terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Trovas ao entardecer) – 7

A flor, de orvalho luzindo,
em minúsculas centelhas,
aos raios do sol se abrindo,
faz seu convite às abelhas.
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Altiva, entre seda e brilho,
desfilas na passarela,...
sem ver que o amor, maltrapilho,
ruma estrada paralela.
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A madressilva enroscada
do coreto à grade mestra,
é "tiéte" muda, extasiada
às mil cambiantes da orquestra.
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A vida, lição preciosa,
em conceito vário e certo,
contrapõe a espinho em rosa,
flor nas pedras de um deserto.
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Chego ao fim e em realidade,
não sei que rumo tomar -
Seguir, matando a saudade,
ou deixando-a me matar.
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Das alegrias passadas
que o tempo ingrato perdeu,
guardo lembranças mofadas,
relíquias do meu museu.
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Estrada velha e pressaga.
De rude casebre à porta,
desfia a saudade a saga
de sua esperança morta.
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Estranha sorte a da orquídea!
tão bela e tão desejada,
curvar-se à eterna perfídia,
vivendo a um tronco amarrada!
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Eu me faço de blindado:
"Amor? Bobagem! Pieguice!"
(Meu medo é que, apaixonado,
eu me envolva na... tolice).
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Gauchada hospitaleira
tem sobre o fogo de chão,
sempre a "caliente" chaleira
do acolhedor chimarrão.
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Goteja quieta a caverna,
sem cansaço, sem limite,
a erguer, na abstração eterna
sua eterna estalagmite.
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Guris brincando na praça...
Lá do alto espia a lua;
e a procissão, lenta, passa...
Que saudade, minha rua!
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Minha dúvida de outrora
só me deu felicidade;
a amargura veio agora,
no tormento da verdade.
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Mira o gaúcho as urtigas
das Missões... e ao céu azul
murmura as preces antigas
do seu Rio Grande do Sul.
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Num adágio popular
nos encanta a alegoria
tão singela e a revelar
tão vasta sabedoria!
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Num sussurro de acalanto
minha mãe põe-se a rezar,
e junto ao nome do santo,
ouço-a meu nome invocar.
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O dourado no poente
do sol a se despedir,
é como a alma da gente,
driblando a mágoa a sorrir.
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Os reveses de costume
tão calma, enfrenta Maria,
que lhe chamam (e ela assume)
o nome de... cal-Maria.
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O sol descobrindo o manto
de bruma que envolve a serra,
reprisa a cena de encanto
no espetáculo da Terra.
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O teu perfume discreto,
assim como quem não quer,
disfarça um grito concreto:
"Eis-me aqui! Eu sou mulher!"
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Progrediu minha cidade...
Da magia do lampião
restou somente a saudade
de um romântico clarão.
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Quando a noite desce o manto
e mais escura se faz,
mais me achego ao acalanto
do lampiãozinho de gás.
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Que não chores a derrota
e o desânimo te traia.
O mar que engole uma frota
é o mesmo que leva à praia.
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Rola o tempo, bom ou adverso,
sem cansaço, sem ceder,
mais velho do que o universo,
sem tempo para morrer.
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Se admitimos o conceito
da "geração liberada",
assumimos que respeito
é coisa morta e enterrada.
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Se questiono o sim e o não
dos lances que a vida oferta,
o silêncio e a solidão
me dão a resposta certa.
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Sinais e placas no asfalto
não impedem que a desgraça
marque seu ponto mais alto
onde um “ás da estrada" passa.
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Ver-te com outro a teu lado,
desfrutando o teu carinho,
"é areia demais" (coitado!)
para o meu caminhãozinho.
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Vivemos longe, é verdade,
mas estejas onde for,
eu chego lá... de saudade,
a ponte aérea do amor.
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Fonte> Dorothy Jansson Moretti. Painel do entardecer. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2013.
Enviado pela trovadora. 

João do Rio (Pequenas profissões)

O cigano aproximou-se do catraieiro. No céu, muito azul, o sol derramava toda a sua luz dourada. Do cais via-se para os lados do mar, cortado de lanchas, de velas brancas, o desenho multiforme das ilhas verdejantes, dos navios, das fortalezas. Pelos boulevards sucessivos que vão dar ao cais, a vida tumultuada da cidade vibrava num rumor de apoteose, e era ainda mais intensa, mais brutal, mais gritada, naquele trecho do Mercado, naquele pedaço da rampa, viscoso de imundícies e de vícios. O cigano, de fraque e chapéu mole, já falara a dois carroceiros moços e fortes, já se animara a entrar numa taberna de freguesia retumbante. Agora, pelos seus gestos duros, pelo brilho do olhar, bem se percebia que o catraieiro seria a vítima, a vítima definitiva, que ele talvez procurasse desde manhã, como um milhafre esfomeado.

Eduardo e eu caminhamos para a rampa, na aragem fina da tarde que se embebia de todos aqueles cheiros de maresia, de gordura, de aves presas, de verduras. O catraieiro batia negativamente com a cabeça.

– Uma calça, apenas uma, em muito bom estado.

– Mas eu não quero.

– Ninguém lhe vende mais barato, palavra de honra. E a fazenda? Veja a fazenda.

Desenrolou com cuidado um embrulho de jornal. De dentro surgiu um pedaço de calça cor de castanha.

– Para o serviço! Dois mil réis, só dois!...Eu tenho família, mãe, esposa, quatro filhos menores. Ainda não comi hoje! Olhe, tenho aqui uns anéis...não gosta de anéis?

O catraieiro ficara, sem saber como, com o embrulho das calças, e o seu gesto fraco de negativa bem anunciava que iria ficar também com um dos anéis. O cigano desabotoara o fraque, cheio de súbito receio.

– É um anel de ouro que eu achei, ouro legítimo. Vendo barato: oito mil réis apenas. Tudo dez mil réis, conta redonda!

O catraieiro sorria, o cigano era presa de uma agitação estranha, agarrando a vítima pelo braço, pela camisa, dando pulos, para lhe cochichar ao ouvido palavras de maior tentação; ninguém naquele perpétuo tumulto, ninguém no rumor do estômago da cidade, olhava sequer para o negócio desesperado de cigano. Eduardo, que nessa tarde passeava comigo, arrastou-me pelo ex-Largo do Paço, costeando o cais até a velha estação das barcas.

– Admiraste aquele negociante ambulante?

– Admirei um refinado "vigarista"...

– Oh! meu amigo, a moral é uma questão de ponto de vista. Aquele cigano faz parte de um exército de infelizes, a que as condições da vida ou do próprio temperamento, a fatalidade, enfim, arrasta muita gente. Lembras-te de La romera de Santiago, de Velez de Guevara? Há lá uns versos que bem exprimem o que são essas criaturas:

Estos son algunos hombres
De obligaciones, que pasan
Necesidad, y procuran
De esta suerte remediarla
Saliendose a los caminos...

É quanto basta como moral. Não sejamos excessivos para os humildes.

O Rio tem também as suas pequenas profissões exóticas, produto da miséria ligada às fábricas importantes, aos adelos, ao baixo comércio; o Rio, como todas as grandes cidades, esmiúça no próprio monturo a vida dos desgraçados. Aquelas calças do cigano, deram-lhas ou apanhou-as ele no monturo, mas como o cigano não faz outra coisa na sua vida senão vender calçar velhas e anéis de plaquete, aí tens tu uma profissão da miséria, ou se quiseres, da malandrice – que é sempre a pior das misérias. Muito pobre diabo por aí pelas praças parece sem ofício, sem ocupação. Entretanto, coitados! O ofício, as ocupações, não lhes faltam, e honestos, trabalhosos, inglórios, exigindo o faro dos cães e a argúcia dos repórteres.

Todos esses pobres seres vivos tristes vivem do cisco, do que cai nas sarjetas, dos ratos, dos magros gatos dos telhados, são os heróis da utilidade, os que apanham o inútil para viver, os inconscientes aplicadores à vida das cidades daquele axioma de Lavoisier: nada se perde na natureza. A polícia não os prende, e, na boêmia das ruas, os desgraçados são ainda explorados pelos adelos, pelos ferros-velhos, pelos proprietários das fábricas...

– As pequenas profissões!... É curioso!

As profissões ignoradas. Decerto não conheces os trapeiros sabidos, os apanha-rótulos, os selistas, os caçadores, as ledoras de buena dicha. Se não fossem o nosso horror, a Diretoria de Higiene e as blagues das revistas de ano, nem os ratoeiros seriam conhecidos.

– Mas, senhor Deus! É uma infinidade, uma infinidade de profissões sem academia! Até parece que não estamos no Rio de Janeiro...

– Coitados! Andam todos na dolorosa academia da miséria, e, vê tu, até nisso há vocações! Os trapeiros, por exemplo, dividem-se em duas especialidades – a dos trapos limpos e a de todos os trapos. Ainda há os cursos suplementares dos apanhadores de papéis, de cavacos e de chumbo. Alguns envergonham-se de contar a existência esforçada. Outros abundam em pormenores e são um mundo de velhos desiludidos, de mulheres gastas, de garotos e de crianças, filhos de família, que saem, por ordem dos pais, com um saco às costas, para cavar a vida nas horas da limpeza das ruas.

De todas essas pequenas profissões a mais rara e a mais parisiense é a dos caçadores, que formam o sindicato das goteiras e dos jardins. São os apanhadores de gatos para matar e levar aos restaurants, já sem pele, onde passam por coelho. Cada gato vale dez tostões no máximo. Uma só das costelas que os fregueses rendosos trincam, à noite, nas salas iluminadas dos hotéis, vale muito mais. As outras profissões são comuns. Os trapeiros existem desde que nós possuímos fábricas de papel e fábricas de móveis. Os primeiros apanham trapos, todos os trapos encontrados na rua, remexem o lixo, arrancam da poeira e do esterco os pedaços de pano, que serão em pouco alvo papel; os outros têm o serviço mais especial de procurar panos limpos, trapos em perfeito estado, para vender aos lustradores das fábricas de móveis. As grandes casas desse gênero compram em porção a traparia limpa. A uns não prejudica a intempérie, aos segundos a chuva causa prejuízos enormes. Imagina essa pobre gente, quando chove, quando não há sol, com o céu aberto em cataratas e, em cada rua, uma inundação!

– Falaste, entretanto, dos sabidos?

– Ah! Os sabidos dedicam-se a pesquisar nos montes de cisco as botas e os sapatos velhos, e batem-se por duas botas iguais com fúria, porque em geral só se encontra uma desirmanada. Esses infelizes têm preço fixo para o trabalho, uma tarifa geral combinada entre os compradores, os italianos remendões. Um par de botas, por exemplo, custa 400 réis, um par de sapatos 200 réis. As classes pobres preferem as botas aos sapatos. Uma bota só, porém, não se vende por mais de 100 réis.

– Mas é bem pago!

– Bem pago? Os italianos vendem as botas, depois de consertadas, por seis e sete mil réis! E o mesmo que acontece aos molambeiros ambulantes como o cigano que acabamos de ver – os belchiores compram as roupas para vendê-las com quatrocentos por cento de lucro. Há ainda os selistas e os ratoeiros. Os selistas não são os mais esquadrinhadores, os agentes sem lucro do desfalque para o cofre público e da falsificação para o burguês incauto. Passam o dia perto das charutarias pesquisando as sarjetas e as calçadas à cata de selos de maços de cigarros e selos com anéis e os rótulos de charutos. Um cento de selos em perfeito estado vende-se por 200 réis. Os das carteiras de cigarros têm mais um tostão. Os anéis dos charutos servem para vender uma marca por outra nas charutarias e são pagos cem por 200 réis. Imagina uns cem selistas à cata de selos intactos das carteirinhas e dos charutos; avalia em 5% os selos perfeitos de todos os maços de cigarros e de todos os charutos comprados neste país de fumantes; e calcula, após este pequeno trabalho de estatística, em quanto é defraudada a fazenda nacional diariamente só por uma das pequenas profissões ignoradas.

– Gente pobre a morrer de fome, coitados...

– Oh! não. O pessoal que se dedica ao ofício não se compõe apenas do doloroso bando de pés descalços, da agonia risonha dos pequenos mendigos. Trabalham também na profissão os malandros de gravata e roupa alheia, cuja vida passa em parte nos botequins e à porta das charutarias.

– E é rendoso?

– Rendoso, propriamente, não; mas os selistas contam com o natural sentimento de todos os seres que, em vez de romper, preferem retirar o selo do charuto e rasgar a parte selada das carteirinhas sem estragar o selo.

– Mas os anéis dos charutos?

– Oh! isso então é de primeiríssima. Os selistas têm lugar certo para vender os rótulos dos charutos Bismarck – em Niterói, na Travessa do Senado. Há casas que passam caixas e caixas de charutos que nunca foram dessa marca. A mais nova, porém, dessas profissões, que saltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande cidade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entreposto entre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saúde. Ratoeiro não é um cavador – é um negociante. Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da urbs, vai até ao subúrbio, tocando uma cornetinha com a lata na mão. Quando está muito cansado, senta-se na calçada e espera tranquilamente a freguesia, soprando de espaço a espaço no cornetim.

Não espera muito. Das rótulas há quem os chame; à porta das estalagens afluem mulheres e crianças.

– Ó ratoeiro, aqui tem dez ratos!

– Quanto quer?

– Meia pataca.

– Até logo!

– Mas, ô diabo, olhe que você recebe mais do que isso por um só lá na Higiene.

– E o meu trabalho?

– Uma figa! Eu cá não vou na história de micróbio no pêlo do rato.

– Nem eu. Dou dez tostões por tudo. Serve?

– Heim?

– Serve?

– Rua!

– Mais fica!

E quando o ratoeiro volta, traz o seu dia fartamente ganho...

Tínhamos parado à esquina da Rua Fresca. A vida redobrava aí de intensidade, não de trabalho, mas de deboche.

Nos botequins, fonógrafos roufenhos esganiçavam canções picarescas; numa taberna escura com turcos e fuzileiros navais, dois violões e um cavaquinho repinicavam. Pelas calçadas, paradas às esquinas, à beira do quiosque, meretrizes de galho de arruda atrás da orelha e chinelinho na ponta do pé, carregadores espapaçados, rapazes de camisa de meia e calça branca bombacha com o corpo flexível dos birbantes, marinheiros, bombeiros, túnicas vermelhas e fuzileiros – uma confusão, uma mistura de cores, de tipos, de vozes, onde a luxúria crescia.

De repente o meu amigo estacou. Alguns metros adiante, na Rua Fresca, um rapaz doceiro arriara a caixa, e sentado num portal, entregava o braço aos exercícios de um petiz da altura de um metro. Junto ao grupo, o cigano, com outro embrulho, falava.

– Vês? Aquele pequeno é marcador, faz tatuagens, ganha a sua vida com três agulhas e um pouco de graxa, metendo coroas, nomes e corações nos braços dos vendedores ociosos. O cigano molambeiro aproveita o estado de semi-dor e semi-inércia do rapaz para lhe impingir qualquer um dos seus trapos...um psicólogo, como todos os da sua raça, psicólogo como as suas irmãs que lêem a buena dicha por um tostão e amam por dez com consentimento deles.

Oh! essas pequenas profissões ignoradas, que são partes integrantes do mecanismo das grandes cidades!

O Rio pode conhecer muito bem a vida do burguês de Londres, as peças de Paris, a geografia da Manchúria e o patriotismo japonês. A apostar, porém, que não conhece nem a sua própria planta, nem a vida de toda essa sociedade, de todos esses meios estranhos e exóticos, de todas as profissões que constituem o progresso, a dor, a miséria da vasta Babel que se transforma. E entretanto, meu caro, quanto soluço, quanta ambição, quanto horror e também quanta compensação na vida humilde que estamos a ver.

Estos son algunos hombres De obligaciones, que pasan Necesidad, y procuran De esta suerte remediarla Saliendose a los caminos...

Mas o meu amigo não continuou o fio luminoso de sua filosofia. O catraieiro apareceu rubro de cólera, e sutilmente cosia-se com as paredes, ao aproximar-se do cigano.

De repente deu um pulo e caiu-lhe em cima de chofre.

– Apanhei-te, gatuno!

O cigano voltara-se lívido. Ao grito do catraieiro acudiam, numa sarabanda de chinelas, fúfias, rufiões, soldados, ociosos, vendedores ambulantes.

– Gatuno! Então vendes como ouro um anel de plaquete? Espera que te vou quebrar o queixo. Sacudiu-o, atirou-o no ar para apanhá-lo com uma bofetada. O cigano porém caiu num bolo, distendeu-se e partiu como um raio por entre a aglomeração da gentalha, que ria. O catraieiro, mais corpulento, mais pesado, precipitou-se também.

Os vagabundos, com o selvagem instinto da caça, que persiste no homem – acompanharam-no. E pelos boulevards, onde se acendiam os primeiros revérberos, à disparada entre as praças sucessivas, a ralé dos botequins, aos gritos, deitou na perseguição do pobre cigano molambeiro, da pobre profissão ignorada, que, como todas as profissões, tem também malandros.

Então Eduardo sentenciou.

– Tu não conhecias as pequenas profissões do Rio. A vida de um pobre sujeito deu-te todos esses úteis conhecimentos. Mas, se esse pobre sujeito não fosse um malandro, não conhecerias da profissão até mesmo os birbantes (patifes).

A moral é uma questão de ponto de vista. Para julgar os homens basta a gente defini-los segundo os seus sucessivos estados. Se te aprouver definir os profissionais humildes pela tua ultima impressão, emprega os mesmos versos de Guevara com uma pequena modificação:

Estos son algunos hombres
De obligaciones, que pasan
Necesidad, y procuran
De esta suerte remediarla
Corriendo por los cáminos…

Fonte> João do Rio. A Alma Encantadora das Ruas. Publicado em 1908. Disponível em Domínio Público. 

Fabiane Braga Lima (Sete dias!)

O tempo estava nublado, mas eu precisava ir ao médico. Praticamente São Paulo sempre está nublado ou garoando. E eu não consegui arrumar um táxi. Então, pedi à vizinha que me levasse até a clínica. O doutor Lucas, como de costume, estava atrasado. Sentei-me e esperei ser chamada. O meu médico chegou três horas atrasado. 

— Eva! — felizmente a recepcionista me chamou. 

Levantei-me e entrei no consultório e lá estava o meu médico, o doutor Lucas. Ele me olhou com pesar e senti algo estranho no ar. 

— Hoje não é uma consulta de rotina, apenas lhe entregarei o diagnóstico do último exame que a senhora fez. — disse o médico de forma comedida.   

— Posso abrir, aqui? — perguntei com medo. 

— Fique à vontade! — respondeu tenso o médico.

Li trêmula o diagnóstico nas minhas mãos, e eu não acreditei, eu estava com câncer no intestino. O médico me confortou e disse que estava no estágio um. O doutor Lucas me encaminhou para fazer o tratamento que seria longo, lento e doloroso, então realizei várias quimioterapias. Sentia-me confiante. 

Os meses se passaram e lá estava eu de novo, na frente do doutor Lucas. Eu com os resultados dos exames, eu nervosa e trêmula, não consegui abrir os resultados dos exames. Eu devolvi os exames de volta para o meu médico, esperando que ele abrisse o envelope e lesse o que ele já sabia. 

— Nem uma melhora? — perguntei já intuindo o que eu já sabia.

— Infelizmente, não senhora Eva, o câncer se apostrofou, sinto muito.

 — Existe outro procedimento? — perguntei ao médico sem muitas esperanças. Eu não tinha um fio de cabelo no corpo, estava cansada e com o corpo cheio de remédios para aliviar as dores intermináveis.

— A senhora tem sete dias no máximo, aproveite a vida, faça tudo que sempre teve vontade. — disse o médico serenamente.  

Eu estava muito debilitada, eu não podia me locomover muito bem. Reuni todas as forças que eu ainda tinha, peguei meu seguro de vida, resolvi aproveitar os setes dias. Fui arrumar as malas, fui procurar Ezequiel, ele estava me esperando na frente da casa dele. 

— Como foi? Anda, diz!  — perguntou Ezequiel para lá de curioso com o óbvio.

— Por favor, mantenha a calma. Tenho sete dias. O câncer se espalhou, Ezequiel! — de pronto falei sem rodeios. 

Desesperado, ele desmaiou, logo pensei quem era, mesmo o lado mais frágil da relação. Eu queria gritar alto, mas não gritei, era o fim de uma relação dúbia e estranha. Não era o melhor jeito de acabar uma relação, eu bem sei, mas chega de fraquezas para o pouco tempo que tenho.  Agora, mais um problema brotou na minha cabeça, algo bem prático a bem da verdade. Eu precisava chamar um táxi, quero viajar, durante o pouco tempo que ainda me restava, somente sete dias. Deixei Ezequiel desmaiado e aproveitei o resto de meus dias. Resolvi ir a Búzios. Cruel? Talvez, pois não era tempo para ser leve e justa. Então lá estava ele, por fim a vida me era favorável, um táxi que estava vago, a poucos metros. Então não pensei duas vezes, levantei e o motorista me avistou e parou. Depois de uma breve discussão com o profissional do volante, entrei no carro de aluguel e parti. Eu queria ver o mar, por quê? Eu não sei dizer.   

Ao chegar no meu destino e que lugar lindo, o hotel era cinco estrelas, para minha sorte era baixa temporada e o local estava quase deserto. Nunca imaginei conhecer tanto luxo, sempre fui uma simples secretária. Só me lembro de estar diante da recepção do hotel, sem saber o que eu estava fazendo direito. E eu, esquálida, fui até o outro lado da rua, entrei na loja e comprei um biquíni. Eu queria me embainhar, adentrar no oceano e partir rumo à praia.  

  Sabe, eu nunca me senti tão feliz. Joguei a toalha na areia e me deitei perto dos rapazes, e logo se dispersaram. Logo notei, um deles dizendo: — Aquela estranha, estou enojado, vamos embora. 

Como não percebi, era a minha classe social estampada na minha, pensei, sem pensar na minha condição física. 

Havia somente poucos dias para aproveitar, esnobei e Ezequiel, que estava desempregado, pensei que o nosso amor era recíproco. Coberta de remorsos voltei para o hotel e arrumei as malas e voltei para casa, se fosse morrer eu queria morrer em casa. 

A viagem de volta não foi fácil, mil coisas passaram na minha cabeça, como seria a minha volta? Como eu seria recebida? E lá estava ele me esperando com os olhos rasos d’água. Ao descer do táxi Ezequiel me abraçou chorando como uma criança, então estava o lado frágil da relação de novo. 

— Eva meu amor, o médico precisa dizer algo importante. — disse Ezequiel soluçando e continuou. 

Fomos até a clínica. Entramos no consultório, e o Doutor disse-me: — Tenho uma boa notícia! 

— Pois me diga! — falei friamente.

— O diagnóstico não era seu, foi um erro da recepcionista, está curada, espero que possa perdoá-la. — ponderou Ezequiel, olhando os meus olhos em chamas  

— Perdoá-la, eu quero matá-la, me fez gastar o dinheiro por nada! — falei no meu desespero.  

Estávamos prestes a comprar um apartamento. Agora tenho que inventar uma desculpa para Ezequiel.

Chegando em casa, sentei-me e pensei rápido em meio à confusão mental que eu estava. 

— O tratamento foi caro, tive que gastar o dinheiro que a gente guardou...

— Esqueça isto, Eva, meu amor, arrumei um emprego, o salário é bom! — falou Ezequiel eufórico.

— Fico feliz! — falei desanimada 

— Vamos nos casar, Eva, eu quero casar contigo. Mas com uma condição, daqui a sete dias você arrumará outro emprego, sei de tudo querida. — disse Ezequiel sério, ele sabia que eu era infeliz no meu emprego.  

— Ezequiel. — falou colocando a mão no rosto dele.

— Eva meu amor! Sempre estive ao seu lado, lembra-se?

— Desculpa-me? – perguntei emocionada para Ezequiel.  

— Sete dias! – falou Ezequiel, olhando fundo em meus olhos. 

Ele sempre soube de tudo, me conhecia a mim mais que eu mesma. Mentiras, tem consequências. Devemos valorizar tudo o que for recíproco. 

Fonte: enviado por Samuel C. da Costa

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 16

 

Mensagem na Garrafa – 69 -

Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 - 1994, Porto Alegre/RS

Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida! Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro,  julgar depois

Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois.

Eduardo Martínez (O professor de matemática)

Não vou conseguir precisar o dia em que aquele rapaz atravessou o portão da propriedade, sorriu confiante, apesar da vestimenta surrada, e foi direto cumprimentar meus pais, que já o aguardavam sentados a uma das mesas ao redor da piscina. Soube naquele momento que aquele jovem, apesar da aparência mais velha, contava apenas 18 anos, enquanto eu, no mês seguinte, completaria 20.

Meu pai não tardou e se levantou. Foi em direção ao velho José, que já o aguardava, junto a um de nossos automóveis, com a porta de trás aberta. Minha mãe acompanhou com o olhar o marido. Os dois se despediram com beijos soltos no ar. Nessa época, creio que ainda guardavam um resquício do amor, que talvez tiveram algum dia.

Assim que o Opala partiu, minha mãe pegou a mão do rapaz e veio até mim. Não muito alta, ela carregava o costumeiro du Maurier acoplado à piteira dourada. Por conta de tal hábito, um câncer a tomaria por completo duas décadas após.

– Augusto, meu querido, quero lhe apresentar o Olegário. Ele o ajudará nas tarefas de matemática. 

Olegário me estendeu a mão. Olhei para ele com ar de arrogância, que, na verdade, não passava de pura inveja. Como é que aquele maltrapilho poderia me ensinar algo? Mero bandalho! Devo ter feito cara de poucos amigos, pois a minha mãe lançou-me aquele olhar fulminante. Não tive escolha e aceitei o cumprimento.

A partir da semana seguinte, comecei a ter aulas com o meu novo professor. Um prodígio em trigonometria e geometria, devo admitir. Relutante a princípio, acabei me encantando por aquela situação. Não pelos números, diga-se de passagem, pois até hoje não encontrei razão para decorar nem mesmo a tabuada. Se me interessei, foi por aquela voz rouca do Olegário, que, ainda por cima, era dono do sorriso mais lindo que, até recentemente, não tive o prazer de ver igual.

Durante nossas tardes no meu quarto, ele tentava a todo custo me ensinar atalhos para que eu não tomasse bomba no final do ano. Por debaixo da mesa, ele cutucava a minha perna com a sua, com o intuito de me fazer prestar atenção. Isso me causava calafrios por todo o corpo, mas, covarde que ainda sou, mirava o piso para não ser descoberto.

As provas finais vieram e, não sei como, consegui concluir meus estudos. Na certa, devo ter me esforçado além do esperado, pois não queria decepcionar o meu mestre. Não sei se ele ficou feliz com a minha aprovação, pois nunca mais o vi. Minha mãe, hoje consigo ter maior clareza sobre isso, o dispensou assim que possível para evitar que algo pudesse causar certo constrangimento na família. 

Passei os anos seguintes envolto em códigos civis, penais e trabalhistas. Formei-me com louvor e, a partir de então, comecei a exercer a advocacia no escritório do meu pai. Foi justamente nessa época em que conheci Glória, brilhante advogada, com quem muito aprendi do ofício.

Protegida do meu velho, ela passou a frequentar a nossa casa. Entretidos que estávamos com o volume de trabalho, não tínhamos tempo para o amor. Foi como um acordo que nos casamos no ano seguinte, logo após ganharmos uma causa de milhões. Minha mãe pareceu aliviada com o matrimônio.

Como prêmio, viajamos para Europa por uma semana. A agora minha esposa, com um francês muito melhor do que o meu, pareceu adorar aquelas explicações intermináveis nas idas aos museus. Como bom marido, mantive-me sempre ao seu lado, mas com a cabeça na pilha de processos que me esperava no escritório.

Assim que o avião pousou no Galeão, senti um grande alívio. Nada mais de passeios infrutíferos por Paris, onde sentamos em todos os cafés possíveis. A companhia era ótima, é verdade, tanto é que na segunda semana de volta ao Brasil, Glória se sentiu indisposta e correu para o banheiro a fim de evitar devolver, sobre a mesa, o salmão com nozes ingerido há pouco.

No verão seguinte, eis que estávamos na sala de parto. Minha mulher segurava minhas mãos tão fortemente, que imaginei que iria arrancar todos os meus dedos. Devo confessar que aquela era uma situação nova para mim também, porém, muito mais cômoda. Afinal, todas as dores do parto se encontravam com Glória. 

Às 12h43 do dia 15 de fevereiro de 1989, ouvimos pela primeira vez o choro de Rubens. Minha esposa e eu, talvez não querendo deixar nosso filho chorando sozinho, o acompanhamos. Esse momento mostrou a nós dois que, apesar de ter surgido de um acordo, aquele casamento havia conseguido gerar um fruto do nosso amor. 

Depois de alguns meses de correria, a nossa vida acabou entrando nos eixos. É verdade que agora tínhamos um filho para criar e, hoje posso afirmar, o tempo é sábio e toma conta de tudo. Ou, caso não cuide tão bem assim, o dinheiro ajuda a superar as dificuldades.

Nosso menino cresceu cercado de todos os mimos e regalias, é verdade. No entanto, até entre os abastados há certos percalços. Seja como for, lá estávamos para lhe dar o suporte necessário. E foi assim que fizemos, quando, antes de completar 10 anos, ele cismou em ser tenista.

Compramos os melhores materiais esportivos, contratamos o mais afamado treinador. Até mandamos construir uma quadra de tênis na nossa ampla propriedade. Entretanto, essa febre passou e a raquete, comprada a peso de ouro, foi parar em algum canto.

Aos 13, Rubens cismou que queria ser músico. Como dinheiro não era problema, compramos vários instrumentos, mas, no final, o nosso rapazinho desistiu de todos. Ainda carregou a gaita no bolso por alguns meses, mas nunca o vi soprando-a nem uma vez sequer.

Rubens, prestes a concluir o ensino médio, parece ter herdado a minha aversão por números. Por isso, a minha mãe, ainda que adoentada, contratou um professor de matemática para o único neto. Na hora nem me dei conta da situação, até que, sentados a uma das mesas ao redor da piscina, vi passar pelo portão um jovem de lá seus 25. Na verdade, soube logo em seguida, ainda contava 18. Ele parou diante de mim e sorriu um sorriso, que há muito guardo na lembrança, e, então, naturalmente, acabei por me encantar por aquela rouquidão: "Prazer, sou o Olegário!”

Fonte: Blog do autor. 25.12.2023. 

Hino de Cidades Brasileiras (São Fidélis/RJ)


por Prisco José de Almeida

Salve terra fidelense,
Joia rica do Brasil
Teu futuro nos pertence,
Serás sempre varonil!
Tua gente, sem fadiga,
Teu passado há de defender!

São Fidélis, terra amiga,
Nosso esforço tu hás de ter (Bis)

Salve! Salve! Linda terra feita de luz!
Glória! Glória! Tudo em ti prende e nos seduz! (Bis)

Na paisagem de beleza
Que te veste de esplendor,
A sublime natureza
Deu-te tudo! És um primor!
Nossos olhos sem canseira,
Fitam sempre tudo o que é teu!

São Fidélis, altaneira,
Lindo berço que Deus nos deu! (Bis)

Salve! Salve! Linda terra feita de luz!
Glória! Glória! Tudo em ti, prende e nos seduz. (Bis)

Eduardo Affonso (O Acre é um mistério)

O Acre é um mistério p
or vários motivos:

1.

Ninguém jamais passou pelo Acre.

Ou você vai ao Acre ou não vai.

O Acre não é passagem: é destino.

2.

O Acre tem suas idiossincrasias.

Uma delas é não aceitar a reforma ortográfica.

Não é o primeiro estado a fazer isso: segue o exemplo da Bahia, que se recusou a virar Baía quando o Piauhy, mais resignado, topou ser Piauí.

Brasileiro nascido no Acre, pelas normas vigentes, é acriano.

Acriano nascido no Acre é acreano mesmo.

Há muito os açoreanos aceitaram ser açorianos, mas a Academia Acreana de Letras bateu pé e garantiu que a população será acreana com “e” até morrer, digam o que disserem os lexicógrafos.

Se for fazer concurso público por lá, lembre-se disso na prova de português. Duvido que eles abram mão dessa pegadinha.

3.

O Acre foi por 3 vezes uma república independente.

É o único estado que realmente pertence ao país, com escritura passada em cartório e tudo, porque foi comprado da Bolívia. E não custou um cavalo, como diz a lenda, mas uma boa grana.

Sem contar que quase foi arrendado por um consórcio de capitalistas ingleses e americanos.

4.

Quem for ao dicionário procurando o significado de “acre” vai encontrar: ácido, afiado, agudo, áspero, avinagrado, azedo, cortante, mordaz, picante, queimante, sarcástico, ríspido, rude.

Nada a ver.

Acre é uma corruptela de “Aquiri”, que significa “rio dos jacarés” na língua dos apurinãs, que originalmente habitavam a região.

Mas, pensando bem, jacarés costumam ser ásperos ao toque, ríspidos no trato, ter dentes afiados e cortantes, algo rudes no convívio social, ter temperamento mordaz, lágrimas azedas e (repare bem) um sorriso sarcástico.

Os portugueses podiam ser ruins na fonética dos apurinãs, porém de psicologia de jacaré eles entendiam.

5.

Há 52 paulistas para cada acreano.

E quando você precisa de um João Donato, vai buscar onde? No Acre.

Foi de lá, da Amazônia, no sul da América, que veio a Glória Perez para nos ensinar o caminho dos índios e das índias (e eu prometo –  com o coração partido ao tomar essa decisão – que não vou cometer o pecado capital de buscar mencionar que clones têm dupla identidade, para não alugar a paciência de ninguém ou criar uma barriga neste texto).

Mas quando você tiver um desejo, daqueles de corpo e alma, tipo “explode, coração!” e nem o santo guerreiro Jorge te salvar do canto da sereia dessa força do querer, onde é que vai achar alguém que traduza esse seu furacão e o da sua diarista? No Acre.

6.

Imagine se um garoto de Roraima ia encher o quarto de mensagens criptografadas e abduzir a si mesmo? Se um bacuri do Amapá ia ensinar como ser gênio com pouco sono e nada de sexo? Se um curumim de Rondônia ia escrever um besticéler sobre a teoria da absorção do conhecimento, cheio de “não obstante”, “antemão”, “entrementes”, “outrossim”, “amiúde”? Quem mais faria isso senão um… menino do Acre?

7.

Não me esqueci do Chico Mendes, não.  Nem do José Vasconcelos. Nem do Jarbas Passarinho. Ou do Armando Nogueira. E do Adib Jatene.

É que não sei como o Acre consegue ter menos de 0,5% da população e esse tanto de gente.

Deve ser por isso – por desafiar todas as probabilidades – que seu mapa parece que está rindo.

O Acre é inacreditável.

Fonte: Blog do autor. 23.setembro.2019. 
https://tianeysa.wordpress.com/2019/09/23/o-acre-e-um-misterio/

Wanda de Paula Mourthé (Canteiro de Trovas) – 6 -


A inspiração, inconstante,
tem caprichos de mulher:
chega, às vezes, inebriante
e outras, nem chega sequer!
= = = = = = = = =

A noite — orquestrando o encanto
dos sons difusos que encerra —
entoa suave acalanto
que embala o sono da Terra.
= = = = = = = = = 

A realidade transponho
e vivo em mundo ideal...
Quero as mentiras do sonho,
não as da vida real!
= = = = = = = = = 

Bem maior da humanidade,
que o tempo só consolida,
o direito à liberdade
é o direito à própria vida!
= = = = = = = = = 

Diante do irmão indefeso,
não fique de mãos atadas,
que a indiferença e o desprezo
andam sempre de mãos dadas.
= = = = = = = = = 

É mais humano e eficaz
sanar conflitos na Terra
só pela força da paz,
não pela força da guerra!
= = = = = = = = =

Em desvelos, me desfaço
se vejo que vais partir:
para alongar teu abraço,
não tenho mãos a medir.
= = = = = = = = = 

Guardo, ainda, vivo o encanto,
bem no fundo do meu peito,
daquele momento santo
em que você disse: — Aceito!
= = = = = = = = =

"Homem não chora". Pois sim!
Frase vã... só é sonora.
Homem forte, para mim,
suporta os trancos... mas chora!
= = = = = = = = = 

Mesmo se o orgulho disfarça,
a seu encanto sou preso,
e a indiferença é uma farsa
de revide a seu desprezo!
= = = = = = = = = 

Minha alma se desaponta:
nem breve mensagem veio,
mas meu amor faz de conta
que a culpa é só do correio.
= = = = = = = = = 

Minha insensata paixão
passou — transpondo barreiras —
das fronteiras da ilusão
para a ilusão sem fronteiras...
= = = = = = = = =

Nas montanhas, vivo ao léu,
com o amor de que preciso;
nem estou perto do céu,
mas no próprio paraíso!
= = = = = = = = = 

No inverno da minha vida,
sou gaivota em migração,
buscando ainda guarida
no calor de um coração.
= = = = = = = = =

O encanto do teu sorriso,
em instante de emoção,
sem licença e de improviso,
confiscou meu coração!
= = = = = = = = = 

Olho a rua... a noite avança,
tudo adormece ao luar...
Dorme até minha esperança,
pois cansou de te esperar!
= = = = = = = = = 

Partiu... nem disse o motivo,
e eu, da saudade à mercê,
estou vivo, mas não vivo,
pois não vivo sem você.
= = = = = = = = =

Quando o homem será capaz
de unir-se em fraternos laços,
lançando a pomba da paz
e não mísseis nos espaços?
= = = = = = = = = 

Seja o exemplo a diretriz
que os pais aos filhos garanta:
quanto mais funda a raiz
tanto mais se alteia a plantai
= = = = = = = = = 

Sem liberdade de escolha,
os excluídos da vida,
não tendo quem os acolha,
aos vícios dão acolhida.
= = = = = = = = = 

Sem temor, meu barco avança,
seja qual for a maré,
pois, no mastro da esperança,
iço a bandeira da fé.
= = = = = = = = =

Singre os mares da cultura
em viagem de prazer!
Pela nave da leitura,
chegue ao porto do saber.
= = = = = = = = = 

Tanto me atrai teu encanto
que meu enlevo é sem fim...
Se nada falo, no entanto,
fala o silêncio por mim!
= = = = = = = = = 

Tento, com minhas façanhas,
ultrapassar os meus males:
eu me espelho nas montanhas
que superam sempre os vales.
= = = = = = = = = 

Tens tal feitiço no olhar
que, em nosso adeus, por encanto,
foram gotas de luar
que escorreram do teu pranto!
= = = = = = = = = 
Fonte> Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013. 
Enviado pela Trovadora.