sábado, 19 de janeiro de 2008

Conto de Ficão Cientifica: Lucy in the Sky with Diamonds

O que havia era um calmo "mar" escuro, que foi perturbado por um pequenino fio luminoso amarelado com bordas vermelhas. Depois foi ficando cada vez mais intenso; ofuscando a vista. Um arco incandescente começou a se formar com uma beleza indescritível; agora um pequeno ponto se destacava no centro da semi-esfera como um ponto mais luminoso. Logo a cabine ficou completamente iluminada, os raios amarelados entravam pela pequena janela e a cabine começava a ficar aquecida. A íris de Michelle se contraiu involuntariamente para se acostumar com a luz. Já estava em órbita há três meses, mas ainda se deslumbrava com o amanhecer visto a mil quilômetros da superfície terrestre. "Here comes the Sun", pensou Michelle.

Michelle teria que se preparar para mais um dia de trabalho; além de ocupar o cargo de Comandante da Estação Espacial LUCY, suas culturas de morangos estavam em um estado adiantado de desenvolvimento. Era impressionante como os morangos (e outros vegetais) se desenvolviam quando estavam "sem peso". Principalmente com um ambiente sob medida (luz, umidade e temperatura) e uma espécie de cortiça porosa que continha tudo aquilo que o melhor solo terrestre podia oferecer. Assim que a tecnologia fosse mais desenvolvida, a Terra teria "Campos de Morangos para sempre!!!" Pensava Michelle.

Para variar, outra cena cômica se deu durante suas abluções matinais. Hoje foi o sabonete que escapou para o teto. Resolvido o pequeno incidente, Michelle se dirigiu ao módulo cilíndrico "Miss Eleanor Rigby", que dava acesso à sala de exercícios. Ao passar pela cabine do Sargento Peppers, observou que ele, novamente, não havia prendido bem as amarras ao dormir, e estava no teto batendo levemente com a cabeça no duto de ventilação que o havia "sugado" lentamente durante a noite. Havia uma grande vantagem em uma Estação Espacial: se você perdesse alguma coisa, essa coisa iria invariavelmente se dirigir ao duto de ventilação.

Depois de uma hora na bicicleta ergométrica, Michelle se sentia melhor, já que ativara a circulação em seu corpo e exercitara suas pernas. A imponderabilidade, causava várias mudanças no corpo humano. Como o corpo está em queda livre, o sangue se dirige para a cabeça, deixando-a inchada, com os olhos vermelhos e o nariz entupido (por isso dizem que a comida de astronauta não tem gosto, o sentido do olfato fica muito debilitado em órbita); as pernas ficam finas, com o os músculos gelatinosos. A pessoa fica alguns centímetros mais alta, pois sua coluna vertebral não precisa sustentar o peso do corpo; o famoso "frio na barriga" é constante, já que o aparelho digestivo fica "flutuando". Outro problema é que o cálcio dos ossos escapa pela urina, deixando os ossos frágeis. Com a diminuição dos movimentos, consome-se menos oxigênio, diminuindo em até 20% o número de glóbulos vermelhos no sangue. Por essas e outras, é necessário uma dieta ricam em todos os tipos de alimentos e uma boa dose de exercícios.


Michelle estava pronta para mais um dia de trabalho. Encontrou com o Doutor Robert no caminho da sala de comunicações. Ele era o responsável pela saúde da tripulação. Michelle entrou no pequeno cilindro. Tinha que dizer a senha diária ao computador:

_"Yellow Submarine". Disse Michelle.

_Bom dia Cap. Michelle. Respondeu a Unidade de Inteligência Artificial (UIA).

_Bom dia Walrus. Respondeu Michelle.

_Cap. Michelle, acabo de receber uma mensagem.

_Não vá me dizer que você não tem a menor idéia de onde ela vem! Não vejo nenhum monolito por aqui! Disse Michelle em tom jocoso.

_Entendi sua observação Cap. Michelle... Meus bancos de dados possuem várias referências... Ficção Científica do século XX. Interessante, mas completamente absurda. Uma UIA é incapaz de fazer o que aquele HAL-9000 cometeu. Ironia, uma coisa curiosa exclusiva aos humanos. A mensagem é da Terra, é urgente.

_Me desculpe Walrus. Reproduza a mensagem, por favor. Disse Michelle com arrependimento. Mas logo se sentiu uma idiota, computadores não tem sentimentos. Pelos menos não deveriam ter...

A voz que saiu do auto-falante era impessoal e sem personalidade.

_Estação LUCY, atenção! Um acidente ocorreu com o Módulo de Transporte "Penny Lane". Um destroço de menos de 5cm de um antigo satélite se chocou com o giroscópio do Módulo. Eles perderam o alinhamento e passarão por uma órbita ao lado de vocês. O comunicador deles está avariado e o piloto automático se foi. O controle está manual.

_Que coisa! Ser atingido por um destroço no espaço é o mesmo que ser atingido por um meteorito na superfície da Terra! É impossível! Exclamou Michelle.

_Existem três casos registrados em meus bancos de dados com pessoas que foram atingi...

_Silêncio Walrus! Estabeleça contato com a Terra agora! Disse Michelle.
Alguns segundos depois, a Superintendente da Agência Espacial Mundial estava no visor da LUCY. Todas as atividades da Estação estavam suspensas. Foi instalado o regime de alerta total. Uma tripulação de 4 homens estava quase a deriva em órbita, e a única esperança era que o piloto encontrasse a Estação Espacial LUCY visualmente e atracasse com ela.

_Doutora Yoko. Como o Piloto irá ver a estação? Estamos na sombra da Terra; o Sol ainda está atrás de nós. Eles não recebem o rádio-farol; na certa está avariado também! Assim que o piloto ver nossas luzes, será tarde demais para ele manobrar em nossa direção e passará direto! A próxima vez que nos encontrarmos poderá ser tarde demais!! Disse Michelle com o rosto completamente molhado de suor (apesar da temperatura da cabine permancer em 22º Celsius) Apenas o Doutor Robert e o Sargento Peppers estava com ela na cabine.

_Ainda não sabemos!! A nave de resgate "Mystery Tour" só sairá em seis horas, e levará outras três para se encontrar com a "Penny Lane". Pelo radar, ela passará por vocês em trinta minutos, temos que pensar em alguma coisa. Recebemos uma leitura de que há vazamento de oxingênio na "Penny Lane". Disse a Doutora Yoko que ainda aparentava um rosto sonolento.

_Entre em contato conosco o mais rápido possível.

_Nossos melhores homens em Terra estão trabalhando numa solução. Entraremos em contato assim que tivermos uma idéia!

O monitor ficou escuro, refletindo apenas o reflexo perplexo da Cap. Michelle.

_Que ótimo! A batata quente está em nossas mãos! Disse Michelle fazendo um gesto de concha com as mãos.

Os dois homens se olharam e deram de ombros. Eles não tinham a menor idéia de como resolver esse sério problema. Michelle flutuava de um lado para o outro dentro da cabine. Perguntou ao Sargento Peppers se adiantaria ir até lá fora e fazer sinal com alguma lanterna. A resposta foi negativa. O Módulo de Fuga "Help" que ficava preso ao casco da estacão não possuía sistema de navegação. As comunicações por rádio estavam cortadas. Apenas as visuais, mas as luzes que possuíam não eram suficiente para avisar ao "Penny Lane" onde eles estariam. Michelle supirou.

_Cap. Michelle, a senhora deve se acalmar, tome um pouco de água fresca. Disse o Doutor Robert. Era estranho um senhor inglês de quarenta e setes anos se dirigir para uma bela jovem francesa de vinte quatro anos por senhora. Ne certa seria pelo cargo.

_Não me chame de senhora Doutor! E eu não estou com sede, estou com...Espere aí!

_O que foi? Perguntou Peppers.

_Água! É isso!!! Walrus, onde está o Sol? Quando os raios nos alcançarão? Disse Michelle com um expressão de quem havia visto um fantasma.

_O Sol está a 20º acima do horizonte terrestre. Os raios solares ainda não atingiram nossa órbita por estarmos indo a favor da rotação terrestre com uma defasagem de 35%. Quando os raios atingirem a Estação LUCY, o Módulo "Penny Lane" já terá passado da órbita em 2 minutos e 13 segundos. Respondeu o computador.

_Ótimo!! Walrus, abra as válvulas dos tanques de água 2 e 3. Disse Michelle.

_Com todo o respeito Cap. Michelle, mas a senhora tem certeza dessa ordem? Qual o motivo dela? Perguntou o Sargento Peppers.

_Não me chame de senhora! Depois eu explico! Walrus, execute a ordem!

_Sim Cap. Michelle. Respondeu o computador enquanto abria as válvulas. A água saía dos tanques que mantinham toneladas de pressão em suas paredes com uma fúria enorme.

A pressão externa era praticamete zero, fazendo com que o conteúdo dos tanques fossem "sugados" pelo vácuo do espaço numa avalanche.

_Paul!! Veja isso!! Quê diabos é aquilo?? Apontou o piloto Starr para a pequena janela da cabine de controle da "Penny Lane".

_Parece uma nuvem!! Uma nuvem aqui no espaço??? Ela brilha, como se fosse feita de milhares de pequenas luzes!!

_O que foi? Perguntou o Engenheiro Lennon que entrava naquele momento na cabine.

_Veja!! É a coisa mais linda que já vi!! Parece uma nuvem de pequenos "diamantes", milhares deles!! Um pequeno arco-íris está sendo formado!! Disse o pequenino piloto.

Os três homens ficaram em silêncio por alguns segundos paralizados pela visão que tinham através da pequena janela da cabine. O Capitão Paul colocou as mãos à cabeça e gritou:

_Mande George parar como os reparos!! Já sei o que é aquilo!! Starr, vá em direção da nuvem!!

_Em direção na nuvem? Mas...

_Faça o que mandei!!

Alguns minutos, no meio da manta brilhante que se formara no espaço, o piloto pôde ver as luzes da Estação LUCY.

_Lá está!! Conseguimos!! Agora é só levar a "Penny Lane" com cuidado. Mas o que é essa coisa brilhante? Perguntou Starr.

_Você ainda não descobriu? Disse Lennon.

_Acho que não. Me diga logo!!

_Bem só pode ser uma coisa!! Paul teve um palpite de que aquilo fosse alguma coisa vinda da Estação Espacial LUCY. A Estação sabia que estávamos por perto, mas não sabiam onde exatamente.

_Você ainda não disse o que é essa Nebulosa Brilhante!!! Disse o pequeno piloto com cara de raiva.

_Calma!!! Como eu disse, sabíamos que a Estação LUCY estava por perto. De repente uma nuven de pequenos "diamantes" começa a brilhar numa órbita próxima a nossa. Note que o Sol está atrás da nuvem. Essa nuvem só pode ter vindo de LUCY. Ao vermos os "diamantes", saberíamos de onde eles viriam. É só pensar!! Os "diamantes" são feitos de cristais de ÁGUA!! Na certa o capitão da Estação mandou abrir as válvulas dos tanques, que possuem milhares de litros. Assim que a água escapa para o espaço, acontecem duas coisas: a água evapora e congela ao mesmo tempo!! Como a pressão no vácuo tende a zero, o ponto de ebulição da água é baixíssimo, fazendo-a evaporar instantaneamente; mas como a temperatura no espaço é de 3 Kelvins (-270º Celsius), quase zero absoluto, a água congela!! Mas como eu disse, ela evapora milésimos de segundo antes e, congelando, se transforma em cristais de gelo, que, iluminados pelos raios do Sol que estão logo atrás, brilham e decompõem a luz, como pequenos prismas, fazendo aquele espetáculo maravilhoso que vimos a pouco.

_Puxa!! Como sou burro!! Disse o piloto Starr.

_Não se preocupe com isso, você ainda tem que se preocupar em fazer a junção com LUCY. Disse o Engenheiro Lennon.

Depois, tudo ocorreu perfeitamente bem. O Módulo de Transporte "Penny Lane" se conectou perfeitamente com a Estação LUCY graças a perícia de Starr. As duas tripulações se abraçavam e comemoravam com muita água e música de um antigo grupo de rock inglês do século XX. Afinal quatro astronautas escaparam por pouco da morte iminente graças a genial idéia da Cap. Michelle em transformar a região ao redor da Estação Espacial numa espécie de prisma gigante, espalhando luzes coloridas pelo espaço. No meio da escuridão quase completa, era óbvio que a tripulação da "Penny Lane" avistaria "LUCY no Céu com Diamantes!!!"

Fonte:
http://galaxiabr.vilabol.uol.com.br/lucyintheskywithdiamonds.htm

Beatriz Francisca de Assis Brandão (1779 - 1868)

Vida

Beatriz Francisca de Assis Brandão nasceu na cidade de Vila Rica, então capital da província de Minas Gerais, atual Ouro Preto, a 29 de julho de 1779. Filha do sargento-mor Francisco Sanches Brandão e de Isabel Feliciana Narcisa de Seixas. Dedicou-se à poesia, à prosa e à tradução, assinando-se apenas com o prenome à guisa de pseudônimo, D. Beatriz, no período em que colaborava para a Marmota Fluminense.

Depois de publicar seus versos no Parnaso brasileiro, os reúne em volume sob o título de Cantos da mocidade, em 1856. A segunda obra publicada foi Carta de Leandro a Hero, e Carta de Hero a Leandro, também no Parnaso brasileiro. Em 28 abril de 1868, já bastante conhecida, mereceu um artigo, no Correio Mercantil, intitulado "Prima de Marília", onde se lê que "D. Beatriz era um ânimo varonil e uma inspirada poetisa."

D. Beatriz dedicou-se também ao ensino. Dirigiu em Vila Rica um educandário para meninas. E participou da nossa imprensa, tendo publicado no Guanabara e na Marmota Fluminense, de 1852 a 1857.

Faleceu no Rio de Janeiro a 5 de fevereiro de 1868.

É a patrona da cadeira n° 38 da Academia Mineira de Letras e pertenceu à Sociedade Promotora da Instituição Pública da Cidade de Ouro Preto.

Obra:

Poesias. In: BARBOSA, Januário da Cunha. Parnaso brasileiro ou collecção das melhores poesias dos poetas do Brasil, tanto inéditas, como já impressas. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1831. v. 2, cad. 5°, p. 27-38.

Carta de Leandro a Hero, traduzida do francês, e dedicada à Senhora D. Delfina Benigna da Cunha, e Carta de Hero a Leandro. In: BARBOSA, Januário da Cunha. Parnaso brasileiro ou collecção das melhores poesias dos poetas do Brasil, tanto inéditas, como já impressas. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1832. v. 2, cad. 7°, p. 7-28.

Cantos da mocidade. Rio de Janeiro: Emp. Typ. Dous de Dezembro,1856. v. 1.

Saudação à Ilma. e Exma. Sra. Dona Violante Atabalipa Ximenes de Bivar e Velasco. Poesia em versos hendecassílabos, que vem em um livro anunciado por B.X.P. de Sousa, em 1859.

Catão. Drama trágico pelo abade Pedro Metastásio, traduzido do italiano. Rio de Janeiro: Typ. B.X.P. de Sousa, 1860. É precedido de uma dedicatória em versos à princesa Dona Januária.

Lágrimas do Brasil. Poesia em versos hendecassílabos, no mausoléu levantado à memória da excelsa rainha de Portugal, dona Estefânia. Rio de Janeiro, 1860.

As comendas. Rio de Janeiro, s. d. Poesia.

Romances imitados de Gessner. Rio de Janeiro: Typ. B.X.P. de Sousa, s.d. Poesia. 32 p. Contém dois pequenos romances em versos: "O caçador" e "Lelia e Nerina".

Óperas traduzidas para o português: Alexandre na Índia, José no Egito, Sonho de Cipião, Angélica e Medoro, Semíramis reconhecida, Diana e Endimião.

Drama à coroação de D. Pedro I, posto em música, cantado no teatro. (Não foi impresso.)

Drama ao nascimento de D. Pedro II, posto em música, cantado no teatro. (Não foi impresso.)

Cantata aos anos da imperatriz D. Leopoldina.

Textos

Soneto

Estas, que o meu Amor vos oferece,
Não tardas produções de fraco engenho,
Amadas Nacionais, sirvam de empenho
A talentos, que o vulgo desconhece.

Um exemplo talvez vos aparece
Em que brilheis nos traços, que desenho:
De excessivo louvor glória não tenho,
E se algum merecer de vós comece.

Raros dotes talvez vivem ocultos,
Que o receio de expor faz ignorados;
Sirvam de guia meus humildes cultos.

Mandei ao Pindo os vôos elevados,
E tantos sejam vossos versos cultos,
Que os meus nas trevas fiquem sepultados.

Soneto

Voa, suspiro meu, vai diligente,
Busca os Lares ditosos onde mora
O terno objeto, que minha alma adora,
Por quem tanta aflição meu peito sente.

Ao meu bem te avizinha docemente;
Não perturbes seu sono: nesta hora,
Em que a Amante fiel saudosa chora,
Durma talvez pacífico e contente.

Com os ares, que respira, te mistura;
Seu coração penetra; nele inspira
Sonhos de amor, imagens de ternura.

Apresenta-lhe a Amante, que delira;
Em seu cândido peito amor procura;
Vê se também por mim terno suspira.

Soneto

Meu coração palpita acelerado,
Exulta de prazer, de amor delira,
Novo alento meu peito já respira,
É mil vezes feliz o meu cuidado.

O meu Tirce de mim vive lembrado,
Saudoso, como eu, por mim suspira;
Que seleto prazer a esta alma inspira
A amorosa expressão do bem amado!

Doce prenda dos meus ternos amores,
Amada, suavíssima escritura,
Que em meu peito desterras vãos temores;

Em ígneos caracteres na alma pura
Grava, Amor, com os farpões abrasadores
Estes doces penhores da ternura.

Soneto

Que tens, meu coração? Porque ansioso
Te sinto palpitar continuamente?
Ora te abrasas em desejo ardente,
Outra hora gelas triste e duvidoso?

Uma vez te abalanças valeroso
A suportar da ausência o mal veemente;
Mas logo esmorecido, descontente,
Abandonas o passo perigoso?

Meu terno coração, ela, resiste,
Não desmaies, não tremas; pode um dia
Inda o Fado mudar o tempo triste.

Suporta da saudade a tirania,
Que ainda verás feliz, como já viste,
Raiar a linda face da alegria.

Fontes:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/beatriz_vida.html
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/beatriz_obra.html
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/beatriz_textos.html

Literatura Feminina (Virginia Woolf)


Fonte:
http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/

Ludwig Tieck (Conto de Fadas: O Loiro Eckbert)

Tradução de Karin Volobuef

Em uma região da Hercínia morava um cavaleiro que comumente era chamado apenas de O Loiro Eckbert. Ele contava cerca de quarenta anos, mal alcançava estatura mediana, e seus cabelos louros claros caíam curtos e lisos bem rente ao semblante pálido e descarnado. Levava uma vida pacata e reservada, e jamais se envolvia nas contendas de seus vizinhos, além disso, só muito raramente era visto fora dos muros de circunvalação de seu pequeno castelo. Sua esposa apreciava igualmente a solidão, e ambos pareciam amar-se do fundo de seus corações, sendo usual queixarem-se apenas do fato de que o céu se recusava a abençoar seu casamento com filhos.

Só raramente Eckbert recebia visitas de hóspedes, e quando isso acontecia, quase nada era alterado por causa deles no modo de vida habitual, a temperança residia ali e a parcimônia em pessoa parecia ordenar tudo. Nessas ocasiões, Eckbert ficava jovial e de bom humor, apenas quando ficava sozinho é que se percebia nele um certo ar taciturno, uma melancolia silenciosa e retraída.

Ninguém vinha ao burgo tão amiúde como Philipp Walther, um homem a quem Eckbert se havia associado por encontrar nele uma forma de pensar muito semelhante à sua própria . Sua morada propriamente dita ficava na Francônia, mas com freqüência ele permanecia mais da metade do ano nas cercanias do burgo de Eckbert coletando ervas e seixos e ocupando-se em colocá-los em ordem, vivia de uma pequena fortuna e por isso não dependia de ninguém. Eckbert muitas vezes acompanhava-o em seus passeios solitários, e de ano a ano os dois ficavam unidos por uma amizade mais estreita.

Há momentos em que a pessoa é tomada de angústia se tiver que manter um segredo que até então vinha ocultando de seu amigo com grande desvelo; nessa hora, a alma sente um impulso irresistível de compartilhar tudo, de descerrar frente ao amigo inclusive as coisas mais íntimas, a fim de tornar essa amizade tanto mais sólida. Nessas ocasiões as almas se revelam uma à outra em sua fragilidade, e de vez em quando também pode suceder-se de uma retroceder assustada diante da amizade da outra.

Já era outono quando numa noite nebulosa Eckbert se achava sentado com seu amigo e sua esposa Bertha junto ao fogo de uma lareira. As chamas lançavam um vivo clarão através do aposento e brincavam no teto; a noite espreitava lúgubre pelas janelas adentro, e as árvores lá fora estremeciam com a fria umidade. Walther queixou-se do longo caminho de retorno que teria de percorrer, e Eckbert sugeriu-lhe que pernoitasse ali, passando parte da noite com uma conversa descontraída e depois indo ainda dormir até o amanhecer em um dos aposentos da casa. Walther aceitou a proposta, e então foram trazidos o vinho e a ceia, o fogo foi realimentado com madeira e a conversa entre os amigos foi ficando cada vez mais alegre e espontânea.

Depois de os pratos terem sido retirados e os servos se afastado, Eckbert tomou a mão de Walther e disse: "Meu amigo, vós deveríeis aproveitar a ocasião e ouvir de minha esposa a história de sua infância, que é bastante incomum." - "Com prazer", disse Walther, e sentaram-se novamente junto à lareira.

Era então justamente meia-noite, a Lua espreitava em intervalos por entre as nuvens que passavam esvoaçantes. "Espero que vós não haveis de me considerar importuna", começou Bertha, "meu esposo diz que tendes uma maneira de pensar tão nobre que seria errado ocultar-vos alguma coisa. Peço-vos porém que, por mais inusitada que minha narrativa possa parecer, não a tomeis por um conto de fadas.

Nasci em uma aldeia, meu pai era um pobre pastor. As condições de meus pais não eram das melhores, muitas vezes eles não sabiam de onde poderiam tirar o pão. Mas o que eu lastimava bem mais era que meu pai e minha mãe amiúde se altercavam por causa de sua pobreza e então um fazia amargas censuras ao outro. Além disso, constantemente diziam que eu era uma criança tola e estúpida, incapaz de realizar até as tarefas mais insignificantes, e, de fato, eu era por demais inepta e desajeitada, sempre deixava cair as coisas , não aprendia nem a costurar nem a fiar, não conseguia ajudar em nenhum serviço doméstico, somente a penúria de meus pais, isso eu compreendia muito bem. Com freqüência ficava então sentada num canto com a cabeça cheia de fantasias sobre como haveria de ajudá-los se de um momento para outro me tornasse rica, e como haveria de acumulá-los de ouro e prata e me deliciar com seu assombro; aí via espíritos elevando-se pelos ares e me indicando tesouros enterrados ou dando-me pequenos seixos que se transformavam em pedras preciosas, enfim, ocupava-me das mais mirabolantes fantasias e, quando depois disso tinha que me levantar para ajudar em algo ou carregar alguma coisa, mostrava-me ainda bem mais desajeitada porque minha cabeça estava zonza com todos aqueles sonhos quiméricos.

Meu pai sempre ficava muito zangado comigo por eu ser assim um fardo totalmente inútil para eles; por isso, tratava-me muitas vezes de modo bastante cruel, e era raro receber dele uma palavra gentil. Assim eu alcancei algo em torno dos oito anos de idade e nessa época foram tomadas medidas sérias para que eu fizesse ou aprendesse alguma coisa. Meu pai considerava que tudo não passava de capricho ou indolência de minha parte a fim de passar meus dias em ociosidade; resumindo: ele começou a me perseguir com veementes ameaças, quando porém elas não trouxeram nenhum fruto, surrou-me da maneira mais atroz dizendo que essa punição seria repetida todos os dias uma vez que eu não passava de uma criatura inútil.

Durante toda aquela noite chorei amargamente, sentia-me abandonada ao extremo, sentia tamanha pena de mim mesma que desejava morrer. Temia o alvorecer do dia, estava totalmente desnorteada e sem saber o que fazer; desejava possuir todas as habilidades imagináveis, e não conseguia entender por que era menos capaz do que as outras crianças que conhecia. Estava à beira do desespero.

Quando despontou o dia, levantei-me e, quase sem que o soubesse, abri a porta de nossa pequena cabana. Encontrei-me no campo aberto, pouco depois estava numa floresta em que ainda mal chegava a luz do dia. Fui correndo sem parar e nunca olhava para trás, não sentia qualquer cansaço, pois continuava acreditando que meu pai ainda poderia me alcançar e, irritado pela minha fuga, tratar-me-ia com crueldade redobrada.

Quando alcancei o fim da floresta o Sol já estava bastante alto; percebi nesse momento que havia à minha frente algo escuro e encoberto por uma densa névoa. Ora tive que escalar colinas, ora seguir por um caminho que serpenteava por entre rochedos, e eu presumi então que devia estar na serra circunvizinha, e comecei a sentir-me apavorada naquela solidão. Pois lá na planície nunca vira nenhuma montanha, e quando ouvira alguém mencionando serras, a própria palavra já soara assustadora aos meus ouvidos infantis. Não tive coragem de retornar, foi meu medo justamente o que me impeliu adiante; muitas vezes olhava sobressaltada para trás quando o vento passava sobre minha cabeça e se infiltrava pelas árvores ou quando uma machadada longínqua ressoava através da manhã silenciosa . Por fim, ao deparar-me com carvoeiros e mineiros e ouvir uma pronúncia estranha, por pouco não caí desmaiada de horror.

Perdoai minha prolixidade; sempre que falo dessa história, involuntariamente torno-me loquaz, e Eckbert, a única pessoa a quem a narrei, sempre prestou tamanha atenção que me deixou mal-acostumada.

Atravessei diversas aldeias e pedi esmolas, pois agora sentia fome e sede; conseguia arranjar-me razoavelmente com as respostas quando alguém perguntava algo. Já avançara assim por uns quatro dias, quando fui dar em uma pequena vereda que foi me levando cada vez mais para longe da estrada principal. Os rochedos à minha volta começaram nesse ponto a apresentar uma forma diferente, bem mais estranha. Eram penhascos empilhados uns sobre os outros, que davam a impressão de que o primeiro sopro de vento os faria despencar para todos os lados. Fiquei em dúvida se deveria prosseguir. Durante as noites sempre havia dormido na floresta, pois estávamos justamente na estação mais amena do ano, ou então em cabanas de pastores isoladas; mas ali não encontrava nenhuma moradia humana nem podia ter a expectativa de deparar-me com uma nesse descampado; os rochedos foram tornando-se cada vez mais tenebrosos, obrigando-me diversas vezes a passar bem próximo a abismos vertiginosos, e, por fim, até mesmo a trilha sob os meus pés desapareceu . Fiquei absolutamente desconsolada, chorei e gritei, e o eco de minha voz respondeu nos vales rochosos de uma maneira aterrorizante. Então caiu a noite e escolhi um canto coberto de musgo para nele repousar. Não pude dormir; durante a noite ouvi os ruídos mais estranhos, que ora tomava por animais selvagens, ora pelo vento gemendo entre as rochas, ora por pássaros inusitados. Rezei e adormeci só muito tarde, pouco antes de amanhecer.

Acordei com a luz do dia batendo em minha face. À minha frente havia um rochedo íngreme; escalei-o na esperança de poder descobrir lá de cima uma saída desse descampado e eventualmente divisar casas ou pessoas. Mas quando alcancei o cimo, tudo ao meu redor, tão longe quanto a vista alcançava, era igual ao lugar em que me encontrava, tudo estava submerso em uma neblina perfumada, o dia estava cinzento e lúgubre, e meus olhos não conseguiam distinguir nenhuma árvore, nenhum prado, nenhum arbusto sequer, exceto umas poucas ramas dispersas que haviam crescido, solitárias e tristonhas, de algumas fendas estreitas nas rochas. Não é possível descrever a saudade que eu sentia de avistar ao menos um único ser humano, ainda que ele fosse dos mais estranhos e me inspirasse temor. A fome mortificava-me enquanto isso, sentei-me e decidi-me a morrer. Algum tempo depois, porém, a vontade de viver saiu vitoriosa, reuni minhas forças e caminhei o dia inteiro sob lágrimas, sob suspiros intermitentes; por fim já mal tinha consciência de mim, estava com sono e esgotada, já mal tinha o desejo de viver e, ainda assim, receava a morte.

Perto do anoitecer a região à minha volta pareceu tornar-se um pouco mais aprazível , minhas idéias e minha vontade reavivaram-se, o desejo de viver despertou em todas as minhas veias. Julguei então ouvir ao longe o zunir de um moinho, acelerei meus passos e quão bem, quão leve me senti quando realmente acabei por alcançar os limites do deserto de rochedos, e mais uma vez estendiam-se à minha frente bosques e prados com longínquas e suaves montanhas. Era como se tivesse saído do inferno e entrado no paraíso, a solidão e meu estado de desamparo nesse momento já não pareciam mais assustadoras.

Em lugar do esperado moinho fui dar numa cachoeira, o que por certo reduziu bastante minha alegria; estava colhendo com a mão um gole de água do regato quando de súbito tive a impressão de ouvir a alguma distância o som abafado de alguém tossindo. Nunca fora tão agradavelmente surpreendida como nesse momento, caminhei naquela direção e, na orla da floresta, divisei uma anciã que parecia estar descansando. Estava trajada quase totalmente de preto, uma mantilha negra cobria sua cabeça e boa parte de seu rosto, na mão segurava uma bengala.

Aproximei-me dela e pedi sua ajuda, a anciã convidou-me a sentar ao seu lado e deu-me pão e um pouco de vinho. Enquanto eu comia, entoou com voz esganiçada uma canção religiosa. Quando terminou, disse-me para acompanhá-la.

Essa oferta me alegrou muitíssimo, não obstante a voz e o aspecto da anciã me parecerem bizarros. Ela andava com bastante agilidade apoiada em sua bengala, e fazia caretas a cada passo que dava, o que no início me fazia rir. Os rochedos desabitados foram ficando cada vez mais para trás, atravessamos uma suave campina e depois um bosque bastante extenso . Quando chegamos ao fim dele o Sol estava justamente se pondo, e jamais me esquecerei da imagem e da sensação desse entardecer. Tudo se fundia nos mais delicados tons rubros e dourados, as árvores erguiam seus picos no arrebol, e pelos campos derramava-se um clarão encantador; as matas e as folhas das árvores estavam imóveis, o céu límpido parecia um paraíso de portas abertas, e o murmúrio das fontes e o ocasional zunir das árvores atravessavam aquela risonha calmaria num tom de jubilosa melancolia. Minha alma juvenil alcançou então, pela primeira vez, uma idéia do que era o mundo e suas particularidades. Esqueci-me de mim e de minha guia, meu espírito e meus olhos apenas voavam entusiasmados por entre as nuvens douradas.

Subimos então numa colina recoberta de bétulas, do alto via-se um pequeno vale repleto de bétulas, lá embaixo no meio das árvores havia uma casinha. Um alegre latido soou em nossa direção e em pouco um ágil cãozinho pulou na anciã abanando a cauda; depois ele veio ter comigo, olhou-me de todos os lados e em seguida retornou para junto da anciã com trejeitos amáveis.

Quando descíamos pelo morro ouvi um cântico singular que parecia vir da cabana, como se fosse de um pássaro; o canto era assim:

Doce solidão
Do bosque, que alegria
Dia após dia
E pelos tempos que virão
Oh, como me delicia
Doce solidão.

Estas poucas palavras eram incessantemente repetidas; esse canto, se tivesse que descrevê-lo, era quase como o som distante de uma charamela e uma trompa de caça tocando juntas.

Minha curiosidade estava aguçada ao extremo; sem esperar pelo convite da anciã entrei com ela na cabana. O crepúsculo já caíra, tudo estava bem arrumado, havia algumas canecas num armário na parede, vasos misteriosos sobre uma mesa, junto à janela estava pendurado um pássaro em uma pequena e reluzente gaiola, e era ele de fato quem entoava aquelas palavras. - A anciã arfava e tossia, parecia que não conseguia mais se restabelecer, ora afagava o cãozinho, ora falava com o pássaro, que apenas lhe respondia com sua canção habitual; na verdade, ela agia como se eu nem estivesse presente. Enquanto fiquei assim a observá-la, diversas vezes senti um frio na espinha, pois seu rosto estava em um movimento constante e distorcido, ao mesmo tempo em que a cabeça balançava como se fosse de velhice de modo que se tornava impossível discernir realmente as feições dela.

Quando havia se restabelecido, ela acendeu uma luz, pôs uma mesa diminuta e serviu a ceia. Então virou-se para mim e disse-me para sentar numa das cadeiras de vime trançado. Dessa forma fiquei sentada bem em frente dela e a luz estava entre nós. Juntou suas mãos ossudas e rezou em voz alta continuando a fazer caretas, de modo que eu quase teria rido novamente; mas tomei o cuidado de controlar-me para que ela não se zangasse comigo.

Depois da ceia, rezou outra vez, e em seguida ofereceu-me um leito numa câmara muito pequena; ela dormiu na sala. Não permaneci desperta por muito tempo, estava meio atordoada, mas durante a noite despertei algumas vezes e então ouvia a anciã tossindo e falando com o cão enquanto o pássaro, que parecia estar sonhando, cantava somente palavras isoladas de sua canção. Esses sons, em conjunto com as bétulas que murmuravam bem em frente à janela e o canto de um rouxinol distante, formavam uma combinação tão fantástica que eu ficava com a impressão, não de ter despertado, mas de estar apenas caindo em um outro sonho ainda mais estranho.

De manhã a anciã me acordou e pouco depois impeliu-me para o trabalho, minha tarefa era fiar, e desta vez aprendi a fazê-lo sem dificuldade, além do mais também tinha que cuidar do cão e do pássaro. Rapidamente acostumei-me à lida doméstica, e todos os objetos ao redor se tornaram conhecidos; tive então a impressão de que tudo era como deveria ser, já não pensava que a anciã tinha algo de bizarro, que a localização da casa era extravagante, e que havia algo de extraordinário no pássaro. Mas sua beleza nunca deixou de chamar minha atenção, pois suas penas reluziam em todas as cores possíveis, o mais formoso azul claro alternava-se em seu pescoço e corpo com o vermelho mais vivo , e quando cantava enfatuava-se de orgulho fazendo com que suas penas parecessem ainda mais soberbas.

Muitas vezes a anciã ausentava-se e retornava apenas ao anoitecer, então eu ia ao seu encontro com o cão e ela me chamava de minha menina e filha. Com o tempo fui me afeiçoando bastante a ela, pois que nos acostumamos a tudo, especialmente quando crianças. À noite ela ensinou-me a ler, logo assimilei a lição, e depois disso a leitura na minha solidão tornou-se uma fonte infinita de prazer, já que a anciã possuía alguns livros antigos escritos à mão que continham histórias mirabolantes.

Até hoje a lembrança de como vivi naquela época continua parecendo-me estranha: sem receber a visita de nenhuma criatura humana, adaptada somente a esse círculo familiar tão diminuto, pois o cão e o pássaro davam-me a mesma impressão que normalmente só pessoas há muito conhecidas nos causam. Nunca mais pude recordar o curioso nome do cão, embora o tivesse chamado tantas vezes naquele tempo.

Já vivia assim com a anciã há quatro anos e devia estar com uns doze anos, quando finalmente ela depositou maior confiança em mim e me revelou um segredo: todos os dias o pássaro botava um ovo no qual se achava uma pérola ou uma pedra preciosa. Já havia muito, eu percebera que ela mexia às escondidas na gaiola, mas nunca me preocupara com isso. Por ora ela incumbiu-me da tarefa de recolher esses ovos durante as suas ausências e guardá-los cuidadosamente nos vasos misteriosos. Daí por diante ela deixava alimentos para mim e passou a ausentar-se por períodos mais longos, semanas, meses; minha pequena roca chiava, o cão latia, o pássaro mágico cantava enquanto a região na circunvizinhança se mantinha tão serena que não me recordo de ter havido durante todo esse tempo qualquer vendaval, qualquer tempestade. Nunca ninguém perdeu o caminho e foi dar ali, nenhum animal selvagem aproximava-se de nossa morada, eu estava satisfeita e cantava, e meu trabalho fazia os dias se sucederem. - O ser humano talvez fosse bastante feliz se lhe fosse possível manter até o fim uma vida tão tranqüila.

A partir das poucas coisas que lia, ia formando uma idéia bastante fabulosa do mundo e das pessoas; tudo assemelhava-se a mim e a meus companheiros: quando eram mencionadas pessoas alegres, eu não conseguia imaginá-las de outro modo a não ser como o pequeno lulu, damas faustosas sempre tinham a aparência do pássaro, todas as mulheres idosas, a da minha anciã bizarra. - Também li um pouco sobre o amor, e então fabricava na minha imaginação histórias fantasiosas envolvendo a mim mesma. Imaginava o cavaleiro mais belo do mundo, dotava-o de todas as qualidades, embora realmente não soubesse, após todos esses esforços, qual era a aparência dele; mesmo assim, sentia uma grande pena de mim mesma quando ele não correspondia ao meu amor e nesses momentos elaborava em pensamento, ou por vezes também em voz alta, longos e tocantes discursos a fim de conquistá-lo. - Vós estais sorrindo! Deveras, nós todos agora já passamos por esse tempo de juventude.

Nessa época preferia mesmo ficar só, pois então era eu própria quem mandava na casa. O cão amava-me muito e fazia tudo o que eu queria; o pássaro respondia a todas as minhas perguntas com seu cântico; minha pequena roca sempre girava com vivacidade, e assim, no fundo, nunca fui tomada pelo desejo de mudanças. Quando a ancião retornava de suas longas jornadas, elogiava minha dedicação, ela dizia que, desde a minha chegada, a casa estava muito melhor cuidada, ela ficava contente com meu crescimento e minha aparência sadia, enfim, tratava-me como a uma filha.

‘Tu és valorosa, minha menina!’ disse-me ela certa vez num som estridente; ‘se continuares assim, sempre haverás de passar bem; por outro lado, sair do bom caminho nunca traz bons frutos, o castigo é infalível e nunca é tarde demais para ele.’ - Quando ela assim falou, não lhe dei muita atenção, pois era muito vivaz em minha maneira de ser; mas à noite lembrei-me de suas palavras e não consegui compreender o que ela quisera dizer com aquilo. Refleti com cuidado sobre cada palavra, decerto eu havia lido sobre riquezas e, por fim, veio-me a idéia de que suas pérolas e pedras preciosas provavelmente fossem valiosas. Dentro em breve essa idéia acabaria adquirindo contornos ainda mais definidos. Mas o que ela queria dizer com o bom caminho? Ainda não conseguia captar perfeitamente o sentido de suas palavras.

Completei quatorze anos, e é uma desventura para o ser humano o fato de alcançar a razão e, em troca, infalivelmente perder a inocência de sua alma. Eis que eu compreendi claramente que, se assim o quisesse, poderia apoderar-me do pássaro e das jóias quando a anciã estivesse longe e partir com eles em busca do mundo sobre o qual havia lido. Aí talvez até pudesse encontrar o formosíssimo cavaleiro de quem ainda não me esquecera.

No princípio essa era uma idéia como qualquer outra, mas enquanto estava sentada junto à roda de fiar, esse pensamento sempre ficava retornando contra a minha vontade, e acabei deixando-me levar por ele de tal modo que já me via magnificamente adornada e cercada de cavaleiros e príncipes. Nas ocasiões em que me deixava levar assim, tornava-me bastante tristonha quando novamente levantava os olhos e percebia estar na pequena cabana. Aliás, desde que fizesse minhas tarefas, a anciã não me dava maior atenção.

Certo dia minha senhoria partiu novamente, dizendo-me que dessa vez haveria de ficar longe por mais tempo do que de costume, ela exortou-me a cuidar muito bem de tudo e a não me entregar ao tédio. Despedi-me dela com certa aflição, pois tinha a sensação de que não tornaria a vê-la. Segui-a com os olhos por um longo tempo, embora eu mesma não soubesse por que estava tão assustada; era quase como se meu intento já estivesse decidido sem que tivesse plena consciência disso.

Nunca cuidei do cão e do pássaro com tamanha solicitude; meu afeto por eles era maior do que antes. A anciã já estava ausente havia alguns dias quando acordei com o firme propósito de abandonar a cabana com o pássaro e de sair em busca do assim chamado mundo. Meu coração estava apertado e cheio de angústia, desejei novamente continuar ali, e não obstante essa idéia também me era repugnante; uma estranha batalha travou-se em minha alma, como se houvesse em mim dois espíritos rebeldes em combate. Ora a plácida solidão parecia-me tão encantadora, ora entusiasmava-me outra vez com a idéia de um mundo novo com toda a sua maravilhosa diversidade.

Não sabia que decisão tomar, o cão não parava de pular carinhosamente em mim, os raios do Sol derramaram-se com alegria pelos campos, as verdes bétulas reluziam: tive a sensação de ter algo muito urgente a fazer, por conseguinte segurei o cãozinho, amarrei-o dentro da sala e tomei sob o braço a gaiola com o pássaro. O cão vergou-se e choramingou por causa desse tratamento inusitado, lançou-me um olhar suplicante, mas eu tinha receio de levá-lo comigo. Em seguida tomei um dos vasos repletos de pedras preciosas e coloquei-o entre as minhas coisas, os demais deixei onde estavam.

O pássaro revirou a cabeça de um modo bizarro quando passei com ele pela porta; o cão esforçou-se muito em acompanhar-me, mas teve que ficar para trás.

Evitando o caminho que levava aos rochedos agrestes, parti em direção oposta. O cão latia e choramingava sem parar, e eu fiquei profundamente comovida; o pássaro dispôs-se algumas vezes a cantar, mas, como estava sendo carregado, isso devia ser-lhe incômodo.

Enquanto prosseguia caminhando, os latidos foram soando cada vez mais fracos e, por fim, acabaram de vez. Chorei e estive prestes a tomar o caminho de volta, mas o anseio de ver algo novo impeliu-me adiante.

Já passara montanhas e alguns arvoredos quando caiu a noite e fui forçada a procurar albergue numa aldeia. Eu estava muito desajeitada quando entrei na taverna, deram-me um aposento e um leito, dormi bastante tranqüilamente apesar de sonhar com a anciã, que me ameaçava.

Minha viagem transcorreu de forma bastante uniforme, mas quanto mais avançava mais ia ficando atemorizada com a imagem da anciã e do cãozinho; eu ficava pensando que, sem meu auxílio, ele provavelmente morreria de fome; quando atravessava alguma floresta, tinha a impressão de que a anciã de repente apareceria à minha frente. Dessa forma, era sob lágrimas e suspiros que continuava meu caminho; em todas as ocasiões em que parava para descansar e depositava a gaiola no chão, o pássaro entoava sua canção fantástica e com isso fazia-me recordar de forma muito nítida daquelas belas paragens que abandonara. Como a natureza humana tende ao esquecimento, acreditava então que minha viagem anterior durante a infância não tivesse sido tão tristonha como a atual; desejei estar novamente naquela situação de outrora.

Eu tinha vendido algumas pedras preciosas e, depois de uma jornada de vários dias, cheguei a uma aldeia. Já na chegada tive uma sensação estranha, assustei-me e não sabia com o quê; mas logo entendi os meus sentimentos, pois era a mesma aldeia em que havia nascido. Como fiquei admirada! Minha alegria, motivada por mil lembranças curiosas, foi tamanha que as lágrimas correram pelas faces! Muitas coisas estavam diferentes, haviam surgido casas novas, outras, que naquela época tinham acabado de ser erigidas, agora estavam em estado decadente, também avistei construções que sofreram incêndios; tudo era bem mais diminuto e apertado do que eu esperava. Senti uma alegria infinita pela expectativa de rever meus pais depois de tantos anos; encontrei a casinha, a soleira tão familiar, a maçaneta ainda era exatamente como outrora, foi como se tivesse sido apenas ontem que a fechei; meu coração bateu com violência, abri com um gesto brusco - mas na sala havia semblantes totalmente estranhos que me encaravam. Indaguei pelo pastor Martin e disseram-me que já havia morrido há três anos com sua esposa. - Rapidamente recuei e, em prantos, abandonei a aldeia.

Eu havia imaginado que seria tão bonito surpreender meus pais com minha riqueza inesperada; aquilo com que na infância eu apenas tinha podido sonhar havia-se tornado realidade devido a um acaso dos mais extraordinários - e agora tudo foi em vão, eu não podia dar essa alegria a eles, e aquilo pelo que sempre mais ansiara na vida estava perdido para mim para sempre.

Em uma cidade agradável aluguei uma casinha com jardim e tomei os serviços de uma criada que veio morar comigo. O mundo não era tão maravilhoso como havia suposto, mas comecei a pensar um pouco menos na anciã e em minha antiga moradia e, de modo geral, vivia bastante satisfeita.

O pássaro já não cantava fazia bastante tempo; por isso, não foi pequeno o meu susto quando certa noite recomeçou e, dessa vez, com uma canção modificada. Ele cantou:

Doce solidão
Do bosque, longe de minha visão.
Remorso principia -
Nos dias que serão!
Oh, única alegria,
Doce solidão.

Durante toda aquela noite não pude dormir, tudo voltou-me à memória e, mais do que nunca, senti que causara uma injúria. No dia seguinte a visão do pássaro era-me por demais odiosa, ele ficava olhando para mim, e sua presença causava-me temor. Passou a entoar sua canção ininterruptamente e com voz mais alta e sonora do que antes fora seu costume. Quanto mais o observava, maior era o meu pavor; por fim, abri a gaiola, enfiei minha mão nela e peguei seu pescoço, apertei os dedos com força, ele lançou-me um olhar suplicante, soltei-o, mas já estava morto. - Enterrei-o no jardim.

A partir de então comecei a ficar inquieta por causa de minha criada, pensei no que eu mesma fizera e imaginava que também ela algum dia poderia me roubar ou até mesmo assassinar. - Já há algum tempo conhecia um jovem cavaleiro que me agradava sobremaneira, dei-lhe minha mão - e, com isso, senhor Walther, minha história chegou ao fim."

"Vós devíeis tê-la visto naquela época", interrompeu Eckbert com sofreguidão - "sua juventude, sua formosura e que encanto incompreensível lhe fora conferida através de sua educação solitária. Ela deu-me a impressão de um milagre e eu lhe dediquei um amor além de todas as medidas. Eu não tinha posses, mas o amor dela permitiu-me chegar a esse bem-estar; viemos residir aqui e, até hoje, nem por um momento nos arrependemos de nossa união."

"Mas de tanto eu falar", recomeçou Bertha, "a noite já vai bem adiantada - vamos nos recolher para dormir!"

Levantou-se e foi ao seu aposento. Walther desejou-lhe boa noite com um beijo na mão, e disse: "Nobre senhora, agradeço-vos, posso imaginar-vos muito bem com o estranho pássaro e cuidando do pequeno Strohmian."

Também Walther recolheu-se, somente Eckbert continuou na sala, andando inquieto de um lado para outro. - "O ser humano é realmente um tolo!", desatou ele a falar; "Primeiro, dou ensejo para que minha mulher narre sua história, e agora arrependo-me desse gesto de confiança! - Não irá ele trair minha amizade? Não irá contar a outros o que ouviu? Não poderá, já que assim é a natureza humana, criar uma desditosa cobiça pelas nossas pedras preciosas e por isso imaginar planos e se dissimular?"

Ocorreu-lhe que Walther não se despedira dele tão cordialmente como seria natural após uma confidência daquelas. Uma vez que a alma foi tomada de desconfiança, acaba também encontrando em cada detalhe uma confirmação. Também havia momentos em que Eckbert se repreendia por nutrir uma suspeita tão vil contra seu bom amigo e, mesmo assim, não conseguia evitar de senti-la novamente. Durante a noite inteira debateu-se com esses pensamentos e dormiu bem pouco.

Bertha estava doente e não pôde comparecer para o café da manhã; Walther parecia não se preocupar muito com isso e inclusive despediu-se do cavaleiro com bastante indiferença. Eckbert não conseguia entender seu comportamento; foi ver sua esposa, que ardia em febre, e disse-lhe que ela devia estar extenuada por causa da narrativa da noite.

Desde aquela noite, as visitas de Walther ao burgo de seu amigo tornaram-se raras, e, nas poucas ocasiões em que ele vinha, partia logo depois de algumas palavras insignificantes. Esse comportamento mortificava Eckbert ao extremo, muito embora não demonstrasse nada para Bertha e Walther, mas ambos deviam estar percebendo nele sua agitação interior.

A doença de Bertha tornava-se cada vez mais preocupante; o médico meneava a cabeça em sinal negativo; o rosado das faces dela desaparecera e seus olhos iam ficando cada vez mais febris. - Certa manhã, mandou que chamassem seu esposo para junto de seu leito, as servas tiveram que se retirar.

"Amado esposo", começou, "preciso revelar-te algo que quase custou meu juízo e arruinou minha saúde, ainda que possa parecer em si um detalhe insignificante. - Tu deves lembrar-te que sempre que narrava minha história eu não conseguia recordar, a despeito de todo esforço que fizesse, o nome do cãozinho com o qual convivi por tanto tempo. - Naquela noite, quando Walther se despedia de mim, ele disse de repente: ‘Posso imaginar-vos muito bem cuidando do pequeno Strohmian.’ Será coincidência? Terá adivinhado o nome, ou terá feito a menção com algum propósito? E, nesse caso, que ligação haverá entre esse homem e meu destino? - Por vezes digo a mim mesma que essa coincidência não passa de simples fruto de minha imaginação, mas isso é real, absolutamente real . Um pavor colossal apossou-se de mim no momento em que uma pessoa estranha auxiliou-me dessa forma com minhas recordações. O que dizes, Eckbert?"

Eckbert contemplou sua esposa doente com profundo pesar; permaneceu em silêncio, pensativo, em seguida disse-lhe algumas palavras de consolo e deixou-a. Em um aposento afastado, ia de um lado a outro numa agitação indescritível. Há muitos anos Walther vinha sendo o único a freqüentar sua casa, e não obstante era a única pessoa no mundo cuja existência o oprimia e atormentava. Tinha a impressão de que haveria de se sentir aliviado e feliz se essa única criatura pudesse ser afastada de seu caminho. - Tomou sua besta a fim de distrair-se e caçar.

Era um dia de inverno, sombrio e tempestuoso, e vasta camada de neve cobria as montanhas e vergava os ramos das árvores até o chão. Vagueou sem um destino certo, o suor cobria-lhe a testa, não encontrava nenhum animal selvagem e isso aumentava seu azedume. De súbito viu algo movendo-se à distância, era Walther coletando musgo das árvores; sem saber o que fazia, apontou a arma, Walther volveu-se, fez um gesto mudo de ameaça, mas nesse instante o dardo partiu e Walther tombou.

Eckbert sentiu-se aliviado e tranqüilo, contudo, um calafrio incitou-o a retornar a seu burgo; tinha um longo caminho pela frente, pois percorrera uma grande distância a esmo pelas florestas adentro. - Quando chegou, Bertha já havia falecido; antes de morrer ela ainda falara muito sobre Walther e a anciã.

Eckbert viveu então por longo período em profunda solidão; noutros tempos já costumava ser um pouco tristonho pois a estranha história de sua esposa o inquietava, sempre temera que algum incidente funesto pudesse ocorrer; mas agora seu estado era de total desmoronamento interior. O assassinato de seu amigo pairava-lhe sem trégua diante dos olhos, ele vivia censurando-se interiormente.

Em busca de distração, às vezes dirigia-se até a cidade grande mais próxima onde comparecia a festas e reuniões sociais. Ansiava por algum amigo que preenchesse o vazio em sua alma, mas bastava recordar-se de Walther e a palavra amigo o deixava em sobressalto ; convencera-se de que inevitavelmente haveria de sofrer desventuras com quem quer que fosse seu amigo. Vivera por tanto tempo com Bertha em doce serenidade, a amizade de Walther por tantos anos trouxera-lhe contentamento, e agora ambos tinham sido ceifados de modo tão brusco que em alguns momentos sua vida mais lhe parecia um fabuloso conto de fadas do que uma existência real.

Um jovem cavaleiro, Hugo von Wolfsberg, procurou a companhia do calado e taciturno Eckbert e parecia sentir uma inclinação sincera por ele. Eckbert sentiu-se maravilhosamente surpreso, correspondeu à amizade do cavaleiro tanto mais rapidamente quanto menos havia contado com ela. Os dois passaram a ficar juntos com freqüência, o desconhecido realizava toda sorte de obséquios para Eckbert, um já quase não saía mais a cavalo sem o outro, em todas as reuniões sociais eles se encontravam, enfim, os dois pareciam inseparáveis.

A alegria de Eckbert costumava durar apenas por curtos momentos, pois ele tinha a nítida sensação de que a afeição de Hugo se devia tão somente a um engano: ele não o conhecia, não sabia sua história, e mais uma vez ele foi tomado por aquele mesmo anseio de revelar-se por completo a fim de poder certificar-se do quanto o outro era seu amigo. Dali a pouco, porém, seu intento era tolhido por escrúpulos e pelo temor de ser rejeitado. Havia momentos em que estava tão convencido de sua infâmia que acreditava que nenhuma pessoa poderia estimá-lo caso o conhecesse um pouco melhor. Entretanto, não pôde refrear-se; durante um solitário passeio a cavalo revelou a seu amigo toda sua história, perguntando-lhe em seguida se poderia sentir amizade por um assassino. Hugo ficou comovido e procurou consolá-lo; Eckbert acompanhou-o até a cidade com o coração aliviado.

Mas ele parecia estar amaldiçoado a ver nascer a suspeita sempre no momento da confidência, pois, mal haviam penetrado no salão, quando contemplou seu amigo iluminado pelas muitas velas, e sua expressão não lhe agradou. Acreditou perceber um sorriso pérfido, notou que só falava pouco com ele, que conversava bastante com os demais ao passo que a ele parecia ignorar. Encontrava-se ali na reunião um cavaleiro idoso que sempre se mostrara um adversário de Eckbert e sempre indagara de modo estranho sobre sua riqueza e sua esposa; a este juntou-se Hugo e ambos ficaram algum tempo conversando furtivamente e olhando para Eckbert. Este agora via sua suspeita confirmada, considerava-se traído, e uma cólera terrível apossou-se dele. Enquanto ainda mantinha os olhos fixos naquela direção, de repente avistou o semblante de Walther, todos os seus traços, toda sua figura, para ele tão familiar; continuava ainda olhando para lá e ficou convencido de que não era ninguém senão Walther quem conversava com o ancião. - Seu horror foi indescritível; descontrolado, precipitou-se para fora, ainda nessa noite abandonou a cidade e retornou a seu burgo depois de errar o caminho várias vezes.

Qual um fantasma errante perambulou de aposento a aposento, seus pensamentos estavam em completo torvelinho, idéias terríveis eram sucedidas por outras ainda mais terríveis, e seus olhos foram totalmente abandonados pelo sono. Muitas vezes pensou que havia enlouquecido e que criava tudo aquilo em sua imaginação; em seguida os traços de Walther voltavam à sua memória e tudo lhe parecia cada vez mais enigmático. Decidiu sair em viagem a fim de colocar seus pensamentos outra vez em ordem; a idéia de ter um amigo, o desejo de companhia ele agora tinha abandonado para sempre.

Partiu sem estabelecer uma rota definida, aliás, mal contemplava as paisagens que se estendiam à sua frente. Quando já trotava com seu cavalo há alguns dias, viu-se de repente perdido num labirinto de rochas que em parte alguma permitiam descobrir uma saída. Finalmente encontrou um velho camponês que lhe indicou um caminho que passava por uma cachoeira; quis dar-lhe algumas moedas em agradecimento, mas o camponês as recusou. - "Que importa?", disse Eckbert consigo, "eu poderia acabar imaginando outra vez que ele é Walther!" - e nisso volveu os olhos novamente para trás e era Walther. - Eckbert esporeou seu corcel e correram tão rápido quanto este conseguia, atravessando campinas e bosques até que o animal desabasse embaixo dele. - Sem se incomodar com isso, passou então a seguir sua viagem a pé.

Subiu absorto por uma colina; pareceu-lhe distinguir nas proximidades um latido alegre ao qual se misturava o sussurro de bétulas, e ouviu cantarem uma canção num tom singular:

Doce solidão
Do bosque, de novo que alegria.
Sempre estou são,
Aqui não mora ambição.
Outra vez me delicia,
Doce solidão

Isto deu um golpe fatal na mente, no juízo de Eckbert; ele não conseguia encontrar a chave do enigma: estaria sonhando agora ou teria ele sonhado outrora com uma mulher chamada Bertha; as coisas mais fantásticas mesclavam-se às mais banais, o mundo ao seu redor estava enfeitiçado, e ele não era capaz de qualquer pensamento, qualquer recordação.

Uma anciã de costas vergadas caminhava devagar, subindo a colina com uma bengala e tossindo. "Estás trazendo meu pássaro para mim? Minhas pérolas? Meu cão?" gritou ela em sua direção. "Vejas, a injúria causa seu próprio castigo: ninguém senão eu era o teu amigo Walther, teu Hugo."

"Deus no céu!" disse Eckbert de mansinho para si mesmo - "em que tenebrosa solidão passei então minha vida!"

"E Bertha era tua irmã."

Eckbert caiu ao chão.

"Por que ela me abandonou desse modo pérfido? Caso contrário tudo teria terminado bem e direito, seu tempo de provação já havia terminado. Ela era a filha de um cavaleiro que a entregou a um pastor para que a criasse, a filha de teu pai."

"Por que sempre pressenti essa terrível idéia?" exclamou Eckbert.

"Porque em tua infância mais tenra certa vez o ouvistes falando sobre isso: por causa da esposa ele não podia criar essa filha junto a si, pois era de outra mulher."

Eckbert jazia enlouquecido no chão e sua vida se esvaia; em tons surdos e emaranhados ouvia a anciã falando, o cão latindo e o pássaro repetindo sua canção.

Fonte:
http://www.members.tripod.com/volobuef/tr_eckbert.htm

A Imagem da Criança na Poesia Infantil Brasileira (Marta Yumi Ando)

Dados do autor no final

RESUMO
A poesia infantil brasileira sofreu lento processo de evolução: se, em seu período formativo, na virada do século XX, o gênero atuou, predominantemente, como veículo pedagógico, e, se entre as décadas de 20 e 50, houve tentativas de emancipá-lo desse passado mais utilitarista, a partir da década de 60, ele incorporou, significativamente, as conquistas da poética moderna. Resultado de uma pesquisa desenvolvida no PIBIC/CNPq-UEM, e apresentado originalmente no XI Encontro Anual de Iniciação Científica e na 55a. Reunião Anual da SBPC, este trabalho teve como objetivo focalizar a imagem que se construiu da criança ao longo de mais de um século de poesia infantil brasileira e os modos como os poetas construíram essa imagem, a fim de promover a mediação com o pequeno leitor.

PALAVRAS-CHAVE: literatura infanto-juvenil, poema, leitura.

INTRODUÇÃO

Os poemas infantis eram o lugar por excelência de propagação de uma imagem exemplar da criança, segundo interesses de ordem não-literária. Embora tenham ocorrido rupturas desde os anos 20, essa produção predominantemente didática persistiu até os anos 60, quando poetas genuínos a tornaram digna de pertencer ao âmbito artístico. Entretanto, não obstante as conquistas alcançadas, o gênero ainda é visto de forma pejorativa como se infantil significasse infantilidade. Esse é um equívoco que deve ser retificado através de estudos que mostrem a riqueza que caracteriza a verdadeira poesia infantil.

MATERIAL E MÉTODO

A pesquisa empreendida, de natureza bibliográfica, foi realizada no período de 1o./08/2001 a 31/07/2002, em cumprimento às etapas de abrangência do Projeto de Iniciação Científica “Panorama e paradigmas da poesia infantil no Brasil”, desenvolvido com bolsa do PIBIC-CNPq/UEM. Nessa pesquisa, foram realizadas leituras de textos teórico-críticos que serviram de subsídio para a sistematização histórica da poesia infantil brasileira, para o reconhecimento do lugar e da imagem da criança na sociedade brasileira, para a reflexão sobre os modos como os escritores construíram essa imagem bem como para o levantamento dos aspectos temáticos e estéticos responsáveis pela mediação entre crianças e poetas.

RESULTADOS

Na virada do século XX, via de regra, os poemas infantis brasileiros funcionavam como manuais educativos, valorizando-se a criança passiva e obediente. Uma das obras em que a vivacidade infantil é ignorada em prol da transmissão de normas comportamentais é Poesias infantis (1904)1 de Olavo Bilac. Moldada para o uso escolar, tal obra pauta-se na educação moral, conforme exemplifica o poema “Meio-dia” (p.317-318):

1. Meio-dia. Sol a pino.
2. Corre de manso o regato.
3. Na igreja repica o sino;
4. Cheiram as ervas do mato.
5. Na árvore canta a cigarra;
6. Há recreio nas escolas:
7. Tira-se, numa algazarra,
8. A merenda das sacolas.
9. O lavrador pousa a enxada
10. No chão, descansa um momento,
11. E enxuga a fronte suada,
12. Contemplando o firmamento.

13. Nas casas ferve a panela
14. Sobre o fogão, nas cozinhas;
15. A mulher chega à janela,
16. Atira milho às galinhas.
17. Meio-dia! O sol escalda,
18. E brilha, em toda a pureza,
19. Nos campos cor de esmeralda,
20. E no céu cor de turquesa...
21. E a voz do sino, ecoando
22. Longe, de atalho em atalho,
23. Vai pelos campos, cantando
24. A Vida, a Luz, o Trabalho.

Neste poema, composto por quadrinhas de redondilhas, destaca-se a religiosidade; apresenta-se uma visão ufanista da natureza; mostra-se uma imagem patriarcal da mulher; valoriza-se o trabalho rural e o doméstico.
A religiosidade se evidencia quando se descreve o cenário, apresentado como um lugar por excelência bucólico, que convida à devoção religiosa. Em obediência a esse locus amoenus, a religiosidade funde-se à natureza, de modo que o sol do meio-dia está em seu esplendor, o rio corre mansamente e sente-se o cheiro da natureza. A sinestesia é figura de destaque, havendo o cruzamento da visão (sol, regato e ervas), da audição (o marulhar do regato e o repicar do sino) e do olfato (o cheiro das ervas).

Na 2a.estrofe, dá-se continuidade à descrição do locus amoenus: Na árvore canta a cigarra (v.5), e introduz-se um elemento novo, qual seja, o didatismo: Há recreio nas escolas:/ Tira-se, numa algazarra,/ A merenda das sacolas. (v.6-8). Não obstante se trate de um momento de descontração, o recreio é apenas um intervalo entre os estudos, que aparecem com maior realce em outros poemas do autor, como “Justiça” (p.315) e “Ave-Maria” (p.318). (Neste artigo, estamos utilizando a edição Obra reunida, organizada por Alexei Bueno (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996).

Na estrofe subseqüente, surge a figura do lavrador que, suado e cansado, pousa a enxada/ No chão (v.9-10). No contexto histórico em que se deu a formação da literatura infantil brasileira, vários elementos corroboraram para a construção da imagem de um Brasil em processo de modernização. No entanto, o gênero apresentava traços nitidamente conservadores, e, se a nossa literatura infantil surge como um produto que se quer moderno, mas que apresenta características tradicionais, não é de estranhar a acentuada presença de um ruralismo arcaico, como se constata em muitos poemas bilaquianos.

Na 4a. estrofe, o conservadorismo presentifica-se na imagem patriarcal da mulher. Ao focalizar a dona de casa, reforça-se a dependência da mulher em relação ao homem, uma vez que a “dona de casa” permanece confinada em seus afazeres domésticos, enquanto espera pelo retorno do verdadeiro dono, que possui, ao contrário daquela, um papel socialmente ativo na sociedade. Além disso, é curioso o estereótipo da “rainha do lar” aí presente, pois, como afirma CADERMATORI (1984, p.34), os termos “doméstica” e “rainha”, implícitos na expressão “rainha do lar”, se contradizem, mas, ao mesmo tempo, criam um lugar-comum conveniente à cultura dominante; nesta medida, a referida expressão “eufemiza a omissão social da mulher, coroando-a no recinto fechado em que ela circula. Sendo o lar o seu reino, ela nada tem a fazer fora dele”.

Na penúltima estrofe, resgata-se a visão ufanista da natureza, sublinhando-se o tom eufórico mediante a exclamação e adjetivações que evocam reverberações de jóias: o sol brilha intensamente, os campos não são apenas verdes, mas cor de esmeralda, e o céu não é apenas azul, mas cor de turquesa.

Na estrofe final, acentua-se a religiosidade através da reiteração do badalar dos sinos. Se, no terceiro verso, o sino simplesmente repica, aqui ele possui voz, como se estivesse chamando as pessoas para a devoção religiosa. Metonímia de igreja, o sino, ao ecoar longe, propaga a religiosidade por toda a extensão campestre capaz de alcançar. No último verso, a inicial maiúscula destaca os valores que se pretendem inculcar: uma vida rural e religiosa; luz como metáfora para o estudo; e o tipo de trabalho valorizado, a saber: o rural e o doméstico.

Acompanhando as rupturas que vinham ocorrendo na literatura brasileira em geral a partir da década de 20, houve também, na poesia infantil, tentativas de romper com a visão tradicional que vinha impedindo a autonomia do gênero. Em O menino poeta (1943), (Como não foi possível encontrar a edição original de O menino poeta, em que se insere “Tempestade”, estamos utilizando a transcrição do referido poema obtida em Leitura e desenvolvimento da linguagem (Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989, de A. L. B. SMOLKA et al.), de Henriqueta Lisboa, considerada a obra mais relevante do período, poemas inovados mesclam-se àqueles em que predomina a visão adulta. Um dos poemas em cujos versos predomina a inovação é “Tempestade” (p.64):

1. – Menino, vem para dentro
2. olha a chuva lá na serra,
3. olha como vem o vento!
4. – Ah! como a chuva é bonita
5. e como o vento é valente!
6. – Não sejas doido, menino,
7. esse vento te carrega,
8. essa chuva te derrete!
9. – Eu não sou feito de açúcar

10. para derreter na chuva.
11. Eu tenho força nas pernas
12. Para lutar contra o vento!
13. E enquanto o vento soprava
14. e enquanto a chuva caía,
15. que nem um pinto molhado,
16. teimoso como ele só:
17. – Gosto de chuva com vento,
18. gosto de vento com chuva!

Constituído de versos brancos, este poema apresenta irregularidade na configuração estrófica que acompanha, ao nível semântico, uma visão de mundo também anticonvencional. Constata-se uma brincadeira com a sonoridade, de modo a instaurar estreita correlação entre sons e significados: – Menino, vem para dentro/ olha a chuva lá na serra,/ olha como vem o vento!// – Ah! como a chuva é bonita/ e como o vento é valente! (v.1-5).

A aliteração do fonema sonoro constritivo labial /v/ sugere o próprio som do vento a anunciar a tempestade próxima. Em meio ao temporal que se forma, duas vozes conflitantes medem forças: a prudência adulta e a vitalidade infantil. O adulto tenta impor sua autoridade através do tom exclamativo, mas o menino também sublinha sua vontade exclamativamente, além de qualificar a chuva (como bonita) e o vento (como valente).

Ao contrário dos poemas do 1o período, em que a criança não tinha voz, neste ela não apenas tem voz como esta supera a do adulto, cujos exageros e dramaticidade são ignorados pelo garoto travesso e autoconfiante: – Eu não sou feito de açúcar/ para derreter na chuva./ Eu tenho força nas pernas/ Para lutar contra o vento! (v.9-12).

Nas estrofes finais, aparece a voz do eu-poético a descrever o menino em sua obstinada teimosia, em meio à tempestade que já desaba: E enquanto o vento soprava/ e enquanto a chuva caía,/ que nem um pinto molhado, / teimoso como ele só:// – Gosto de chuva com vento,/ gosto de vento com chuva! (v.13-18).

O contato com as forças da natureza, promovendo a fusão entre menino e chuva, o faz exclamar exultante, e a palavra final cabe a ele e não ao adulto autoritário. Como as palavras chuva e vento se repetem ostensivamente e como elas são sugestivas de per si, quase onomatopaicas, essa reiteração intensifica o som da tempestade, de forma que o nível sonoro reflita o semântico. Além disso, o gradativo aproximar da tempestade caminha em paralelo à progressão da vontade infantil que também se impõe, decisivamente, no final do poema.

A partir dos anos 60, baniu-se a antiga tradição que fazia do gênero um meio de adestramento social, e a forma, que ganhou roupagem moderna, fez com que a produção poética para a infância no Brasil alcançasse a necessária autonomia. Uma obra inovadora é Ou isto ou aquilo (1964) (Neste artigo, estamos utilizando a edição de 1990, publicada pela editora Nova Fronteira), de Cecília Meireles, em que se desvenda a interioridade infantil através da exploração sonora, como se verifica em “Moda da menina trombuda” (p.11):

1. É a moda
2. da menina muda
3. da menina trombuda
4. que muda de modos
5. e dá medo.
6. (A menina mimada!)

7. É a moda
8. da menina muda
9. que muda
10. de modos
11. e já não é trombuda.
12. (A menina amada!)


Neste poema, constituído de versos polimétricos, o tema, em vez de receber um tratamento de dura repreensão do adulto, é tratado com singeleza. Abordando a metamorfose d’(A menina mimada!), que, deixando de ser trombuda, torna-se (A menina amada!), a poeta trabalha com as mudanças de humor passageiras.

As associações sonoro-semânticas, no título e na estrofe inicial, ocorrem pelo emprego das nasais /m/, /n/ e /õ/ e das vogais fechadas /e/, /i/ e /u/ que, através da reiteração, revelam o humor infantil.

Na 2a. estrofe, constituída de um só verso, (A menina mimada!), ocorre uma abertura vocálica que se repete no verso final. Dá-se especial relevo a esse verso, já que, além de sozinho constituir uma estrofe, vem destacado pelos parênteses e pelo ponto de exclamação, recursos que reforçam sua importância.

Na estrofe seguinte, apesar de a menina continuar mudando de modos, estes já não são os mesmos, pois ela já não é trombuda (v.11). No verso que finaliza o poema, destaca-se, como no verso 6, o conteúdo através dos mesmos recursos, havendo nova abertura decorrente do sentido positivo inerente ao verbo amar.

Há dois momentos fundamentais no poema, refletidos na divisão do texto em partes, graficamente simétricas: o primeiro (v.1-6) é o da menina trombuda; o segundo (v.7-12), do instante em que ela se sente amada. Portanto, o nível gráfico, a par da sugestiva sonoridade, espelha as significações presentes, concretizando os estados anímicos da criança.

A pronunciada musicalidade de que se reveste o poema, através das nasais e das vogais fechadas em oposição à vogal aberta /a/, vai ao encontro da palavra moda, pois este termo refere-se a um certo tipo de cantiga popular. Além disso, moda pode também designar capricho. Neste sentido, parece haver correlação de moda-cantiga e de moda-capricho com a moda cantada no poema, já que tanto a musicalidade quanto o comportamento caprichoso da menina se presentificam em “Moda da menina trombuda”.

DISCUSSÃO

Se, por um lado, a doutrinação foi uma constante na gênese da poesia infantil brasileira, por outro, os autores desse período apresentam grande importância histórica, em virtude do pioneirismo em criar uma literatura infantil genuinamente brasileira. Além disso, se é verdade que eles se revestiram de uma postura doutrinária, isto, na realidade, ocorreu pelo fato de estarem em consonância com a conservadora ideologia da época. A partir da década de 20, houve tentativas de romper com esse conservadorismo, obtendo-se um razoável acervo de poemas originais, dando início à emancipação do gênero, que se consolida, de forma indelével, a partir dos anos 60, embora ainda existam, ao lado de poetas genuínos, indivíduos que escrevam versos pautados no didatismo.

CONCLUSÃO

Se a poesia infantil brasileira, em seu período inicial, caracterizou-se pelo utilitarismo, e se, nas décadas de 20 a 50, surgiram modernistas que nutriram o desejo de emancipação poética, a partir dos anos 60, tal desejo foi significativamente concretizado. Na ausência de intuitos doutrinários, o poeta dialoga com a criança, a assimetria se desfaz e o universo infantil é respeitado, promovendo o encontro entre criança e poesia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BILAC, O. Meio-dia. In: BILAC, O. Obra reunida (org e introd. de Alexei Bueno). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p.317-318.

CADERMATORI, L. Jogo e iniciação literária. In: ZILBERMAN, R.; CADERMATORI, L.. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1984, p.28-37.

LISBOA, H. Tempestade. In: SMOLKA, A. L. B. et al. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989, p.64.

MEIRELES, C. Moda da menina trombuda. In: MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.11.

Fonte:
PRADO, Isaura Maria Mesquita; MOLINARI, Sonia Lucy (editores). VII SAU (Semana de Artes da UEM). II Mostra Integrada de Ensino, Pesquisa e Extensão. 21 a 30 maio 2004. Maringá: UEM - Universidade Estadual de Maringá. Arq. Apadec, 8(supl.): Mai, 2004 ISSN 1414-7149 (CD-ROM).

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DADOS DO AUTOR
Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (2003) e mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (2006). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura, atuando principalmente com prosa experimental, literatura infanto-juvenil e leitura. Atualmente, cursa doutorado em Letras na Universidade Estadual Paulista (UNESP - São José do Rio Preto), integra a Banca de Avaliação da Prova Discursiva de Literatura do Vestibular da Universidade Estadual de Maringá e atua como professora na rede particular de ensino .
Fonte:
Currículo Lattes

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Rafael Arráiz Lucca (1959)

(Caracas, 3 de janeiro de 1959) é um ensaísta, poeta, historiador e professor venezuelano.

Atualmente, Arráiz é professor da Universidade Metropolitana de Caracas (Unimet). Desde 2001 está cedido à "Fundação para a cultura urbana" de Caracas. Se licenciou advogado em 1983 pela (Universidade Católica Andrés Bello - UCAB), especialista em comunicações integradas em 2002 (Unimet) e Mestrado em História em 2005 (UCAB). Foi presidente de Monte Ávila Editores e Diretor do Conselho Nacional da Cultura. É membro da Academia de Gastronomía Venezuelana desde 2004. Em novembro de 2005 convidado a ingressa na Academia de Letras da Venezuela como indivíduo de Número, ocupando a cadeira 5, em reconhecimento a sua obra intelectual.

Escreveu vários livros de poemas incluindo: Balizaje (1983), Terrenos (1985), Almacén (1988), Litoral (1991), Pesadumbre en Bridgetown (1992), Batallas (1995), Poemas Ingleses (1997), Reverón 25 poemas (1997) y Plexo Solar (2002).

Escreveu também ensaios como: Venezuela en cuatro asaltos (1993), Trece lecturas venezolanas (1997), Vueltas a la patria (1997), Los oficios de la luz (1998), El recuerdo de Venecia y otros ensayos (1999), El coro de las voces solitarias, una historia de la poesía venezolana (2002) y ¿Qué es la globalización? (2002).

Es autor de una Antología de Poesía Venezolana (1997); de El libro del amor (Antología de poesía amorosa universal, 1997) y de la selección Veinte poetas venezolanos del Siglo XX (1998).

Desde 1983, Arráiz Lucca escreve semanalmente uma coluna de opinião no diário El Nacional. Prêmio Municipal de Literatura 1993 com a obra El abandono y la vigilia, no gênero: Poesia.

Poesias:

Dieciocho

¿Acaso no son tres las dimensiones
que salvan al plano de su opacidad
y causan el prodigio del volumen?
¿No son tres las personas del verbo
y la trinidad un misterio divino?
¿No fueron tres las veces que negaron a Cristo
y no fue el tercero el día de su resurrección?
¿No son tres los poderes de la república
y un tercero el fruto de dos?
¿No empuña Poseidón un tridente
y tres los sujetos de un engaño?
¿No son tres los lados del tallo de un papiro
y triangulares los cuatro planos de la pirámide
y el trébol de cuatro hojas la excepción más infrecuente?

Cuatro

He muerto.

Desde que el desvarío de mis pupilas
anunciaba el estado de coma,
mis hijos han permanecido como canoas
en los costados del lecho.
Hilda, la enfermera que me asiste en el tránsito,
cata las intermitencias del pulso cada vez más lejano,
oye los murmullos de un gato agonizante sobre los rieles del tren.
Mis ojos abiertos están en blanco
y mi boca se abre aspirando las últimas bocanadas
del aire dichoso.
Un latigazo eléctrico sacude mis piernas
como el estertor del toro después de la puntilla:
mi corazón ha dejado de latir.

He muerto.

La sangre ha dejado de recorrer mi cuerpo en su frenesí.
Lo que sustentaba mi piel como una vieja promesa
le ha cedido el espacio al color amarillento de los papeles
decrépitos.
Soy una suerte de hoja ocre plagada de hongos,
un papiro abandonado sobre el tope de una nevera
inservible.
Mi sangre, que durante años fue fiel en su periplo rutinario,
no recibe el impulso para su itinerario retórico.
Soy una casa olvidada por la suerte del fuego
que le ha dejado su reino al hielo más seco.

He muerto.

Una sola instrucción he dejado a mis deudos:
al apoderarse de mí la tiesura,
abran las ventanas para que mi alma encuentre su rumbo,
déjenla ir,
no interpongan ningún obstáculo a su vuelo,
el aleteo de las palomas que se anuncian
con el carraspeo de sus gargantas
les anunciará la ascensión del espíritu que encontró en mí
la hospitalidad de un cuerpo romo,
poco filoso, naturalmente tibio, herbívoro,
proclive al regazo de las hembras.

He muerto.

Las campanas de la iglesia vecina han propagado su eco
a la misma hora de mi nacimiento:
son las doce y treinta del mediodía de una fecha imprevista.
No recuerdo cuántos años han pasado desde mi llegada,
pero sé que la misma luz que me recibió me despide.

He muerto.

Asciendo en volandas hacia un espacio de luz
más blanco que las volutas de algodón,
pero nada hay en mi vuelo que perturbe la paz
de creer que he concluido todas mis batallas.
Atrás queda la ventana de mi apartamento
y más lejos aún la cama donde he rendido mis últimas fuerzas.
Ya Caracas es un paisaje abstracto que se divisa
entre el fragor de las nubes quiméricas.
Ya América se escruta entre la bruma
con su figura de trompo alargado y difuso.
Ya la tierra es una sola esfera azul que se achica
como una fortuna majestuosa que se pierde en el tiempo.

He muerto.

Asciendo hacia el punto donde todas las preguntas
adquieren respuesta.
Voy entrando en un túnel que acelera mi vuelo,
soy lo que siempre he sido:
una mínima partícula amada por un Dios memorioso.
Mis fragmentos de pronto han sido tocados
por el rayo de la totalidad:
todo en un segundo lo comprendo.
Las escenas centrales de mi tiempo terreno,
de las que ignoraba su carácter principal,
han salido al damero del entendimiento ejecutando su danza.
Todos los puntos que no advertía cercanos
han revelado ahora sus conexiones ocultas:
una araña teje su tela en la penumbra,
tengo en mis manos el Aleph de Carlos Argentino Daneri.

He muerto.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Escritores_da_Venezuela
http://www.festivaldepoesiademedellin.org/pub.php/en/Revista/ultimas_ediciones/62_63/arraiz.html

Khaled Hosseini (1965)

(Cabul, 4 de Março de 1965) é um romancista e médico afegão, com naturalização estadunidense. É o autor do romance best seller, O Caçador de Pipas.

Biografia

Hosseini nasceu na capital do Afeganistão, Cabul. Sua mãe era professora de uma escola de segundo grau para garotas em Cabul. Seu pai se envolveu com o Ministério do Exterior afegão. Em 1970, o Ministério do Exterior enviou sua família para o Teerã, Irã, onde seu pai trabalhou para a Embaixada Afegã. Em 1973, Hosseini e sua família retornam à Cabul. Em Julho de 1973, na mesma noite em que nasce o irmão mais jovem de Hosseini, o reino do Afeganistão muda de mãos através de um golpe sem derramamento de sangue.

Em 1976, Khaled Hosseini e sua família se mudam para Paris, França, por conta do novo emprego do seu pai. Eles não voltam ao Afeganistão porque, enquanto estavam em Paris, comunistas tomaram o poder do país por meio de um golpe cruel. Deste modo, foi consentido à família Hosseini, asilo político, nos EUA, onde passaram a residir em San Jose, Califórnia. Suas propriedades foram todas deixadas no Afeganistão e eles foram forçados a sobreviver com ajuda governamental por um curto período.

Hosseini graduou-se na escola secundária em 1984 e inscreveu-se na Universidade de Santa Clara, onde ganhou título de Bacharel em Biologia, em 1988. Após alguns anos, ele ingressou na Universidade da Califórnia, San Diego, escola de Medicina, onde recebeu o título de Doutor em Medicina em 1993. Ele completou o período de residência em Medicina Interna na Cedars-Sinai Medical Center, em Los Angeles, no ano de 1996. Khaled Hosseini continua praticando medicina.

Influências

Quando Hosseini era criança, leu desde poesias persas à romances como "Alice no País das Maravilhas" e a série do detetive "Mike Hammers", do escritor Mickey Spillane. As memórias de um Afeganistão pré-invasão soviética e suas experiências pessoais, o levaram a escrever o seu primeiro romance, The Kite Runner (O Caçador de Pipas). Um homem hazara, chamado Hossein Khan, trabalhou para os Hosseini quando eles moravam no Irã. Quando Hosseini estava cursando seu terceiro grau, ensinou Khan a ler e a escrever. Ainda que o relacionamento com Hossein Khan tenha sido breve e um tanto formal, a afeição de Hosseini por esta rápida amizade serviu como inspiração para o relacionamento entre Hassan e Amir em O Caçador de Pipas.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Khaled_hosseini

Schneider Carpeggiani (Cronica: 100 anos e a imortalidade pela frente)

Como uma tentativa de preservar a cultura do estado, a academia pernambucana de letras foi fundada no tempo em que o recife vivia seu jeito francês de ser.

Sempre ranzinza e irônico, o escritor Carlos Heitor Cony certa vez disse que não conseguiria levar muito a sério um século no qual ele vivia. Mesmo para quem teve de conviver diariamente com o Século XX, é difícil fazer um balanço equilibrado desses últimos 100 anos, que deixaram a impressão de ter passado rápido demais para a quantidade de pestes e feitos, alguns fundamentais outros deliciosamente fúteis, que deixou como legado: duas guerras mundiais, Aids, ditaduras abomináveis, Internet, a guitarra elétrica, o astro pop, o videocassete, o CD... A lista é interminável.
Com pouco mais de 20 dias de vantagem em relação ao contraditório século que acaba de se encerrar, a Academia Pernambucana de Letras comemora no dia 26 de janeiro o seu centenário - fundada por Carneiro Vilela, como a Terceira do Brasil, só perdendo para a Brasileira e a Cearense. Singular desde o seu princípio, tanto por ter permitido o ingresso de nomes que se distinguiam não só no campo da literatura, mas também no da filosofia, ciências e história, pela eleição vitoriosa da primeira mulher a fazer parte de uma instituição de letras, a professora e poeta Edwiges de Sá Pereira - como pelo caráter irreverente do seu registro civil, escrito, em tom humorístico, pelo poeta Gregório Júnior:

"Ergamos, pois a nossa própria estátua!
Dos célebres nós temos monopólio,
Deixemos a modéstia vil e fátua.
Fundada a grei, a nossa panelinha,
Exclame cada um no capitólio -
Zoilos, tremei! Posteridade, és minha"

A fundação da APL pode ser encarada como uma tentativa de sobrevivência da cultura pernambucana, que se via ameaçada pelos problemas econômicos do Estado, que já não era mais a potência de antes. Até meados do Século XIX, o Recife era um dos maiores centros culturais do Brasil. Para isso, dois fatos colaboravam de forma fundamental: pela sua posição geográfica, (esse era o primeiro destino de navios vindos da Europa para a então capital do Brasil, Rio de Janeiro). Antes de chegar à corte, inúmeras companhias de teatro e ópera aportavam primeiro por aqui; e a Faculdade de Direito do Recife, naquele período, era uma das duas únicas do Brasil. Intelectuais de todas as partes, como Castro Alves, acabavam vindo estudar na cidade, criando um intenso intercâmbio cultural.

Enquanto surgia, a APL via o Brasil começar a ser dominado pela chamada "república do café com leite", centrada em São Paulo e Minas Gerais, que não precisava do nosso açúcar para "adoçar" a mistura do poder.

Naquele princípio de século, continuávamos sendo um mero satélite espiritual da França. A tal ponto que nossa vida intelectual podia ser comparada com o que acontecia na Rússia czarista, onde os membros da aristocracia costumavam comunicar-se em francês, relegando o russo para as relações com os criados. Reza a lenda que, no centro do Recife, havia até um mendigo que pedia esmolas no idioma de Racine. "Donnez moi l" argent, si vous plait", pedia aos passantes, surpresos diante de tal refinamento.

As idéias que orientavam os fundadores de nossa República, aglutinando-se ao Positivismo, eram de origem francesa. Lia-se muito Anatole France, Zola, Flaubert e Maupassant. A grande exceção nesse terreno era o ferino português Eça de Queiroz. A "ecite" contaminava a todos - alguns gostavam outros não. Indiferença era o que não havia.

Para os mais abastados, nada como fluir anualmente à cidade-luz. Nenhum outro destino era melhor para, digamos, a cabeça. No campo da literatura, ela se tornava um laboratório de tendências. Parnasianismo ou simbolismo? Realismo ou naturalismo? Ao mesmo tempo em que Machado de Assis penetrava de maneira sutil na alma humana, revelando suas ambigüidades, Aluízio de Azevedo contrapunha a esse realismo psicológico um naturalismo à Zola, no qual as mazelas sociais assumem o primeiro plano.

O Recife vivia sua belle époque tardia dos anos 20 na Esquina do Lafayette. Era por lá que os intelectuais, especialmente os poetas, se reuniam para conversar sobre literatura, a sua e a dos outros - o que, até hoje em dia, ainda deve ser bem mais interessante.

Em seu ensaio "A Esquina do Lafayette", o acadêmico da APL Rostand Paraíso ressaltou que naquele tempo o Recife vivia uma verdadeira "febre" de academias paralelas à APL: "Houve o Cenáculo Pernambucano de Letras que, segundo Luiz do Nascimento, seu participante, morrera da doença da desídia e do abandono. Da mesma doença, haviam desaparecido a Academia Recifense de Letras, de Fernando Pio e Mauro Mota, o Silogeu Pernambucano de Letras, de Berguedof Elliot, o Grêmio Recifense de Letras, a Falange Literária Dr. Oliveira Lima, e o Cenáculo da Livraria Silveira, entre outras instituições que chegaram a ter seus momentos de glória". Nesse período, a Academia Pernambucana de Letras tinha apenas 20 cadeiras. Um número reduzido para abrigar a quantidade de intelectuais que habitavam o Recife. Em 1921, o número subiu para 30 e, finalmente, em 1960, para 40 cadeiras, igualando-se à Academia de Letras Francesa, o padrão para todas as outras.

Apesar de viver em uma cidade cheia de crioulas tradições francesas e repleta de intelectuais, a APL não repetia o seu glamour em termos econômicos. A grande prova disso é que suas reuniões aconteciam em salas emprestadas do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico do Recife. "O certo é que quase todas as Academias no Brasil passaram por grandes dificuldades financeiras para terem condições de funcionar como desejavam seus criadores. A Casa de Machado de Assis (a Academia Brasileira de Letras) sofreu grandes dificuldades nos seus primeiros tempos. Não possuía sede desejada. Rodrigo Otávio e outros valores intelectuais chegaram a ceder parte de seus escritórios de advocacia para abrigar colegas intelectuais. Não foi diferente com a Casa de Carneiro Vilela (como é conhecida a instituição)", declara o atual presidente da APL, Luiz de Magalhães, reeleito por quatro vezes por unanimidade.
A sede de fato da Academia, situada na Rui Barbosa, número 1596, só foi doada em 1966, durante o governo de Paulo Guerra, que assumiu o comando do Estado após Miguel Arraes ter sido exilado devido ao golpe militar de 64. Interessante foi que o pedido de Luiz Delgadom então presidente da APL, para o governador declarava que todos os acadêmicos eram "uns pobretões".

O solar que hoje abriga a APL havia sido residência do barão Rodrigues Mendes, no Século XIX. Na época em que foi doado, estava tão abandonado que as vacas dos herdeiros tiravam o seu merecido descanso noturno nos salões onde hoje se reúnem os acadêmicos.

Cedido o casarão, os móveis e obras de arte da Academia foram doados, em sua maioria, pela sociedade pernambucana da época. Inclusive por Dom Helder Câmara.
E foi nessa sua atual sede que a APL recebeu o ingresso de dois senhores com estilo notadamente anti-acadêmico, mas cuja obra falava por qualquer ato excêntrico ou mesmo pela ausência de postura: João Cabral de Melo Neto e Gilberto Freyre, eleitos por unanimidade.

João Cabral, sempre introspectivo e avesso a solenidades, nem mesmo foi à sua posse. Alegou estar doente. "Não tenho qualquer lembrança da presença de João Cabral na Academia", lembra o presidente Luiz de Magalhães. Já Gilberto Freyre, despojado e sem maiores rodeios, não se conteve em reclamar do demorado discurso proclamado por Waldemar Lopes durante sua posse. "Minha bunda já está doendo" - disse, levando todos os presentes a cair na gargalhada.

Com uma história marcada por problemas financeiros, feministas, anti-acadêmicos e postura à francesa de ser, a APL chega aos seus 100 anos com uma recepção em 26 de janeiro, na qual será entregue a medalha do centenário para os seus 40 membros, entidades e personalidades homenageadas. "A data que vamos comemorar será o coroamento vivo do que foi possível traduzir ou realizar em homenagem à cultura, como para dar relevo e dignidade à própria instituição a que pertencemos", declarou Luiz de Magalhães.

Durante a recepção que marca o centenário, será realizada a inauguração da nova sala de reuniões da instituição, cujo nome do patrono ainda será escolhido.

Lista dos primeiros acadêmicos da APL :
Antônio Joaquim Barbosa Viana; João Gregório Gonçalves; Bianur Gadault Fonseca de Medeiros; Carlos da Costa Ferreira Porto Carreiro; Gervásio Fioravanti Pires Ferreira; Arthur Orlando da Silva; João Batista Regueira Costa; Joaquim Maria Carneiro Vilela; Francisco Augusto Pereira da Costa; Eduardo de Carvalho; Alfredo Ferreira de Carvalho; José Antônio de Almeida Cunha; José Isidoro Martins Júnior; Henrique Capitolino Pereira de Melo; Ernesto de Paula Santos; Joaquim José de Faria Neves Sobrinho; Sebastião de Vasconcelos Galvão; Luiz de França Pereira; Manuel Teotônio Freire; Celso Vieira.

Fonte:
http://apl.iteci.com.br/

Academia de Letras (Origem)

Para a maioria, o termo "academia de letras" é tão compreensível, tanto em definição, critérios para escolha de seus membros e função, como uma tábua etrusca: ilegível e totalmente por fora da realidade. Não é bem assim. Para se entender melhor o que ela significa, é necessária uma não muito breve viagem no tempo.

A primeira academia foi uma escola fundada, próxima a Atenas, quase quatro séculos antes de Cristo, por Platão e dedicada às musas. Era formada por uma biblioteca, uma casa e um jardim. Pela tradição, o jardim teria pertencido ao herói ateniense Academus, da guerra de Tróia, nome que deu origem ao termo "academia". Nessa escola, de maneira informal, mestres e discípulos trocavam experiências sobre filosofia, matemática, música, astronomia e legislação. Os jovens seguidores do filósofo dariam continuidade a esse trabalho que viria a se constituir num dos capítulos mais importantes da história do saber ocidental.

As mais conhecidas academias gregas foram a Antiga Academia, fundada por Platão, que teve como um dos seus discípulos Aristóteles; a chamada Academia do Meio, fundada pelo filósofo platônico grego Arcesilaus; e a Nova Academia, fundada pelo filósofo grego Carneades. Essa tradição, que deu origem a todas as academias e universidades de ensino superior do Ocidente, foi interrompida com o seu fechamento pelo imperador romano Justiniano, em 529 depois de Cristo.
Nos séculos XIII e XIV, quando o renascimento começou a tirar a Europa das trevas da Idade Média, seguindo a tradição clássica, diversas academias de poetas e artistas começaram a se estabelecer na França e Itália. A mais famosa, a Accademia Platônica, fundada em Florença por volta de 1440, se dedicou a aprofundar o discurso da obra de Platão, Dante e do aprimoramento da língua italiana.

Em 1635, com a finalidade de tornar a língua francesa "pura, eloqüente e capaz de tratar das artes e ciências", com autorização do rei Luís XIII, o Cardeal Richelieu funda a Academia Francesa, que até hoje serve de base para todas as outras academias. Constituída por 40 cadeiras, cujos ocupantes perpétuos são eleitos pelos mais antigos, depois de apresentarem suas qualificações. É interessante ressaltar que durante o discurso de posse, o novo acadêmico tem de lembrar os seus antecessores. Provavelmente, devido a essa lembrança, que sempre tem de ocorrer, surgiu a origem da enigmática expressão `acadêmico imortal`.

Em seu livro Inútil Poesia, a professora Leyla Perrone-Moisés definiu da seguinte forma o desenvolvimento da literatura nos séculos posteriores à formação da Academia Francesa de Letras: "Como atividade autônoma, ela data de meados do Século XVIII. Como instituição e matéria de ensino, ela alcança o seu auge de prestígio no período que vai do início do Século XIX até meados do Século XX. Seu prestígio decorria, então, de uma determinada concepção de cultura, que implicava a estima consensual pelas humanidades e a valorização da tradição escrita. Essa tradição estava sacramentada num cânone, fundamentada em determinados valores, o qual orientava a organização dos programas e manuais escolares".

Então capital brasileira e com uma vida cultural marcada por reunião de intelectuais e diversas publicações voltadas à literatura, o Rio de Janeiro foi a sede da primeira academia de letras brasileira. Em pontos de encontro como a livraria Garnier, surgiu a idéia de sua fundação, inicialmente proposta por Lúcio Mendonça, que toma forma em 1896. Em seu comando, o presidente Machado de Assis e, como primeiro-secretário, um nome pernambucano, Joaquim Nabuco.


Fontes:
FUNDAÇÃO Joaquim Nabuco. Disponível em http://www.fundaj.gov.br/notitia/

Academia Pernambucana de Letras

A Academia Pernambucana de Letras foi fundada em 26 de janeiro de 1901, no Recife, por Joaquim Maria Carneiro Vilela e outros escritores pernambucanos da época, com um total de 20 cadeiras tendo como objetivo "promover a defesa dos valores culturais do Estado, especialmente no campo da criação literária".

É uma instituição civil, de utilidade pública e foi a terceira academia de letras fundada no Brasil. A primeira foi a do Ceará, criada em 1894, três anos antes da Academia Brasileira de Letras (1897).

No início, as reuniões da APL eram realizadas em salas do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Em 1966, passou a funcionar em sede própria, num casarão na Av. Rui Barbosa, n. 1596, que pertenceu ao Barão Rodrigues Mendes, João José Rodrigues Mendes um comerciante português. O Governo do Estado de Pernambuco, na época do então governador Paulo Guerra, desapropriou o imóvel, doando-o à Academia, através do Decreto n.1.184, de 14 de janeiro de 19666. O edifício-sede da Academia é conhecido como a Casa de Carneiro Vilella.

Os móveis e as obras de arte foram doados, em sua maioria, pela sociedade pernambucana, incluindo doações do arcebispo Dom Helder Câmara.

Em 1911, foi aumentado o número de acadêmicos de vinte para trinta e, em 1960, passou para quarenta cadeiras, por sugestão do acadêmico Mauro Mota. Compõe-se hoje de quarenta membros, podendo ter o mesmo número de sócios correspondentes, residentes em outros Estados ou no Exterior.

Os acadêmicos não usam o fardão, como na Academia Brasileira de Letras. O fardão foi substituído por um colar dourado, com medalhão distintivo.

A APL possui uma biblioteca, um auditório e edita a Revista da Academia Pernambucana de Letras, que apesar de ter uma periodicidade irregular, é publicada desde 1901. Promove e estimula iniciativas de caráter cultural, concede prêmios literários, medalhas, troféus e títulos honoríficos, realiza cursos, reuniões e simpósios destinados ao estudo, pesquisa e discussões sobre literatura, especialmente a pernambucana.

Atualmente é presidida pelo Acadêmico Waldenio Porto (Cadeira nº 15).

Os patronos das cadeiras são pernambucanos, com exceção de Bento Teixeira, da Cadeira nº 1, que se declarou português.

Podemos citar alguns Acadêmicos como:

Amílcar Dória Matos - Nasceu no Recife, a 24 de janeiro de 1938. É bacharel em Direito pela Universidade de Pernambuco, e possui o diploma de Mestrado em Direito Comparado da Southern Methodist University, do Texas, Estados Unidos. Jornalista profissional, tendo trabalhado em jornais como O Estado de São Paulo e Jornal do Commercio, recebeu diversos prêmios pelos seus trabalhos na área de ficção. Entre eles: Prêmio Recife de Humanidades e Prêmio José Conte. No terreno de ficção, suas principais obras são: A Morte do Papa, A Trama da Inocência, Os Olhos da Insônia, Os Doze Caminhos, Cartas ao Espelho. Nos últimos anos, começou a se dedicar também à poesia, com o lançamento de dois livros de poemas.

Ariano Suassuna - Nasceu em João Pessoa, na Paraíba, em 16 de junho de 1927. É advogado, professor, teatrólogo e romancista. É o idealizador do Movimento Armorial, interessado no desenvolvimento e no conhecimento das formas de expressão populares tradicionais. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras. Entre as suas principais obras estão: Romance da Pedra do Reino, Auto da Compadecida, O Santo e a Porca, Farsa da Boa Preguiça, O Rico Avarento e O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna. O filme O Auto da Compadecida, baseado no seu livro, tornou-se a maior bilheteria da história do cinema nacional.

Cláudio Aguiar - Nasceu a 3 de outubro de 1944, em Paranga, CE. Formado em Direito, é também Doutor pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Entre suas principais obras, estão: Os Espanhóis no Brasil, Franklin Távora e Seu Tempo, Suplício de Frei Caneca e Caldeirão. Autor de inúmeros ensaios e romances, atua também como dramaturgo. Para 2001, espera a montagem de sua adaptação do livro A Emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela, que realizou para o teatro.

Flavio Chaves - Pernambucano, nascido em Carpina, a 17 de outubro de 1958, onde fez os seus estudos primários e secundários, com passagem pelo seminário Salesiano. Iniciou sua carreira literária com o livro de poesia Digitais de um Coração, em 1983. E tem como suas principais obras os livros Poemas de Sal e Sol, Aragem do Subterrâneo, Território das Lembranças e Aragem do Subterrâneo. Idealizou e organizou no Recife, junto à Fundarpe e UNICAP, a I Caminhada Poética Brasileira. É filiado à União Brasileira de Escritores, UBE - Secção Pernambuco, exercendo o cargo de presidente nos biênios 95/96, 97/98, tendo sido reeleito novamente em 99/2000.

Francisco Bandeira de Melo - Nasceu no Recife, a 29 de abril de 1936. Formou-se em Direito pela UFPE e trabalhou, nos anos 50, como jornalista do Jornal do Commercio. No mesmo veículo, desde 91, escreve crônicas aos domingos. Foi assessor da Delegação do Brasil junto a ONU, em 63, quando nesse período colaborou como correspondente para publicações na revista Manchete. Exerceu os cargos de presidente da Empetur e Secretário de Cultura, Turismo e Esportes do Estado de Pernambuco. Entre suas principais obras estão Pássaro Narciso, Sol Amargo e o recente Baú de Espelhos, coletânea com poemas novos e antigos.

Jarbas Maranhão - Nasceu em Nazaré da Mata, a 22 de janeiro de 1916. É formado em Direito pela UFPE. Participou da fundação de numerosas entidades técnicas e culturais, entre elas o Instituto Rui Barbosa, de São Paulo. Recebeu medalhas de mérito e comendas por instituições culturais e órgãos do poder público, entre as quais a Comenda da Ordem dos Guararapes, a Comenda da Ordem do Capibaribe e a Comenda da Ordem Camoniana. É Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro. Tem mais de 30 livros publicados sobre temas jurídicos, políticos ou literários.

Lucila Nogueira - Carioca, nascida a 30 de março de 1950, radicou-se no Recife no mesmo ano. É poeta, crítica, tradutora, professora de literatura portuguesa e brasileira, língua portuguesa e teoria da literatura do Departamento de Letras da UFPE. Seus poemas já foram traduzidos para o inglês, espanhol, francês e alemão. Tem como seus principais trabalhos Peito Aberto, Livro do Desencanto, Ilaiana, Zingamares, Imilce, todos eles de poesia. Para 2001, espera a publicação do livro Amaya, pela editora portuguesa Arion e a sua primeira coletânea de contos.

Luiz Marinho - Nasceu em Timbaúba, PE, a 8 de maio de 1926. Dividiu sua formação intelectual entre sua cidade natal e Recife. Na prática, teve sua vida profissional ligada ao trabalho na Caixa Econômica Federal. É considerado um dos maiores nomes da dramaturgia pernambucana, sendo o autor de Um Sábado em 30, uma das peças de maior sucesso do Estado, entre outras como A Incelença e Viva o Cordão Encarnado, esta última ganhadora do "Prêmio Molière" Pertence ainda à União Brasileira de Escritores - Seção Pernambuco.

Maria do Carmo Barreto Campello de Melo - Nasceu no Recife, a 21 de julho de 1924. Passou parte da infância no Rio de Janeiro. Jornalista profissional, atualmente está aposentada como técnica de Comunicação Social da Sudene. Com diploma de bacharela em Letras Clássicas e licenciada na mesma disciplina, tem cursos de pós-graduação e de aperfeiçoamento em literatura e língua portuguesas pela UFPE. Foi colaboradora por três anos do Jornal do Commercio, do Recife, e realizou diversas palestras sobre literatura e condição feminina. Atuou no Magistério como professora de latim, português e literatura brasileira e portuguesa. Suas principais obras são: Música do Silêncio - I e II, Ser em Trânsito, Miradouro, e Retrato do Abstrato.

Maria do Carmo Tavares de Miranda - Nasceu em Vitória de Santo Antão, no dia 6 de agosto de 1926. É bacharela e Licenciada em Letras Clássicas, bacharela em Filosofia pela UFPE, doutora em Filosofia pela Sorbonne, na França e doutora e docente-livre em filosofia pela UFPE. Foi diretora-geral do Seminário de Tropicologia da Fundação Joaquim Nabuco, pesquisadora efetiva de centros internacionais de pesquisa e membro titular da Academia Internacional de Filosofia de Arte e da Academia Brasileira de Filosofia. Entre os seus principais trabalhos estão: Pedagogia do Tempo e da História, Educação no Brasil, Os Franciscanos e a Formação do Brasil e tradução, introdução e anotações de Da Experiência do Pensar, de Martin Heidegger.

Milton Lins - Nasceu no Cabo, em 20 de julho de 1927. Fez o curso primário com professoras particulares em Recife. Em 1947, ingressou na Faculdade de Medicina. Estagiou no Hospital das Clínicas de São Paulo, em cirurgia torácica. Em 1963, ganhou bolsa de estudos do Governo da França, estagiando em Paris, no Serviço do Prof. Charles Dubost. Fez estágio de atualização no Hospital Metodista de Houston e no Texas Heart Institute, nos Estados Unidos. Entre suas principais obras estão Livro Preto, Prestações de Contos, Recontando Histórias, O Sino Escarlate e, em 1988, traduziu toda a poesia rimada e metrificada de Arthur Rimbaud. Para 2001, prepara mais dois volumes de tradução de autores franceses e ingleses.

Pelópidas Soares - Nasceu em Catende, em 27 de março de 1922. Em sua cidade, fundou colégios, clubes culturais e recreativos, bibliotecas, jornais e revistas, ao mesmo tempo que publicava artigos e poemas em jornais do interior e da capital. Tem vários poemas traduzidos para o espanhol. É também autor de teatro de bonecos, e suas peças O Boato e O Porre foram representadas por várias cidades do Estado. Entre os prêmios, recebeu o troféu Cultura Viva de Pernambuco, pela FUNDARPE, e o título de sócio-honorário da Sociedade Brasileira de Médicos e Escritores - Seção Pernambuco.

Waldemar Lopes - Nasceu em Periperi, 1 de fevereiro de 1911. Sua formação e vida intelectual foi realizada entre Pernambuco e Rio de Janeiro. Serviu à Organização dos Estados Americanos, de 1954 a 1976, como diretor-adjunto e diretor de seu escritório no Brasil. Pertence a várias instituições técnicas e culturais, tanto no Brasil quando no Exterior. Recebeu vários prêmios literários no terreno da poesia. Entre suas principais obras estão: Legenda, Os Pássaros da Noite e Jogo Inocente.

Waldenio Porto - Nasceu em Caruaru, em 29 de junho de 1935, onde fez seus estudos primários e secundários. Na mesma cidade, colaborou com o jornal A Vanguarda. No Recife, formou-se em medicina e fez seu curso de pós-graduação em cirurgia no serviço do Professor Fernando Paulino, no Rio de Janeiro. Faz parte da Sociedade Brasileira de Médicos e Escritores (SOBRAMES). Entre suas principais obras estão: As Vinhas da Esperança e Quando se Cobrem de Verde as Baraúnas. Nasceu em Caruaru, em 29 de junho de 1935, onde fez seus estudos primários e secundários. Na mesma cidade, colaborou com o jornal A Vanguarda. No Recife, formou-se em medicina e fez seu curso de pós-graduação em cirurgia no serviço do Professor Fernando Paulino, no Rio de Janeiro. Faz parte da Sociedade Brasileira de Médicos e Escritores (SOBRAMES). Entre suas principais obras estão: As Vinhas da Esperança e Quando se Cobrem de Verde as Baraúnas.

A Academia distribui prêmios literários regularmente, em edições anuais, em diversas categorias:
Prêmio Othon Bezerra de Mello;
Prêmio Pereira da Costa);
Prêmio Faria Neves Sobrinho;
Prêmio Geraldo de Andrade;
Prêmio Leda Carvalho;
Prêmio Gervásio Fioravanti (Poesia);
Prêmio Vânia Souto de Carvalho (Ensaio);
Prêmio Nanie Siqueira Santos (Poesia – não inédito);
Prêmio Dulce Chacon (Livro de autora pernambucana);
Prêmio Amaro de Lyra e César (Poesia);
Prêmio Antônio de Brito Alves (Ensaio);
Prêmio Edmir Domingues (Poesia);
Prêmio Leonor Carolina Corrêa de Oliveira (História de Condado e Goiana);
Prêmio Amaro Quintas (História de Pernambuco);
Prêmio Roval de Contos.

Fontes:
FUNDAÇÃO Joaquim Nabuco. Disponível em http://www.fundaj.gov.br/notitia/

http://apl.iteci.com.br/

PARAÍSO, Rostand. Academia Pernambucana de Letras: sua história, v. 1 e v.2 . Recife: APL, 2006. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Pernambucana_de_Letras

PERNAMBUCO -
http://www.pe-az.com.br/pernambuco/pernambuco.htm
Academias Postadas:
- Academia de Letras de Maringá