chão o cigarro ainda aceso e soprou, avivando a brasa. Amarfanhou devagar o maço vazio. Durante algum tempo ficou fumando e contemplando a água. Fez do maço uma bola e atirou-a longe. Não se voltou quando ouviu passos atrás de si. Sentiu a mão tocar-lhe o ombro.

— É proibido atirar coisas no rio.

Ele mostrou para o policial a cara pasmada.

— Mas era um maço de cigarro, um maço vazio.

— Eu sei, mas não pode. É a lei.

Miguel sorriu, concordando.

— O senhor tem razão — disse e levantou a mão para a aba do chapéu.

Interrompeu o gesto.

— Toda razão. Não vou repetir isso, prometo.

Mancando um pouco, atravessou a ponte e sumiu no nevoeiro.

Fonte:
Lygia Fagundes Telles. A estrutura da bolha de sabão.

sábado, 20 de março de 2021

Adega de Versos 5: Ademar Macedo

 


Milton S. Souza (Vermelho na cabeça)


Apesar das constantes broncas da esposa, aquele aposentado está sempre “inventando coisas”. E foi exatamente uma invenção que provocou aquela confusão toda. A tarde estava calma e bonita, quando ele resolveu pintar a parte de fora do apartamento, no primeiro andar. A parede vermelha estava com a pintura descascada e precisava de uma melhorada. Preparou tudo, tinta, rolo e outros apetrechos necessários. O primeiro problema surgiu quando encostou a escada na parede. Ela era muito curta e seus braços não conseguiam alcançar o ponto que precisava ser pintado. Isso, porém, não era problema para um “grande inventor”...

Alguns tijolos velhos que estavam há muito tempo encostados num canto foram empilhados cuidadosamente nas proximidades da parede. Logo depois, com o mesmo cuidado, colocou a escada sobre o monte de tijolos. Precisou carregar mais alguns para construir degraus para poder subir até a escada. Com dificuldade, levou a tinta, o rolo e os outros apetrechos até o topo da escada. Finalmente estava pronto para começar a pintar.

Pela janela do apartamento ainda viu a silhueta da esposa, passando para lá e para cá, como se estivesse tirando o pó dos móveis. Era melhor que ela nem notasse que ele estava pintando a parede, pois já começaria com os seus sermões: “Cuidado, vais cair, isso é perigoso”. A mulher achava que ele, por estar aposentado, deveria ficar o dia inteiro sentando no sofá vendo TV. Que besteira. Estava aposentado, mas não estava morto. Não iria gastar o seu dinheiro pagando alguém cada vez que tivesse que pregar um prego. Sabia fazer de tudo um pouco. E pintar uma parede, por exemplo, era uma das coisas mais fáceis do mundo... Pensava tudo isso enquanto molhava o rolo na tinta e se preparava para tingir de vermelho a velha parede.

Foi exatamente neste momento que a pilha de tijolos utilizada como base para a escada começou a ceder. A escada balançou. Ele tentou se agarrar na janela, mas não conseguiu. O rolo foi o primeiro a cair. Quando a escada desabou, ele se segurou na única coisa sólida que suas mãos alcançaram: a lata de tinta vermelha. A queda foi amenizada por algumas plantas que se engancharam na escada perto da parede. Mas ele terminou se esborrachando sobre o gramado. A lata de tinta veio logo depois, derramando seu líquido vermelho e pegajoso sobre a sua cabeça e parte do corpo. Ficou estatelado no meio de uma poça vermelha.

O barulho alertou a vizinhança. Muitas janelas se abriram e muitos gritos foram dados ao mesmo tempo. Um deles, o mais forte de todos, foi o da sua mulher, que desmaiou ao ver o marido caído e totalmente manchado de vermelho. Lá de cima, do primeiro andar, a tinta parecia ser sangue, muito sangue. Aquela visão foi aterradora demais para a pobre esposa do “inventor”...

Enquanto alguns vizinhos socorriam o desastrado e avermelhado pintor, outros entraram no seu apartamento e reanimaram e desmaiada esposa. A confusão durou mais de uma hora, mas teve um final feliz: a esposa só necessitou de uns dois copos de água com açúcar para entender que não havia virado viúva e voltar ao normal. E o aposentado sofreu apenas alguns pequenos arranhões. Mas precisou suportar alguns olhares e risinhos debochados dos vizinhos, que quase não conseguiram conter as gargalhadas enquanto deixavam o apartamento.

O pior veio depois que a porta da rua foi fechada: as broncas da esposa por mais esta sua “perigosa invenção” e pela enorme mancha vermelha que ficou no sofá novinho, onde os vizinhos fizeram ele deitar depois de ter sido socorrido. Isso sem contar as quase três horas de banho, com o uso de querosene, esfregões e outros produtos, para tentar tirar aquela maldita tinta vermelha dos cabelos brancos, do rosto e do resto do corpo.

Ele, um torcedor do Grêmio, pintado de vermelho*…
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* Obs: vermelho é a cor do Internacional, adversário do Grêmio.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XVI


A flor que tanto cuidamos
pode até não ser aquela
que no jardim a almejamos
sempre colorida e bela.
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Ao prosseguires na vida
no rumo determinado,
siga na luz escolhida
que obterás o resultado.
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As palavras benfazejas
gostamos de sempre ouvir,
como frutas em bandejas
devemos também servir.
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A verdade, no plural,
não consigo imaginar.
Ávida, pra ser normal,
só a vejo no singular.
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Beija-flores tão charmosos
com seus bicos alongados,
são pequenos, mas vaidosos
nas flores sempre plugados.
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Caneta e papel na mão,
não deixe de registrar,
o fruto da inspiração
e a todos poder mostrar.
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Carência de paradigmas,
e excesso de rebeldia,
agigantam os enigmas,
pondo sombra à luz do dia.
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Demora tanto passar
os minutos numa espera,
dá vontade de apressar
quando a dor nos vocifera.
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Dumont, com fulgor e glória,
pôde enfim, sobrevoar
e uma cadeira na história
pôde assim assegurar.
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Foi na distante Paris,
que Dumont se consagrou,
com o seu 'Quatorze Bis'
a torre sobrevoou.
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Meramente momentânea
pode ser nossa postura,
talvez seja simultânea,
outra forma de procura.
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Milhares de bons momentos
guardamos sem esquecer.
Às vezes, os sofrimentos,
nos fazem fortalecer.
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Muitas vezes os ponteiros
poderão parar, talvez,
mas os da vida, certeiros,
param somente uma vez.
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Muitos dos que gritam, querem
ser apenas observados,
outros, no entanto preferem,
observar tudo calados.
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Ninguém saia a procurar
algo numa noite escura,
para não se transformar
numa frustrada aventura.
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Nobres flores perfumadas
no jardim da nossa vida,
apenas são transformadas
depois da missão cumprida.
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Nunca deves macular
o vistoso entardecer,
nenhum dos sonhos calar
nem teu grito emudecer.
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O crime nos amedronta,
faz a vida estremecer,
se o medo for uma afronta
a coragem faz vencer.
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O mundo parece obter
grande luz, perfume e cor,
quando soubermos viver
com justiça, paz e amor.
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Ontem, para a caridade,
a porta sempre se abria,
hoje, sequer na amizade,
alguém na janela espia.
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Para que surja a mudança
deves quebrar a rotina,
sem luta e perseverança
a mudança não culmina.
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Quem for plantar na lavoura
do saber, sempre terá,
a semente imorredoura
que novos frutos dará.
= = = = = = = = = = =

Quero-quero, beija-flor,
pintassilgo, tico-tico,
canarinho encantador
toca e canta com o bico.
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Repensar o pensamento
dentro da modernidade,
é dar vigor ao talento
e asas para a humanidade.
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Toda planta que dá frutos
será sempre depredada,
por causa dos atributos
que ela esconde na ramada.
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Um mar de luz parecia
deslizar nos verdes montes,
eram ondas de harmonia
desvelando os horizontes.
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Vaquejadas das saudades
nas estâncias do querer,
soltas, correm as vontades,
pelos campos do viver.
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Vida nova, novo ser,
se repete todo o dia
e o sol pra favorecer
forte luz nos irradia.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Paulo R. O. Caruso (Cronista crônico)


Pensei em escrever um poema. Mas de que tipo? Um poema livre ou algum que seguisse uma fórmula? Liguei o microcomputador e, a seguir, diante do buraco negro da tela em branco, pensei num cordel. Entretanto, o que me deixou claudicante é que eram já onze e meia da noite, sendo que eu iria para a cama dentro de meia-hora, para depois acordar às cinco da matina rumo ao labor de cada dia. Logo, abandonei a proposta de escrever um cordel, que jamais é um poemeto, mas sim reúne muitas estrofes e, devido à exiguidade do tempo, comecei a cogitar me dedicar a um soneto...

Ora, um soneto tem quatorze versos e poderia ser deca, dodeca, setissilábico ou até mesmo bárbaro, além de poder ser ao estilo italiano ou inglês e... Faltavam já vinte minutos, o que me fez abortar a segunda cogitação.

Tendo desistido da segunda possível empreitada, cogitei uma trova, que é composta por quatro versos setissilábicos e tem rima ABAB. Contudo, às quinze para a meia noite eu ainda não sabia que tema utilizar entre os de concursos de trovas com prazo ainda aberto para inscrições! Fora que eu nem mais me lembrava de quais temas exigiam abordagem lírico-filosófica ou humorística! Bem, agora já eram dez para meia-noite...

Pensei depois em escrever um haicai... Só três versinhos! Cinco sílabas poéticas no primeiro e no terceiro versos, além de sete no segundo! Ocorre que eu sou dos poucos que prefere escrevê-los com as rimas que a tendência oriental apregoa, mas, depois de anos, nos derradeiros três meses comecei enfim a adotar o modelo ocidental, isto é, não rimado. A dúvida sobre tema e estilo durou mais alguns minutos, o que me fez cogitar a adoção de uma aldravia... Você conhece aldravia?

Pois bem, aldravia é um poemeto sintético derivado do verbete “aldrava” (batedor de porta de madeira maciça, a grosso modo). Porém, como este que lhe escreve é um sujeito chato e indeciso, o que, diante do relógio indicando dois minutos para a meia-noite, me fez largar até mesmo a ideia de um simples poemeto composto verticalmente por seis palavras, cada qual ocupando uma linha! Logo, o que foi que me sobrou? Esta crônica!
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4. Lugar no 1º Concurso de Crônicas da Academia Internacional da União Cultural na categoria "Acadêmicos Efetivos".

Fonte:

1º Concurso de Sonetos Clássicos da Academia Internacional da União Cultural (Prazo: 10 de Abril)


– REGULAMENTO –  

1º - DEFINIÇÃO E OBJETIVOS
O Concurso consiste na valorização da arte literária poética, especificamente do soneto clássico decassílabo.

2º - NATUREZA DOS TRABALHOS
Pode-se participar com apenas UM soneto clássico, decassílabo:

I - Com as rimas, para fins deste concurso, nos quartetos no formato ABAB ABAB ou ABBA ABBA e nos tercetos nos formatos CCD EED ou CDD CEE ou CDC EDE ou CDE CDE.

II – Os sonetos devem ser decassílabos, escritos em versos heróicos (ritmo nas sextas sílabas) ou sáficos (ritmo nas quartas e oitavas sílabas);

III - Todos os trabalhos devem ser de autoria própria, escritos em língua portuguesa, inéditos (sem publicações seja por meio escrito, via internet ou outros).

3º - TEMA –
O tema será LIVRE, sendo que os critérios analisados serão: adequação às regras estipuladas no artigo 2º deste regulamento, normas da língua portuguesa, criatividade, originalidade, estética e exploração de recursos linguísticos;

4º - FORMA DE ENVIO e PRAZO –  
Os textos deverão ser enviados para o e-mail:

auniaocultural@gmail.com ,

no corpo do e-mail, sem arquivos anexos (devendo constar, abaixo do poema: nome, endereço completo, whatsApp, e-mail, autorização para divulgação em quaisquer meios) e minibiografia de aproximadamente 5 linhas;

– Obs.: Os trabalhos serão recebidos até o dia 10 de abril de 2021, às 23h59 (horário de Brasília-Brasil);

5º - PÚBLICO-ALVO –  
Podem participar do concurso todos os poetas, maiores de idade, pertencentes ou NÃO a Academia Internacional da União Cultural

6º - PREMIAÇÃO –  
A premiação constará de certificados, enviados de forma virtual (e-mail), outorgados a critério da Comissão Julgadora

7º - DISPOSIÇÕES FINAIS –
Casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora, sendo que, de antemão, fica resolvido que:

I - as decisões das Comissões Organizadora e Julgadora terão caráter permanente, sendo soberanas e incorrigíveis;

II - a partir do momento da inscrição, o autor autoriza a publicação (sem que perca os direitos de seu soneto) de seus textos em eventuais livretos ou blogs, ou sites, ou facebook, ou outros redes sociais e meios de divulgação, ou por meio impresso, bem como a veiculação em vídeos e áudios;

III - a divulgação dos resultados será feita aos e-mails dos participantes, bem como nos meios de divulgação da Academia até 25 de maio de 2021;

- para informações adicionais ou para dirimir eventuais dúvidas, envie e-mail para: auniaocultural@gmail.com ou
whatsApp (12) 97412-5806.

Taubaté-SP / Brasil, 10/março/2021
Academia Internacional da União Cultural
Luiz Antonio Cardoso
Presidente

sexta-feira, 19 de março de 2021

Varal de Trovas 487

 


A. A. De Assis (Maringá Gota a Gota) Ó tempos, ó costumes!


No museu da UniCesumar* há um documento deveras curioso: a carta de autorização dada por um delegado de polícia a uma senhora para que ela pudesse usar calças compridas em suas atividades cotidianas. Isso em janeiro de 1952, aqui pertinho – em Londrina. A portadora, posteriormente, veio residir em Maringá.

Parece incrível, mas a coisa era assim mesmo. Mulher de calças compridas era atentado ao pudor. Só no final da década de 1950 as moças e senhoras começaram a ganhar maior liberdade para sair às ruas em “traje masculino”... e sem necessidade de licença do delegado.

“O tempore, o mores” (ó tempos, ó costumes), bradava o velho Cícero no senado romano. Vale lembrar que de “mores” (“modas”, “costumes” em latim) é que veio a palavra “moral”. Moral então é aquilo que faz parte dos “bons costumes” de um povo numa determinada época.

Tudo o que seja consensualmente aceito como habitual por uma sociedade é “moral”. Se o costume é andar nu, isso significa que a nudez é “moral”. Se o costume é andar com o corpo coberto, a nudez passa a ser “imoral”. Se tanto faz como tanto fez, é “amoral”.

Tá na moda? Tá se usando?... Manda ver. A grande virada dos usos e costumes teve como ponto-marco o ano de 1960. Mas um pouco antes já se notavam sintomas de abertura, com a explosão do rock and roll do Elvis Presley e companhia. Depois veio o biquíni, em seguida entrou na onda a minissaia da Mary Quant. E daí por diante nem mesmo o bom latim do nobre tribuno Marco Túlio Cícero botou mais freio nos “tempores” nem nas “mores”.

O rock, aliás, foi fortemente simbólico no processo de emancipação da mulher. Até então, os casais dançavam abraçados, sempre o homem “guiando” a companheira. A partir do rock ele e ela passaram a dançar separados, cada um guiando a si mesmo.

Em 1952, quando aquela corajosa senhora ousou desfilar em Londrina vestindo calças compridas, muita coisa que hoje causaria espanto era ainda normal, costumeira, habitual, usual, consensual, moral. Por exemplo: namorada só podia ir ao baile ou ao cinema com o namorado se levasse junto um “onze” – um irmãozinho ou irmãzinha para “tomar conta” da moça e evitar eventuais avanços do moço... Nos bailes havia um personagem temível: o “fiscal de salão”. Se um par estivesse dançando muito agarradinho, ele vinha e separava. E se o rapaz resmungasse era posto pra fora.

Velhos “tempores”, velhas “mores”. Mas nos velhos “tempores” era mais fácil acompanhar a evolução dos usos e costumes, porque as “mores” eram duradouras. Foi ao longo da segunda metade do século 20 que as modas destramelaram de vez, passando a mudar muito rapidamente, de modo que as pessoas passaram a ter também que mudar bem rápido o modo de ver e de entender as coisas.

O que aconteceu quando a gente era criança já virou pré-história...
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* Unicesumar - Centro Universitário de Maringá
_____________________________________
(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 4-3-2021)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) XVII


A TIMIDEZ

Que paz e tranquilidade!
Que ela me concedeu,
Ao revelar que me ama...
Foi um presente de Deus.

Pois eu andava triste...
E até desanimado,
Queria revelar-me, somente não o fazia...
Por medo de ser rejeitado.

A timidez é terrível.
E nos deixa diminuídos,
Às vezes temos tudo para
Resolvermos questões,
Mas nos vem a maldita timidez
E nos deixa sem ação.

Agora tudo está bem...
Sinto-me realizado,
Eu amo a mulher que sonhei
E por ela sou amado.

Para mim não existe coisa mais bela!
Do que amar e ser amado,
Neste mundo complicado.
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LONGOS BEIJOS

Como podes ser tão deslumbrante e bela.
Com tanto fascínio que a todos encanta.
Queria eu ter o privilégio
De te beijar a boca.

Se assim fosse...
Um dos meus sonhos seria realizado!
Pois um beijo como o teu...
Jamais foi me dado.

Quem sabe um dia possa acontecer,
De algo maravilhoso a nos envolver.
Então terei a certeza
Que esse dia chegara,
E longos beijos iremos trocar.
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MULHER
Homenagem à mulher pelo seu dia

Mulher tu és divina, ó ser maravilhoso,
Entre a criação tu és a preferida!
Tens o dom de ser mãe e de ser amada pelo homem,
E por Deus de ser reconhecida.

Tens no coração a ternura dos santos,
E na alma o amor, nasceste para amar...
Mesmo quando não amada.
Ainda que dos teus olhos escorra uma lágrima,
Mesmo assim estás pronta para socorrer e acalmar a dor.

És tu que no ventre traz o herói ou a santa!
És tu que no simples olhar nos dá a esperança,
Querendo com isso nos dizer,
Que somos fortes, pois és valente!
Já não temes a morte.
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NOSSA VIDA É COMPLICADA

Quantas vezes me pedistes
Para eu não te deixar,
Quantas vezes prometestes...
Não mais me fazer sofrer.
Hoje vejo ser impossível
Viver contigo sem que queiras
Me compreender.

Até porque não entendes
O meu modo de pensar,
Tu queres viver o presente
E o futuro nem pensar.

Mas vejo diferente, pois a vida
É complicada se hoje temos dinheiro
Amanhã poderemos estar sem nada.

Temos que viver o presente
E o futuro não esquecer,
Nossa vida é complicada
Temos que analisar tudo,
Para no futuro não sofrer.
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NOSSO AMOR NÃO ACABOU

Se eu pudesse voltaria
Àqueles tempos tão lindos,
Depois de uma noite de amor
Tu acordavas sorrindo.

E eu também satisfeito;
Lembrava do que passou,
Dessa noite tão divina...
Que selou o nosso amor.

Ah! Como a vida me sorria
Naqueles tempos floridos,
Eu te amava, tu me amavas...
Nosso lar era um verdadeiro paraíso.

Apesar de estarmos distantes
E vivermos de lembranças
Nosso amor não acabou,
Pois existe a esperança
De ainda estarmos juntos,
Para não viver só de lembranças.
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SE FAZ DURA A CAMINHADA

Como sinto tua ausência...
Sem saber onde estás
A tristeza e a angústia...
Castigam-me por isto não tenho paz.
 
Como dói no coração;
E na alma amargurada...
Quando se procura alguém.
Faz-se dura a caminhada!
 
E esta dura caminhada!
Pra procurar quem se ama...
Às vezes duram meses e anos.
E enquanto não a encontrarmos...
Não se chega ao fim da jornada.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Silmar Böhrer (Croniquinha) 19


Crônicas delícias - as cronilícias - estariam sempre habitadas por manhãs de sol, pela cantoria dos pássaros, pela música do vento. Colheríamos frutos perenes de bem-estar. E o que vemos ?

Vemos constantemente águas escuras correndo no leito das desejadas felícias duradouras. Em meio às venturas deste mundo-paraíso, flagelos de toda espécie têm rondado e agitado a vida do ser humano.

E o pensador aparece envolvido no protagonismo de tantos males com um soneto nascido há uma década.

Pelos caminhos do bom pensar
tenho estado andando,
e rimando, e escrevinhando,
filosofando a filosofar.

Ofuscam-se-me os olhos
os grandes males do mundo,
pobre mundo, moribundo,
a macular o mar de Abrolhos.

O tosco, o rude, as estultícias,  
do bicho-homem as sevícias
eis-me então a lamentar.

Protagonista de tanta maldade,  
canto as dores da humanidade,
no meu mais puro versejar.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Melo Morais Filho (Casamento na Roça) - 2, final


Imagine-se a fervura da casa, a recepção estrondosa do venturoso par na sala rescendente de flores do campo, de adornos silvestres.


A rabeca e a flauta tocavam, o reboliço era geral, notando-se instantes mais tarde a ausência da mãe da noiva, que desaparecera no tumulto.

E o quadrista inspirado não perdia o momento; e alteando a prima, tocando nos bordões, aproveitando o intervalo da música, lá ia:

Ó senhora mãe da noiva,
Saia fora da cozinha,
Venha ver a sua filha
Como está tão bonitinha.

E os “bravos” e as palmas coroavam o cantor, o violeiro do mato, nos seus repentes oportunos. Nisso as mucamas acendiam os candelabros, as velas nas mangas de vidro, ouvindo-se de dentro o barulho dos pratos e as vozes dirigentes de pôr a mesa.

O pai da noiva, previdente em tudo, mandara cuidar da cavalhada, dos bois do carro, do pessoal escravo da comitiva, que mais livremente se entregaria à noite às comezainas e ao fado. E no salão a flauta e a rabeca tocavam, dando sinal para a primeira quadrilha.

Nisso a dona da casa chegava radiante, cumprimentando novamente os seus convidados, imprimindo um beijo na fronte pura de sua filha, e pedindo a todos a fineza de a acompanharem para o jantar.

E entravam...

A lauta e extensa mesa apinhava-se de súbito, de senhoras e de homens, ficando a maior parte, entretanto, para as subsequentes, tão numerosos eram os convivas.

Os principais da festa, ocupando as cabeceiras, em seus lugares especiais, as pessoas mais gradas e de distinção da localidade, o banquete iniciava-se, e depois de servida a sopa, um trinchador poeta, tomando de um trinchante, cantava:

Estes franguinhos assados
Foram bem recheadinhos,
São presentes para os noivos
Que fizeram os padrinhos.

E um conviva, erguendo um copo de vinho acima da cabeça:

Taplã... taplã... zabumba,
Bravo a vida militar;
Defender as moças belas
E depois rir e folgar.

O soldado, que é valente,
Passa a vida a batalhar;
O soldado, que é mofino,
Passa a vida a namorar.

Hip!... hip!... urrah!...

E as saúdes aos noivos, aos pais do ditoso par, a todos e a cada um de per si estrondavam à porfia; e um outro convidado, puxando para perto um peru assado, desarticulava-o, entoando:

Este peru que aqui está,
Ontem morreu empapado;
Eu aviso ao senhor noivo
Que o coma com cuidado...

Um segundo repentista:

Da leitoa que aqui está,
Desconfiem, tenham medo,
O trinchador que a trinchar
Olhe que lhe morde o dedo.

E todos, erguendo-se e empunhando copos:

Azeitonas bem curtidas
Têm um singular sabor,
Só me lembro dos amigos
Quando bebo este licor.

Hip!... hip!... urrah!...

Caloroso e animadíssimo corria o festim; o entusiasmo transbordava das expansões dos convivas como o vinho das taças cheias; a alegria e a felicidade transpareciam do sorriso dos noivos e das meiguices da família.

Mas o complicado jantar demorava o baile roceiro e as danças tradicionais.

Então o violeiro obscuro, transpondo a sala do banquete, pedia a palavra, empunhava a viola e improvisava gaiato:

Sinhá noiva e sinhô noivo,
Deus lhes dê um bom estado:
Que daqui a nove meses
Haja um rico batizado.

E dos circunstantes, que se levantavam em massa, bradava um:

É a última saúde! A saúde de honra! É de virar! Vivam os noivos!...

Gato amarrado
Dá para miar,
A boa champanha
Dá para dançar!

Este é o gato,
Que matou o rato
Que roeu a corda
Que amarrava a bota...

Bota vinho! Bota!
Vira, vira, vira!...
Hip!... hip!... urrah!...

E aos sons da música, que preludiava a quadrilha, contratavam-se os pares, o noivo e a noiva figuravam, as primas e os primos tomavam parte, cada qual com seu botão de flor de laranjeira como distintivo na abotoadura do paletó e no corpinho.

Findas as primeiras quadrilhas, as primeiras valsas, o elemento nacional e dominante – o chiba – campeava absoluto, lânguido, peneirado, buliçoso, como a volúpia das nossas noites mornas e estreladas.

E aos tinidos das violas, aos arpejos quentes dos menestréis pátrios, a trova deslizava sonora, a cantiga brotava plangente, encantando a noite do noivado e a sorte futura do nascente lar.

Então a noiva e o noivo, os padrinhos e madrinhas, os convidados em chusma, às toadas das violas, ao canto sonoro dos violeiros, caíam na chula, requebravam na fieira, aos epitalâmios dos trovadores em suas cantigas a esmo:

Sinhô noivo, dê-me um doce,
Sinhá noiva manda dá;
Pois pela noite adiante
Sinhá noiva pagará.

Dança o fado, minha gente,
Que uma noite não é nada;
Se eu não for dormir agora,
Dormirei de madrugada.

Ao passo que o chiba recrudescia bamboleado, macio, palmejado, sapateado, os que não dançavam conservavam-se de costas para as janelas, sentados nas cadeiras enfileiradas; e do belo sexo duas ou três representantes, levantando-se sorrateiras, entravam no quarto dos noivos, admirando o bom gosto, pegando nos cortinados, lavando as mãos no jarro, bisbilhotando adiantadas.

Antigamente era de costume botar-se espinhos de roseira debaixo dos lençóis, atar-se guizos e campainhas nas extremidades das colchas, esconder-se mesmo um indivíduo debaixo da cama, para latir, miar, cantar como galo, fazendo desapontar os noivos, que disparavam do quarto entre gargalhadas e alegre alarido dos que lhes armavam a peça.

E cansados os dançadores, ofegantes as bailarinas, descansavam um pouco, iam tomar café e refrescos, ficando a mesa posta e constantemente renovada para os que quisessem servir-se.

De repente a desafinada rabeca anunciava fanhosa outra valsa e o bródio prosseguia ainda.

No terreiro, os escravos batucavam, quebravam na chula e cantavam suas trovas.

E quando as danças estrangeiras paravam, o fado rompia nas violas, ponteadas pelos tocadores da roça, no salão que começava a aclarar-se das barras longínquas do amanhecer.

E os convidados, na maior parte, não resistindo à tentação que lhes bulia na alma, pulavam no meio, o noivo e a noiva despencavam-se no rodopio, e o cantador trigueiro lavava o peito dos circunstantes com suas cantigas variadas:

O fado veio no mundo
Para amparo da pobreza,
Quando me vejo num fado
Não me importo com a riqueza.

A viola pela prima,
A prima pelo bordão,
O homem pela palavra
Leva a mulher pela mão.

Um casamento na roça era, com poucas variantes, o que aí fica descrito; e essas festas, que entravam sempre pela noite adiante, duravam por dias, na plenitude da abastança e da felicidade.

Fonte:
Melo Morais Filho. Festas e Tradições Populares do Brasil.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.