quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ricardo Lísias (Lançamento do "Livro dos Mandarins")



'O Livro dos Mandarins' é um retrato do mundo corporativo

Sujeito raro, Paulo tem um objetivo único. Diretor de um banco multinacional, ele pretende trabalhar na China para depois atuar na matriz da empresa, em Londres. Cumpre direito as obrigações, trabalha até tarde, comporta-se racionalmente, é fiel ao empregador. Perfil exemplar. Tudo daria certo. Mas Paulo esqueceu de combinar o seu desejo de sucesso com a vida: apesar dos planos, a condução de seu destino lhe escapa ao controle. Protagonista de "O Livro dos Mandarins", novo romance de Ricardo Lísias, Paulo representa um arquétipo do mundo corporativo.

"Ele é parecido com outros executivos, que têm um rígido código de comportamento, da roupa à linguagem", diz Lísias. "Eles não leem livros, somente autoajuda corporativa, têm celulares e relógios incríveis, costumam tratar com grosseria os funcionários inferiores." A marca principal desses indivíduos, segundo o escritor paulistano de 34 anos, é a espinha flexível, que se verga ao mandachuva de plantão. "Eles são práticos, aprendem a engolir sapos tirando lucro de tudo." São praticantes de uma ideologia, a do dinheiro obtido a qualquer custo, mesmo o humano. "Existe um ideário com discurso interessado que escamoteia as suas reais intenções."

Com lançamento na Livraria da Vila, às 18h30 de 4ª feira (28), "O Livro dos Mandarins" (Alfaguara, 344 págs.) levou quatro anos e meio para ficar pronto. Ele trata de um tema inédito na literatura nacional: a influência do mundo corporativo na organização da economia e da sociedade. Para escrever este romance, Ricardo Lísias estudou mandarim, assinou um jornal de economia e frequentou os mesmos lugares dos executivos que se metamorfosearam em personagens.

A China é o outro protagonista de "O Livro dos Mandarins". O país asiático ascendeu como o novo exemplo de economia pujante. "Os executivos achavam que a China era a solução para tudo." Quando lia o noticiário econômico, Lísias notava que se repetia apenas um ponto de vista. "Só falavam que a economia chinesa tinha saído ilesa da crise financeira mundial " Causou-lhe perplexidade nunca terem mencionado a existência de um Estado autoritário governando os chineses - "na verdade, uma ditadura comunista de direita".

A literatura, para ele, tem como uma de suas principais funções "expor os discursos soterrados". Por isso, Lísias falou, no romance, das relações ignoradas entre China e Sudão. "Ninguém mencionou que os chineses, com seus negócios no Sudão, ajudaram no massacre contra os sudaneses." Mas a limpeza étnica ocorrida no país africano, que matou milhares de pessoas nesta década, não tira o sono de Paulo. "Ele aceita as coisas perfeitamente, tem facilidade de se corromper sem refletir sobre isso."

"O Livro dos Mandarins" apóia-se em fatos históricos e cita personalidades políticas, como o presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, visto por Paulo como um mentor. "O protagonista tem saudade do governo FHC." Ao longo do enredo, dividido em três partes, Paulo sofre transformações. A única coisa que não muda é a dor nas costas, sentida desde a infância. Lísias não explica qual é a metáfora representada pelo problema na região lombar. Ele só afirma que as suas pesquisas revelaram o padecimento frequente da saúde dos executivos. "Eles tomam remédios e procuram tratamentos alternativos, como a terapia holística." Se não dói a consciência, o corpo deles reclama, segundo Lísias.

À medida que caminha para o final, a atmosfera do romance se torna mais cínica e doentia. Começam a brotar dúvidas na cabeça do leitor sobre a ida concreta de Paulo à China. "Tudo fica mais duro e a linguagem, mais fraturada", diz. "O grande desafio formal é adequar a linguagem às situações específicas."

A função de Paulo é obter informações seguras para os negócios do banco. Com o tempo, aquele mundo enquadrado e planejado vai se revelando um monte de ruínas. Um dos significados de mandarim é o de pessoa que, em virtude de seus títulos, diplomas, funções, se mostra cheia de importância e presunção. Alguma coisa Paulo talvez tenha aprendido. As aparências nunca salvam os sonhos de um homem. Mas isso não é tema para o livro de autoajuda que pretendia escrever.

TRECHOS
"O Paulo prefere as secretárias que trabalham com a boca fechada. A Paula, por sua vez, costuma ficar com a boca fechada a maior parte do expediente. Dessa forma, os dois acabam se dando muito bem: ela recebe os e-mails com as instruções pela manhã, tenta não esquecer nada, atualiza o serviço com as solicitações que chegam depois do almoço e, antes de colocar o portarretrato do Paulinho na bolsa e ir embora, confere tudo.

A bem da verdade, logo que foi transferida Paula achou estranho aquele jeito de trabalhar e se incomoda um pouco com o silêncio dos funcionários do setor do Paulo. Vai ver que é por isso que todos falam tanto durante o almoço, no elevador, na porta do banco, na fila do caixa eletrônico e por tudo que é lado. Mas ela ficou tão agradecida quando soube que o Paulo tinha defendido seu emprego no banco que, no final das contas, só olhar para o rosto do Paulinho já deixa as coisas mais leves. Mas o portarretrato tem que ficar escondido
."

SERVIÇO:
"O Livro dos Mandarins". De Ricardo Lísias. 344 págs. Alfaguara. Livraria da Vila. Rua Fradique Coutinho, 915, 3814-5811. Quarta-feira (28), 18h30.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara

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