sexta-feira, 5 de maio de 2023

XXIV Concurso de Poesia Agostinho Gomes (Prazo 31 de maio de 2023)

ÂMBITO

1. Ao presente concurso podem concorrer todos/as os/as interessados/as, só sendo admitidas a concurso poesias inéditas, de tema livre, nas seguintes condições:

a) Máximo de uma poesia por cada concorrente;

b) A poesia não pode exceder a dimensão de uma página A4;

c) A poesia deve ser apresentada datilografada ou escrita em computador;

d) Devem ser enviadas duas cópias, no caso de envio por correio normal.

2. Para concorrentes com idade superior a 18 anos e a modalidade “Prêmio Revelação Juvenil” à qual só poderão concorrer jovens até aos 18 anos de idade inclusive.

MODO DE APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURAS

1. Os trabalhos devem ser assinados com pseudônimo e apresentados em envelope fechado, sem qualquer identificação, em cujo rosto se deve escrever “Candidatura ao Concurso de Poesia Agostinho Gomes”.

2. Cada envelope postal corresponde a uma e só uma candidatura.

3. Os/as jovens que pretendam concorrer à categoria do “Prémio Revelação Juvenil” devem mencionar tal fato no rosto do envelope de apresentação de candidatura atrás referido.

4. Conjuntamente com o trabalho deve ser enviado outro envelope fechado em cujo rosto deve ser inscrito o pseudônimo utilizado, contendo no interior a ficha de inscrição devidamente preenchida.

5. O trabalho poderá ser enviado através de correio eletrônico, em ficheiros word, respeitando as condições definidas no ponto anterior: a cada poesia corresponde um ficheiro e a ficha de inscrição deve ser enviada noutro anexo identificado com o pseudônimo.

6. Cada envelope ou e-mail deve conter os trabalhos de um/a só concorrente.

LOCAL E PRAZO DE ENTREGA

1. As candidaturas podem ser entregues pessoalmente na Biblioteca Municipal Ferreira de Castro, através do e-mail para 

concurso.agostinhogomes@bm-ferreiradecastro.com 

ou através do correio para o endereço:

Biblioteca Municipal Ferreira de Castro
Rua General Humberto Delgado
3720-254 Oliveira de Azeméis
Portugal

2. No caso das obras enviadas pelos serviços dos correios, será considerada a data do carimbo dos Correios desse mesmo dia. No caso das obras enviadas por e-mail, será considerada a hora em vigor em Portugal.

COMISSÃO JULGADORA

constituído por cinco elementos de reconhecido mérito e idoneidade em representação de cada uma das entidades promotoras e por si designadas para o efeito:
- Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis;
- Junta de Freguesia da Vila de Cucujães;
- Núcleo de Atletismo de Cucujães;
- Individualidades ligada à produção poética residente ou nascida no município a designar pelo/a Presidente da Câmara Municipal ou Vereador/a competente.

Através de deliberação, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis reserva-se o direito de designar elementos de outras instituições existentes no Município de Oliveira de Azeméis, para a constituição do  júri.

CLASSIFICAÇÃO E PUBLICIDADE

As poesias premiadas serão divulgados através do sítio da Biblioteca Municipal Ferreira de Castro e os/as autores/as premiados/as serão contatados pessoalmente, através de carta, e-mail ou telefone.

PRÊMIOS

1º - Pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis no valor de €1000 (mil euros);

2º - Pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis no valor de €600 (seiscentos euros);

3º - Pela Junta de Freguesia da Vila de Cucujães e Núcleo de Atletismo de Cucujães, no valor de €400,00 (quatrocentos euros).

Será ainda atribuído pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis o “Prêmio Revelação Juvenil”, no valor de €250 (duzentos e cinquenta euros).

A todos/as os/as concorrentes admitidos/as a concurso serão entregues diplomas de participação.

A entrega dos prêmios é presencial mas, na sua impossibilidade, os encargos de envio daí decorrentes são assumidos pelos/as vencedores/as.

ACEITAÇÃO DAS CONDIÇÕES

1. Os/as concorrentes ao entregarem os trabalhos em candidatura aderem às condições consignadas no presente regulamento, obrigando--se ao seu cumprimento e cedência de todos os direitos que sobre os mesmos têm.

2. Os trabalhos entregues em candidaturas ficam na posse do Município de Oliveira de Azeméis que os poderá utilizar em qualquer altura para publicação.

DÚVIDAS E OMISSÕES

1. Para qualquer esclarecimento sobre o estabelecido no presente regulamento poderão ser contatados os serviços da Biblioteca Municipal Ferreira de Castro.

2. As dúvidas e omissões do presente regulamento serão decididas pelo júri do concurso e homologadas pelo/a Presidente da Câmara Municipal ou pelo/a Vereador/a competente.

O presente regulamento entra em vigor no dia útil seguinte à data da sua publicação no Diário da República.

Fonte:

1º Concurso de Poesias do Jornal Maria Quitéria (Prazo: 20 de maio de 2023)


O concurso conta com o apoio cultural da Academia Metropolitana de Letras e Artes de Feira de Santana, Academia de Letras e Artes de Feira de Santana e Revista Literária Inversos.

I - TEMA

O tema proposto é: “Mãe: um verso de amor”, abrangendo de forma geral os sentimentos, as virtudes das mães e a relevância do amor materno para a formação do ser humano. O texto enviado que não contemplar a temática proposta incidirá em desclassificação automática.

II – NÚMERO DE TEXTOS SELECIONADOS

Serão selecionados e classificados 20 (vinte) poemas. Poderão, a critério da comissão julgadora, serem escolhidos mais 10 (dez) poemas, a título de “Menção honrosa”.

III - INSCRIÇÕES

A inscrição do texto e participação é totalmente gratuita e cada pessoa poderá enviar apenas 01 (um) poema, o qual não precisa ser inédito. Poderá se inscrever qualquer pessoa a partir dos 18 (dezoito) anos, do Brasil ou do exterior, desde que o poema seja escrito em língua portuguesa. Menores de 18 anos podem se inscrever, porém, com autorização escrita dos pais ou representante legal.

IV - PERÍODO DAS INSCRIÇÕES

Serão aceitos textos enviados para o e-mail: jornalmariaquiteria@gmail.com 
no período de 13 de abril a de 20 de maio de 2023.

V - DADOS EXIGIDOS NAS INSCRIÇÕES

Serão aceitos apenas poemas. Anexo deverão ser enviados dois arquivos: 

1º arquivo: um poema, máximo de 30 linhas; nome do autor, breve biografia com até 15 linhas, telefone e endereço com CEP; 

2º arquivo: uma foto de perfil do autor, formato JPEG. 

O texto deverá ter as seguintes especificações: fonte New Roman Time ou Arial, tamanho 12, espaçamento 1,0; formato Word.

 VI - DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO

Todas as inscrições serão avaliadas por uma comissão de escritores e poetas de elevado conhecimento nas artes e na Literatura, os quais efetuarão o julgamento dos trabalhos com base em critérios de criatividade, originalidade, técnica de escrita conforme a norma culta da língua portuguesa ou qualidade artística e adequação ao tema proposto. Dessa decisão, não cabe recurso.

VII - DA PUBLICAÇÃO

O resultado com a relação dos textos escolhidos será publicado no portal online do Jornal Maria Quitéria - https://jornalmariaquiteria.com.br/ . As obras selecionadas serão publicadas em formato digital, na Revista Literária Inversos – ISSN 2527-1857 - http://www.revistainversos.com/, a qual estará disponível gratuitamente aos autores selecionados e ao público em geral.

VIII – DA PREMIAÇÃO

A premiação constará de:

- Entrega de Certificado digital aos autores classificados, do 1º ao 20º lugar; entrega de Certificado digital para 10 (dez) autores selecionados como Menção Honrosa.

- Os autores classificados em 1º, 2º e 3º lugar, com endereço no Brasil, receberão, gratuitamente, um livro impresso como forma de premiação, incentivo e reconhecimento.

- Os 30 (trinta) textos selecionados serão publicados, sem ônus, individualmente, no Portal de Notícias Jornal Maria Quitéria, em destaque, na matéria de capa, no intuito de promover a Literatura Brasileira Contemporânea e valorizar os poetas.

IX - CALENDÁRIO

Inscrição: 13 de abril a 20 de maio 2023 | 
Seleção dos textos: 20 a 25 de maio | |  
Publicação do resultado no portal online do Jornal Maria Quitéria: 26 de maio de 2023.

X - DISPOSIÇÕES GERAIS

O inscrito deve responder exclusivamente pela autoria e originalidade da obra, e em caso de violação da legislação dos direitos autorais, assume única e integralmente a responsabilidade perante o Jornal Maria Quitéria e terceiros.

O envio e submissão do texto para o Jornal Maria Quitéria caracteriza a aceitação dos termos e condições deste edital.

Ao realizar a inscrição, os autores cedem o direito de publicação e reprodução dos textos para o Jornal Maria Quitéria, sem ônus, exclusivamente para os propósitos definidos neste edital e para promoção desta iniciativa. Os direitos autorais da obra são do autor e permanecem com o mesmo.

O Jornal Maria Quitéria se compromete a manter sob sigilo todas as informações prestadas pelos autores inscritos.

Os casos omissos serão resolvidos pelo Jornal Maria Quitéria.

XI - QUEM SOMOS – JORNAL MARIA QUITÉRIA

  O Jornal Maria Quitéria é um portal online de notícias, com conteúdo voltado para os mais variados públicos, publicando os principais acontecimentos de Feira de Santana, da Bahia, do Brasil e do mundo, com informações atualizadas a todo momento.

Nas matérias, primamos pela repercussão de assuntos vinculados à educação, à cultura e às artes, além de informar também sobre as principais notícias sobre saúde, política, economia, etc.

Enquanto veículo de comunicação, nos comprometemos em observar os princípios da verdade e da ética, na divulgação de informações e no trato cotidiano com as pessoas.

Fonte:

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 4

 

A. A. de Assis (Por que “Vós”?)

“Por que vós, tão gravata-e-colarinho? O você comunica muito mais”
. Quem disse isso foi Carlos Drummond de Andrade, o megapoeta.

Os portugueses são muito bons em pronomes e lidam sem dificuldade com essa coisa de “tu” e “vós”, mas na maior parte do Brasil o tratamento habitual é “você”. Tanto que, nas regiões onde o “tu” é mais usado como indicativo de intimidade, é comum o falante escorregar em discordâncias como “tu gosta”, “tu viu”. Nesse caso, por que não eliminar de vez o “tu” e o “vós”? A gente ficaria com o “você”, que é menos complicado e “comunica muito mais”.

Veja como seria fácil conjugar verbos: Eu estou, você está, ele está, nós estamos, vocês estão, eles estão.... Se for preciso usar tratamento cerimonioso, bastará substituir “você” por “o senhor”, “a senhora”. E se, por exigência de algum ultrarrigoroso protocolo, não for possível simplificar as coisas, o “você” se transformará em “vossa senhoria”, “vossa excelência”, mas sempre com o verbo na terceira pessoa.

Os políticos, que por ofício precisam se aproximar do povo, poderiam ser os primeiros a arquivar o tal de “vós”, até pelo perigo de misturar “vós” com “vossa excelência” e formar aquela salada: “Saúdo vossa excelência e vossa luzidia comitiva nesta honrosa visita que fazeis ao nosso próspero município...” Ora, “vossa excelência” concorda com “seu/sua” e pede o verbo na terceira pessoa do singular; “vós” concorda com “vosso/vossa” e pede o verbo na segunda do plural. “Vossa excelência” é apenas a roupa de gala do “você” (forma reduzida do antigo “vossa mercê”).

Dessa trapalhada no uso das expressões de tratamento não escapam nem mesmo pessoas mais cultas, igualmente sujeitas a ocasionais cochilos na concordância. 

“Tu” e “vós” são pronomes realmente complexos para uma população habituada a conversar usando o familiaríssimo “você”. Seria, portanto, sábio e prático aposentar logo os dois tropeços que só servem para aumentar os desarranjos gramaticais. Diríamos simplesmente assim: “Eu quero, você quer, ele quer, nós queremos, vocês querem, eles querem”. E nenhum estudante precisaria mais dizer o que de um deles certa vez ouvi: que “o verbo se fez problema e habitou entre nós”...

Ninguém, na fala real, diz “vós gostais”; dizemos “vocês gostam”. Até a Bíblia, para comunicar mais, tem aparecido hoje em versões populares, onde o “vós” cede lugar ao “você”: “Amem-se uns aos outros como eu amo vocês”.

Esquecer o “tu” e o “vós” seria um bom passo em benefício da descomplicação da língua. Acabaria a vexação de dizer “tu vai”, “vossa excelência quereis...” E o discurso ficaria mais leve: “Saúdo o senhor e sua luzidia comitiva nesta honrosa visita que fazem ao nosso próspero município”. 

Penso até que a comitiva ficaria mais luzidia e bem mais próspero o município... 
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 (Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 02-11 -2022)

Fonte:
Texto obtido no facebook do autor.

Jaqueline Machado (Poemas Avulsos)


DIAS NUBLADOS 

Às vezes, o céu da nossa vida fica nublado. 
A névoa toma conta 
de todas as paisagens. 
Da paisagem 
das coisas de dentro 
e das coisas de fora. 
A beleza do mundo 
fica destorcida 
e a gente chora... 
E é preciso chorar 
para desabafar e limpar 
o que parece 
não ter cura. 
Precisamos 
nos permitir a isso, 
pois nem tudo 
é nossa culpa. 
Às vezes viver dói, 
arde, queima. 
Acontece... 
Em dias assim, 
é preciso ter paciência. 
Deixar os olhos chover... 
Mais cedo ou mais tarde 
o céu torna a ficar azul. 
O sol volta a brilhar! 
E a gente volta a sorrir. 
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TUAS CAMADAS 

Durante teu sono, 
sem aviso, 
visitei o teu coração. 
E nele, avistei temporais. 
Benzi teus ventos 
e a tua tempestade cessou. 

Depois, visitei tua mente, 
e enfrentei teus temores. 
Recitei palavras de amor. 
E na minha canção 
te fiz repousar. 

Mais tarde, passeei 
por tuas entranhas. 
Nelas, me deparei 
com os teus abismos, 
fontes e montanhas. 
E assim, 
desvendei teus véus. 
Me revesti de tuas luzes 
E nos teus breus 
me perdi. 

Busquei sair de volta 
pela porta de saída 
do teu coração. 
Repousei em tua superfície 
E as tuas cicatrizes, beijei 
com emoção. 

Depois 
de todos os beijos, 
acordaste de repente. 
Para mim 
sorriste lindamente. 
Banhou-me em teu amor 
de paraíso 
até me fazer adormecer em teus braços. 
Ao despertar, constatei: 
Amo-te de forma plena. 
E como adorei 
repousar em cada uma 
das camadas 
do teu ser…

Fonte:
Versos enviados pela autora.

Policarpo da Silva (O Piolho Viajante) Carapuça IV

Não foi das melhores cabeças em que caí. Tive meus incômodos. O tal barbeirinho já endireitava o olho à coifa e tinha o maior cuidado na cabeça, quando, na verdade, era um traste que lhe não devia dar nenhum. Ele, ora em pente de bichos, ora em azeite para sacar as lêndeas, ora em pós e banha de cheiro, gastava quantos vinténs tinha. Chamavam-lhe por alcunha o Amola do que ele se picava tanto que esteve cinco vezes preso por bulhas que teve por amor deste ditério (troça). Mas ultimamente, quando lhe chamavam o Amola, já amolava, fazia que não entendia. Era um falador eterno. Sabia quanto se passava duzentos passos em redor da loja, de forma que só pelas novidades tinha mais gente na loja que o resto dos barbeiros do bairro. Não posso deixar de contar um ópio que lhe sucedeu com um freguês dos avulsos e que achei lindo, principalmente por se julgar ele tão esperto.

Entra-lhe um dia um homem pela porta dentro, que teria os seus quarenta anos, com umas barbas de quarenta dias. Contou-lhe quarenta histórias. Disse-lhe que as suas barbas sempre as pagava a quarenta réis. Que a causa de as ter grandes era por ter prometido uma quarentena não as fazer mas que, quarenta dias a fio, as havia de barbear. Depois de o ter aquarentado por todas as formas, vira-se para ele e diz-lhe muito admirado: — Vossemecê bota as barbas que rapa no pano? — Pois onde as hei-de botar?, lhe respondeu o mestre. — Dessa me rio eu, ainda tinha mais esta para ver! Vossemecê certamente está doido? Esses cabelos têm uma grande serventia e se vossemecê quer guardar, eu lhes pago depois de enxutos, e bem secos, à moeda de ouro o celamim (1).

O barbeiro, que o único peso que tinha na cabeça era eu e o cabelo, ficou tão admirado como contente. Protestou pela conserva e o freguês pelo ajuste. Mas nestes dares e tomares acabou-se a barba e safou-se, com muitas cortesias, sem pagar nada, no que o mestre não reparou, na esperança do futuro ganho. Três meses levou o bom do homem a ajuntar cabelo e a pô-lo ao sol. E ainda que a barba fosse de graça, sempre a escanhoava duas vezes. Já tinha quase meio alqueire, apareceu o maroto do freguês. Muita festa para a festa. Então ajuntou? — Sim, senhor, não me ficou barba em claro, tenho bastante quantidade. E eu muita precisão. Vamos a isto. Logo. Primeiro vamos à barba.

Aparelha-se a cara, bota-se-lhe a barba abaixo e, depois de feita, vai o papalvo buscar meio alqueire de barbas muito limpas e enxutas. Ainda agora o tratante se entra a esconjurar: Está tudo perdido! — Pois que tem? replica o mestre, — eu fiz tudo o que vossemecê me disse. — Não senhor, faltou o principal. — Pois que é? — Era preciso que vossemecê tivesse todos estes cabelos apartados; os loiros a uma banda, os negros à outra, os ruivos, os brancos, etc. O mestre arde, vira a buscar o chuço [2] e o magarefe safa-se com duas barbas de graça e duas horas de mangação que encaixou ao barbeiro, o qual entrou num frenesi que o julguei doido. E ficou tão zangado com homem de barbas grandes, que barba que passasse de uma semana era como confissão de um ano: jamais a fazia ainda que lhe dessem um tostão. De forma que a alcunha que tinha do Amola mudaram-lha e lhe chamavam o Barba-curta. Mas sempre sou obrigado a dizer que era um dos homens mais regulares que tenho conhecido na minha vida.

Ele erguia-se pela manhã, bebia um copo de aguardente e comia o seu dente de alho. Assoava-se, lavava o rosto, tocava o seu bocado de viola. Se aparecia algum amigo, punha a viola aos outros. Era um bocadinho de língua que fazia molho de tudo. Depois afiava as suas navalhas e, se era dia de fregueses, dava-lhe uma volta, e sempre pedia a algum amigo que lhe ficasse na loja, para demorar alguém que entrasse, no caso de ele ir perto. O seu comer era sopa, vaca e arroz [3] e não se fartava de dizer aos amigos que era a sua diária. De tarde, quando não tinha que fazer, lia Carlos Magno* ou dizia mal da vizinhança. De forma que estava já tão senhor destes autores que citava as folhas e conhecia os vizinhos pelos seus nomes, ocupações e costumes. Umas inquiriçõezinhas tiradas por ele, não havia nada que lhe chegasse. Era um dos melhores genealogistas e tinha feito a árvore de geração de Judas. E dava razão por que se não comiam as maçãs de Arcipreste e não deixou de lucrar com isso.

Defronte dele moravam umas raparigas de quem ele compôs a vida. E, antes de a dar ao prelo, deram-lhe uma navalhada na cara que não deixava de lhe dar sua graça. Mas deixou de compor. Ultimamente descompunha qualquer pessoa por dá cá aquela palha. Numa dessas descomposturas que teve com um tendeiro, agarrou-se-lhe este aos cabelos com tanta ânsia que lhe trouxe uma mão-cheia deles, nos quais eu vim pegado por casualidade. E foi felicidade e esperteza minha passar-lhe para a mão antes que os botasse fora. A poucos passos estava na cabeça onde lhe encaixei a Carapuça V.
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Notas
(1) O celamim ou selamim é uma antiga unidade de medida de capacidade para secos, usada em Portugal e no Brasil, correspondendo à décima sexta parte de um alqueire. Hoje em dia, o celamim é usado no Brasil para medidas agrárias. (wikipedia)
(2) Chuço: Zagaia, na língua piolha. [N. do A.]
(3) Almoçava a sopa, jantava a vaca e ceava o arroz. [N. do A.]

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Policarpo da Silva. O piolho viajante. Portugal, publicado em livro em 1821.

Mais 3 Concursos de Trovas com Inscrições abertas


JOGOS FLORAIS DE BRAGANÇA PAULISTA 

(Prazo: 31 de julho de 2023)

REGULAMENTO

Poderão participar com trovas líricas ou filosóficas trovadores com idade igual ou superior a dezesseis anos completos, com os seguintes temas:

a) - Âmbito Nacional/Internacional (demais países de língua portuguesa):

Categoria Veterano e Novo Trovador

Tema: ENLEVO

 b) - Âmbito Estadual:

Categoria Veterano e Novo Trovador: 

Tema: RISO

c) - Âmbito Estudantil (Juventrova) de Bragança Paulista:

Categoria Ensino Fundamental e Médio: 

Tema: FELICIDADE

Categoria Novo Trovador: considerado como tal aquele que não obteve 03 (três) classificações entre os 5 (cinco) primeiros colocados em 3 (três) concursos de Trovas Oficiais da UBT em âmbito nacional.

Âmbito Estudantil (Juventrova): exclusivamente para estudantes do ensino fundamental II (5a. a 9a. série) e ensino médio (1a. a 3a. série) da rede de ensino de Bragança Paulista.

Será aceita apenas 1 trova inédita

A palavra-tema deverá obrigatoriamente constar do corpo da trova.

A Inscrição é gratuita e poderá ser feita da seguinte forma:

ENVIO POR EMAIL:  

Assunto: Jogos Florais de Bragança Paulista. 

A trova deverá constar no corpo do email, com indicação da categoria a qual concorre, nome e endereço completos do autor (rua, cidade, estado, país, CEP, telefone e e-mail). 

Não serão aceitos anexos.

Âmbito Nacional/Internacional: 
categoria Veterano/Novo Trovador 

Enviar para: José Rui Camargo joseruicamargo@gmail.com.

Âmbito Estadual: 
categoria Veterano e Novo Trovador 

Enviar para Catarina Santos catarina.ifcs@gmail.com.

Âmbito Estudantil (Juventrova) 

Enviar para Marialini Bertolini marialini.bertolini@hotmail.com.

As inscrições serão recebidas até 31 de julho de 2023.

As trovas remetidas em desacordo com quaisquer itens deste regulamento, serão eliminadas automaticamente do concurso.

Resultado:
O resultado do concurso estará disponível a partir de 10 de setembro de 2023 no site www.asesbp.com.br/trovadores e nas redes sociais facebook e instagram da UBT de Bragança Paulista, sendo comunicado por e-mail aos vencedores.

Premiação: 
Serão selecionadas dez trovas por categoria para compor a antologia de vencedores, a saber: três primeiros colocados, cinco menções honrosas e duas menções especiais, aos quais serão concedidos certificados e exemplares da antologia.   

Os prêmios serão entregues em solenidade em data e horário divulgados posteriormente;

A premiação será remetida via postal para o classificado que não puder comparecer na data marcada para seu recebimento.
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CONCURSO DE TROVAS DE ARACOIABA

(Prazo: 31 de agosto de 2023)

Âmbitos e temas:

NACIONAL/INTERNACIONAL: 

1 trova por tema

Novo Trovador (Registrar Novo Trovador abaixo da trova)
Carinho (L/F)

Veteranos
Tema: Serenata (L/F)

ESTADUAL (CEARÁ): 

2 trovas por tema

Tema: Saudade (L/F)

Modo de envio de trovas:

Por e-mail para Edna Dourado: ubt.ceara@gmail.com

Assunto: Concurso de Trovas de Aracoiaba
Co´rpo do email: Trova/s, nome e endereço completo do autor – Município e Estado. Se estudante indicar também o nome da escola, série/turma.

PREMIADOS:
20 trovas por tema. 5 Vencedores [1 ao 5] / 5 menções honrosas [6 ao 10], 5 menções especiais [11 ao 15], 5 Destaques [16 ao 20] 

PRÊMIOS: 
Diploma para cada um dos vinte classificados no tema. 

Os resultados devem ser anunciados em novembro, em data a ser confirmada. Todos os diplomas serão enviados por e-mail.
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II CONCURSO LITERÁRIO CARLOS GOMES

(Prazo: 31 de Julho de 2023)

Nos anais da tua história,
Campinas, mostras teu brilho
na música, que é memória,
de CARLOS GOMES – teu filho!
Alba Helena Corrêa

TEMA: MÚSICA

(trovas líricas ou filosóficas)

Âmbito Nacional / Internacional - Categoria Veterano e Novo Trovador

Âmbito Estadual (para os residentes no estado de São Paulo) – Categoria Veterano e Novo Trovador.

A palavra tema deve constar do corpo da trova.
Máximo de 02 (duas) trovas.

ENVIO POR E-MAIL

Maria Cristina de Oliveira mcristinaoliveira.ol@gmail.com 

assunto: II CONCURSO LITERÁRIO CARLOS GOMES. 

Não serão aceitos anexos.

As trovas, bem como a identificação do trovador, deverão constar no corpo do e-mail em letra Arial tamanho 12. (SERÃO DESCLASSIFICADAS AS TROVAS QUE NÃO SEGUIREM ESSA FORMATAÇÃO)

É obrigatória a informação pelo participante, como se segue, sob pena de desclassificação: Nome completo/ Endereço postal completo (inclusive CEP) -/ Telefones (com DDD) -/ E-mail -/Categoria - VETERANO ou NOVO TROVADOR/ Âmbito - ESTADUAL ou NACIONAL

PRAZO
31 de julho de 2023.

A divulgação acontecerá de forma remota na última semana do mês de agosto;

PREMIAÇÃO
A premiação se dará de forma presencial no mês de setembro de 2023, em data a ser divulgada oportunamente.

Premiados os cinco primeiros colocados na categoria NOVO TROVADOR e os cinco primeiros premiados na categoria VETERANO no âmbito nacional/internacional;

Premiados os cinco primeiros colocados na categoria NOVO TROVADOR e os cinco primeiros Premiados na categoria VETERANO no âmbito estadual.
Fonte:
UBT Nacional

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Isabel Furini (Poema 43): Sombras

Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.

George Abrão (Recarregando as baterias)

Nossos veículos, nossos aparelhos eletrônicos, nossos telefones celulares periodicamente necessitam de recargas em suas baterias para o seu perfeito funcionamento.

Nós, seres humanos, cujos corpos são movidos pela energia produzida por nossos metabolismos, sendo que cada batida dos nossos corações produz corrente de eletricidade, que varia a sua potência de um para outro indivíduo, dependendo da constituição orgânica das células e da condutibilidade de cada corpo, somos também máquinas elétricas. Sendo assim, é indispensável que cada ser humano mantenha o equilíbrio elétrico do seu corpo, sendo que ele depende da saúde física, mental e emocional de cada indivíduo.

Então, quando muitas vezes nos sentimos indispostos, sem muito ânimo e não achando muita graça no nosso habitat, é sinal evidente de que a nossa bateria - nosso coração - precisa ser recarregada para voltar às suas funções normais. E para isso se faz necessário se faz que diversifiquemos as nossas atividades; que mudemos de ambiente fazendo uma viagem ou mesmo um passeio a lugares agradáveis ao cinema, ao teatro ou até mesmo a um shopping e, principalmente, que reencontremos os nossos amigos em uma reunião, onde o bate-papo corra descontraído e onde possamos rir e nos divertir de forma sadia e reconfortante.

Ontem tive uma experiência que comprova essa teoria: como eu sofro de moléstias consideradas incuráveis pela medicina (não por Deus), apesar das minhas atividades diárias, sentia necessidade de algo mais, de mudar um pouco a minha rotina. Então recebi um convite de dois grandes e queridos amigos para que fosse jantar com eles e com mais alguns outros também bons amigos. Relutei um pouco, pela minha dificuldade de locomoção, mas acabei aceitando e fui com uma querida amiga.

Lá chegando, percebi que já ocorria certa mudança em mim pelo carinho com o qual fui recebido, pela atenção que me dispensaram, pelo excelente bate-papo muito alegre e descontraído, pelo cardápio excelente que nos foi oferecido, mas principalmente pela amizade e pelo companheirismo que eram a tônica da reunião.

A noite, para mim, tornou-se muito curta, pois sentia, virtualmente, a minha bateria recarregar-se aos poucos, dando-me mais ânimo para prosseguir a minha jornada.

Uma coisa tão simples? Um simples jantar? Não! Um momento único, o qual por mais que tentemos jamais será repetido, mesmo que busquemos o mesmo espaço, com a mesma decoração, com as mesmas pessoas, com o mesmo cardápio, enfim, mesmo que procuremos fazer tudo igual!

Fonte:
Enviado pelo autor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XLI

A estrela tem seu momento
de mostrar todo o fulgor,
pode assim o firmamento
se revestir de esplendor.
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A água pura e cristalina
abrindo valos nos montes,
talvez a grande obra prima
se espalhando desde as fontes.
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Água para o chimarrão
não precisa ser fervente,
tendo a cuia e tudo à mão
basta que ela seja quente.
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A humanidade se afasta
do seu rumo à paz geral.
Só criar as leis não basta,
mas cumpri-las é vital.
= = = = = = = = = 

A neve cobre a paisagem
fazendo descer seu manto,
mesmo sendo maquilagem
veste-a de fulgor e encanto.
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Ante o drama do tropeço
não podemos fracassar,
se não for bom o começo
é a vez de recomeçar...
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Antes de cruzar os braços
vê o que resta pra alcançar,
talvez juntar os pedaços
dos que estão a balançar.
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Aos habitantes da terra
clama o céu paternalmente,
que deixem de lado a guerra
e vivam fraternalmente.
= = = = = = = = = 

Da inveja nasce o ciúme
e da vingança a traição,
o amor que os seres reúne
morre sem definição.
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Em nome do crescimento
hoje, perdeu-se a noção,
de haver desenvolvimento
junto com preservação.
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Existem alguns amigos
que não são muito leais,
quando surgem os perigos
somem pelas laterais.
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Jamais aja sem pensar,
pense sempre antes de agir
e depois de começar
não pare sem concluir.
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Muita gente pede esmola
sem entrar no educandário,
melhor se tornasse a escola
a luz para o itinerário.
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Muitas vezes já parei
chorando na solidão,
noutras também já chorei
parado na imensidão.
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Nenhum casal seja omisso,
nem se jogue pelo abismo,
pois antes do compromisso
deve haver companheirismo.
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No buquê da natureza
admiramos tantas flores,
umas com rara beleza,
outras de raros olores.
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No mundo nunca devemos
temer quaisquer desafios,
pois quanto mais os tememos,
mais nos tornamos vazios.
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Num sorriso imaculado
sem respingos de maldade,
faz um semblante calado
se encher de felicidade.
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O mundo com sutileza
nos mostra tudo o que tem,
cabe a nós, sem avareza,
escolher o que convém.
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Os propósitos divinos
são de preservar a vida,
mormente a dos pequeninos
muitas vezes esquecida.
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Quem seca o pranto do irmão
não tem tempo pra chorar,
nunca está na contramão
quem a paz deixa aflorar.
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Se quiseres alcançar
o sol, distante no além,
saiba que deves passar
pelas estrelas também.
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Toda estrela cintilante
teve um caminho a trilhar.
Se a sua não for brilhante
deixe a dos outros brilhar,
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Tristeza e melancolia
não podem servir de alento,
mesmo pequena, a alegria,
é maior que o sofrimento.
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Fonte:
Enviado pelo autor.
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.

Nilto Maciel (Circuito)

“Entramos nos quarenta anos com a inexprimível ideia de que o nosso simples e silencioso matrimônio de irmãos era o fim necessário da genealogia fundada pelos bisavós em nossa casa.”
Julio Cortázar, Casa tomada.

Cansados de vagar pelas ruas, famintos, Daniel e Irene pararam diante de um bar. Se não encontrassem comida, ao menos descansariam. Outra pousada talvez não houvesse por perto.

O garçom ofereceu-lhes vinho, cerveja, vodca, uísque. Aceitaram vinho com salame. Ela abaixou a cabeça, quase até a tábua da mesa. Ele olhava sutilmente para os outros bebedores. Um deles, exaltado, falava mal do governo. Outro cochilava diante do copo. Havia bigodes volumosos, barbas ralas, dentes luzidios, olhos faiscantes.

Daniel pediu mais vinho e salame. Irene queria chorar, sair dali, deitar-se, esquecer tudo. Tivesse calma. Precisavam ordenar as ideias. O vinho talvez os ajudasse. Ao redor dele o governo tombava. Bigodes se enchiam de dentes; barbas, de olhos. E a casa? Como estaria a casa deles àquela hora? Já teriam tomado conta da biblioteca, devorado os livros franceses? Ah! como guardava belas recordações de Balzac, Flaubert, Victor Hugo.

Por um instante Irene esqueceu de si mesma. Tivesse o irmão cuidado com aquele vinho. Não costumava beber e poderia se embriagar. E, então, como teriam boas ideias e sairiam dali? Ele se exaltou. Não precisava de ideias. A única ideia daquela noite deveria levá-los de volta à sua casa. Sim, a casa lhes pertencia. Não a deixariam para primos distantes e, muito menos, para intrusos, invasores estranhos. Ela se pôs a chorar baixinho. Nunca mais voltaria àquela casa. Como voltar, se estranhos a haviam tomado?

Um dos bigodes do recinto aproximou-se dos irmãos. Pediu licença para ajudá-los. Pôs seu copo junto ao de Daniel e puxou uma cadeira. Ouvira toda a conversa do casal. “Somos irmãos”. Os dentes do intruso brilharam, assim também os olhos. Se não podiam voltar para casa também não podiam passar a noite nos bares ou nas ruas. Daniel pediu mais vinho. Irene mirava o brilho dos dentes do outro.

Morava sozinho num casarão. Os pais mortos há muito. Os irmãos perdidos no mundo, cuidando de suas vidas. Casamento não quis nunca. Preferia a noite, os companheiros de bar. Mulheres surgiam e sumiam, feito fantasmas, sombras, inacessíveis. Em suma: muita solidão. Nem sequer um gato para miar-lhe o silêncio, um cão para ladrar-lhe a escuridão. Se ao menos ainda gostasse de livros! Atemorizava-se diante da amplitude de Balzac. Aborrecia-se com o infinito amargor dos personagens de Flaubert. Talvez devesse colecionar selos e revê-los aqui e ali. E, se fosse mulher, poderia tricotar e desfiar coletes, echarpes, cachenês.

O homem ora agarrava o braço de Daniel, ora apalpava o ombro de Irene. Os irmãos se entreolhavam. Ela mostrava uns olhos de medo e espanto. Ele simulava uns lábios de quietude e impassibilidade. “Precisamos ir embora, caminhar”. Sim e não. Pois como andar pelas ruas àquela hora? Já fechavam as portas do bar. Nenhum boêmio, nenhum bêbado mais. “Vamos à minha casa. Dormiremos e, quando for dia, tomaremos nossos rumos”. Irene amparou-se no irmão. Aquele sujeito talvez estivesse embriagado. “Iremos de carro”. Pior ainda. Não conseguiria dirigir. “Tenho motorista. Se não gostarem dele, chamarei o chauffer”.

O automóvel planava. As esquinas se sucediam. Vultos sonolentos andavam pelas calçadas. O condutor parecia um boneco. O dono do carro nada mais falava. Daniel olhava para um lado; Irene para outro.

Súbito o automóvel parou. E os irmãos, pasmados, se viram diante da casa que lhes fora tomada.

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Policarpo da Silva (O Piolho Viajante) Carapuça III

Também não passei má vida e jamais passei pelo receio do pente de bichos, que foi traste que nunca lhe foi à cabeça. Mas vi-me ao princípio num perigo iminente. O pai da tal minha senhora contratava em pedras, e esmorecia pela filha, de forma que em ela lhe doendo um dedo, doía ao pobre homem o corpo todo. 

A rapariga entrou a queixar-se, uma vez dores de cabeça, outra vez do corpo moído, depois espinhela caída, constipação etc. Entraram a dizer que eram lombrigas, mas passados alguns tempos que a moléstia eram calos, e com efeito eram, que os pregou ao pai de maço e mona. Assentaram os peritos que eram necessários banhos. A menina, que estava com apetite na receita, quis logo ao outro dia tomá-los. O pai opôs-se, dizendo que era preciso preparar o corpo. Veio o mezinheiro e disse que o preparo do corpo para tomar os banhos era despir a camisa. A menina conveio nisso e, no outro dia, apresentou-se no mar. 

Depois de mil bichancros (gestos ridículos) e coisas ridículas do costume, como por exemplo: Está muito fria! Ai, que me mordeu um caranguejo! Meti uma ostra num pé! Não posso tomar o fôlego! Ai ...! Ai...! quem me acode! Perdi o fundo! etc., e outras coisas deste mesmo calibre, apresenta-me com a cabeça debaixo da água. 

Agora o verás: nunca me vi tão quente, apesar da água estar fria. O que me valeu foi uma coifa que a tal senhora levava, quando não, alguma barriga de linguado me esperava. Quando me vi fora da água não o podia crer. Mas, passado este primeiro susto, reconheci em mim mais agilidade, desembaraço de cabeça, apetite de chuchar e vim no conhecimento que muita gente melhora tomando os outros o remédio.

Enfim, botei o medo para trás das costas e continuei nos banhos e cheguei a estar tão gordo, que de gordo estava feio. Meus companheiros e amigos me desconheciam. Mas isto durou pouco tempo porque o pai entrou-se-lhe a meter na cabeça que os banhos da filha lhe haviam dar nele, proibindo-lhes, sendo o prelúdio desta proibição meia dúzia de bofetões bem puxados que a tal senhora recebeu com desgosto, apesar do pai lhes dar com a melhor vontade. Mas isto a mim não me importa, nem tem nada com a minha história.

Assim fui vivendo até que um dia meteu-lhe o diabo na cabeça o lavá-la com aguardente. Bagatela. Julguei que dava a casca. Fiquei tão atordoado que, quando tornei a mim, não sabia onde estava. Tremiam-me as pernas, andava-me a cabeça à roda, amargava-me a boca, não fazia senão espreguiçar-me e eu cuidei que tinha uma maligna às costas. Mas não foi nada. Melhorei e melhorei celebremente por uma casualidade. A moléstia, que me tinha ficado desta bebedeira, eram afrontamentos e uma espécie como de asma. Faltava-me o ar de forma que, estando na cama, julgava morrer de aflição. Mas pouco durou isto.

Um sujeito que tinha vindo de viajar agradou-se da menina. E, como o pai lhe fechava a janela logo à noite, ela tomou a mania de a abrir pela meia-noite e punha-se a falar até às duas e três horas com o tal suplicante. Isto foi o que me deu vida a mim, e a ela. Aquele fresco que tomava, inteiramente me restabeleceu. A fala, já se sabe, que era para bom fim. Ajustou-se o casamento. Concluiu-se e a noite do noivado jamais me esquecerá. Tive um trabalho incrível, em que lhes havia de dar a essas duas criaturinhas! Começa o marido, com o dedinho, a catar a cabeça da mulher. Eu que percebo isto, e o perigo em que estava, passo para a cabeça do marido. Passado um instante, larga o marido a catadela e salta a mulher a catá-lo. Torno para a cabeça da mulher e assim passaram toda a noite e eu aos saltos de cabeça em cabeça. Pela madrugada descansei alguma coisa, mas protestando de me safar apenas pudesse, o que concluí no dia imediato, deixando-me ficar na cabeça do marido que, indo fazer a barba, me passei para a cabeça do barbeiro e aí fiz a minha Carapuça IV.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Policarpo da Silva. O piolho viajante. Portugal, publicado em livro em 1821.