quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 14 -


PÁGINA TRISTE

Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!

Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh dor, tu queiras, desolada.

Erguer um trono, procurar guarida...
Foge do berço! Não magoes a vida
Desta ave implume, lirial botão...

Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
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POBRE FLOR!

Deu-ma um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.

Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.

E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.

Dei-lhe no seio uma pousada franca...
Mas, ai! Depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!
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POMBOS MENSAGEIROS

Transformados em pombos cor de neve,
Entraram-me a cantar pela janela,
A tua carta delicada e leve
E o beijo amigo que envolveste nela.

Ó que alegria para o coração
Onde a Saudade, sempre em flor, renasce!
A carta leve me pousou na mão
E o beijo amigo acarinhou-me a face.

E então, a rir, ó pomba idolatrada!
Eu transformei meu coração em ninho:
Nele repousa a tua carta amada
E canta o beijo a ária do carinho.
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RENASCIMENTO

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranquilo e plácido deserto!

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto.
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RECUERDO

Findava o mês de maio envolto e preces,
O doce mês da orações formosas...
Iam com ele as encantadas messes
Dos perfumes, dos sonhos e das rosas.

Era muito à tardinha; as aves mansas
Voavam todas, em formosos pares,
Como se fossem garrulas crianças
Que andassem, rindo, a percorrer os ares!

E eu murmurei ao ver assim voando
Aquelas aves para os brandos ninhos:
"Ah! Quem me dera só andar cantando,
Sempre crianças, como os passarinhos!”
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REGINA MARTYRUM

Lírio do céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;

Do azul imenso, dessa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
— Ai! pobre cega sem amparo ou guia!

Sê tu a mão que me conduza ao porto...
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror desta agonia!

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. Disponível em Domínio Público.

Flávio Madalosso (Amizade e amigo)

O Sol vai surgindo por detrás das colinas verdejantes de Uvaranas, na radiante e ensolarada manhã de fevereiro. Apesar de o vento e do clima mais ameno, a manhã de hoje é linda e o dia promete ser tão agradável quanto o de ontem, com o Sol a iluminar fartamente o nosso verão um tanto quanto rigoroso e senegalês. A situação imposta pela estação sazonal é mais forte, mas tudo faz parte da vida, do cotidiano das pessoas, inclusive a convivência e a busca por melhores condições de vida. Um humano depende de outro, sempre, independente das condições de cada um e se houver afinidade, melhor, pois tudo fica mais fácil.

É neste particular que centralizamos a nossa atenção, referindo-nos ao quatorze de fevereiro, data reservada ao "Dia da Amizade", mas preferimos homenagear o "amigo", que é a razão da efeméride.

Poderíamos arrolar nesta página, e em muitas outras em sequência, com nomes de pessoas com quem temos um relacionamento afetivo, seja no lar, na família, no bairro, na escola, nos locais de lazer, nos grupos culturais, mas se o fizermos fatalmente estaríamos esquecendo alguém, pois são muitos e a memória insuficiente para indicar de imediato todos aqueles que nos são caros.

Claro é que temos algumas preferências, por simples questão de afinidade ou de laços de união mais estreitos, mas mesmo assim a citação de nomes se torna difícil.

Ao lembrarmos esta data tão significativa, temos em mente a necessidade da convivência com pessoas que nem sempre têm as mesmas preferências que nós, nem sempre têm os mesmos gostos ou as mesmas ideias, ideologias ou formas de ver as coisas do dia a dia, mas sempre têm algo de bom para nos dizer, um novo ânimo, uma maneira diferente de nos tratar, algo que nos faz sentir bem e ver a vida de forma diferente.

É muito difícil definir amizade ou amigo, mas sempre é necessário saber mantê-los, não por obrigação ou pela possibilidade de precisar deles algum dia (isto não seria uma amizade sincera), mas pela nossa própria carência de termos com quem contar e conviver, de cúmplice, de conivência, de confidência, de quem nos queira bem e que pense em nós com carinho e com saudade, com respeito, consideração e reciprocidade, vendo sempre coisas boas em nossas atitudes e buscando entender as nossas ações.

Então, falamos daqueles de quem lembramos todos os dias, para homenageá-los, para agradecer a oportunidade de poder dizer que temos amigos em muitos quadrantes do planeta. E são muitos, alguns distantes no tempo, outros afastados por questões profissionais ou de afazeres, outros, ainda, próximos no espaço mas longe no tempo, alguns já em outra dimensão, mas todos dentro do coração agradecido e, mesmo que não leiam estas palavras, por certo sentirão as vibrações positivas da amizade que nutrimos e que tanto valor damos.

Assim, mesmo achando pouco, dizemos "Bom-dia, amigos!” e agradecemos a Deus pela benesse da amizade que, associada ao amor, é o mais nobre dos sentimentos.


Fonte: Bonde https://www.bonde.com.br/blogs/falando-de-literatura/amizade-e-amigo-cronica-de-flavio-madalosso-vieira

Mitos Indígenas (Arutsãm - o sapo astucioso)

O sapo Arutsãm foi ao encontro de seu cunhado onça, para dele tomar emprestado um arco e uma gaita de bambu.

Aproximando- se de seu território, foi alertado por outros animais, com ironia, do perigo que estava correndo. Mesmo assim prosseguiu.

A onça mostrou-se gentil ao recebê-lo, convidando-o para um banho no lago, cuidando, porém, para que sempre caminhasse atrás do convidado. Arutsãm. desconfiado, manteve-se atento.

Ao anoitecer a onça esperou ansiosa que o cunhado adormecesse, aguardando o momento ideal para devorá-lo.

Arutsãm, entretanto, colocou sobre os seus, olhos de um vagalume, ludibriando assim a onça, que o julgava acordado e não ousou atacá-lo.

No dia seguinte, já de posse do arco e da gaita, despediu-se agradecido de seu anfitrião.

Esperto que era, espalhou formigas no caminho, que, atacando a onça, faziam com que esta batesse as patas no chão, acusando sua proximidade.

Arutsãm seguia o seu caminho. Passava agora pelo território das serpentes, a quem seu inimigo incansável pediu que o apanhassem. O astuto sapo atraiu-as até o lago, saltando velozmente para outra margem, escapando à sua perseguição.

Chegando à aldeia das cobras, apressou-se em quebrar todas as panelas de barro de suas fêmeas. Ao verem o estrago, estas o perseguiram enfurecidas.

Neste momento, partiu Arutsãm para seu grande salto: como um toque mágico, pulou para a lua, onde, zombeteiro, está eternamente a tocar sua gaita. Ainda hoje, em noites claras, a onça contempla a lua (Iaê), lamentando o fracasso do seu plano traidor.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

Concurso Nacional de Trovas Centenário de Carolina Ramos (Prazo: 30 de junho)

Homenagem ao centenário de nascimento da Trovadora santista Carolina Ramos, Princesa dos Trovadores brasileiros, comemorado em 19 de março de 2024.

TEMA:

As Trovas líricas e/ou filosóficas devem versar sobre o tema “PRINCESA”, não havendo necessidade de citação do motivo da comemoração, nem do nome da trovadora homenageada.

CATEGORIAS:

Veterano /Novo Trovador

MODO DE ENVIO:

Trovas no máximo de 02 (duas) por participante, inéditas e de autoria do próprio concorrente.

ubtnacionalconcursos@gmail.com,

constando a Trova e logo a seguir, no mesmo corpo do e-mail, a identificação completa (nome, endereço, e-mail e telefone).

Não serão aceitos anexos.

PRAZO:

30 de junho de 2024.

PREMIAÇÃO:

Cinco Trovas vencedoras e cinco menções honrosas em cada categoria.

A premiação será em Curitiba/PR, no mês de setembro de 2024.
 
OBSERVAÇÃO COMPLEMENTAR

As Trovas remetidas em desacordo com os itens deste regulamento serão eliminadas.

Para quaisquer informações complementares: ubtnacional.1966@gmail.com

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 18

 

Laé de Souza (Maria Sebastiana [Sacha])

As luzes que espocavam não eram flashes, mas faróis que passavam a mais de noventa por hora na Marginal do Rio Tietê e clareavam por baixo da Ponte do Limão.

Ao choro fraco, Anterôncio pegou a caneca de água, extraída do rio e fervida por duas vezes para matar micróbios sobreviventes da primeira fervura, e iniciou seu trabalho de parteiro da própria mulher. Relembrava as conversas e teorias da sua velha mãe, parteira, que ele colocava agora em prática.

Ao cortar o cordão umbilical, segurou-a nas mãos e bem alto para que quem passasse visse e gritava mostrando ao mundo a sua princesa Sasha.

Hoje, enfezou-se ao lembrar que ainda não tivera coragem de contar para a mulher que não tinha como levar a registro o nome. Tentou ainda conversar com o cartorário, mas foi tratado com desdém e sem margem para argumentos. E não podia nem discutir, era de graça mesmo. De qualquer forma, não se dava por vencido e tinha escrito ao presidente pedindo que interferisse no caso e que ele precisava ver como a Sasha era linda e merecia o nome. Era uma esperança. Afinal, fora reeleito com seu voto e tinha de zelar pelos seus súditos, pensava.

Subscrevera o envelope em letras garrafais e ainda dentro avisava: "Mandar para o Bar do Magrão na Rua Canindé s/n - Pari, a ser entregue em especial favor ao Anterôncio."

Se bem, que vinha observando que a Marinete não andava lá muito boa da cabeça. Não pelo nome escolhido, mas pelas atitudes. Ficou meio "assim" quando a viu juntar um monte de cascalho, que chamava de brilhantes, para ornamentar um cesto que dizia ser um berço banhado em ouro; apanhou latas de cerveja jogadas na pista e amarrou num pano pendurado nas colunas da ponte, que dizia que ser uma porta enfeitada com sinos dourados na entrada do quarto. Recortou aquela blusa velha, preta na cor e no tempo, dizendo ser seda rosa e um lindo vestido; pegou seu litro ainda não bebido de Caninha e colocou sobre uma lata com toalha de papel, num canto, dizendo que era champanha para brindar o nascimento. Conversa sem resposta com quem estava parado no trânsito do final de tarde, dizendo que estava bem e que sentia a sua Sasha se mexer e que logo, logo, ela estaria nascendo. Abismou-se o Anterôncio quando ela lhe falou que, se no dia não houvesse estrelas, ele escalasse o céu e abrisse caminho nas nuvens para surgir ao menos uma para a sua Sasha que nascia. Quis proibi-la de sair com aquele barrigão para ir até São Miguel Paulista para votar, mas cedeu aos argumentos de não querer ser responsável pela não mudança no país, ainda mais agora que trazia sua filha ao mundo. Ele a acompanhou e percebeu que ela não diminuiu nem um pouco seu sorriso diante das caras feias pelo seu corte na imensa fila. E, pelo jeito, com os mesmos argumentos, ainda sob risco de quebrar o resguardo irá com sua Sasha no colo dar o seu voto no segundo turno.

Não tivera nenhum entojo nem desejos na gravidez. É, parece que está com algum parafuso solto, mas ele é que não vai apertar. Como é que vai dizer que tudo aquilo que ela vê é ilusão? Tomara que não seja só nesta fase puerperal. Mesmo porque, ainda que a menina seja Maria Sebastiana no escrito, na boca será sempre Sasha e breve, vai virar nome de boneca. Portanto, não há porque ela saber já.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Baú de Trovas LXVIII


Que enorme esperança, irmãos,
um simples gesto nos traz:
o encontro de duas mãos
selando um voto de paz!
A. A. de Assis
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Casou-se. Tem nova vida.
E como me custa agora,
eu, que a chamei de "querida",
ter que chama-la "senhora"!
Aníbal Vitral Monteiro
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Tropeço nos seus brinquedos...
Na saudade que me embala,
vejo marcas de seus dedos,
numa parede da sala!
Antônio Carlos Teixeira Pinto
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As paredes que sustentam
meus sonhos, meus ideais,
são tão sólidas que aguentam
os mais fortes vendavais!
Antônio Siécola Moreira
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Hei de alcançar teus carinhos,
pois estou certo de que
quase todos os caminhos
me conduzem a você!
Aparício Fernandes
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Quando os sonhos esvanecem
e os amores acabarem,
os poetas aparecem
para ilusões recriarem.
Arthur Thomaz
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Nós nos vemos com tal pressa
e tamanha raridade,
que, mal o encontro começa,
começo a sentir saudade.
Bitencourt de Sá
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Se a vida é um texto e deixamos
para trás folha esquecida,
de perda em perda é que vamos
perdendo o senso da vida.
Carolina Ramos
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O pior da viuvez
são angústias sem respostas:
sai um mês... vem outro mês...
...e quem vem coçar-me as costas?
Célia Guimarães Santana
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Nesses dias tão tristonhos
que a vida nos infligiu,
parece que em muitos sonhos
nenhuma rosa se abriu.
Cenize De Andrade
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Dá meus olhos, morto, Amada,
ao cego da nossa rua.
Se o morto não vê mais nada,
veja o cego a graça tua...
Cicero Costa
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Agora que na parede
do meu quarto de saudade
vejo apenas uma rede,
eu vivo pela metade!...
Clarindo Batista
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Veneno e inveja, empreiteiros
da enorme parede erguida
entre os nossos travesseiros
e entre a minha e a tua vida...
Darly O. Barros
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Juntas, duas alianças,
no dedo da mão esquerda,
são permanentes lembranças
da minha infinita perda...
Domingos Freire Cardoso
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Sonhei que estava abraçando
alguém que tinha teus traços.
Quando acordei, soluçando,
tinha a saudade nos braços!
Dulce de Mello Montemór
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Vou meu rancho erguer no fundo
do sertão cheirando a flor,
e viver longe do mundo,
nos braços do meu amor.
Durval Borges
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Fugir do tempo?... Tolice!...
Por mais que acaso se tente,
o fantasma da velhice
burla o acaso e encontra a gente!
Edmar Japiassú Maia
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Saudade — tempo da infância,
que transcorre de repente...
A gente mede a distância
pela saudade que sente!
Edmundo Rêgo Ferreira
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Na queda, não esmoreço:
levanto-me e sigo avante,
pois é a pausa de um tropeço
que torna o passo gigante!
Edweine Loureiro
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Contei ao céu meu desgosto
e o céu afligiu-se tanto
que pôs cinza sobre o rosto
e fogo desfez-se em pranto.
Elias Barbosa
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Que me imporia ser um louco,
por gostar de ti, meu bem?!
Importa é que, pouco a pouco,
fiques louquinha também.
Evando Marinho Salim
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Sonhando escuto teu passo,,,
Doce raio de esperança!
— Tão distantes pelo espaço,
tão juntos pela lembrança!
Evangelina Maia Cavalcante
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Amor de espécie tão vária!
— Quem teve a ideia de por
a tanta coisa contrária
o mesmo nome de Amor?
Fernandes Costa
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Há quem diga que sou feio,
que sou triste e vivo só.
Mas o calor de teu seio
dos outros me faz ter dó.
Fernando Meirelles
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Das glórias do meu passado,
a maior — meu peito diz —
seria haver conquistado
um amor que não me quis.
Florêncio Argolo
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— "Adeus!..." disseste-me, "esquece
minhas constantes ternuras..."
Ah, como se o sol pudesse
deixar a Terra às escuras!..,
Francisco Pereira Da Silva
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A dor da tua partida,
que não me saí da lembrança,
já me levou mais que a vida:
levou-me toda esperança!
Frazão Teixeira
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Na Ordem dos Capuchinhos,
sem espinhos não há flores.
Haja flores sem espinhos
na Ordem dos Trovadores!
Frei Marcelino de Angatuba
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Se tens de vir e voltar,
não venhas, por caridade!
— Uma esperança a brilhar
sempre é melhor que a saudade...
Flávio Jarbas
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Quando o teu rosto de santa
junto ao meu empalidece,
a minha ternura é tanta
que o beijo termina em prece!
Garcia Rosa
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És mais bela do que a rosa,
és mais pura do que a neve:
não sei descrever-te em prosa,
e o verso não te descreve!
Geraldo Alvim
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Ermo de ti, cheio de ânsia,
meu olhar nos longes erra...
Oh, como eu amo a distância,
quando a distância te encerra!
Gílka Machado
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Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra
sem que volte para lá.
Gonçalves Dias
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Ante a “maçã” do pecado,
na dúvida, vou sofrendo:
- Se como... sou castigado;
- Se não como... me arrependo!...
Hermoclydes Siqueira Franco
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Benditas são as paredes,
testemunhas sem pudor,
que amparam ganchos e redes
... e ouvem murmúrios de amor!
Héron Patrício
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Triste é alguém ser como aquelas
paredes velhas, pesadas,
que têm portas e janelas
eternamente fechadas...
Izo Goldman
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Amo-te mais, cada dia;
longe de ti — que sou eu?
Sou como a concha vazia
de quem o mar se esqueceu.
Jeny de Lima
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O beijo da despedida
é triste, mas mesmo assim
podias passar a vida
a despedir-te de mim...
Jerônimo Bragança
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Se o fracasso tem dois lados,
vale muito a decisão:
chorar os planos frustrados
ou bendizer a lição.
Jérson Lima de Brito
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Minha ventura, querida,
é ser, com o maior fervor,
escravo de tua vida
e dono do teu amor!
João Guimarães
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Você ficou aturdida
na bagunça de meu quarto.
Se visse a da minha vida,
você teria um infarto.
José El-Jaick
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Encontrar-te em cada sonho
e te perder em seguida...
Este é o clichê mais medonho
das noites da minha vida!...
José Ouverney
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Diz ela, vendo a intenção
de seu noivinho devasso:
- mude o rumo dessa mão...
Minha coceira é no braço!
José Tavares de Lima
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— "Não há mãe melhor que a minha!"
Diz a filha à mamãezinha.
E a mãe, sorrindo: — "Filhinha,
melhor que a tua, era a minha"...
Lia Pederneiras de Faria
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Que momentos cruciais
nos umbrais das invernadas,
quando ecoam nossos ais
pelas decisões erradas...
Luciana Pessanha Pires
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No instante em que tu partiste
houve uma pausa... sem fim...
Deixaste teu rosto triste,
sorrindo... dentro de mim.
Luiz Poeta
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Se há tantos pobres que pedem
e a todos te vejo dar,
nunca teus olhos me neguem
a esmola do teu olhar.
Manuel Giraldes da Silva
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Na humildade dos seus passos,
lembre sempre a decisão
de dar a mão, nos fracassos,
a quem lhe estendeu a mão...!
Mara Melinni Garcia
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Não vou culpar o destino
pelos erros cometidos;
culpo, sim, meu desatino
por impulsos incontidos.
Marina Valente
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O nosso nome, juntinho,
gravei num galho de ipê;
e o povo todo, todinho,
inveja a mim e a você!
Nair Starling
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É teu amor ouro puro,
por isso sou rica assim;
e as outras todas, te juro,
morrem de inveja de mim.
Odélia Belém Boneschi
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Sempre que a pinga os refresca,
qual mentira tem mais graça:
- a do Juca, quando pesca,
ou do Joca, quando caça?...
Orlando Brito
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Ei-lo, de todos os casos,
o mais estranho do mundo:
como, nuns olhos tão rasos,
cabe um olhar tão profundo?
Pereira Da Silva
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Decidiste impor intrigas,
mas a distância, sem voz...
Diz que é melhor nossas brigas
que esse silêncio entre nós!
Professor Garcia
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Por crer sempre em que lhe deve,
meu coração é um credor
que vai sofrer muito em breve
perdas e danos no amor.
Sérgio Bernardo
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Dá-me os teus olhos profundos
e o mundo pode acabar!
Que importa o mundo, se há mundos
lá dentro do teu olhar!...
Silva Tavares
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Naquele encontro fatal,
ao olhar nos olhos teus,
tive a certeza final:
não era encontro, era adeus!
Sônia Maria Sobreira da Silva
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De alguém que amamos, a imagem,
que está longe, vemos perto...
— Saudade é como miragem
que engana o olhar no deserto.
Stélio Autran
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A antiga paixão fenece...
e mesmo juntos e a sós,
eu sinto como se houvesse
uma parede entre nós!
Therezinha Dieguez Brisolla
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Quando passa o encantamento
de um amor que nos devora,
fica um saído de tormento
que nunca mais vai embora.
Vitorina Sagboni Teixeira
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Saudade do amor perdido,
pois sei que não volta mais.
É meu destino bandido
onde suporto meus ais.
Wadad Naief Kattar
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Queres saber, doce amada,
o que é saudade na vida?
Uma metade afastada
da outra metade, querida.
Waldemiro Portugal
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Hans Christian Andersen (O guardador de porcos)

Era uma vez um príncipe pobre; ele tinha um reino muito pequeno, mas mesmo assim grande o bastante para que ele se casasse. E casar era o que ele queria, era mesmo seu maior desejo. Mas é claro que ele ia ser muito atrevido se perguntasse logo à filha do Imperador: “Você quer casar comigo?” Pois foi justamente o que ele fez.

Seu nome ilustre era conhecido por toda parte, e havia centenas de princesas que lhe diriam “sim” na mesma hora, felizes da vida de ir morar com ele em seu pequeno reino.

E a filha do Imperador? Que será que ela respondeu? Pois é o que vamos ver agora.

Sobre o túmulo do pai do príncipe, crescia uma roseira, uma roseira maravilhosa. Só florescia de cinco em cinco anos, e ainda assim dava apenas uma rosa de cada vez. Mas não era uma rosa como as outras; tinha um perfume tão doce, que fazia as pessoas esquecerem todos os desgostos e preocupações.

Além da rosa, o príncipe tinha um rouxinol; um rouxinol que cantava tão bem, que era como se as mais lindas melodias morassem em sua pequena e delicada garganta.

Essa rosa e esse rouxinol o príncipe quis dar de presente à princesa; para isso, foram enviados a ela dentro de duas caixas de prata. O Imperador ordenou que as caixas fossem levadas ao grande salão, onde a princesa brincava com suas damas de honra. Quando ela viu aquelas caixas com os presentes, bateu palmas de alegria.

– Ah, que bom se eu ganhasse um gatinho! – disse ela.

Mas o que saiu da primeira caixa foi uma rosa lindíssima e perfumada.

– Oh, que coisinha mais bem feita! – exclamaram todas as damas de honra.

– Ela é mais do que bem feita. É fascinante! – disse o Imperador.

A princesa, porém, tocou na rosa e logo começou a chorar:

– Que coisa horrível, Papai! Não é uma rosa artificial, é de verdade! – reclamou ela, aborrecida, jogando a rosa no chão.

– Que coisa horrível! É uma rosa de verdade! – disseram também todas as damas de honra. É que elas achavam uma rosa de verdade muito pouco elegante e nobre, pois se encontra por toda parte. Ninguém reparou em seu doce perfume, ninguém se abaixou para pegá-la do chão, e logo ela foi esquecida. Mais tarde, uma serva do palácio jogou-a no lixo.

– Antes de ficarmos zangados, vamos primeiro verificar o que veio na outra caixa – disse então o Imperador. Com todo o cuidado, a caixa foi aberta, e o que apareceu foi o rouxinol. Dois pajens tiveram de trazer um suporte de ouro com uma argola pendurada, e um deles pousou o passarinho naquele aro dourado. E, apesar de ser bem simples, sem cores vivas, seu canto era tão maravilhoso, que ninguém conseguiu falar mal dele.

As damas de honra ficaram escutando, encantadas, o Imperador pôs as mãos no peito, comovido, e a princesa sentou-se numa poltrona sem dizer nada e prestando a maior atenção.

– Superbe! Charmant! – disseram as damas de honra, pois todas falavam francês, cada uma pior que a outra.

Com isso, elas queriam dizer que o canto do passarinho era magnífico e fascinante. A linda voz do rouxinol ressoou por todo o castelo, de modo que foram aparecendo mais e mais ouvintes: o mestre-de-cerimônias e os ministros, o camareiro do Imperador e a criada de quarto da princesa.

– Como esse passarinho me faz lembrar a caixinha de música da saudosa Imperatriz! – disse um velho ministro – Ah! O tom é o mesmo, e a maneira de cantar também!

– Tem razão – disse o Imperador, chorando como uma criança, pois começou a pensar em sua boa esposa, que havia morrido há poucos anos.

De repente, a princesa disse:

– Tenho a impressão de que esse passarinho canta como se estivesse vivo. Não me digam que é um passarinho de verdade!

O Imperador indagou dos mensageiros que tinham trazido os dois presentes, e eles responderam:

– Sim, é um passarinho de verdade.

– Então, podem soltá-lo – disse a princesa, e não deixou que o príncipe viesse ao palácio.

Os servos tiveram de abrir a janela e deixar o passarinho sair voando.

As damas de honra ainda comentaram:

– Deve ser muito sem educação esse príncipe, para mandar de presente uma rosa de verdade e um passarinho vivo.

Apesar de tudo, o príncipe não desanimou. Pintou o rosto de marrom, afundou o chapéu na cabeça até a testa e foi bater à porta do castelo. E aconteceu que quem abriu foi o próprio Imperador; o príncipe tirou o chapéu e disse:

– Bom dia, senhor Imperador! Seria possível arranjar para mim um trabalho no castelo?

– Pois é – respondeu o Imperador – tanta gente vem pedir emprego aqui… Mas eu não sei se temos alguma coisa para você fazer. Vou pensar… Ah, espere um pouco! Lembrei que preciso de alguém para tomar conta dos porcos, pois nossos porcos são muitos.

E assim o príncipe arranjou um emprego de guardador imperial de porcos. Deram-lhe um quartinho miserável ao lado do chiqueiro, e lá ele teve de morar; mas durante o dia todo ele trabalhou e, ao anoitecer, tinha feito uma panelinha com alegres guizos pendurados em volta; e, assim que a panelinha fervia, os guizos tocavam a antiga melodia:

“Oh, meu Agostinho,
perdeste tudinho!”

Mas a panelinha sabia fazer uma porção de outras coisas, pois não era uma panela comum. Só de pôr o dedo na fumaça que saía dela, a gente ficava sabendo que comida estava sendo preparada em todos os fogões da cidade. Na casa do alfaiate imperial, ia-se comer linguiça no espeto; a mulher do caçador da corte estava assando uma perdiz, que seu marido tinha reservado para eles depois da última caçada; na casa do sapateiro, as batatas pulavam dentro d’água, e na casa do professor da escola, por ser dia de aniversário, uma galinha estava sendo ensopada. E – vejam só! – o mendigo, que todos os dias pedia esmola no castelo, tinha até um suculento pedaço de carne em sua sopa e mingau de aveia para a sobremesa. Pois é, a panelinha era bem diferente da rosa de verdade e do rouxinol vivo. Então, certo dia, quando a princesa estava por acaso passeando ali perto com todas as suas damas de honra, ouviu a música dos guizos e parou toda contente; é que ela também sabia tocar “Oh, meu Agostinho”. Aliás, era a única música que ela sabia tocar, e assim mesmo com um dedo só.

– Essa é a cantiga que eu toco! – disse ela – Deve ser bem educado esse guardador de porcos. Vá falar com ele e pergunte quanto custa esse instrumento que eu quero tanto comprar.

Então, uma das damas de honra teve de ir até o chiqueiro, mas precisou calçar tamancos, pois o lugar era muito cheio de lama.

– Quanto você quer pela panelinha? – perguntou a dama de honra, tampando o nariz e pisando na ponta dos pés.

– Quero dez beijos da princesa – respondeu o jovem guardador de porcos.

– Deus me livre! – disse a dama de honra, e quase desmaiou com aquela exigência.

– Por menos eu não vendo. Afinal ela não é uma panela comum – replicou o guardador de porcos.

A dama de honra foi até onde as outras estavam, e a princesa perguntou:

– Que foi que ele disse?

– Eu nem posso contar – respondeu ela.

– Pois então fale aqui no meu ouvido!

Quando a princesa ficou sabendo o que o guardador de porcos queria, disse:

– Que sem-vergonha! Que sujeito malcriado! – e foi embora dali.

Mas, foi só andar um pouco, que os guizos tocaram:

“Oh, meu Agostinho,
perdeste tudinho!”

– Olhem – disse a princesa – voltem lá e perguntem se ele aceita dez beijos de minhas damas de honra.

– Muito obrigado – respondeu o guardador de porcos – Quero dez beijos da princesa ou nada de panelinha.

– Está muito chato esse vai e vem! – disse a princesa – Vocês todas fiquem então em volta de mim, para que ninguém veja.

Assim, as damas de honra fizeram uma roda esticando as pontas dos vestidos, e o guardador de porcos ganhou dez beijos, e a princesa recebeu a panelinha.

Foi uma alegria, que só vendo! O dia inteiro a panela ferveu; e elas agora sabiam o que estava sendo cozinhado em todos os fogões da cidade, tanto na casa do camareiro como na casa do sapateiro ou do alfaiate. As damas de honra dançavam e batiam palmas, dizendo:

– Sabemos quem vai comer sopa doce e omelete e quem vai ganhar mingau e carne assada. Que coisa mais interessante!

– Interessantíssima! – exclamou a mestre-sala.

– É, mas guardem segredo, pois eu sou a filha do Imperador.

– Pode deixar, pode deixar! – disseram todas.

O guardador de porcos, isto é, o príncipe – só que ninguém sabia que ele era o príncipe – não deixava passar um dia sem fazer alguma coisa, e dessa vez ele fez uma matraca. E era só girar a matraca que ela tocava todas as valsas e polcas do mundo.

– Que maravilha! – exclamou a princesa quando passou por perto – Nunca ouvi música mais linda. Ouçam, vá uma até o chiqueiro e pergunte ao guardador de porcos quanto custa esse instrumento: só que beijos eu não dou mais!

– Ele quer, em troca, cem beijos da princesa – disse a dama de honra que tinha ido lá perguntar.

– Acho que ele ficou maluco! – retrucou a princesa, saindo dali.

Entretanto, depois de andar um pouco, parou.

– Em nome da arte, é preciso fazer alguma coisa. Afinal, eu sou a filha do Imperador! Diga que vou dar dez beijos, como da outra vez. O resto ele pode receber de minhas damas de honra.

– Ah, mas nós não temos vontade nenhuma de fazer isso! – disseram as damas de honra.

– Que enjoamento de vocês! – reclamou a princesa – Pois se eu posso beijar, vocês também podem. Além disso, é de mim que vocês recebem alimento e salário!

Assim, querendo ou não, as damas de honra foram de novo ao chiqueiro.

– Cem beijos da princesa – respondeu o guardador de porcos – senão cada um fica com o que é seu!

– Então, ponham-se todas na minha frente – disse ela.

As damas de honra obedeceram, e o guardador de porcos ganhou os beijos da princesa.

– Mas que ajuntamento é aquele lá no chiqueiro? – perguntou o Imperador, que tinha saído para o terraço.

Ele esfregou os olhos e pôs os óculos.

-É… São as damas de honra que fazem esse barulho todo; preciso ir ver o que está acontecendo!

E… zás-trás… lá foi ele bastante afobado.

Assim que chegou mais perto, começou a andar bem devagarinho. As damas de honra estavam tão ocupadas contando os beijos, para que fosse um negócio honesto, que nem repararam no Imperador.

– Que é isso? – exclamou ele, ao ver a princesa e o guardador de porcos se beijando.

Já haviam sido trocados oitenta e seis beijos, quando o Imperador começou a dar sapatadas na cabeça dos dois.

– Fora daqui! – gritou ele, furioso.

E a princesa e o guardador de porcos foram expulsos do reino. Do lado de fora, a princesa ficou chorando, o guardador de porcos reclamando, enquanto o maior temporal começou a cair.

– Ai, ai! Coitada de mim! – gemia a princesa – Se ao menos eu tivesse casado com aquele belo príncipe! Ah, como eu sou infeliz!

O guardador de porcos foi então para trás de uma árvore, limpou o rosto tirando dele a tinta marrom, livrou-se dos trapos horríveis que usava e apareceu vestido de príncipe. Estava tão bonito, que a princesa curvou-se, respeitosamente.

– Por você, só sinto desprezo – disse ele – pois não quis um príncipe honesto, não aceitou a rosa nem o rouxinol, mas beijou um guardador de porcos em troca de uns brinquedinhos; agora, você recebeu o que merecia!

E com essas palavras o Príncipe foi embora, deixando a Princesa sozinha na chuva.

(Tradução Ruth Salles)

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Mitos Indígenas (Igaranhã - a canoa encantada)

 Um índio da tribo Kamaiúra iniciou a construção de uma canoa com a casca do jatobá. Ao terminá-la retomou para junto de sua mulher, que há pouco dera à luz, permanecendo por alguns dias. 

Algum tempo depois, voltando à mata onde havia deixado a canoa, não mais a encontrou. Entristeceu-se e, pensativo, tentou imaginar o que ocorrera. Talvez a tivessem roubado, ou algum animal a tivesse destruído. Como poderia pescar agora? 

Absorto, despertou com um ruído. Foi grande o seu espanto ao perceber que em sua direção movimentava-se lentamente, por si mesma, uma canoa, a mesma que ele construíra, agora com vida e olhos na proa. Talvez houvesse se transformado em um animal, pensou. Dar-lhe-ia então um nome: Igaranhã - o crocodilo. 

Entrou na canoa, ordenando-lhe que seguisse em direção ao lago. Assim que Igaranhã tocou a água, cobriu-se com muitos peixes, dos mais variados tipos, cores e tamanhos, que saltavam sem cessar da água para dentro da embarcação. 

Os primeiros, a própria canoa devorou, ficando no entanto a maior parte para o índio. Á sua mulher, maravilhada, falou apenas de um lugar ideal para a pesca, que houvera encontrado. 

Dias depois, retomando ao mesmo local, nada encontrou sob a frondosa árvore. Como por encanto a canoa surgiu novamente da mata, dirigindo-se ao lago e o fenômeno repetiu-se. 

O índio ambicioso recolheu rapidamente os peixes, sem deixar à Igaranhã sua parcela do alimento. Esta então, muito contrariada, acabou por devorar seu próprio dono.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 36

 
Trova com imagem obtidas no facebook da trovadora

Monsenhor Orivaldo Robles (Maringá, mãe ou madrasta?)

(texto escrito em 2014)

Os pioneiros desta cidade agregaram ao nome Maringá os qualificativos “novo” e “velho”. O novo desapareceu pouco depois; o velho continua até hoje para designar o bairro onde a cidade começou. Os que chegaram naqueles sofridos tempos eram homens rudes, de mãos calejadas e rosto queimado de sol. A maioria era competente em derrubar mato, queimar coivara e plantar café. Da língua pátria pouco tinha conhecimento. Não sabia que nome de cidade leva adjetivo do gênero feminino. Como fez, na construção “nossa amada Maringá”, o poeta e professor Ary de Lima, a quem me coube a honra de ter como colega no querido Colégio Gastão Vidigal. Com razão até maior do que outras, Maringá é feminina. Pois não se chamava Maria do Ingá, na canção que a batizou, a retirante nordestina e imaginária musa de Joubert de Carvalho? Todos os que por aqui passam dedicam-lhe elogios feitos com adjetivos ou pronomes femininos. Sempre escutamos: “Maringá é linda. Deve ser muito bom viver nela”.

Nossa cidade exibe o encanto de uma sedutora mulher, que desperta paixão logo ao primeiro olhar. Não fui eu que inventei isso. Venho ouvindo-o desde meus dezesseis anos. O tempo só fez crescer em mim um amor de que não me sabia capaz. No seu cinquentenário, faz dezessete anos, eu lhe dirigi uma saudação que hoje reconheço um tanto melosa. Mas como não ser meloso falando àquela que se conheceu como graciosa menina de dez anos? Eu me permiti, na ocasião, pieguices deste calibre: “Que saudade da garotinha que embalamos no berço de mato e chão batido. Que nos garantia uma união de meninos vivendo juntos, olhando-nos de frente e sorrindo sem disfarce. Era o tempo em que partilhávamos tudo. O pão era branco; o dia, claro; a palavra, direta. Sentíamo-nos abertos e puros, animados de coragem para enxugar o suor uns dos outros. Estendíamos as mãos com transparência e as apertávamos sem medo. Não havia susto em nossas noites nem desconfiança em nosso olhar”.

Para mim Maringá irradiava a ternura de um colo de mãe. Notaram que até seu aniversário tem um traço materno? Cai perto do Dia das Mães; às vezes nele. Talvez para recordar que ela nasceu para acolher os filhos. Todos os filhos, sem excluir um sequer.

Agora me angustia uma preocupação difícil de ocultar. Quando me recebeu, mais de cinquenta anos atrás, Maringá ainda cheirava a mato e sujava-se no pó e no barro, como lembram idosos que têm a minha idade. Mas era uma cidade deliciosa, que nos envolvia num abraço de mãe. Nela nos sentíamos em casa. Não havia essa distância que hoje separa uns de outros; ricos, de pobres; os do centro, dos da periferia; os que aqui moram, dos obrigados a morar em cidades afastadas; os que se acham importantes, dos que são vistos como pés-rapados.

Compreendo que a cidade cresceu além do que se pensava. Mas mãe que é mãe não discrimina um filho por ser menos prendado que outro. Ao contrário, dá atenção maior ao que é menos favorecido. Na casa em que uns são considerados mais filhos, outros menos, algo está muito, muito errado mesmo. Dá pena ver Maringá passando de mãe amorosa a madrasta desumana, que mima uns enquanto pisoteia outros.

Perto dos setenta, a formosa dama de hoje precisa redescobrir a inocência do seu tempo de menina. Brilho sem amor não vale nada. É pura hipocrisia.

Fonte: Portal do Rigon. 10 maio 2014
https://angelorigon.com.br/2014/05/10/maringa-mae-ou-madrasta/