quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

A. A. de Assis (O Frade Frei Vitório)

Nosso professor de português no Colégio Fidelense, Expedito Neme, costumava aproveitar toda oportunidade para nos passar alguma dica interessante sobre certas sutilezas da linguagem. Eu tinha até um caderninho especial onde ia anotando cada uma daquelas lições fora do script.

Certa vez, por ser véspera da festa do padroeiro (São Fidélis de Sigmaringa), ele interrompeu a aula para perguntar se a gente sabia quais foram os fundadores da cidade. Um dos alunos, todo prosa, respondeu: “Foram dois freis capuchinhos”. “Nota 5 – sentenciou o mestre. Para ganhar 10 você deveria ter dito que foram dois frades, não dois freis”.

Ficamos todos boiando, sem entender qual era o problema. O professor explicou então que “frade” e “frei” (do latim “frater” = irmão) eram a mesma coisa, porém havia um porém: “frei” é uma forma abreviada de “frade” e só se usa junto do nome do religioso – frei Henrique, frei Jacinto. Ipso facto, a resposta correta e completa do menino teria que ser assim: “Os fundadores da cidade foram dois FRADES capuchinhos – FREI Ângelo e FREI Vitório”. Em Maringá diremos (certinho) que o nosso arcebispo, Dom FREI Severino, é um FRADE franciscano”.

Noutra ocasião, uma aluna perguntou se poderia sair um pouco mais cedo, porque teria que ir a um ensaio extra do “coral”. O professor Expedito aproveitou e deu mais um dos seus pitacos: “Ao ensaio do coral você não vai; só permito se for ao ensaio do coro”. E lá veio a explicação. “Coro” é substantivo; “coral” é adjetivo. “Coro” é o nome do grupo de vocalistas; o que o grupo canta é que se chama “canto coral”, ou seja, “canto do coro”. Hoje seria difícil voltar a chamar de “coro” o que quase todos passaram a chamar de “coral”. Mas fica a dica.

Como ex-seminarista, o bom e sábio mestre gostava especialmente de ensinar o significado de palavras relacionadas com religião. Vou dar alguns exemplos que no momento me ocorrem.

Aleluia – palavra de origem hebraica: “halleluyah”. “Hallelu” = louvar + “Yah” = forma abreviada de Javé. Alelu-ia significa então “louvai a Javé”, “louvai a Deus”.   

Paróquia – do grego “paroikia” (para = ao lado + oikia = casa). Ao pé da letra, paróquia é o mesmo que vizinhança, conjunto de casas vizinhas, comunidade. No sentido eclesial, paróquia é um território confiado a um pároco (antigamente mais conhecido como vigário). “Vigário”, em latim “vicarius”, de “vicis agere” = aquele que faz as vezes de outro, ou que age em nome de outro). No caso, é o padre que, na paróquia, zela pelos fiéis em nome do bispo.   

Bispo – do grego “epíscopos”  > epíscopo > piscopo > bispo). Epi = posição superior + scopos = ver). Supervisor. Lembra o antigo pastor de ovelhas, que se colocava geralmente no alto de uma colina para cuidar do rebanho. O bispo é o responsável pelo governo de uma diocese. O bispo da diocese principal de uma província eclesiástica (como é o caso de Maringá) tem o título de arcebispo (arce, arqui = principal) e sua diocese tem o nome de arquidiocese.

(Crônica publicada na edição de 26 outubro 2023, do Jornal do Povo) 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Trova ao Vento – 007

 

Mensagem na Garrafa = 98 =

Manuel Bandeira
(Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 - 1968, Rio de Janeiro/RJ

ENQUANTO A CHUVA CAI

A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.

Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... - ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!

[Manuel Bandeira. A cinza das horas. 1917]

Cantiga Infantil de Roda (Lagarta pintada)


É uma roda de crianças, cada qual pegada na orelha da outra, cantando e dançando:

Lagarta pintada 
Quem foi que te pintou
Foi uma velha 
Que passou por aqui
A saia da velha 
Fazia poeira
Puxa lagarta 
No pé da orelha

Quando as meninas dizem - Puxa lagarta no pé da orelha - puxam realmente com força na orelha das outras

Outra versão:

Lagarta pintada quem foi que te pintou?
foi uma menina que aqui passou
por dentro das areias levanta poeira
pega esta menina pela ponta da orelha.

Lagarta pintada quem foi que te pintou?
Foi a velha cachimbeira por aqui passou.
No tempo da areia fazia poeira, Puxa
Lagarta nessa orelha... Orelha, orelha!

(Fonte: Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo: Departamento de Cultura, 1953)

Liév [Leon] Tolstói (Os dois irmãos)

Dois irmãos foram viajar juntos. Ao meio-dia, deitaram na floresta para descansar. Quando acordaram, viram que a seu lado havia uma pedra e na pedra havia algo escrito. Começaram a soletrar e leram:

“Quem achar esta pedra deve seguir direto para dentro da floresta na direção do nascer do sol. Na floresta, passa um rio; atravesse o rio até o outro lado. Vai ver uma ursa e seus filhotes: tome os filhotes da ursa e corra o mais que puder direto para a montanha. Na montanha, vai ver uma casa e, na casa, vai encontrar a felicidade.”

Os irmãos leram até o fim o que estava escrito e o mais jovem disse:

− Vamos os dois juntos. Quem sabe a gente consegue atravessar o rio, achar os ursinhos, levá-los até a casa e então, juntos, encontraremos a felicidade?

Então o mais velho respondeu:

− Não vou entrar na floresta atrás de filhotes de urso e não aconselho que você faça isso. Em primeiro lugar, ninguém sabe se é verdade o que está escrito nessa pedra; talvez tenham escrito tudo isso de brincadeira. Talvez não tenhamos soletrado direito. Em segundo lugar, se for verdade o que está escrito, vamos entrar na floresta, vai anoitecer, não vamos achar o rio e vamos nos perder. E se acharmos o rio, como é que vamos atravessar? Quem sabe se é largo e tem correnteza? Em terceiro lugar, se atravessarmos o rio, por acaso é fácil tirar os filhotes de uma ursa? Ela vai nos fazer em pedaços e, juntos, vamos perder a felicidade à toa. Em quarto lugar, se conseguirmos pegar os ursinhos, não vai dar para correr até a montanha sem descansar. E o principal ainda não foi dito: que felicidade vamos encontrar nessa casa? Talvez lá nos espere uma felicidade da qual não temos nenhuma necessidade.

O mais jovem respondeu:

− Para mim, é diferente. Não iam escrever isso à toa numa pedra. E tudo está escrito com clareza. Em primeiro lugar, não vamos sofrer nenhuma desgraça se tentarmos. Em segundo lugar, se não formos, outra pessoa vai ler a mensagem na pedra, vai encontrar a felicidade e nós vamos ficar sem nada. Em terceiro lugar, não se esforçar, não trabalhar não traz alegria a ninguém. Em quarto lugar, eu não quero que pensem que eu tive medo de alguma coisa.

Aí o irmão mais velho respondeu:

− Diz o provérbio: “Quem procura a grande felicidade perde a pequena”; e também: “Um pardal na mão vale mais do que uma cegonha no céu”.

E o mais jovem disse:

− Pois eu ouvi: “Quem tem medo de lobo não entra na floresta”; e também: “Debaixo de uma pedra parada, a água não corre”. Acho que é preciso ir.

O irmão mais jovem foi e o mais velho ficou.

Assim que o mais jovem entrou na floresta, topou com o rio, atravessou-o e logo na margem viu uma ursa. Estava dormindo. Ele agarrou os ursinhos e fugiu em desabalada carreira para a montanha. Quando chegou ao topo, vieram muitas pessoas a seu encontro, trouxeram uma carroça, o levaram para a cidade e o fizeram rei.

Ele reinou por cinco anos. No sexto ano, teve uma guerra contra um rei mais forte que ele, que conquistou a cidade e o expulsou. Então o irmão mais jovem voltou a vagar pelo mundo e foi ao encontro do irmão mais velho.

O irmão mais velho morava na aldeia, não era rico nem pobre. Os irmãos se alegraram um com o outro e conversaram sobre a vida.

O irmão mais velho disse:

− Aí está, eu tinha razão: levei uma vida boa e sossegada, o tempo todo; já você, embora tenha sido rei, passou muita desgraça.

O mais jovem disse:

− Eu não sofro com o que aconteceu no passado na floresta e na montanha; apesar de agora eu estar mal, tenho o que recordar na minha vida, já você não tem nada para lembrar.

Fonte: Liev Tolstói. Livros de leitura para crianças. Publicado originalmente em 1864. Disponível em Domínio Público

Dinair Leite (José Bento)


Peço licença meu povo,
ao expressar nesta trova,
a saga do primoroso
José Bento, à toda prova.

Esta história dos avós
inspira um quadro forrioso,
feito em sutis rococós,
num resgate glorioso.

Vovó eu mal conhecia
mas lembro a leve ternura
do amor que pouco vivi,
desse anjo belo em candura.

Quando se foi a vovó
para o céu... Ó que amargura!
Nosso galo carijó
cantou rouco e sem altura.

Se foi tão cedo a vovó,
levou lendas e mil juras! 
Já do vovô fui xodó,
consolo, bênção, venturas...

O vovô era tão lindo,
português, loiro de escol,
em qualquer lugar bem-vindo,
brílhante feito um farol!

A vovó também lindinha,
a pele alva como o leite,
da linda italianinha,
sem dúvida era um deleite.

Ângela Moreti, o nome
da bela sinhá e que ora
pelos netos - se consome -
rogando à Nossa Senhora!

A vovó sempre encantada,
com vovô e com poesia,
recebia extasiada,
verso, beijo e companhia.

Vovô era encantador!
Divina a sua cantiga,
mimava a vovó de amor
e ainda curtia uma briga...

Ele era prestes, garboso,
era alma da flor, crisol.
Era trovador charmoso,
em trovas de lua ou sol!...

Vovô era homem prendado,
lavrava a terra e sorria
às sete filhas - coitado -
pois filho algum ele tinha.

Seu Zé era bom trovista,
sobejo de Portugal,
da Galiza - humilde artista,
um inventor genial!

Roda d'água ele criou,
bem diferente, e um monjolo.
A fazenda prosperou...
Como era verde seu solo!

Mas voltando lá atrás
deste conto, que é poesia,
vemos vovô que num zás…
trás, se espichava à Maria.

Maria Izabel, bem morena,
cheia de borogodó,
passista desde pequena,
ela era uma graça só.

Vovô levara vovó,
para ver passar o samba.
No chão levantava o pó...
No samba ele era um bamba!

E, se vovó se zangava
e olhava-o criticando,
o belo, o facho abaixava,
se recompunha... sambando.

-Ângela... samba é cultural
- dizia vovô, o olhar
disfarçado na cintura
da cabrocha a rebolar...

- Ó José... se mal me engano
você não tem sangue mouro,
lembra mais deus africano,
meu português verde-louro.

E vovô ria envolvente,
bigode bem aparado,
cantando em fervor de crente,
caprichando o rebolado.

 Vovó via o vô sambar
e ficava enciumada.
Mas... era deusa em altar,
do Zé era a bem amada!

E... vovó sem utopia,
transbordante de bondade,
amava o vô e sabia
que era amada de verdade.

Vovô era boa pinta,
mulherengo que ele só,
virava-se bem nos trinta,
mas, a respeitar vovó.

Meu avô me deu amor,
com paciência e carinho,
me ensinou amar a flor,
proteger o passarinho!

Às vezes vejo na vida
verde-olhar, pele-café...
Será a neta na avenida,
sambando o sangue do Zé?

[Fonte> Dinair Leite. 11 rostos: antologia poética. SP: Edicon, 2015]

Arthur Thomaz (“Buteco”)

O autor escreve “buteco” porque entende que quem escreve boteco jamais esteve em um “buteco”.

O que nos leva ao “buteco”? Curiosidade, carência, busca de aventuras, a procura de reconhecimento ou pura sem-vergonhice.

Realizaremos um pequeno estudo sobre “butecos”, fazendo uma distinção entre o “buteco” citadino e o “buteco” de zona rural. Iniciaremos pelo rural, também denominado de Bolicho ou Bulicho.

Usualmente, conta com uma pequena construção de madeira com um telhado ao lado para comportar quatro ou cinco mesas de metal cedidas por fabricantes de cerveja. Geralmente, estão enferrujadas pelo derramamento constante de líquidos pelos usuários já bem animados. Situadas normalmente em frente à pequena propriedade rural do dono.

Sobre o chão de cimento, há alguns garrafões de cachaça de coloração amarelo ouro que incitam imediatamente a vontade de tomar o primeiro copo.

No isopor com muito gelo, temos algumas garrafas de cerveja. Sobre o rústico balcão, estão alguns petiscos que servem de tira-gosto e que causariam inveja a qualquer chef de cozinha.

Alguns afortunados, como este autor, tiveram a rara oportunidade de parar em alguns Bolichos no interior e no Litoral Sul do estado de São Paulo, em que atrás do “buteco” corria um riacho e que a engenhosidade do brasileiro se fazia presente.

Amarradas em uma corda, algumas garrafas de cerveja eram mergulhadas neste arroio e depois retiradas geladas para o consumo dos sortudos.

Na conta final não constava o dedo de prosa, sempre presente e agradabilíssimo. Iniciamos o estudo do “buteco” citadino, diferenciando-o entre bar e “buteco”. Bar é aquele local em que todos entram e saem, bebem, deseducadamente fumam um cigarro lá dentro, não conversam com ninguém, e vão embora.

Os “butecos”, locais intimistas, por sua vez, possuem, como as gafieiras, um inviolável estatuto, seguido à risca pelos frequentadores. 

O buteco raiz é na calçada mesmo, somente com um balcão de atendimento, com inúmeros petiscos. Os frequentadores ficam em pé na calçada ou sentados em confortáveis caixotes de cerveja.

Esta modalidade de “buteco” apresenta somente uma restrição: não funcionar em dias chuvosos.

O “buteco”, mais modernizado, oferece o serviço de garçonetes. No segundo dia, elas já chamam os fregueses pelo nome, trazendo imediatamente a bebida predileta dos clientes. Enfim, “butecos” são pedacinhos do paraíso.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Hinos de Cidades Brasileiras (Londrina/PR)


Música: Andrea Nuzzi
Letra: Francisco Pereira Almeida Jr.

Londrina!
Cidade de braços abertos
A todos os filhos do nosso Brasil!

E a todos aqueles de Pátrias distantes,
Que aqui, confiantes
Sob um pálio anil,
Seu lar construíram e aos filhos se uniram,
E aos filhos se uniram do nosso Brasil!

Londrina!
Cidade que sobe, que cresce,
Que brota e floresce,
Que em frutos se expande!
Que a Pátria enriquece,
Que alta, e que grande,
O encanto oferece
De sempre menina!

Londrina!
Das matas e das derrubadas,
Londrina das roças de espigas dobradas!
Das filas cerradas de pés de café!
Dos grandes poentes das tardes douradas,
De escolas ao longo das longas estradas!
Do arado, do livro, da indústria e da fé!
De braços abertos, dá pouso e guarida,
A todos que a buscam, materna e gentil!
Porém, destemida, se os brios lhe ofuscam,
Sói ser atrevida, impávida, hostil.
Seu solo fecundo, feraz, generoso
A quem, carinhoso, lhe deita a semente,
Por uma dá mil!
Padrão de trabalho plantado na História!

Londrina!
Cidade que um povo viril
Ergueu para a
Glória
Do nosso Brasil!

Aparecido Raimundo de Souza (Inimaginável)

A SENHORITA DONA MORTE é uma mulher extremamente linda. Conta (até onde se sabe), vinte e dois anos. Possui os cabelos castanhos, retos e soltos até a altura da cintura. Na parte da frente, franjas de cortinas, lhe caem em cascata das sobrancelhas até o nariz. Os olhos pecaminosamente esverdeados lembram uma princesa dos contos de fadas. Todavia, apesar de encantadora, a donzela vive solitária. Sozinha, sem ninguém, se faz enfurnada numa mansão grandiosa de muitos quartos e banheiros. Uma cozinha requintada acomoda todas as modernidades imagináveis da sua rica ocupante. Varandas enormes se enfeitam com flores perfumadas e bem cuidadas. Tudo ao redor de sua residência resplandece cercada por uma paisagem linda e indescritível. 

Apesar de todo esse cartão postal num bairro nobre de São Paulo, nos fundos do quintal um bando de corvos mora encoberto por muitas sombras de compleições insondáveis. A insinuante não tem amigos, nem família, nem amor. Somente o seu mísero e desgastante trabalho. Que tipo de oficio tal criatura desenvolve para uma preciosidade tão chiquérrima? Não outro, senão o de levar as almas dos mortais para a elegantíssima barragem de Guarapiranga, entre os municípios de Itapecerica da Serra e Embu-Guaçu. Da sacada de seu quarto, se avista um muro alto cercando toda a frente da construção. Para além dele, se descortina uma rua calma e cheia de árvores frondosas onde a pasmaceira e o silêncio reinam absolutos. Na verdade, a infeliz odeia a sua atividade. Se constitui, tal farfúncia, num ofício sujo, degradante e horrendamente tedioso. 

Por conta, a jovem abomina do mais fundo de seu coração, ver o sofrimento, o medo, a angústia e a infelicidade dos que partem. Ela se apoquenta também em face de ser amaldiçoada por eles, não obstante temida e evitada. Se enraivece profundamente em decorrência de ser a “causa-chave” de tantos infortúnios e desgraças. Questão de uma semana, recebe do Pai Celestial, uma nova missão. Essa, contudo, especial. Deve ir buscar a alma de um escritor famoso, que está prestes a morrer, não de velhice, de alguma enfermidade que não lhe fora revelada. Conta o “futuro defunto,” quarenta anos. Ela sabe que ele se agiganta além de um homem talentoso. Tem publicado mais de trinta livros de crônicas, todos, sem exceção, recheados com histórias sobre os mais diversos temas, entre eles, a vida plena, o amor mais puro, a esperança e, sobretudo, a magia indescritível de viver. 

A senhorita dona Morte sabe que ele tem muitos fãs, admiradores e, claro, uma enorme legião de amigos. Sabe mais: que a sua saída brusca da vida terrena será muito lamentada. No dia que resolve ser o momento fatal do “escolhido pelo Supremo,” se encaminha até o casa dele em Aldeia da Serra. Furtivamente penetra naquele ambiente acolhedor sem fazer barulho. Passa pela cozinha. Tudo em ordem. Nada fora do lugar. Na sala, uma biblioteca imensa lhe contempla. Ao se dirigir para o quarto, encontra com a vítima que viera tirar o ar que respira. Deitado em sua cama, de bruços, ele dorme e ronca. Ao lado (seu notebook, um punhado de livros, e um bocado de papeis avulsos), possivelmente anotações para suas criatividades. A deslumbrante se aproxima e conclui que ele está, de fato, nos braços de Morfeu. 

Fita seus olhos cerrados e sorri. Com a chegada daquela personagem tão admirável, instantes depois ele desperta e a cumprimenta:
— Olá, senhorita dona Morte. Seja bem-vinda. Vai lhe parecer meio incrível, mas estava esperando por sua doce presença.

A senhorita dona Morte se põem surpresa. Nunca tinha sido recebida com tanta gentileza e cordialidade:
— Como você sabe quem eu sou? – Ela pergunta espantada:
— Eu sei de muitas coisas. Sei que você é a responsável por levar as almas dos que se vão para algum lugar que desconheço o paradeiro. Eu sei que você é a mais temida e odiada de todas as criaturas. Eu sei, lado outro (agora entrando em sua intimidade), que apesar de um ser inimitável, é muito solitária.
— Como chegou a essa conclusão?
— Porque escrevi sobre você. Dei vida a uma narrativa elegante sobre a sua pessoa, ou seja, sobre a sua especialidade como ser divinizado. Resumindo, a Morte como pessoa. Na verdade, escrevi um texto que nunca publiquei. Está aqui no meu Note. Se quiser abrir e ler. Guardei para mim. É uma crônica que escrevi especialmente para esse momento.

A senhorita Morte franze o cenho:
— Para mim?

O escritor mostra um sorriso de canto a conto do rosto e prossegue:
— Sim, para você. Eu quero que saiba que eu não tenho medo de sua pessoa. Que não lhe odeio, e, sobretudo, que lhe compreendo. Eu quero que você saiba que não está sozinha... você tem alguém que se importa com você, que lhe admira. Eu quero que você saiba que lhe acho linda, ou seja, você é uma gatinha especial, e, para mim, em particular, uma menina na flor da idade deveras importante.
— Por que você fez isso? Por qual motivo se importa comigo?

E o escritor, então, se declara, o coração transbordando em festa: 
— Porque eu lhe amo... digo... eu te amo!
— Me ama? Fala sério!

A senhorita Morte não acredita no que ouve. Ela nunca tinha recebido assim, de chofre, palavras tão elogiosas, pelo menos até aquele instante. De igual forma, jamais experimentou esse sentimento de felicidade. Percebe que por dentro de sua alma enegrecida, algo novo, vindo do mais escondido, aflora. Se aquece, em seu peito, uma consternação, uma idolatria que ela não sabe o que significava, ou pior, de onde veio:
— Você me ama?
— Sim, eu lhe amo. Eu lhe amo desde que lhe vi pela primeira vez, em um de meus sonhos. E depois, face a face, quando apareceu para buscar minha mãe e, meses depois, meu padrasto. Amei ainda com mais intensidade depois que comecei a escrever sobre você. Eu lhe venero de uma maneira única. Eu lhe amo desde que soube que um dia viria me buscar, em vista de mais uma de suas missões em nome do Altíssimo.
— Mas como isso é possível? Como você pode amar alguém como eu?
— Como isso não é possível? Como não poderia amar alguém como você? Você é a Morte. Em oposto, representa a vida. Você é a dor, em igual norte, é o antídoto da cura. Você é a escuridão, entretanto se resplandece vestida de luz. É portadora de momentos tristes, porém, respira tranquilidade. Do seu olhar pressinto faíscas de eternidade. Você é a senda que leva ao Pai. Você é tudo o que eu sempre quis. Tudo o que eu sempre precisei. Tudo o que eu a meu jeito amei desde que soube de sua existência.

O escritor num gesto de maviosidade e brandura, estende as mãos para ela.  A senhorita Morte as recebe entre as suas. Ele a puxa para perto de si, com suavidade, e ela se deixa ser subjugada. Ele a abraça, e ela, se flagra domada, enfraquecida, se aconchega. No instante seguinte, ele a beija com sofreguidão e ela se entrega sem melindres. Ambos ficam assim por um tempo. Um espaço infindo, sem se importarem com o mundo, sem se preocuparem com o tempo, sem se incomodarem (ela principalmente) com a missão recebida do Criador. Naquele momento crucial, a viagem dele, para os aniquilamentos do destino sem volta. Sem levarem em conta as horas, o tempo, a missão, ele num repente a desveste. Peça por peça. Coloca a nua. Em seguida se tocam, se acariciam... por fim, fazem amor. Um amor anormal e Inaudito. Dia seguinte, logo cedo, ela acorda primeiro. 

Ao vê-lo desperto, anuncia o que ele, de antemão, sabe de cor e salteado: 
— Meu amor, está na hora – diz a deidade, finalmente:
— Eu sei, minha joia rara – sussurra ao ouvido dela lentamente.  Faça o que tem de fazer... 
— Meu Deus, que situação! Estou pasma. Na verdade, passada!

O escritor procura acalmar os anseios da senhorita Morte:
— Você veio para me levar. Vamos, minha princesa. Vá em frente. Cumpra com seu dever. Não pense em passar o “Homem Lá de Cima” para trás.  

A Morte sorri, emotiva e brejeira:
— Eu vou cumprir com meu dever. Me diga: você vai ficar bem?
— Confesso a você, não sei...
— Ao menos, vai se lembrar de mim?
— Nunca lhe esquecerei. Você é e será a minha passagem mais tresloucada, ou a minha morte mais inesquecível de todas... te amo... te amo...

O escritor sorri, beija a senhorita Morte longamente. Em seguida, cerra os olhos. Ele chora, ela também se debulha em lágrimas. De repente, a musa o carrega para a barragem de Guarapiranga. E então, sem mais delongas, solta a sua alma. O Senhor de Todas as Coisas o espera e, em contínuo, o leva para o outro lado e ela o deixa partir. Passo seguinte, tarefa findada, volta correndo para a sua mansão. Regressa triste e pesarosa. Guarda numa pastinha a sua história. A que ele havia escrito para ela. A senhorita Morte nunca mais o viu, tampouco, jamais o perdeu. Em paralelo, se fechou para as coisas sublimes do amor. Sabia que o seu amado estava nos braços do Criador. Ela, na verdade, nunca mais o esqueceu. Sempre que sobra um tempo, passeia por todo o entorno de Guarapiranga. E chora muito quando pensa em seu lindo e adorado escritor. E a seu modo inexplicável, sente pulsante a presença dele. A senhorita Morte está grávida. Em breve, um novo ser virá ao mundo.    

Fonte: Texto enviado pelo autor

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 29

 

Mensagem Na Garrafa = 97 =

Fábio Luciano Violin
Rosana /SP

LIDANDO COM PESSOAS

Poucas coisas na vida são mais difíceis do que lidar com seres humanos. As pessoas, por natureza, apresentam comportamentos diversos que vão do amor ao ódio, passando pela apreensão, vergonha, irritação, medo, entusiasmo, apatia, empatia ou antipatia.

Lidar com a diversidade de comportamentos e motivações humanas – aqui entenda motivação como o motivo que leva a algum tipo de ação – é uma tarefa que exige percepção apurada e capacidade às vezes sobre humana. Afinal nem todo comportamento é passível de entendimento fácil e rápido. Na maioria das vezes ter "jogo de cintura" é uma habilidade bastante exigida de nós.

Como exemplo, observe as pessoas que trabalham com você. Veja as dissonâncias de visão do mundo, engajamento com a causa da empresa, nível de comprometimento, capacidade intelectual e assim por diante. A partir desta análise, você vai poder perceber que gerir pessoas ou conviver com elas no trabalho é na maioria das vezes uma tarefa árdua e não necessariamente gratificante, pois em muitas situações entramos em atrito, nos desgastamos ou convivemos em climas que variam do bom ao pesado.

Uma das coisas que mais precisam ser valorizadas, atualmente, são os aspectos psicológicos que movem as pessoas a decidirem ou não por algum tipo de ação. Entender ou, ao menos, buscar entender os mecanismos de decisão das pessoas ajuda a definir qual a forma de treinamento necessário, a forma de corrigir erros ou estimular e incentivar.

A partir deste enfoque podemos perceber que as pessoas – agora clientes externos – não compram coisas físicas, elas buscam coisas emocionais, ou seja, adquirem aquilo que os produtos ou serviços podem fazer por elas. As pessoas buscam comprar o maior benefício possível, considerando seu nível de rendimento.

Uma mulher não compra um creme anti-rugas, compra sim beleza e rejuvenescimento.

Um cardíaco não compra um remédio para estabilizar sua situação, compra esperança de viver mais.

Um homem não compra um aparelho de barbear, compra melhor aparência.

O que quero salientar com isto é que nós, enquanto empresa, temos a função de engajar a todos que trabalham conosco na tarefa de adequar cada uma das nossas ações em busca de uma entrega positiva para aqueles que nos procuram com algum tipo de desejo ou necessidade. É óbvio que nem todo cliente é bom e que também não são todos que queremos.

Infelizmente a vida real não nos permite dizer que conseguiremos sempre 100% de acerto. No entanto, é preciso buscar meios de errar menos, meios de tentar refinar aquilo que consideramos importante e que venha agregar valor à nossa empresa, produto ou serviço da melhor forma possível.

Lembre-se, o mundo jamais foi dos pessimistas. Ter e, poder fazer algo é próprio da natureza humana. Como dizia um antigo comercial "nada supera o talento". Nada supera a capacidade humana de reverter situações e ter esperança e ações para melhorar o meio no qual vivemos.
(in Portal da Psique, 22/04/2003)

Chico Anysio (Injeção de adrenalina)

Pisando macio, girou a chave na porta e se levou para o quarto sem acender as luzes. Evitava que o velho Tomás percebesse de que só agora chegava. O velho o acreditava dormindo desde nove e meia.

De short e sem camisa, tentava espantar o calor e chamar o sono, ao mesmo tempo em que buscava uma solução para o seu problema financeiro.

Foi quando escutou o grito.

— Depressa, a Adrenalina!

A voz do velho Tomás mais uma vez ecoava rouca pelos corredores, chamando Raulzinho no seu quarto.

— Estou morrendo!

Sucedia pelo menos duas vezes cada mês. Raulzinho levantava com a lepidez costumeira, tomava da seringa, previamente fervida, serrava a ampola e, em sessenta segundos, fazia o líquido penetrar na veia do velho Tomás, seu rico tio, salvando-o da morte.

Nessa noite teve a ideia.

— Raulzinho! — insistiu o velho, com a mão apertando o peito.

— Tou indo!

O velho respirava com dificuldade, mas agora com a tranquilidade a lhe chegar, por saber do sobrinho a caminho.

O velho Tomás, pequenino e simpático como um velhinho de cartoon, testa aumentada pelo constante cair dos brancos cabelos sempre despenteados, não tinha filhos porque a mulher, falecida há alguns anos, não lhe dera nenhum. Criara Raulzinho, todavia, como se dela tivesse nascido.

Isto explicava o enorme cuidado do rapaz pela saúde do velho — magistrado aposentado — verdadeiramente tio, porém bem mais pai do que o pai o fora.

— Um segundinho, um segundinho! — avisava Raulzinho, arrastando os chinelos pelo corredor de tábua corrida, Adrenalina já posta na seringa, pensamento ruim a lhe mexer na cabeça.

— Dez minutos. Se eu tivesse demorado mais um pouco...

O velho já o aguardava com a manga do pijama levantada, veia à espera do medicamento.

— Depressa, meu filho... — implorava o velho, num lamento que já não o comovia, pelo tanto que se repetia.

— Prontinho...

O velho fechava os olhos. Incomodava-o, sempre, o enfiar da agulha.

— Puxa. Esta semana foi a segunda vez.

— Hem?

— Duas vezes, esta semana. — repetiu Raulzinho, menos filho do que o habitual.

— É. Está piorando. Se não fosse você...

— Por mim você não morre nunca. Eu praticamente não durmo, de ouvido atento, pai.

Chamou-o "pai", como sempre fazia, mas desta vez de uma maneira acintosa. Já tinha retirado a seringa da veia que se dobrava a espremer o algodão. Deu um jeito melhor nos lisos cabelos do velho, fê-lo ficar mais confortável no travesseiro, acertou-lhe o lençol, beijou-lhe a testa de muitas rugas.

— Eu devia dormir aqui no quarto com você.

— Não precisa. — falou o velho, num fio de voz, cara relaxada pela descontração que a Adrenalina provocara.

Raulzinho abriu a veneziana, fechou melhor a cortina marrom, novamente beijou o velho e voltou à cama, pensando em dinheiro. Trinta dinheiros era o que pensava.

A ideia, já tivera. Como realizá-la, o dicionário explicou: embolia. O livro policial que lera há pouco garantia a dificuldade do diagnóstico da injeção de ar na veia. Os sintomas eram os da morte por colapso. O coração do velho Tomás, com o progresso dos ataques — os vizinhos eram testemunhas — ao parar, não poderia trazer acusações a ele, santo filho, sempre atento para a aplicação da injeção salvadora.

Na mesma noite o velho Tomás sentiu o aperto no peito.

— Depressa, Raulzinho!

Não teve pressa. Gritou que já ia e tomou da seringa com um suor de mão que procurava enxugar na perna do short.

— Depressa! — repetiu o velho, mais rouco e mais tenso.

A seringa foi levada como se fosse uma arma. A diferença é que nela não havia líquido, apenas os centímetros de ar suficientes para lhe dar a herança.

— Já tou indo! — gritou, enquanto derramava na privada a Adrenalina tirada da ampola, cuidando de dar a descarga.

Dissimulava a excitação o melhor possível.

— Estou aqui, pai — disse, como sempre, olhando a seringa contra a luz pequena que o abajur produzia.

— Não, Raulzinho. Não preciso de injeção. É que eu estive pensando numa coisa. Eu estou velho, no fim da vida. Pra que eu quero dinheiro? Amanhã vamos ao tabelião e eu vou passar tudo o que tenho para o seu nome. Você não necessitará mais ser empregado de ninguém, pode abrir um negocinho, sei lá...

Pensou em atirar a seringa contra a parede e, ajoelhado aos pés do velho Tomás, pedir perdão pelo que se dispunha a fazer. Não pôde, faltou-lhe chão aos pés. Os olhos, anuviados, não o deixaram ver nada além de sombras que se desmanchavam muito depressa.

Caiu, com a mão no peito. A seringa rolou para o canto da parede.

O velho Tomás levantou da cama com rapidez juvenil e, muito preocupado com o desmaio do filho, nele aplicou a injeção que Raulzinho trazia para salvar a vida do "pai".

Fonte: Chico Anysio. O Enterro do Anão. Publicado em 1973.

Wanda de Paula Mourthé (Canteiro de Trovas) = 7


A capela da colina
não tem lustres de cristais,
porém a Luz que a ilumina
vem do céu… e brilha mais!
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Ao luar, que me arrebata,
sem você, se ouço um chorinho,
a saudade que maltrata,
me faz chorar de mansinho.
= = = = = = = = =

As nossas carícias plenas
de um desejo abrasador
transformam noites serenas
em desvarios de amor...
= = = = = = = = = 

A tua ausência aparente
não espelha a realidade:
mesmo longe, estás presente
por milagre da saudade.
= = = = = = = = = 

Brilho, sombra e agora o breu:
roteiro de vida a dois...
Amor fugaz que morreu
sem a chance de um depois.
= = = = = = = = = 

De jamais adormecer,
a saudade não se cansa
e comigo vem fazer
a vigília da esperança...
= = = = = = = = = 

Em delírio, eu acredito;
meu amor transcende espaços,
mas, mesmo sendo infinito,
cabe inteiro nos teus braços!
= = = = = = = = =

Em momentos cruciais,
aos heróis trazendo glória,
audácia é um impulso a mais,
que muda os rumos da História.
= = = = = = = = = 

Em vigília, à madrugada,
se o vento bate à janela,
a saudade, alvoroçada,
logo diz: — Mensagem dela!
= = = = = = = = = 

Forçada a escolhas na vida
— teatro que não domino —
fui marionete movida
pelos cordéis do destino!
= = = = = = = = = 

Fugindo ao mundo indiscreto,
o nosso amor desvairado,
em seu refúgio secreto,
nem se importa se é pecado!
= = = = = = = = = 

Não vens... rendo-me à evidência...
Fim da espera e da ansiedade,
porque a dor da tua ausência
cristalizou-se em saudade.
= = = = = = = = = 

Na roça, a chuva é um tesouro,
que o milharal agradece,
se erguendo em espigas de ouro
à praia que em gotas desce.
= = = = = = = = = 

Na varanda aconchegante,
é o luar, feixe de luz,
mágica escada rolante
que às estrelas me conduz...
= = = = = = = = = 

Os meus sonhos — feito espuma
rendilhando a maré-cheia —
sem ter esperança alguma,
vêm desfazer-se na areia...
= = = = = = = = =

O vinho ao pé da lareira,
teu carinho, teu calor...
Como não ser prisioneira
desses prazeres de amor?
= = = = = = = = = 

Quando a noite estende o véu,
e a lua surge, tão linda,
a serra, perto do céu,
ganha mais encanto ainda!
= = = = = = = = = 

Que bom seria um enlace
entre a mente e o coração:
o que a gente desejasse
também quisesse a razão!
= = = = = = = = = 

Quem cultiva a intransigência
e ao erro nega perdão
colhe os frutos da inclemência
no pomar da solidão.
= = = = = = = = =

Sem outra opção que a rotina
de esperar-te, sempre em vão,
minhas noites de neblina
só gotejam solidão...
= = = = = = = = = 

Sempre antecipo delícias
nas cartas de que és autor:
são escassas de notícias,
porém são fartas de amor.
= = = = = = = = = 

Sou barco em mares bravios,
que, tendo por leme a fé,
enfrenta até desafios
de singrar contra a maré.
= = = = = = = = =

Ter um bem... amar agora
é alegria em meu poente,
pois o amor é sempre aurora
que raia dentro da gente.
= = = = = = = = = 

Teu amor, em nossa história,
inconstante, me atormenta,
feito duna migratória
que o vento não sedimenta...
= = = = = = = = = 

Tua partida me fala
do teu desprezo... um açoite!
E a saudade não se cala,
nem na calada da noite...
= = = = = = = = = 

Volto à capela em que, um dia,
me esperaste ao pé do altar...
E hoje a saudade, em magia,
me espera no teu lugar.
= = = = = = = = = 
Fonte> Wanda de Paula Mourthé. Com…passos de emoções. Belo Horizonte: Flux, 2013. Enviado pela Trovadora.