quinta-feira, 2 de março de 2023

Cecim Calixto (Cajado de Sonetos) X


AUTORRETRATO

Quando estou triste a inspiração me vem
Arrebatar o que a memória sente.
Inda acrescento: a solidão faz bem
Às variações da esplendorosa mente.

Minha tristeza é essencial também
Quando atrelada à predileta ausente.
Sinto que danço no salão do além
Nos braços lânguidos da Euterpe ardente.

Saudade traz a solidão gostosa...
E a letra exata me apresenta honrosa
A diretriz do magistral poema.

E tange o som do meu lirismo santo
Na aprovação do meu pungente canto
Exposto em tela sem nenhum dilema.
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DISCREPÂNCIA

Vou resgatar o meu maior anelo
Que vem de longe, de um passado vil.
E foi por ele que enfrentei duelo
Contra deveres e o destino hostil.

Por este amor fiz e travei libelo
E preservei este prazer senil
Que não padece ante qualquer flagelo
Nem arrefece o coração viril.

O meu anseio por amá-lo tanto
Vem de menino que bebeu o encanto
Do beijo ardente no mais temo abrigo.

Tristonho assisto o original contexto:
Ser atirado num imundo sexto
Sem proteção de um matutino amigo.
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DOAÇÃO AMIGA

Quero que chova como chove a chuva
Sobre as verduras cá do meu pomar.
E traga frio de enxotar saúva
E de encher rios que se vão ao mar.

Se vem com sol vai se casar viúva,..
Depois a trégua, para o campo arar.
Termino o trecho e já descalço a luva
Para o meu trago semanal no bar,

Trabalho muito, pois compensa à faina,
Para o retorno que a algibeira amaina
Na crise insana que a lavoura assola,

Parte do fruto com orgulho cedo
Ao bom vizinho, sem nenhum segredo,
Que sempre ajuda sem pedir esmola.
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FESTA DE IGREJA NO INTERIOR

APARECIDA, jubilosa enseja
A bela festa que dezembro traz.
Há muita gente na pequena igreja,
Sinal que mostra que a oração apraz.

Além da Santa, o coração deseja
Ouvir a banda da regência audaz.
Leitão assado na legal bandeja
Mostra que o frango logo vem atrás.

No átrio largo o povo espera aflito
Do fogueteiro o memorável grito
Para a soltura do rojão primeiro.

Alegre fogo todo o céu clareia
E a multidão presente à praça cheia,
Percebe o afago do fiel Romeiro.
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JOTA

Nada mais temo que este amor menino,
Pois sobrevive sem nenhum pecado,
Despertando a alma como um forte sino
E arrefecendo o sentimento amuado.

Beijo inocente, é como o som de um hino,
Dos lábios rubros de emoção untado.
É a doce marca do sabor mais fino
Nas horas caras com seu bem amado.

E aquele tempo do colégio brota
E traz à mente aquela letra jota
Que foi amor, hoje eternal amiga.

Quanta lembrança me acalenta o senso:
Traz a doçura do passado imenso
E aflora o pranto da ternura antiga.

Fonte:
Cecim Calixto. Flores do meu cajado: sonetos. Curitiba: Juruá, 2015.

O. Henry (A Porta Verde)

Suponhamos que você esteja a caminhar pela Broadway depois do jantar, com dez minutos para fumar um charuto enquanto resolve se irá assistir a uma tragédia divertida ou a algo mais circunspecto no gênero de variedades. De repente, alguém o detém pelo braço. Você se volta para dar com os olhos fascinantes de uma linda mulher que exibe magníficos brilhantes e zibelinas russas. Ela lhe coloca na mão, às pressas, um pãozinho com manteiga, extremamente quente, e, armada de minúscula tesoura, arranca-lhe o segundo botão do sobretudo, dizendo significativamente uma só palavra — "paralelograma!" —, e envereda a correr por uma rua transversal, olhando amedrontadamente para trás, por cima do ombro.

Isso seria pura aventura. Você a aceitaria? Claro que não. Coraria, embaraçado; deixaria cair envergonhadamente o pãozinho e continuaria a caminhar pela Broadwny abaixo, apalpando timidamente o sobretudo à procura do botão. Tudo isso faria você, a menos que fosse um dos poucos privilegiados nos quais o autêntico espírito de aventura ainda não morreu. 

Os aventureiros de verdade nunca foram numerosos. Os que são assim designados em letra de forma não passam, na maioria dos casos, de homens de negócios com métodos recém-inventados. Saíram a campo em busca do que desejavam — tosões de ouro, santos graais, o amor de suas damas, tesouros, coroas e fama. O verdadeiro aventureiro parte sem rumo e sem premeditação ao encontro de um destino desconhecido. 

Excelente exemplo foi o Filho Pródigo — quando começou a viagem de volta a casa. Os semi-aventureiros — bravas e esplêndidas figuras — têm sido numerosos. Desde as Cruzadas até as Paliçadas, enriqueceram a arte da História e da ficção e o ramo da ficção histórica. Cada um deles, porém, tinha um prêmio a conquistar, um objeto a atingir, um machado a afiar, uma corrida a vencer, uma nova estocada em terça a esgrimir, um nome a esculpir, um corvo para bicar — não sendo, pois, amantes da autêntica aventura.

Numa grande cidade, o Romance e a Aventura, espíritos gêmeos, estão sempre à solta, à procura de pretendentes condignos. Enquanto vagamos pelas ruas, eles nos espiam sorrateiros e nos desafiam de vinte maneiras diferentes. Sem atinar por que, de repente levantamos os olhos e percebemos, numa janela, um rosto que parece pertencer à nossa galeria de retratos íntimos; numa avenida adormecida, ouvimos um grito de agonia e de medo vindo de uma casa vazia e fechada; um chofer de táxi, em vez de nos deixar em nossa calçada familiar, deixa-nos diante de uma porta estranha, que alguém abre para nós com um sorriso, convidando-nos a entrar; uma tira de papel, com algo escrito, desce flutuando até os nossos pés, atirada das altas gelosias do Acaso; trocamos olhares instantâneos de ódio, simpatia ou medo com estranhos apressados, na multidão transeunte; uma súbita carga d’água — e nosso guarda-chuva pode abrigar a filha da Lua Cheia e prima-irmã do Sistema Sideral; a cada esquina, lenços caem, dedos acenam, olhos assediam, e as perdidas, as solitárias, as empolgantes, as misteriosas, as perigosamente mutáveis chaves da aventura são nos postas na mão. Poucos de nós, entretanto, mostram-se dispostos a agarrá-las e utilizá-las. Tornamo-nos empertigados, com a vareta das convenções endurecendo-nos as costas. Seguimos adiante, e certo dia, ao fim de uma vida muito insossa, constatamos que o nosso romance foi algo pálido, um ou dois casamentos, uma roseta de cetim guardada no cofre, e uma briga perene com um radiador a vapor.

Rudolf Steiner era um autêntico aventureiro. Poucas as noites em que não saía do seu pequeno apartamento à procura do inesperado e do insigne. A coisa mais interessante da vida parecia-lhe ser o que pudesse encontrar logo adiante, ao virar a esquina. Algumas vezes, sua determinação em desafiar o destino o conduziu a estranhos atalhos. Duas vezes passou a noite no plantão da polícia; amiúde viu-se logrado por espertalhões ardilosos e mercenários; um lisonjeiro engodo custou-lhe o relógio e o dinheiro. Continuava, porém, com ardor jamais esmorecido, a erguer toda luva que lhe era atirada nas liças alegres da aventura.

Certa noite, Rudolf passeava por uma das ruas transversais, na parte central mais antiga da cidade. Duas torrentes de povo enchiam as calçadas — os que corriam para casa, e o inquieto contingente dos que abandonam o lar pela enganosa acolhida da table d’hôte profusamente iluminada. 

O jovem aventureiro era de presença agradável, e movia-se serena e cautelosamente. À luz do dia, era vendedor numa loja de pianos. Trazia a gravata passada por um anel de topázio, em lugar de prendê-la com um alfinete; e certa ocasião escrevera ao redator de uma revista que A Prova de Amor de Junie, por Miss Libbey, fora o livro que mais o influenciara na vida.

Durante o passeio, um violento estalejar de dentes, numa vitrina, chamou a atenção de Rudolf (com que náusea!) para um restaurante a ela fronteiro; olhando melhor, porém, notou as letras luminosas de uma placa de dentista, acima da porta contígua. Um negro gigantesco, envergando um fantástico casaco vermelho cheio de bordados, calças amarelas e boné militar, distribuía cartões discretamente aos passantes da multidão que os aceitassem.

Essa técnica de propaganda dental não constituía novidade para Rudolf. Geralmente, passava pelos distribuidores de cartões sem diminuir-lhes o estoque; nessa noite, entretanto, o africano enfiou-lhe um cartão na mão com tanta destreza, que Rudolf o aceitou, sorrindo ligeiramente ante a habilidade da manobra,

Depois de dar mais alguns passos, correu os olhos pelo cartão, sem muito interesse. O que viu, porém, fê-lo revirar novamente o cartão e examiná-lo detidamente. Um dos lados estava em branco; no outro viam-se, escritas a tinta, três palavras: "A Porta Verde". Foi então que Rodolf notou, pouco mais adiante, alguém atirar fora outro dos cartões entregues pelo negro. Rudolf apanhou-o e verificou que trazia, impressos, o nome e o endereço do dentista, além dos dizeres habituais: "placas", "pontes" e "coroas", e enganosas promessas de operações "sem dor".

O aventuroso vendedor de pianos parou na esquina e pôs-se a refletir. Em seguida, cruzou a rua, percorreu mais um quarteirão, tornou a atravessar e integrou-se na corrente de gente que subia. Simulando não ver o negro, ao passar por ele pela segunda vez, recebeu despreocupadamente o cartão oferecido. Dez passos adiante, parou para examiná-lo. Com a mesma caligrafia do cartão anterior, ali estavam as palavras "A Porta Verde".

Três ou quatro cartões haviam sido atirados ao chão por transeuntes, adiante e atrás de Rudolf. Todos tinham caído com o lado em branco para cima. Rudolf virou-os. Traziam a legenda impressa do consultório dentário.

O travesso espectro da Aventura raramente precisara de acenar duas vezes para Rudolf Steiner, seu verdadeiro seguidor. Dessa feita, contudo, fizera-o duas vezes, para a andança começar. O aventureiro voltou vagarosamente para onde estava postado o negro gigantesco, junto da vitrina da dentadura estalejante. Ao passar por ele, não recebeu cartão algum dessa vez. Malgrado o vestuário espalhafatoso e ridículo, o etíope exibia uma bárbara dignidade natural, ali postado a oferecer gentilmente cartões a alguns transeuntes, deixando outros passarem sem molestá-los. De meio em meio minuto, cantarolava uma frase áspera e ininteligível, semelhante à algaravia dos condutores de bonde e dos cantores de ópera. Dessa feita, não somente Rudolf não recebeu o cartão, como lhe pareceu que na negra fisionomia vasta e, reluzente se estampava uma expressão de frio, de quase desdenhoso desprezo.

Isso aturdiu o aventureiro. Via nela uma acusação silenciosa de que fora julgado inapto. Fosse qual fosse o significado das palavras misteriosas escritas no cartão, o negro havia escolhido Rudolf duas vezes, entre os da multidão, para seu destinatário; e agora parecia censurá-lo por não ter tido espírito nem sagacidade bastante para enfrentar o enigma. 

Afastando-se um pouco da torrente de passantes, o jovem fez uma estimava rápida do edifício onde supunha o esperasse sua aventura. Era um edifício de cinco andares; no seu subsolo havia um pequeno restaurante. O primeiro andar, agora fechado, parecia alojar uma chapelaria ou uma peleteria. O segundo, de acordo com as piscantes letras luminosas, era o do dentista. Acima dele, uma babel poliglota de letreiros forcejava por indicar as moradias de quiromantes, costureiros, músicos e médicos. Nos outros andares, cortinas nas janelas e garrafas de leite alvejando nos peitoris denunciavam paragens mais domésticas.

Terminada a inspeção, Rudolf subiu animadamente o longo lance de degraus de pedra até a casa. Venceu mais dois lances de degraus atapetados e deteve-se no patamar fracamente alumiado por dois pálidos bicos de gás — um bem para a direita, outro mais perto, à esquerda, Olhando em direção do foco luminoso mais próximo, logrou entrever uma porta verde ao centro do halo lívido. Hesitou um instante; depois, reviu a insolente careta do pelotiqueiro africano e caminhou diretamente para a porta verde, à qual bateu.

Momentos como os que passou antes que lhe atendessem à batida dão a medida da intensidade da verdadeira aventura. O que não estaria por detrás dos painéis verdes! Jogadores de cartas; espertos rufiões a tramarem golpes com sutil minuciosidade; a beleza em idílio com a coragem, a tecer planos para ser por ela cortejada; perigos, morte, amor, desapontamento, ridículo — tudo isto poderia responder àquela batida temerária.

Um leve farfalhar fez-se ouvir lá dentro e a porta se abriu lentamente. Apareceu-lhe uma moça, que ainda não atingira a casa dos vinte, vacilante e mortalmente pálida. Mal largou o trinco, oscilou fracamente, procurando apoio com uma das mãos. Rudolf tomou-a nos braços e a depôs num sofá desbotado, que estava encostado à parede. Após fechar a porta, relanceou os olhos pelo quarto iluminado por um tremeluzente bico de gás. Ordem, mas extrema pobreza, foi a história que leu.

A moça continuava imóvel, como que desmaiada. Rudolf olhou em redor, excitadamente, à procura de um barril. Deve-se rolar sobre um barril as pessoas que... — não, não; isso era para pessoas afogadas. Pôs-se então a abaná-la com o chapéu. Logrou êxito, pois bateu com a aba na ponta do seu nariz e ela abriu os olhos. Então o rapaz notou que, na verdade, aquele rosto era um dos que lhe faltavam na galeria de retratos íntimos. Os olhos cinzentos e francos, o narizinho impertinentemente arrebitado, constituíam a recompensa e fim adequados de todas as suas maraviIhosas aventuras. Contudo, a face era dolorosamente magra e pálida.

A moça fitou-o calmamente e depois sorriu.

— Desmaiei, não foi? — perguntou, com voz débil. — Bem, quem não o faria? Experimente ficar três dias sem comer nada e verá.

— Céus! — exclamou Rudolf, dando um pulo. — Espere um instantinho. Volto já.

Precipitou-se, porta verde afora, pela escadaria abaixo. Vinte minutos depois estava de volta, batendo na porta com o pé para que a moça a abrisse. Trazia os braços carregados de um montão de mercadorias compradas na mercearia e no restaurante. Colocou tudo sobre a mesa — pão e manteiga, carnes frias, bolos, tortas, conservas, ostras, um frango assado, uma garrafa de leite e uma de chá fervente.

— É ridículo ficar sem comer — declarou Rudolf, intempestivamente. — Deve deixar de fazer tais apostas eleiçoeiras. O jantar está servido.

Acomodou a moça numa cadeira junto à mesa e perguntou:

— Tem aí uma xícara?

— Está na prateleira, perto da janela — respondeu ela.

Ao voltar com a xícara, Rudolf viu que a moça, com olhos brilhando de extasiados, começara a comer um enorme endro em conserva, que pescara num dos sacos de papel, com o indefectível instinto feminino. Sorridente, tomou-lhe o endro da mão e encheu um copo com leite.

— Beba isto primeiro — ordenou. — Depois tomará um pouco de chá e comerá uma asinha de frango. Se for muito boazinha, poderá experimentar as conservas amanhã. E agora, se me permite ser seu convidado, vamos cear.

Puxou a outra cadeira. O chá avivou os olhos da moça e trouxe-lhe um pouco de cor às faces. Ela se pôs a comer com uma espécie de elegante voracidade, qual um faminto. Parecia considerar coisa natural a presença do rapaz e a ajuda que este lhe prestara — não como quem estimasse as convenções, mas como alguém cuja grande tensão lhe desse o direito de trocar o artificial pelo humano. Aos poucos, porém, voltando-lhe as forças e o bem-estar, voltou também o sentido das pequenas convenções de praxe; começou ela então a contar a Rudolf sua pequena história. Era semelhante às mil e uma que a cidade boceja todo dia: a história da empregada de loja com ordenado insuficiente, reduzido ainda mais pelas "multas” que servem para aumentar os lucros da loja; depois, os dias perdidos por doença; finalmente, o emprego perdido, a esperança perdida e... um aventureiro que bate a uma porta verde.

Para Rudolf, porém, a história soava tão importante quanto as estrofes de A Ilíada ou o ponto culminante de A Prova de Amor de Junie.

— E pensar que passou por tudo isso! — exclamou ele.

— Foi duríssimo. — disse a moça, solenemente.

— E não tem parentes nem amigos na cidade?

— Ninguém.

— Também estou sozinho no mundo. — disse Rudolf, depois de uma pausa.

— Folgo muito em sabê-lo. — respondeu a moça prontamente; e de certo modo foi agradável ao rapaz saber que sua condição de desamparo lhe merecia a aprovação.

Subitamente, cerraram-se as pálpebras da jovem, e ela suspirou fundo.

— Estou morta de sono — disse — e sinto-me tão bem!

Rudolf levantou-se e apanhou o chapéu.

— Então vou dizendo boa noite. Um sono prolongado far-lhe-a muito bem.

Estendeu a mão, que ela apertou com um "boa noite". Os olhos da moça, porém, faziam-lhe uma pergunta com tanta eloqüência, com tanta franqueza e emoção, que o rapaz respondeu-a com palavras:

— Sim, voltarei amanhã para vê-la e saber como passou, Não se livrará de mim assim tão facilmente.

Depois, à porta, como se a maneira de ele ter vindo tivesse muito menor importância do que o fato da vinda, ela perguntou;

— Como foi que veio bater à minha porta?

Rudolf fitou-a por um momento, lembrando-se dos cartões e sentindo-se subitamente mordido pelo ciúme. E se os cartões tivessem caído em outras mãos tão aventureiras quanto as dele? Decidiu prontamente que ela jamais deveria saber da verdade. Nunca a deixaria saber que ele estava a par do curioso expediente ao qual ela fora arrastada pela sua extrema
necessidade.

— Um dos nossos afinadores mora neste edifício — declarou — Enganei-me de porta.

A última coisa que viu no quarto, antes de a porta verde fechar-se, foi o sorriso da moça. No topo da escada, Rudolf deteve-se e examinou, curioso, o local à sua volta. Em seguida, foi até o fim do corredor; voltou, subiu ao andar de cima, e continuou, intrigado, suas explorações. Todas as portas que encontrou estavam pintadas de verde.

Cismado, desceu à rua. O fantástico africano ainda se encontrava lá. Rudolf abordou-o, com os dois cartões na mão.

— Pode dizer-me por que me deu estes dois cartões e o que significam? — perguntou.

Num sorriso largo e bem humorado, o negro exibiu magnífico anúncio da profissão de seu patrão.

— É ali, chefe. — respondeu, apontando para baixo. — Mas acho que já é muito tarde para o senhor alcançar o primeiro ato.

Olhando para onde o negro apontava, Rudolf viu, no alto da entrada de um teatro, o flamejante letreiro luminoso da nova peça; A Porta Verde.

— Me disseram que é uma peça de primeira, chefe. — continuou o negro. — O empresário dela me deu um dólar, chefe, para eu distribuir alguns cartões dele junto com os do doutor. Posso lhe oferecer um dos cartões do doutor, chefe?

À esquina do quarteirão em que morava, Rudolf fez uma parada para um copo de cerveja e um charuto. Quando saiu de charuto aceso, abotoou o casaco, empurrou o chapéu para trás e disse resolutamente ao poste de iluminação da esquina; que preparou o caminho para ele encontrá-la.

— De qualquer maneira, creio que foi a mão do Destino que preparou o caminho para eu encontrá-la.

Conclusão essa que, nas circunstâncias do caso, certamente dá a Rudolf Steiner ingresso nas fileiras dos verdadeiros seguidores do Romance e da Aventura.

Fonte:
O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909.
Disponível em Domínio Público.

XXII Concurso de Trovas de Caicó-RN (Prazo: 31 de maio de 2023)


Tema Nacional / Internacional
(Veteranos e Novos Trovadores)
(Lírica/Filosófica): ANDANÇA (S)

Enviar para franciscoribeiro.natal@gmail.com
Enviar a identificação com nome, endereço, telefone e e-mail

Tema Estadual (Rio Grande do Norte)
(Lírica/Filosófica): MEMÓRIA (S)

Enviar para  jersonbrito.pvh@gmail.com
Enviar a identificação com nome, endereço, telefone e e-mail

Apenas UMA TROVA por participante;

A palavra tema deverá constar na Trova;

No âmbito nacional/internacional, deverá haver menção à categoria (veterano ou novo trovador);

Não serão aceitos anexos.

Prazo máximo para recebimento das trovas: 31/05/2023. 

quarta-feira, 1 de março de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 23

 

Machado de Assis (O Destinado)

Ao entrar no carro, cerca das quatro horas da manhã, Delfina trazia consigo uma preocupação grave, que eram ao mesmo tempo duas. Isto pede alguma explicação. Voltemos à primeira valsa.

A primeira valsa que Delfina executou no salão do coronel foi um puro ato de complacência. O irmão dela apresentou-lhe um amigo, o bacharel Soares, seu companheiro de casa no último ano da academia, uma pérola, um talento, etc. Só não acrescentou que era dono de um rico par de bigodes, e aliás podia dizê-lo sem mentir nem exagerar nada. Curvo, gracioso, com os bigodes espetados no ar, o bacharel Soares pediu à moça uma roda de valsa; e esta, depois de três segundos de hesitação, respondeu que sim. Por que hesitação? Por que complacência? Voltemos à primeira quadrilha.

Na primeira quadrilha o par de Delfina fora outro bacharel, o bacharel Antunes, tão elegante como o valsista, embora não tivesse o rico par de bigodes, que ele substituía por um par de olhos mansos. Delfina gostou dos olhos mansos; e, como se eles não bastassem a dominar o espírito da moça, o bacharel Antunes juntava a esse mérito o de uma linguagem doce, canora, todas as seduções da conversação. Em poucas palavras, acabada a quadrilha, Delfina achou no bacharel Antunes os característicos de um namorado.

— Agora vou sentar-me um pouco, disse-lhe ela depois de passear alguns minutos.

O Antunes acudiu com uma frase tão piegas, que não a ponho aqui para não desconcertar o estilo; mas, realmente, foi coisa que deu à moça uma idéia avantajada do rapaz. Verdade é que Delfina não tinha o espírito muito exigente; era um bom coração, excelente índole, educada a primor, amiga de bailar, mas sem largos horizontes intelectuais: — quando muito, um pedaço de azul visto da janela de um sótão.

Contentou-se, portanto, com a frase do bacharel Antunes, e sentou-se pensativa. Quanto ao bacharel, ao longe, defronte, conversando aqui e ali, não tirava os olhos da bela Delfina. Gostava dos olhos dela, dos seus modos, elegância, graça...

— É a flor do baile, dizia ele a um parente da família.

— A rainha, emendou este.

— Não, a flor, teimou o primeiro; e, com um tom adocicado: — Rainha dá ideia de domínio e imposição, ao passo que a flor traz a sensação de uma celeste embriaguez de aromas.

Delfina, logo que teve notícia desta frase, declarou de si para si que o bacharel Antunes era um moço de grande merecimento, e um digníssimo marido. Note-se que ela partilhava a mesma opinião acerca da distinção entre rainha e flor; e, posto aceitasse qualquer das duas definições, todavia achou que a escolha da flor e a sua explicação eram obra acertada e profundamente sutil.

Ora, em tais circunstâncias, é que o bacharel Soares pediu-lhe uma valsa. A primeira valsa era sua intenção dá-la ao bacharel Antunes; mas ele não apareceu então, ou porque estivesse no buffet, ou porque realmente não gostasse de valsar. Que remédio senão dá-la ao outro? Levantou-se, aceitou o braço do par, ele cingiu-lhe delicadamente a cintura, e ei-los no turbilhão. Pararam daí a pouco; o bacharel Soares teve a delicada audácia de lhe chamar sílfide.

— Na verdade, acrescentou ele, é valsista de primeira ordem.

Delfina sorriu, com os olhos baixos, não espantada do cumprimento, mas satisfeita de o ouvir. Deram outra volta, e o bacharel Soares, com muita delicadeza, repetiu o elogio. Não é preciso dizer que ele a aconchegava ao corpo com certa pressão respeitosa e amorosa ao mesmo tempo. Valsaram mais, valsaram muito, ele dizendo-lhe coisas amáveis ao ouvido, ela escutando-o corada e delirante...

Aí está explicada a preocupação de Delfina, aliás duas, porque tanto os bigodes de um como os olhos mansos do outro iam com ela dentro do carro, às quatro horas da manhã. A mãe achou que ela estava com sono; e Delfina explorou o erro, deixando cair a cabeça para trás, cerrando os olhos e pensando nos dois namorados. Sim, dois namorados. A moça tentava sinceramente escolher um deles, mas o preterido sorria-lhe com tanta graça que era pena deixá-lo; elegia então esse, mas o outro dizia-lhe coisas tão doces, que não mereciam tal desprezo. O melhor seria fundi-los ambos, unir os bigodes de um aos olhos de outro, e meter esse conjunto divino no coração; mas como? Um era um, outro era outro. Ou um, ou outro.

 Assim entrou ela em casa; assim recolheu-se aos aposentos. Antes de se despir, deixou-se cair em uma cadeira, com os olhos no ar; tinha a alma longe, dividida em duas partes, uma parte nas mãos de Antunes, outra nas de Soares. Cinco horas! era tempo de repousar. Delfina começou a despir-se e despentear-se, lentamente, ouvindo as palavras do Antunes, sentindo a pressão do Soares, encantada, cheia de uma sensação extraordinária. No espelho, pareceu-lhe ver os dois rapazes, e involuntariamente voltou a cabeça; era ilusão! Enfim, rezou, deitou-se, e dormiu.

Que a primeira ideia da donzela, ao acordar, fosse para os dois pares da véspera, nada há que admirar, desde que na noite anterior, ou velando ou sonhando, não pensou em outra coisa. Assim ao vestir, assim ao almoçar.

— Fifina ontem conversou muito com um moço de bigodes grandes, disse uma das irmãzinhas.

— Boas! foi com aquele que dançou a primeira quadrilha, emendou a outra irmã.

Delfina zangou-se; mas vê-se que as pequenas acertaram. Os dois cavalheiros tinham tomado conta dela, do seu espírito, do seu coração; a tal ponto que as pequenas deram por isso. O que se pergunta é se o fato de um amor assim duplo é possível; talvez que sim, desde que não haja saído da fase preparatória, inicial; e esse era o caso de Delfina. Mas enfim, cumpria escolher um deles.

Devine, si tu peux, et choisis, si tu l'oses*. (*Adivinhe, se puder, e escolha, se tiver coragem)

Delfina achou que a eleição não era urgente, e fez um cálculo que prova da parte dela certa sagacidade e observação; disse consigo que o próprio tempo excluiria o condenado, em proveito do destinado. “Quando eu menos pensar, disse ela, estou amando deveras ao escolhido.”

Escusado é acrescentar que não disse nada ao irmão, em primeiro lugar porque não são coisas que se digam aos irmãos, e em segundo lugar porque ele conhecia um dos concorrentes. Demais, o irmão, que era advogado novo, e trabalhava muito, estava nessa manhã tão ocupado no gabinete, que nem veio almoçar.

— Está com gente de fora, disse-lhe uma das pequenas.

— Quem é?

— Um moço.

Delfina sentiu bater-lhe o coração. Se fosse o Antunes! Era cedo, é verdade, nove horas apenas; mas podia ser ele que viesse buscar o outro para almoçar. Imaginou logo um acordo feito na véspera, entre duas quadrilhas, e atribuiu ao Antunes o plano luminoso de ter assim entrada na família...

E foi, foi, devagarinho, até à porta do gabinete do irmão. Não podia ver de fora; as cortinas ficavam naturalmente por dentro. Não ouvia falar, mas um ou outro rumor de pés ou de cadeiras. Que diabo! Teve uma ideia audaciosa: empurrar devagarinho a porta e espiar pela fresta. Fê-lo; e que desilusão! viu ao lado do irmão um rapaz seco, murcho, acanhado, sem bigodes nem olhos mansos, com o chapéu nos joelhos, e um ar modesto, quase pedinte. Era um cliente do jovem advogado. Delfina recuou lentamente, comparando a figura do pobre-diabo com a dos dois concorrentes da véspera, e rindo da ilusão. Por que rir? Coisas de moça. A verdade é que ela casou daí a um ano justamente com o pobre-diabo. Leiam os jornais do tempo; lá está a notícia do consórcio, da igreja, dos padrinhos, etc. Não digo o ano, porque eles querem guardar o incógnito, mas procurem que hão de achar.

Fonte:
Publicado originalmente em A Estação, em 30/04/1883.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) – 20


A cabecinha nevando,
pelo tempo, envelhecida...
E, a vovó segue cantando
os desencantos da vida!
= = = = = = = = = 

A infância é uma doce brisa,
passa logo e, de repente,
vem o outono e se eterniza
no chão da vida da gente.
= = = = = = = = = 

Ao ver mamãe de joelhos,
mãos postas, que olhar bonito!
Eu vi, quem crer nos conselhos
do silêncio do infinito!
= = = = = = = = = 

Aquele sim, tão ousado,
aos pés do altar do Senhor...
Redime qualquer pecado,
que há no pecado do amor!
= = = = = = = = = 

A saudade me insinua
e, eu volto à infância inocente...
Onde o chão de minha rua,
era de barro, e da gente!...
= = = = = = = = = 

De nossas velhas andanças,
eu guardo em meus alfarrábios,
cartas e antigas lembranças
que pude ouvir de teus lábios!
= = = = = = = = = 

Depois que a noite desperta
do sono longo e enfadonho...
A aurora é uma porta aberta
para a luz de um novo sonho!
= = = = = = = = = 

Deveria essa distância
que, em ferir, tanto se esmera,
devolver a nossa infância
e os sonhos da primavera!
= = = = = = = = = 

De volta ao chão, que me amava,
quanta dor, quanta lembrança!...
Pisar no chão que eu pisava
no meu tempo de criança!
= = = = = = = = = 

Em meio a tantos desejos,
sonhos e sonhos em vão,
uns vão comendo os sobejos
dos restos que outros lhes dão!
= = = = = = = = = 

Essa ambição, desmedida,
que a humanidade escraviza,
não se explica nesta vida
nem de explicação precisa!
= = = = = = = = = 

Fico triste, por quem chora;
porque num gesto profundo,
Deus pôs nos olhos da aurora
o riso da luz do mundo!
= = = = = = = = = 

Há tantos sonhos perdidos,
que à vitória nos conduz...
Enquanto há mastros erguidos
velando histórias sem luz!
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Lágrima, divina essência,
dos olhos de um ser humano,
que cai como providência
no instante de um desengano!
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Menina de loira trança,
essa luz, dos olhos teus...
São dois rubis de esperança
que brilham nos olhos meus!
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Mesmo no amor sem medida,
fui prudente no que fiz;
que a imprudência, nesta vida,
faz muita gente infeliz!
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O barco tão pequenino
que a correnteza levou,
levou partes do destino
dos sonhos de quem ficou!
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O humilde nunca responde.
ao ódio das ilusões,
do orgulhoso que se esconde
no altar das velhas mansões!
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O sino e o velho pastor,
toda tarde, de mãos dadas,
juntam seus hinos de amor
às preces das badaladas!
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Por teu amor que me guia,
tornei-me escravo e não nego;
nem penso nessa alforria
da cruz do amor que carrego!
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Quando a saudade me embala,
em silêncio e sem furor,
parece até que me fala
da ausência de um grande amor!
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Saudade - é um corpo sem vida,
não tem pé nem tem cabeça;
mas depois da despedida,
dela, não há quem se esqueça!
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Sem disfarce ou camuflagem.
o tempo em teu rosto enxuga,
algumas gotas da imagem
da dor, da primeira ruga!
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Se poeta, é quem acalanta,
as mágoas e o pranto alheio...
Do consolo de quem canta,
meu coração vive cheio!
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Vai com fé, que a vida é bela,
se crês filho, a paz te alcança;
que a fé brilha, e o brilho dela,
mantém acesa a esperança!

Fonte:
Enviado pelo trovador.
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.

Nilto Maciel (Pintando o sete na Bélgica)

Há na “Casa de Benedito Moreira” uma escultura de Constantin Meunier. Consta, porém, ser do brasileiro a peça. Chama-se Homem cansado, e deve ser de 1891.

Na “Casa”, dirigida por Heloísa Moreira, bisneta do escultor cearense, estão alguns utensílios domésticos e objetos de trabalho usados e utilizados por Benedito. Sem contar esculturas e quadros tidos como de sua autoria. Os mais valiosos seriam uma estátua de Napoleão, um retrato de Darwin, máscara de Brahms. Os quadros parecem imitações de obras famosas. O mais estranho é copiarem pintores de todas as épocas: Hugo van der Goes e Grant Wood, Adriaen van Ostade e Toulouse-Lautrec, Hans Holbein e Paul Cézanne, numa miscelânea dos diabos.

O escultor-pintor brasileiro viveu na Bélgica, entre os anos de 1887 e 1896. Teria sido “discípulo” de Meunier. E também amigo de James Ensor. Obras como “A entrada de Cristo em Bruxelas” e “Máscaras singulares” teriam nascido diretamente da orientação de Benedito. Soltasse mais a fantasia. Introduzisse nas cenas do cotidiano figuras de sonho, como máscaras e esqueletos.

Meunier teria lamentado o destino de seu colega. Aquilo levaria Ensor ao fracasso. Ninguém compraria seus quadros. E Moreira teria respondido: melhor para você, meu caro discípulo.

Para Caio Barroso, no entanto, tudo isso é mentira. Há uma só verdade: Benedito furtou esboços de James Ensor e de Constantin Meunier.

Heloísa não chegou a conhecer o bisavô famoso. Desde cedo, porém, dedicou-se a seguir os passos de Benedito — quer pintando e esculpindo, quer preservando-lhe a memória. Escreveu até um livro: A Influência de Benedito Moreira na Obra de Constantin Meunier. Um equívoco clamoroso, segundo Caio Barroso. Ora, se influência tivesse havido, o influenciado teria sido Benedito. Como não pintou nem esculpiu nada durante sua longa vida, a influência não existiu. E, por não constar ter Meunier sido gatuno, a verdadeira arte de Moreira nada deve ao belga. E Caio assim define seu compatrício: “astuto ladrão de esboços, quadros e esculturas. Mais um trapaceiro no mundo das artes”.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Christopher Taylor (Como Escrever uma História Comovente) – 3, final

Revisando e publicando a sua história

1. Mergulhe no processo de escrita.

Histórias comoventes são emocionalmente complexas, e você deve se permitir revisá-las depois, concentrando-se em diferentes pontos e áreas a cada nova revisão. Todas as vezes que reler a sua história, aborde o texto com uma meta em mente, como, por exemplo, trabalhar o desenvolvimento das personagens, ou as transições, ou ainda os diálogos. 

Trabalhar em um ponto de cada vez ajudará você a permanecer concentrado, não se distraindo por outros problemas que identificar no texto.

2. Leia a sua história em voz alta.

Seja lendo para si mesmo, para a sua tia Marta ou para o seu gato, ler a sua história em voz alta o tornará um melhor escritor. Pedir para alguém ler a sua história em voz alta para você é ainda melhor.

Escutar uma história permite que você ou seus leitores percebam a história de uma maneira diferente, e vai ajudá-lo a identificar problemas com o tom, a gramática e a sintaxe do texto.

3. Salve várias cópias do documento.

Enquanto revisa, lembre-se de salvar ou guardar a sua história em mais de um lugar. Acidentes acontecem e você certamente não quer correr o risco de perder todo o seu trabalho.

Considere colocar todos os seus rascunhos em um pendrive ou em sistemas de armazenamento em nuvem. E lembre-se de não apagar os seus rascunhos. Salve cada um deles e nomeie-os apropriadamente para quando queira voltar a lê-los e consultar algo em uma versão anterior do seu trabalho.

4. Obtenha críticas e comentários sobre o seu trabalho.

Peça a alguém de confiança para ler a sua história e comentá-la. Outras pessoas podem ser capazes de apontar detalhes que você tenha esquecido de mencionar ou partes do enredo que não fazem muito sentido para elas. Elas podem ter coisas a dizer não só sobre a trama, como também sobre o estilo do texto. Uma frase que soa natural para você pode soar, por exemplo, bastante estranha pra outros.

5. Decida se quer ser pago pelo seu trabalho.

Querer ser remunerado ou não pela sua história vai ditar qual caminho de publicação será tomado. Se quer divulgar seu trabalho sem compensação financeira, há sites que permitem que você publique de graça.

Caso decida que quer ser pago pela história, considere enviá-la para uma editora (e algumas revistas) ou publique o seu texto por conta própria.

6. Mantenha seu trabalho fora da internet.

Lembre-se que uma vez que algo está na internet, não pode mais ser, de fato, apagado. Considere as suas opções antes de divulgar seu trabalho nos meios digitais.

Quando vende a sua história, você está na verdade vendendo os direitos de publicação dela, não a propriedade dela. Há leis e regras diferentes dependendo do país em que você está, então lembre-se de pesquisar quais opções estão disponíveis para você. Até você estar seguro sobre o caminho que quer seguir, não compartilhe o seu trabalho pela internet com outras pessoas.

7. Caso decida publicar o seu trabalho, pesquise antes de enviar a sua história.

Pense se quer ser publicado em uma revista, ou em parte de uma antologia, ou até mesmo em um livro exclusivo para a sua história. Pense também se quer contratar um representante ou se gostaria de negociar pessoalmente a publicação do seu trabalho.

É possível contratar um representante que vai fazer o trabalho de contatar editoras e negociar a sua compensação financeira.

Também é possível publicar por conta própria, o que vai exigir que você cubra os custos da publicação.

Você pode contatar e negociar diretamente com editoras e revistas.

Dicas
– Tudo bem se a sua história não tiver um final feliz; na verdade, algumas pessoas querem ler finais tristes de vez em quando.

– Não deixe alguém convencê-lo de que apenas histórias com finais felizes vendem, porque isso simplesmente não é verdade.

– Pense em cada situação, evento ou pessoa como possíveis inspirações para grandes histórias ou personagens.

– Caso queira ouvir críticas ou comentários, considere fazer parte de um grupo ou clube de escritores.

– Depois de terminar o seu primeiro rascunho, escreva uma descrição da sua história em uma frase. Se não conseguir, precisará descobrir quais são as lacunas no seu enredo. Uma boa descrição também o ajuda a vender a sua história para publicação mais tarde.

Aviso:

– É normal e aceitável obter inspiração de outras fontes, mas tome bastante cuidado para não plagiar outros trabalhos. Escreva a sua - e apenas a sua – história original.
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Christopher Taylor é professor assistente adjunto de inglês no Austin Community College, no Texas. Ele recebeu seu PhD em Literatura Inglesa e Estudos Medievais pela Universidade do Texas, em Austin, em 2014.

Fonte:
Do original inglês, Christopher Taylor, PhD. How to Write a Touching Story.
Disponível no Wikihow https://www.wikihow.com/Write-a-Touching-Story

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Isabel Furini (Poema 40): Fantasias

Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.
Colaboração da poetisa.
 

Humberto de Campos (A chuva luminosa)

- Maravilhoso colar este seu, senhora viscondessa; é pena que dê, aos meus olhos, uma sensação de tragédia, embora de linda tragédia!

As senhoras voltaram-se, todas, para a viscondessa de São Germano, e admiraram. Emergindo do vestido solferino, graciosamente decotado, o seu colo parecia mais alvo do que nunca; e o que realçava ainda mais essa alvura de leite era a graça de um colar de rubis que lhe volteava o pescoço de linhas puríssimas, dando a impressão de um crime sinistro, horrendo, brutal, que lhe fizesse florescer a garganta de neve com um vivo círculo de gotas de sangue.

- É lindo, mesmo! - confirmou o general Tasso Fragoso, assestando na jovem senhora o seu fortíssimo "pincenez" de míope.

- É um deslumbramento! - asseguraram, ao mesmo tempo, o senador Azeredo e a baronesa de Pereira Alves.

Percebendo, perspicaz, a tortura a que o seu galanteio estava submetendo a beleza honesta da viscondessa, o almirante Ribas resolveu correr em seu auxílio, arrancando-a daquela deliciosa e, ao mesmo tempo, angustiosa situação. E tentou:

- As pedras preciosas, aliás, foram atiradas à terra para punição e glorificação das mulheres.

As senhoras olharam-no sorridentes, na certeza de mais um conto oriental do velho marinheiro, e ele; compreendendo o que aqueles olhos lhe pediam, começou, acariciando o rosto escanhoado e cor de rosa, coroado por uma fina cabeleira de prata:

- Antes do Dilúvio e do Pecado Original, os astros que ornavam o céu tinham, cada um, a sua cor peculiar. Sírius era verde, como as águas do oceano. Saturno era de um azul pálido, como os olhos da Sra. condessa de Souza Furtado. Marte era vermelho como o sangue. Júpiter, de um amarelo vivo. Netuno, roxo. Urano, azul, forte. O Sol, cor de púrpura. E a Lua e Vênus, alvas como a inocência.

- Devia ser lindo, o céu! - comentou, encantada, a baronesa.

O general Tasso Fragoso aparteou, erudito, contando que, de Marte, segundo Flamarion, ainda se viam dessas paisagens celestes, e o almirante continuou:

- Resplendente de astros de todas as cores, o céu era, em verdade, um deslumbramento.

Endireitou-se na grande "maple"* tauxiada de prata, e contou:

- Uma tarde, vinha o Onipotente por uma das alamedas do Paraíso, quando se lhe deparou um quadro revoltante: abraçados, trêmulos, conscientes do próprio crime, Adão e Eva escondiam-se, horrorizados de si mesmos, entre as árvores enormes daqueles primeiros dias da Criação. Compreendendo, na sua sabedoria, o que havia sucedido às duas fragilíssimas criaturas a que pretendera conceder a graça da imortalidade, trovejou o Senhor que eles abandonassem, de pronto, os limites do Éden. Súplices, os réprobos imploraram perdão, pedindo clemência. A resposta foi, porém, uma ordem severa, brutal, imperiosa, para que o anjo Gabriel manejasse a sua espada de chama. E, enquanto isto acontecia, deu-se, de súbito, o milagre deslumbrante: a um gesto do Senhor, os astros todos começaram a lançar sobre os perseguidos uma chuva de fogo, como aquela que destruiu, mais tarde, Gomorra e Sodoma, a qual, desfeita em gotas de todas as cores, em pingos luminosos de todas as cambiantes, fustigavam, numa apoteose terrível e magnífica, a sublime fraqueza dos dois pecadores!

As senhoras fitavam, mudas e encantadas, o delicioso narrador, e este continuou:

- Essas gotas de fogo, tombadas na terra poluída pelo pecado, coagularam-se, cristalizaram-se, consolidaram-se.

Firmou as mãos no apoio da "maple" e, fazendo menção de erguer-se, concluiu:

- E apareceram na terra, minhas senhoras, as ametistas, os diamantes, os topázios, as opalas, os berilos, as esmeraldas, as safiras, as turmalinas, os rubis, essas gotas de fogo, em suma, que são, pelo desejo que vos despertam e pelo realce que vos dão à beleza, a vossa glória e o vosso castigo!

E levantou-se, entre palmas.
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* Maple - cadeirão estofado da sala de estar.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.