sábado, 3 de maio de 2008

A Poesia entre o Surrealismo e a Poesia (Diálogo entre Claudio Willer e Floriano Martins)

Cláudio Willer

CW - Oswald de Andrade, você se refere bem criticamente a ele, neste livro e em outros lugares. Recentemente, tive acessos de prazer com a releitura de Memórias sentimentais de João Miramar e de Serafim Ponte Grande. Aquelas metonímias todas de Memórias, ninguém fazia aquilo, ninguém fez, foi o que houve de mais moderno e transgressivo naquele momento. Serafim, então, aqueles manifestos anarquistas… E a própria idéia de Antropofagia, nela havia lugar para Surrealismo, para uma incorporação de Surrealismo que não foi levada adiante, nem por Oswald, que preferiu ser, em suas palavras, "casaca de ferro do Partido Comunista", nem por mais ninguém. Poeta bem oswaldiano, para mim, é o Piva, bem mais que marioandradino. Antropófago e, mais notadamente em Coxas, repleto de alusões que ainda não foram percebidas a essas duas narrativas em prosa de Oswald. E em passagens como Exu comeu tarobá de Quizumba, que você colocou em O Começo da Busca, onde cita Jorge de Lima, mas refere-se a esse aspecto do nosso modernismo. Não se trata, nisso que estou apontando, do "surrealismo à brasileira" de Murilo, mas de uma ampliação da subversão. Vejo sementes disso dentro dessa obra múltipla, fragmentária, desigual, dando tiros em todas as direções, trocando temas e tratamentos literários (Miramar, p. ex., pedia tratamento realista, pelo que ele relata, história de crise burguesa), porém inquieta e subversiva de Oswald.

FM - Oswald propiciou inúmeras polêmicas. A busca das "fontes puras do primitivismo", ele entendia como possibilidade única de despir a arte de "convencionalismos e sofisticações". Tento entender a idéia de convencional, mas penso a que tipo de sofisticação nos teria levado o Futurismo tão cultuado por ele e Mário de Andrade. Claro que fazia média quando dizia dos poetas que o sucederam: "são todos superiores a mim". E a própria escritura paródica que perseguia na poesia implicava ao menos em uma busca de sofisticação estilística. Reconheço uma certa aproximação no lance de imagens de Quizumba (RP, 1983), como afirmas, mas podemos pensar, com o próprio Roberto Piva, naquela "experiência alquímico-futurística da cidade" que aproxima Paulicéia Desvairada (MA, 1922) e Paranóia (RP, 1964). Nos dois casos são aproximações parciais. A poesia de Oswald e Mário está aquém dos desdobramentos imagéticos e sintáticos alcançados por Piva, sem falar que a vertente anárquica deste último está mais ligada a Dadá, de onde inclusive surgiu a noção de um canibalismo que depois seria absorvida pela Antropofagia. Tampouco creio que houvesse espaço para Surrealismo ali, pois já a Semana de 22 era fruto das afinidades de Mário e Oswald com Marinetti, ou seja, já se desenhava, dentre outros equívocos, uma idéia de nacionalismo que iria dar em extremistas como Plínio Salgado. Curioso é observar que, nos anos 50, despertavam a atenção de Oswald novos poetas como Thiago de Mello e Geir Campos - o mesmo Oswald que considerava Ledo Ivo "um caso típico do soldado do Exército do Pará". Acho que o Franklin de Oliveira tem razão naquela observação de que "todo mau poeta é mau pensador". Oswald era um polemista sem sustentação alguma. Evidente que aqui não nos interessa essa ingenuidade do Murilo de um "surrealismo à brasileira". Mas se vamos separar afirmações e atos que denunciam o caráter de um autor e a própria obra, mesmo aí não vejo em Oswald, no construtivismo frustrado de uma poética, nada que o aproxime do Surrealismo. Basta ler Os dentes do dragão (1990), recolha de entrevistas, para compreender melhor obsessões e oscilações estéticas deste poeta.

CW - É. Em Oswald há o melhor e o pior, e nem um nem outro tem continuidade, ambos são fragmentários. Nas apreciações críticas de seus contemporâneos, está o pior dele. E o capítulo do que o Modernismo ignorou, ou do que passou por cima, ou ao lado, é extenso. Inclusive do que já havia de inovador e transgressivo acontecendo aqui, entre simbolistas, por exemplo. Futurismo, a ideologia da modernidade enquanto tal, o moderno adotado como valor, é claro que são coisas que não há como aceitar, mas os manifestos iniciais do Futurismo são de uma irreverência colossal. Se ao menos houvessem adotado isso para valer, já seria algo. Agora, sobre Surrealismo no Brasil, na primeira metade do século XX, enxergo duas, como diria - ...visões? leituras? histórias? Uma, de que não houve Surrealismo, ou quase não houve, quer fosse por inadequação (Antonio Candido, José Paulo Paes), ou por causa de um ambiente cultural tacanho, provinciano, católico, positivista, de um nacionalismo estreito, etc. A outra, mais explícita no que Sérgio Lima publicou em Órganon e em Surrealismo e Novo Mundo, e em certa medida em Valentim Facciolli, é de que houve Surrealismo, sim, mas não foi incorporado à História, não foi adequadamente registrado - também porque o ambiente cultural era tacanho, provinciano, católico, positivista, de um nacionalismo estreito, etc… Sem poupar ambiente cultural, parece-me que em O Começo da Busca você não chega a adotar nem bem uma, nem bem a outra dessas versões ou interpretações.

FM - Talvez caiba dizer que a grande obra do Futurismo são os manifestos. Marcel Duchamp foi quem mencionou que o Futurismo era "um impressionismo do mundo mecânico", ou seja, aquela coisa da retina funcionar como "uma inesgotável fonte de prazer" que, no dizer de Max Ernst, caracterizava o Impressionismo, vale para o Futurismo, desde que pensemos que os futuristas tinham olhos apenas para um mundo mecânico ("Escutar os motores e reproduzir seus discursos"). Agora, também o Mário de Andrade foi um notável autor de manifestos, não? Tanto em um caso como no outro, quanto se adotou pra valer, em termos de fazer coincidir com a ação o discurso dos manifestos? Mas pensemos nessa relação entre Modernismo e Surrealismo, observando, por exemplo, que Breton e Mário de Andrade tinham pensamentos opostos acerca da analogia. O que em um era pleno exercício de liberdade, no outro não passava de mera substituição da "coisa vista pela imagem evocada", constituindo-se assim em "um dos maiores perigos da poesia modernista". Mário manifestou-se acerca da beleza apenas compreendendo a distinção existente entre o "belo artístico" e a "beleza da natureza", jamais percebendo a condição convulsiva que lhe indicaria Breton. Havia um certo acanhamento em nossa ruptura, em nossa transgressão. Claro que o ambiente era pautado por essa mescla de provincianismo, catolicismo exacerbado, nacionalismo limitador etc. Mas cabe ao poeta romper com isso, não? Ele não pode ser a medida do ambiente em que circula. E nossos modernistas, de alguma maneira, mais se acomodaram ao ambiente do que propriamente romperam com ele. Vi um documentário na TV, sobre o Modernismo, onde se dizia que nossos rapazes haviam recuperado o barroco. É um duplo equívoco, seja porque não havia barroco algum a ser recuperado como sobretudo porque o barroco não se manifestou nas obras modernistas. Um bando de intelectuais levando Blaise Cendrars para conhecer as cidades mineiras (Ouro Preto e cercanias) não é recuperação do barroco, francamente. As versões de existência e inexistência de Surrealismo no Brasil são complementares, ou melhor, frutos de uma mesma falha de visão. O Surrealismo entranhou-se em toda a criação artística que melhor expressa o século XX. O Brasil não lhe ficou alheio. Mas havia uma rejeição enorme, sobretudo provocada pelo que tu mesmo já chamaste de "caipirismo brasileiro disfarçado de nacionalismo", aspecto que, por sinal, possui uma dimensão muito mais abarcadora, no tempo e no espaço, do que se possa imaginar. Por outro lado, ao tentar recuperar as pistas de circulação do Surrealismo entre nós não posso sair a afirmar que tudo é Surrealismo. A história do Brasil é o registro colossal de um acúmulo de farsas. Caberá recuperá-la a partir de uma leitura lúcida dos acontecimentos, não transferindo aos mesmos nossos desejos ou preconceitos.

CW - Em suma, em matéria de reconstituição de Surrealismo no Brasil, ainda há muito a ser feito. E procedendo-se, antes, ao resgate do que é excêntrico, do que ficou à margem. Por exemplo, Rosário Fusco, ou, tomando um autor mais recente, Campos de Carvalho. “Surrealismo à brasileira” - se estivesse falando em vez de escrever, diria que estou pensando em voz alta - se tomarmos o que é discrepante hoje - por exemplo, esse estranhíssimo Jarbas Medeiros de Minas Gerais, que assina Mafalda Cataraz - ou então, o R. Roldan-Roldan de Campinas - tipos realmente estranhos - teríamos mais componentes de uma subversão à brasileira, base, quem sabe, de um “surrealismo à brasileira”, na mesma medida em que houve uma subversão francesa, preexistente ao surrealismo, pois, conforme já observei em outras ocasiões, a loucura campeava na Belle époque, e o que o surrealismo fez foi procurar sistematizá-la, dar-lhe sentido político. Eu queria voltar ao nosso Modernismo, e ao que ele deixou de enxergar, ao que não viu, ou viu de modo disfarçado, não-declarado: literatura licenciosa brasileira do século XIX, como a de Bernardo Guimarães (em Oswald de Miramar e Serafim dá para perceber que sim, que ele viu isso); não gostaram do anti-beletrismo de Lima Barreto (e vice-versa) - nem do que havia de mais excêntrico em nosso Simbolismo - além de não haverem reparado em Souzândrade, etc. Enfim, é a isto que eu queria chegar: aqui não houve a “correia de transmissão” de que fala Breton com relação ao que o Simbolismo tinha de mais subversivo. Até que ponto, pergunto, você consegue enxergar essas correias de transmissão nos surrealismos de outros países latino-americanos? Inclusive com relação a uma ramificação importante e influente do Simbolismo, que vem a ser o modernismo de Rubén Darío? Será que estou sendo claro em minha pergunta? Aliás, reconhecendo que fazer isso, reconstituir correias de transmissão com relação a subversões locais, nesse ou naquele país, é uma tarefa ciclópica. Sabendo, ainda, que quem fez isso, em parte, e de modo bem parcial, conforme você aponta, foi Octavio Paz.

FM - A leitura do excêntrico permite certa mitificação, tanto maquiando o que se resgata, superestimando-o, quanto deixando escapar o que foge a essa tipificação. Basta pensar que a pesquisa na criação artística, que Mário de Andrade situa como uma das contribuições centrais do Modernismo, já vinha sendo feita por um Alberto Nepomuceno, músico que seguramente teria participado da Semana de Arte Moderna se acaso não tivesse morrido dois anos antes. Pois bem, as pesquisas de Nepomuceno foram deixadas para trás e o nome de Villa-Lobos - um excêntrico, independente da qualidade de sua música - acabou sendo a grande referência de nossa entrada da modernidade. A opção pelo excêntrico nos leva a uma leitura caricatural da cultura. Acho interessante que o R. Roldan-Roldan refira-se à arte como "um grito de libertação", lembrando que a mesma "não é racional", e que o Jarbas Medeiros situe o progresso como uma "mentira vital", ambos aparando certos vícios conceituais. A ficção do primeiro está por merecer uma leitura que não ponha à margem a condição erótica. O segundo interessa sobretudo pelas abordagens críticas, mas lembrando que uma antevisão dessa "degradação da identidade", que Roldan-Roldan menciona como sendo "uma das mais deploráveis características de nossa época" já a encontramos nos romances de ficção científica. E coloco isto aqui reafirmando essa condição da arte de antecipar a história. Me atrai quando falas que os modernistas "viram de modo disfarçado, não-declarado". Sei que mencionas apenas a literatura licenciosa, mas essa maneira de olhar cabe para muitos outros aspectos. Às tuas referências podemos acrescentar a ficção de um Adolfo Caminha. Fato é que essa "correia de transmissão" não ocorreu entre nós. O argentino Francisco Madariaga tem uma distinção entre Surrealismo na Europa e na América Latina que me parece fundamental mencionar aqui. Diz ele que o Surrealismo sempre lhe foi uma boda e não um protesto: "não me serviu para rejeitar o mundo, mas sim para celebrá-lo". E diz ainda: "a realidade americana, com seus excessos, já cumpre com a rebelião que os europeus deveriam levar adiante através de seus ataques ao racionalismo". Tal celebração, no entanto, deve ser observada criteriosamente. No caso do Chile, por exemplo, o grande pai da modernidade que é Pablo de Rokha deu à poesia chilena seus melhores e piores versos, como se costuma dizer. Logo em seguida teríamos Huidobro, Rosamel del Valle, Neruda e Díaz-Casanueva. No entanto, o grupo surrealista Mandrágora não estabelecia vínculos de espécie alguma com essa tradição. No Peru havia ainda um gesto mais exacerbado de ruptura. E ficaríamos aqui enumerando situações idênticas. Octavio Paz é de uma geração posterior à dos primeiros poetas surrealistas. O chileno Ludwig Zeller chamou a atenção para a poesia de Rosamel del Valle, seu fundamental aporte surrealista. Chegou a publicar livros do mesmo. Paz não foi parcial, mas antes discricionário. Minimiza a presença do Surrealismo no grupo Contemporâneos e estabelece falsas conexões, sempre com interesses políticos que visavam mantê-lo na pauta do dia. As conexões que mencionas não existem intencionalmente, não foram buscadas. Por uma análise histórica podemos localizá-las, como o faz Stefan Baciu, por vezes até inventando antecedentes para o Surrealismo na América Hispânica, como situa o argentino Girondo e sobretudo o chileno Huidobro. Dessas conexões vistas a posteriori são exemplos o venezuelano José Antonio Ramos Sucre e o peruano José María Eguren. Se entendi bem tua colocação, ela diz respeito a um diálogo entre Surrealismo e um passado local, subversões marginalizadas, prenunciações etc. Um exemplo solto: Blaise Cendras vir ao Brasil e nos apresentar a riqueza subversiva de um Príncipe do Fogo.

CW - Que beleza! Com essas observações, você está continuando e detalhando o ensaio de O Começo da Busca, talvez iniciando o estudo que falta sobre movimentos poéticos na América Latina, examinando-os no detalhe, e não só no atacado ou em forma de diagrama, como no restante da bibliografia. Que coisa estranha - chilenos, e muitos outros latino-americanos embeberam-se de geração 27 espanhola, que, por sua vez, naquele momento, havia assimilado, sim, imagética surrealista - e acho que Ángel Pariente registrou isso corretamente. E, ao mesmo tempo os surrealistas latino-americanos propriamente ditos não tinham nada a ver com isso, fizeram outro tipo de conexão…! Sou contra um tipo de visão meio religiosa de surrealismo, apenas como realização de princípios ou fundamentos. Sempre, e isso vale para os surrealismos (é, assim mesmo, no plural) ibero-americanos e para esse colossal Surrealismo português à margem do Surrealismo, relacionaram-se com um contexto, não no sentido de o expressarem (o que seria determinismo), mas de interagir, reagir, adotar posturas críticas com relação a isso ou aquilo. A essa historicidade dos surrealismos correspondem grandes momentos de lucidez. Reconstitui-los isso é trazer algo de importante ao conhecimento da relação entre literatura e sociedade, e da relação de cada movimento ou manifestação com os seus particulares contextos literários e sociais. Ah sim, gostei de você estar sabendo do Jarbas e do Roldan-Roldan. Antenadíssimo. Precisamos dedicar futuramente algumas linhas a cada um deles. Mas prossigamos nessa questão da diversidade de histórias e situações dos surrealismos. À frente, ainda quero entrar na diversidade da expressão propriamente literária, na pluralidade das escritas surrealistas, bem tratada em sua antologia.

FM - O roteiro dessas conexões a serem revistas - na maior parte delas, anotadas pela primeira vez - é algo fundamental e que tem escapado à nossa historiografia. Aliás, eu me pergunto se o verbo é este mesmo. Veja o caso da biblioteca do Mário de Andrade, com inúmeros exemplares de livros hispano-americanos devidamente autografados, ao mesmo tempo em que ele jamais se manifestou a respeito dessa literatura. E não é verdade que o desinteresse era mútuo. Nos anos 50, por exemplo, o grupo Poesía Buenos Aires estava interessado no Brasil, através de Raúl Gustavo Aguirre e principalmente de Rodolfo Alonso, e publicaram na revista homônima poemas de Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima. Agora, eu acho até natural a existência de uma relação entre Espanha e América Hispânica - o que não ocorreu entre Brasil e Portugal. Já nos anos 20, havia uma interação, envolvendo nomes de um lado e outro, tais como César Vallejo, Vicente Huidobro, Juan Larrea e Gerardo Diego. Poetas como Juan Ramón Jiménez, Luis Cernuda e Federico García Lorca influenciaram largamente a poesia hispano-americana. Contudo, esta poesia soube renovar-se, o que não ocorreu com a espanhola. Recorde que Breton não falava espanhol - nem demonstrou nenhum interesse em aprendê-lo -, vindo daí uma completa falta de visão acerca do que se passava com a poesia em toda a extensão do idioma. Aliás, essas conexões com outras culturas foram feitas em grande parte graças ao Benjamin Péret. Também sou contra todo tipo de inquestionabilidade. E cabe mencionar que justamente o Surrealismo se fez mais forte naqueles artistas que souberam adotar uma postura crítica, assim possibilitando desdobramentos que enriquecem o assunto. Interessa aí traçar uma distinção entre visão crítica e rejeição a priori. Enrique Molina diz que "a poesia deve nascer, não de idéias intelectuais mas sim de vivências profundas". Tal observação nos permite uma releitura de Lugones e Borges, por exemplo. Ou como o próprio Molina sugere: uma distinção entre Baudelaire e Mallarmé. Complementares? Sim, desde que percebamos as distinções. Outra estranheza envolvendo o Surrealismo relaciona-se com o realismo mágico da prosa de ficção hispano-americana. É uma tolice pensar que essa ficção tenha representado uma rejeição ao realismo sem influência do Surrealismo. Não chega a ser um desdobramento pelo simples fato de que isoladamente a perspectiva estética não interessa ao Surrealismo. E em termos de compromissos existenciais bem sabemos a querela que envolve autores ligados a essa tendência. Há, contudo, uma presença marcante na literatura latino-americana que diz respeito à prosa poética. Somente uma cegueira crítica muito particular não permite a leitura de José Antonio Ramos Sucre, cuja obra poética foi toda escrita em prosa. E há ainda outro aspecto, o do verso de corte longo, que extravasa a linha e segue praticamente em busca do infinito, imprimindo um ritmo bem distinto da ruptura já provocada pela inserção do verso livre. Pois bem, essa medida do verso, que hoje encontramos em um José Kozer, caberia observá-la à luz da poesia do chileno Pablo de Rokha ou do argentino Enrique Molina, por exemplo. Não quero dizer, claro, que esses aspectos todos estejam ligados ao Surrealismo. Minha preocupação é bem outra: que sejam discutidos sem preconceito algum.

CW - O que vejo nesses seus comentários, onde acabamos abarcando desde Jarbas Medeiros até José Antonio Ramos Sucre, passando por Adolfo Caminha, não é apenas uma possibilidade de ampliação do estudo sobre Surrealismo. É algo maior, diria até de dimensões enciclopédicas, o levantamento e o estudo do excêntrico em literatura, do insuficientemente lido, daquilo ainda não incorporado ao repertório dos críticos e aos cardápios dos estudos literários. De certo modo, isso é feito em Agulha, e de modo mais sistemático na Banda Hispânica. O último comentário que eu teria, então, assim completando minha participação nessa nossa conversa, é sobre a diversidade da poesia surrealista, evidentemente por confundir-se ou sobrepor-se em parte a esse continente do que está à margem, do não-catalogado, portanto do diverso. Dessa diversidade faz parte o pathos, a intensidade passional evidente em César Moro, sem dúvida um hiper-romântico, assim como, no pólo oposto, a ironia e a vocação até satírica de Juan Calzadilla. Ou então, a combinação de furor, lirismo e sarcasmo em Piva. E também, indo ao detalhe, algo como o Retorno de Nietzsche de Raúl Henao (belo poeta, por sinal - fica evidente, por essa seleção, que todos eles mereciam ter mais obras publicadas aqui…), ampliando o que se pode entender por “surrealismo”. Isso que chamo de diversidade dentro do Surrealismo ficaria mais evidente ainda se houvesse sido possível incluir alguém como o venezuelano Pérez Perdomo, um sui generis por excelência. Enfim, todos são poetas surrealistas, e, ao mesmo tempo, poetas com personalidade própria - talvez por isso mesmo, por terem personalidade própria, acabaram estabelecendo vínculos - distintos em cada caso - com o Surrealismo.

FM - O que estamos fazendo na Agulha não tem equivalente em nossa imprensa cultural. Não se trata simplesmente de recolher matérias interessantes e publicá-las. Estamos sistematizando possibilidades de leituras críticas acerca de nossa realidade, de uma maneira ampla e sem vício ou acomodação de ordem alguma. E sobretudo estamos buscando temas e colaboradores que, além da consistência indispensável, constituam um repertório não percebido por críticos, editores e jornalistas de uma maneira geral. No caso da Banda Hispânica, ali se encontra particularizada uma ambientação hispano-americana, centrada na poesia e no ensaio. Já observei que futuramente o material que se encontra disponível pode ser convertido em livros múltiplos, de ensaios, entrevistas, depoimentos etc., inclusive volumes monotemáticos sobre determinados autores. Trata-se de um vasto material crítico que vem sendo disponibilizado com atualizações bimestrais e que bem poderia já estar sendo utilizado por professores de literatura em nossas universidades. Também já poderia contar com o apoio, em termos de difusão, da parte da imprensa impressa, amparando a complexa tarefa de refazer todo um país de um estado de mendicância cultural. Quanto à diversidade do Surrealismo, a partir do que se pode perceber nas páginas de O Começo da Busca, sim, há um amplo espectro que o livro apenas ajuda a descortinar. Evidente que se pode pensar em novas edições ampliadas ou mesmo em um segundo volume, sem dúvida, aí incluindo a possibilidade de antologias pessoais. Poetas como o equatoriano César Dávila Andrade, os dominicanos Domingo Moreno Jiménes e Franklin Mieses Burgos, este venezuelano tão bem evocado por ti, Francisco Pérez Perdomo - cujo livro Los venenos fieles (1963) necessita ser recuperado -, o guatemalteco Luis Cardoza y Aragón, os argentinos Carlos Latorre e Olga Orozco, dentre inúmeros outros, não nos deixando de fora uma vez mais, são exemplos dessa diversidade que mencionas. Inclusive caberia observar, sem os costumeiros prejuízos de escolas ou mesmo igrejas literárias, as saudáveis influências do Surrealismo na obra de outros tantos (José Lezama Lima, Jorge Gaitán Durán, Blanca Varela). Como essas aproximações ou recuperações não foram feitas até hoje, e isto em âmbito continental, é natural que nos ressintamos de muitas ausências. De qualquer forma, confirma-se o mais importante: a inexistência de um segmento irreflexo do Surrealismo na América Latina. Nenhum desses poetas disse amém cegamente às origens parisienses do movimento. Souberam fazer uma inestimável leitura, mantendo particularidades essenciais à defesa estética de cada um, o que, a rigor, amplia e mantém aceso o ânimo surrealista.

Fonte:
Revista Agulha # 23, Fortaleza/São Paulo, abril de 2002
http://www.triplov.com/surreal/index.html

Machado de Assis (A última receita)

A viúva Lemos adoecera; uns dizem que dos nervos, outros que de saudades do marido.

Fosse o que fosse, a verdade é que adoecera, em certa noite de setembro, ao regressar de um baile. Morava então no Andaraí, em companhia de uma tia surda e devota. A doença não parecia coisa de cuidado; todavia era necessário fazer alguma coisa. Que coisa seria? Na opinião da tia um cozimento de altéia e um rosário a não sei que santo do céu eram remédios infalíveis. D. Paula (a viúva) não contestava a eficácia dos remédios da tia, mas opinava por um médico.

Chamou-se um médico.

Havia justamente na vizinhança um médico, formado de pouco, e recente morador na localidade. Era o dr. Avelar, sujeito de boa presença, assaz elegante e médico feliz. Veio o dr. Avelar na manhã seguinte, pouco depois das oito horas. Examinou a doente e reconheceu que a moléstia não passava de uma constipação grave. Teve entretanto a prudência de não dizer o que era, como aquele médico da anedota do bicho no ouvido, anedota que o povo conta, e que eu contaria também, se me sobrasse papel.

O dr. Avelar limitou-se a torcer o nariz quando examinou a enferma, e a receitar dois ou três remédios, dos quais só um era útil; o resto figurava no fundo do quadro.

D. Paula tomou os remédios como quem não queria deixar a vida. Havia razão. Apenas dois anos fora casada, e contava apenas vinte e quatro anos. Havia já treze meses que lhe morrera o marido. Apenas entrara no pórtico do matrimônio.

A esta circunstância é justo acrescentar mais duas; era bonita e tinha alguma coisa de seu. Três razões para agarrar-se à vida como o náufrago a uma tábua de salvação.

Uma única razão haveria para que ela aborrecesse o mundo: era se tivesse realmente saudades do marido. Mas não tinha. O casamento fora um arranjo de família e dele próprio; Paula aceitou o arranjo sem murmurar. Honrou o casamento, mas não deu ao marido nem estima nem amor. Viúva dois anos depois, e ainda moça, é claro que a vida para ela começava apenas. A idéia de morrer seria para ela não só a maior de todas as calamidades, mas também a mais desastrada de todas as tolices.

Não quis morrer nem o caso era de morte.

Os remédios foram tomados pontualmente; o médico mostrou-se assíduo; dentro de poucos dias, três a quatro, estava restabelecida a interessante enferma.

De todo? Não.

Quando o médico voltou no quinto dia, achou-a sentada na sala, envolvida em grande roupão, com os pés numa almofada, o rosto extremamente pálido, e muito mais ainda por causa da pouca luz.

O estado era natural em quem se levantava da cama; mas a viuvinha alegou ainda umas dores de cabeça, a que o médico chamou nevralgia, e uns tremores, que foram classificados no capítulo dos nervos.
— Serão graves moléstias? perguntou ela.
— Oh! não, minha senhora, respondeu Avelar, são achaques aborrecidos, mas não graves, e geralmente próprios de doentes formosas.

Paula sorriu com um ar tão triste que fazia duvidar do prazer com que ouviu estas palavras do médico.
— Dá-me porém remédios, não? perguntou ela.
— Sem dúvida.

Avelar receitou efetivamente alguma coisa e prometeu voltar no dia seguinte.

A tia era surda, como sabemos, não ouvia nada da conversa entre os dois. Mas não era tola; começou a reparar que a sobrinha ficava mais doente quando se aproximava a chegada do médico. Além disso nutria dúvidas sérias acerca da aplicação exata dos remédios. O certo é porém que Paula, tão amiga de bailes e passeios, parecia realmente doente porque não saía de casa.

Notou igualmente a tia que, pouco antes da hora do médico, a sobrinha fazia uma aplicação mais copiosa de pó-de-arroz. Paula era morena; ficava muito branca. A meia luz da sala, os xales, o ar mórbido tornavam-lhe a palidez extremamente verossímil.

A tia não parou nesse ponto; foi ainda além. Não era médico o Avelar? Naturalmente devia saber se realmente estava enferma a viúva. Interrogado o médico, asseverou que a viúva estava muito mal, e prescreveu-lhe o mais absoluto repouso.

Tal era a situação da enferma e do facultativo.

Um dia em que este entrou achou-a folheando um livro. Estava com a palidez de costume e o mesmo ar abatido.
— Como vai a minha doente? disse familiarmente o dr. Avelar.
— Mal.
— Mal? — Horrorosamente mal... Que lhe parece o pulso? Avelar examinou-lhe o pulso.
— Regular, disse ele. A tez está um tanto pálida, mas os olhos parecem bons... Houve algum ataque? — Não; mas sinto-me desfalecida.
— Deu o passeio que lhe aconselhei? — Não tive ânimo.
— Fez mal. Não passeou e está lendo...
— Um livro inocente.
— Inocente? O médico pegou no livro e examinou-lhe a lombada.
— Um livro diabólico! disse ele atirando-o para cima da mesa.
— Por quê? — Livro de poeta, livro para namorados, minha senhora, que é uma casta de doentes terríveis. Não se curam eles; ou raramente se curam; mas há pior, que é adoecerem os sãos. Peço-lhe licença para confiscar o livro.
— Uma distração! murmurou Paula com uma doçura capaz de vencer um tirano.

Mas o médico mostrou-se firme.
— Uma perversão, minha senhora! Em ficando boa pode ler se quiser todos os poetas do século; antes, não.

Paula ouviu esta palavra com singular, mas disfarçada alegria.
— Parece-lhe então que estou muito doente? disse ela.
— Muito, não digo; tem ainda um resto de abalo que só pode desaparecer com o tempo e um regime severo.
— Severo demais.
— Mas necessário...
— Duas coisas lastimo sobre todas.
— Quais? — A pimenta e o café.
— Oh! — É o que lhe digo. Não tomar café nem pimenta é o limite da paciência humana. Quinze dias mais deste regime ou desobedeço ou expiro.
— Nesse caso, expire, disse Avelar sorrindo.
— Acha melhor? — Acho igualmente mau. O remorso, porém, será meu só, enquanto que se V. Excia.
desobedecer terá os seus últimos instantes amargurados por um tardio arrependimento.

Melhor é morrer vítima que culpada.
— Melhor é não morrer nem culpada nem vítima.
— Nesse caso não tome pimenta nem café.

A leitora que acaba de ler esta conversa, admirar-se-ia muito se visse a nossa doente nesse mesmo dia ao jantar: teve pimenta à farta e bebeu excelente café no fim. Não admira porque era o seu costume. A tia admirava-se com razão de uma doença que consentia tais liberdades; a sobrinha não se explicava cabalmente a este respeito.

Choviam convites de jantares e bailes. A viuvinha recusava-os todos por causa do seu mau estado de saúde.

Foi uma verdadeira calamidade.

Entraram a chover as visitas e bilhetes. Muitas pessoas achavam que a doença devia ser interna, muito interna, profundamente interna, visto que lhe não apareciam sinais no rosto.

Os nervos (eternos caluniados!) foram a explicação que geralmente se deu à singular moléstia da moça.

Três meses correram assim, sem que a doença de Paula cedesse uma linha aos esforços do médico. Os esforços do médico não podiam ser maiores; de dois em dois dias uma receita. Se a doente se esquecia do seu estado e entrava a falar e a corar como quem tinha saúde, o médico era o primeiro a lembrar-lhe o perigo, e ela obedecia logo entregando-se à mais prudente inação.

Às vezes zangava-se.
— Todos os senhores são uns bárbaros, dizia ela.
— Uns bárbaros... necessários, respondia Avelar sorrindo.

E acrescentava: — Eu não direi o que são as doentes.
— Diga sempre.
— Não digo.
— Caprichosas? — Mais.
— Rebeldes? — Menos.
— Impertinentes? — Sim. Algumas são impertinentes e amáveis.
— Como eu.
— Naturalmente.
— Já o esperava, dizia a viúva Lemos sorrindo. Sabe por que razão lhe perdôo tudo? É porque é médico. Um médico tem carta branca para gracejar conosco; isso mesmo nos dá saúde.

Neste ponto levantou-se.
— Parece-me até que já estou melhor.
— Parece e está... quero dizer, está muito mal.
— Muito mal? — Não, muito mal, não; não está boa...
— Meteu-me um susto! Seria realmente zombar do leitor o explicar-lhe que a doente e o médico estavam a pender um para o outro; que a doente sofria tanto como o Corcovado, e que o médico conhecia cabalmente a sua perfeita saúde. Gostavam um do outro sem se atreverem a dizer a verdade, simplesmente pelo receio de se enganarem. O meio de se falarem todos os dias era aquele.

Mas gostavam eles já antes da fatal constipação do baile? Não. Até então ignoravam a existência um do outro. A doença favoreceu o encontro; o encontro o coração; o coração favorecia desde logo o casamento, se tivessem caminhado em linha reta, em vez dos rodeios em que andavam.

Quando Paula ficou boa da constipação adoeceu do coração; não tendo outro recurso fingiu-se doente. O médico, que pela sua parte desejava isso mesmo, exagerou ainda as invenções da suposta enferma.

A tia, sendo surda, assistia inutilmente aos diálogos da doente com o médico. Um dia escreveu a este pedindo-lhe que apressasse a cura da sobrinha. Avelar desconfiou da carta a princípio. Seria uma despedida? Podia ser pelo menos uma desconfiança.

Respondeu que a moléstia de D. Paula era aparentemente insignificante, mas podia tornar-se grave sem um regime severo, que ele lhe recomendava sempre.

A situação, entretanto, prolongava-se. A doente estava cansada da doença, e o médico da medicina. Ambos eles começaram a desconfiar que não eram mal aceitos. O negócio entretanto não caminhava muito.

Um dia Avelar entrou triste em casa da viúva.
— Jesus! exclamou sorrindo a viúva; ninguém dirá que é o médico. Parece o doente.
— Doente de lástima, disse Avelar abanando a cabeça; por outros termos, é a lástima que me dá este ar enfermo.
— Lástima de quê? — De V. Excia.
— De mim? — É verdade.

A moça riu-se consigo mesma; todavia esperou a explicação.

Houve um silêncio.

No fim dele: — Sabe, disse o médico, sabe que está muito mal? — Eu? Avelar fez um gesto afirmativo.
— Já o sabia, suspirou a doente.
— Não digo que tudo esteja perdido, continuou o médico, mas nada se perde em prevenir.
— Então...
— Coragem! — Fale.
— Mande chamar o padre.
— Aconselha-me a confissão? — É indispensável.
— Perderam-se todas as esperanças? — Todas. Confissão e banhos.

A viúva soltou uma risada.
— E banhos? — Banhos de igreja.

Outra risada.
— Aconselha-me então o casamento.
— Justo.
— Imagino que está gracejando.
— Estou falando muito sério. O remédio não é novo nem desprezível. Todas as semanas lá vão muitos enfermos, e dão-se bem alguns deles. É um específico inventado desde muitos séculos e que provavelmente só acabará no último dia do mundo. Pela minha parte nada mais tenho que fazer.

Quando a viuvinha menos esperava, Avelar levantou-se e saiu. Falava sério ou gracejava? Dois dias se passaram sem que o médico voltasse. A doente estava triste; a tia aflita; houve idéia de mandar chamar outro médico. Recusou-a a doente.
— Então só um médico acertou com a tua moléstia? — Talvez.

No fim de três dias recebeu a viúva Lemos uma carta do médico.

Abriu-a.

Dizia assim: É absolutamente impossível esconder por mais tempo o que sinto por V. Excia. Amo-a.

Sua moléstia precisa de uma última receita, verdadeiro remédio para quem ama — sim, porque V. Excia. também me ama. Que razão obrigaria a negá-lo? Se a sua resposta for afirmativa haverá mais dois entes felizes neste mundo.

Se negativa...

Adeus! A carta foi lida com explosão de entusiasmo; o médico foi chamado a toda a pressa, para receber e dar saúde. Casaram-se os dois daí a quarenta dias.

Tal é a história da Última receita.

Fonte:
http://www.dominiopublico.gov.br

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Capitão Assis (1908 - 2008)

Capitão Assis recebendo diploma de cidadão taubateano

Capitão Benedicto Nunes de Assis, Capitão Assis, como é conhecido, nasceu em São José dos Campos no dia 22 de fevereiro de 1908.

Poeta, trovador, o capitão Assis dizia que de tanto rezar, Deus o ouviu, e lhe deu uma velhice sossegada. “Deus não me deixou sem amparo. Aí estão os meus filhos, com suas famílias, mas não esquecem o velho pai. Tenho o carinho e a solícita assistência deles a qualquer momento. Filhos abençoados!”

Taubaté linda terra onde as igrejas
Se multiplicam espalhando a luz
Da fé que leva os homens a Jesus,
Que pelo teu labor bendita sejas
Labor fecundo pois que tu vicejas
Entre palmeiras, chaminés e a cruz.

Benedicto Assis foi empregado em vários estabelecimentos comerciais de São José. Com 18 anos, foi incorporado às fileiras do Exército Brasileiro, onde serviu por mais de 25 anos. “Ele ajudou, desta forma, a escrever páginas brilhantes e heróicas da nossa história militar”, disse a vereadora Pollyana Whinter em sua saudação ao cidadão taubateano.

Por ocasião da Revolução Constitucionalista de 1932, Assis prestou serviços no 6° Regimento de Infantaria em Caçapava.

Com a formação da Força Expedicionária Brasileira, o então sargento Assis é selecionado para lutar na 2ª Grande Guerra Mundial, indo para a Europa em junho de 1944. “O sargento Assis viveu intensamente as agruras de um frio hostil desconhecido dos brasileiros, tudo agravado pelo soar das bombas e do matracar das famosas e terríveis ‘lurdinhas'”, disse a vereadora.

De volta ao Brasil, e depois de passar por São Gonçalo (RJ) e Caçapava, veio para Taubaté em 1948 como delegado do serviço militar.

Com a ida para a reserva, Assis participa ativamente da Associação dos Ex-combatentes do Brasil - seção de Taubaté, onde exerceu todos os cargos de diretoria.

Certa vez, num discurso, quando era Presidente da Associação dos ex-combatentes do Brasil, declarou: "que esta Associação seja extinta"... seus colegas de Associação se assombraram com as palavras, indagando se ele queria dissolver o grupo, quando, receberam como resposta: "Desejo que nunca mais hajam conflitos no mundo, e assim sendo não haverá novos membros para nossa Associação, pois ela não terá mais razão de existir"...

Foi, em Taubaté, Presidente da Federação das Congregações Marianas, do Círculo Operário, da Associação dos ex-combatentes do Brasil e da União Brasileira de Trovadores (alcançando, nesta última, a presidência estadual). Foi Escritor, poeta, sonetista, hacaísta, e trovador, tendo lançado três livros. Membro efetivo da Academia Taubateana de Letras. Destacamos ainda, sua dedicação às obras vicentinas, tendo participado de conferências e de diretorias das Casas Pias de Taubaté. Estava sempre alegre, sorrindo, e pronto para declamar inúmeras poesias de autoria própria, de poetas taubateanos e de outras terras... Possuía uma excelente memória, sendo raro encontrar alguém com a mesma capacidade de memorização.

“Exímio articulador de palavras”, no dizer da vereadora Pollyana, Assis começa a participar de concursos de trovas, conseguindo inúmeros prêmios por todo o país. Foi presidente da União Brasileira de Trovadores, seção de Taubaté e da seção paulista. Ele ocupa a cadeira nº 38 da Academia Taubateana de Letras.

Padre Frederico Meirelles (que reside na Inglaterra) disse que um detalhe que o encanta no capitão Assis é que, mesmo militar e educado à severidade das normas e das regras da hierarquia e do dever de servir, “este homem que conheceu até a guerra de perto, nunca perdeu a ternura e a delicadeza de poeta, e em seus versos melodiosos, de leveza e graça quase maternais deu vazão ao seu coração apaixonado nos ensinando a amar a família, a pátria e a Deus”.

Capitão Assis faleceu na madrugada de 30 de abril de 2008. O cortejo fúnebre dirigiu-se ao Mausoléu dos ex-combatentes da FEB, no Cemitério Municipal de Taubaté.

Nas palavras de Adelmar Tavares:

No momento derradeiro,
Antes do sono feliz,
Compus em gotas de pranto
A trova que nunca fiz.

Morte!... No termo das provas,
Senhor, agradeço a luz
Com que adornaste de trovas
As trevas de minha cruz!

Fontes:
http://www.camarataubate.sp.gov.br/
http://www.universoespirita.org.br/
Colaboração de Luiz Antonio Cardoso

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Risoleta Pinto Pedro (Escritora Portuguesa)

Foram-lhe atribuídos dois prêmios de poesia e no drama escreveu O Deserto, o Mar e o Tempo, peça representada pelo TE-ATO de Leiria; a convite deste mesmo grupo, escreveu Um Olhar Azul, também representada por esse mesmo grupo.

Em 2001, no Solar dos Zagalos em Almada, realizou-se um concerto com música do compositor Paulo Brandão para vozes, celesta, clarinete baixo e tímpanos, com poemas seus sobre o 25 de Abril, também por convite. No mesmo ano, um seu libreto, para a cantata Conquistador, sobre D. Afonso Henriques, com música do compositor Jorge Salgueiro, teve, durante os meses de Maio e Junho, espetáculos em Lisboa, Fátima e Coliseu do Porto. Em Maio, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, realizou-se um espetáculo de bailado, Viagens de Luar, com base em poema de sua autoria, Sensualua. Participou ainda no Júri do prêmio de poesia José Régio, da Câmara Municipal de Celorico da Beira, onde também apresentou uma comunicação sobre a poesia de Mário Máximo. Em 2002, a participação no 3º número da revista temática de poesia Saudade, de Amarante. Estreou, também, um espetáculo de bailado pela AMALGAMA – Companhia de Dança de Mafra, a partir de texto seu (A LUZ E O DESEJO), encomendado por essa companhia.

Participação, com o poema “Conquista-me”, num projeto de Canções Eróticas Portuguesas de vários autores, com música de Jorge Salgueiro, interpretado pelo grupo Negros de Luz.

Assinou uma crônica semanal, Quarta-Crescente, transmitida às quartas-feiras na rubrica O Sentido das Palavras, do Programa “Despertar dos Músicos”, da RDP – Antena 2, entre Janeiro e Setembro de 2003. Escreveu quinzenalmente crônicas para os jornais Cidade de Tomar e Despertar do Zêzere, mantendo-se a colaboração com este último. A partir de Outubro de 2003, iniciou a colaboração regular com a revista O Professor, da Editorial Caminho, que mantém. Registra também participações ocasionais na revista História com crítica de teatro e literatura. Estreou em Outubro de 2003, no Convento de São Paulo, na Serra D’Ossa, o espetáculo Mutações, com base em textos seus, pela Amalgama – Companhia de Dança de Mafra. Espetáculos ainda em Novembro, no Convento de Mafra.

Uma ópera infantil em dois atos com libreto seu e música de Jorge Salgueiro, O Achamento do Brasil, com espetáculos realizados em Abril de 2004 no Fórum Lisboa, e Maio do mesmo ano em Fátima, Barreiro, Sintra e Teatro Rivoli do Porto. Foi publicada na altura uma Banda Desenhada com texto extraído do libreto de sua autoria. Ainda para este compositor escreveu o musical Kate e o Skate (uma encomenda do Coro Infantil de Setúbal) que será apresentado ainda este ano, em Julho.

Tem participado com textos seus em catálogos de pintura e escultura dos artistas plásticos Alcariota e Fernando Sarmento e apresentou vários livros de poesia, nomeadamente de Ana Viana, Daniel Domingos Dias, Mário Máximo, Ana Cristina Peres, Manuel Amaral, Orfeu B., Maria Virgínia Monteiro e Isabel Millet.

Também escreveu para a fotografia de Renato Monteiro, cujo livro sobre a Arte da Xávega apresentou. Estreado a 1 de Outubro no Convento de S. Paulo o espetáculo multicultural Venite in Silentio (dança, representação, música, artes plásticas) para o qual contribuiu com a criação de uma narrativa que acompanhou a criação do mesmo e vice-versa. A estreia coincidiu com o lançamento do livro de sua autoria com o mesmo título: Venite in Silentio . Este espetáculo tem realizações previstas para este verão, na Quinta da Regaleira, em Sintra, e em Mafra. Escreveu poemas e textos para os espetáculos e catálogos de À Flor do Caos e De Olisipo a Lisboa, produzidos pela Escola Secundária Artística António Arroio, assim como para o projeto “Espaço Habitado”, uma colaboração desta escola com o CCB, no mês de Maio de 2005, numa performance onde colabora com textos e voz off. Na Escola Secundária Artística António Arroio estreou em Junho de 2005 uma peça de teatro para marionetes de sua autoria Adeus, inspirada em poema de Eugénio de Andrade.

Também a cantata O Conquistador foi reposta no passado mês de Maio em Lisboa (Coliseu dos Recreios), Sintra (Centro Cultural Olga Cadaval) e Fátima (Pavilhão Paulo VI). Tem sido convidada pela Associação Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, a convite das quais, como oradora, fez conferências e participou em colóquios sobre estas duas personalidades. Pela Fundação Cultural Sintra foi convidada para a Quinta da Regaleira, como escritora, no dia Mundial da Poesia de 2005, a fim de ler poemas seus. Foi igualmente convidada, recentemente, a realizar na SPA, um colóquio sobre a sua experiência no âmbito da escrita para música (canção, libreto, musical e cantata), o que fez conjuntamente com o compositor Jorge Salgueiro. Em Julho de 2005 estreou, em Setúbal, no teatro Luísa Toddi, o musical Kate e o Skate, com libreto de sua autoria e música de Jorge Salgueiro. Uma encomenda do Coro infantil de Setúbal.

É cronista regular (“Quarta-Crescente”) de uma página da editora Unicepe, no Porto, de O Despertar do Zêzere e de O Progresso de Gondomar Mantém o seu próprio blog, com o seguinte endereço: http://risocordetejo.blogspot.com/

Publicou os seguintes livros:
- A Criança Suspensa, Prêmio Ferreira de Castro, de ficção narrativa, da Câmara de Sintra, edição da Câmara Municipal de Sintra, Dezembro de 1996
- O Corpo e a Tela, Hugin Editores, Lisboa, Julho de 1997
- O Aniversário, Prêmio Revelação APE/IPBL 1994, Ficção, Difel – Difusão Editorial, Lisboa, Maio de 1998
- A Compreensão da Lua, Hugin Editores, Lisboa, Abril de 1999
- O Arquiteto, Hugin Editores, Lisboa, Março de 2002 - Venite In Silentio, Unicepe, Porto, Setembro de 2004
- Contos de Azul e Terra, romance, em co-autoria com Raquel Gonçalves, Hugin, Lisboa, Novembro de 2004

Participou ainda nas seguintes publicações:
- “O Teatro é como as Cerejas”, in Uma questão de Tempo, de Jaime Salazar Sampaio, Hugin Editores, Lisboa, Setembro de 1999
- “Um Pai Natal de Sonho”, in Contos Eróticos de Natal, Hugin Editores, Lisboa, Dezembro de 2000
- “O Pintor sem Rosto”, in O Homem em Trânsito, Histórias de Intimidade e de Mistério, col. Minimezas, Indícios de Oiro – Edições Ld.ª, Lisboa, Dezembro de 2002.
- “O Homem da Minha Vida...”, in MARGENS outros de nós, Padrões Culturais Editora, Col. Paixões Mundanas nº 13, Lisboa, Novembro 2004
- O Achamento do Brasil, uma Ópera em Banda Desenhada, (libreto), Foco Musical- Educação e Cultura Lda, Lisboa, 2004
- “Conquista-me” in Dez Anos de Inquietação, CD dos Negros de Luz, concebido e produzido por Jorge Salgueiro, compositor e diretor do mesmo. Ed. Tradisom, 2005

Fonte:
http://triplov.com/letras/risoleta_pedro/index.htm

Risoleta Pinto Pedro (O Caderno)

(Este texto/reflexão deriva de uma comunicação/aula/conversa/conferência para alunos de uma escola de medicina holística no passado ano letivo)

Com o caderno cada
Aluno aprende

Enquanto
Recebe
Na medida
Ótima. Oculta.

Do dicionário: na entrada: “Caderno”, a etimologia aparece como remontando ao latim “quaternus”, que significa “de quatro em quatro”. Quádruplos, constante de quatro elementos, porque eram as partes em que se dobrava um “folio” (folhas de impressão com quatro páginas impressas).

O que faz todo o sentido. O quatro é o número da estabilidade e da matéria. O caderno é a matéria na qual nós podemos construir/observar o nosso mapa/processo/estrada. É ele, bem enquadrado no solo, que vai permitir-nos voar. Sem esse solo, poderemos elevar-nos ao sol, mas em breve estaremos no solo. Bem estatelados. Não quadrados, mas esborrachados.

Na música, o compasso quatro por quatro é de uma grande regularidade e equilíbrio. Curiosamente, ou não, também se representa por um “C”.

Enfim, podemos ficar por aqui no que toca a especulações, embora fosse possível continuar assim durante umas horas…

Qual é afinal, a idéia, com esta conversa?

- Não vou dizer como se deve fazer um caderno

- Não vou dizer como se faz um caderno

- Pensei não dizer, tão pouco, como não se faz, porque isso seria dizer como eu faço; mas depois, pensando melhor, decidi fazê-lo, porque pelo menos sempre se fica a saber como é que não se faz, o que é útil, porque pode sempre aparecer quem queira fazer assim, o que também é bastante legítimo… Mas fica adiado mais para a frente…

- O que não vou certamente dizer é como é que acho que se deveria fazer. Primeiro porque não acho nada, segundo porque não sei, terceiro porque não devo.

PORQUE:

- Não está no meu feitio dizer às pessoas como devem fazer as coisas

- Ainda que estivesse no meu feitio, não sei dizer como se deve fazer uma coisa destas

- Ainda que fosse possível dizer uma coisa destas, não o faria, porque o caderno representa acima de tudo uma emocionante DESCOBERTA PESSOAL

O QUE POSSO DIZER:

- Como já fiz…

- Como fui fazendo…

- Como venho fazendo…

- Como gostaria de conseguir fazer…

- Como fazem algumas pessoas que conheço…

Um caderno é como o ADN, como a voz, como as impressões digitais: não existem dois iguais. Se houver, ou um deles está a mentir, ou talvez estejam os dois.

Então, a idéia, é o caderno ser o mais parecido possível com aquele/aquela que eu sou, com a verdade deste meu momento. Mas isso vai mudando, e assim, o caderno irá, certamente registrar uma sucessão de verdades, ele irá ser diferente ao longo do tempo. Se assim não for, é mentira.

DIÁRIO DA LUZ E DA PELE

Foi um caderno que os meus alunos fizeram.

Pensei falar sobre isto porque talvez abra horizontes relativamente ao caderno.

Texto- próprio ou alheio

Escolha da cor que vai acompanhar este processo (uma cor em todos os cambiantes, modulações e tons possíveis) - O tema, que apenas excepcional e justificadamente poderia ser alterado durante o processo

Forma, matéria objetos, texturas, fotografia, desenho, colagem, pedaços de coisas, da natureza, ou não (dar exemplos: pacotes de açúcar, flores, sementes, incensos, fechos eclair, etc.), sempre na cor escolhida.

- O nome pode ser importante; neste caso ele foi dado por mim e era imutável, porque os ajudava a orientarem-se, era a sua bússola.

- Mas dar um nome ao caderno pode ser uma forma de tomar consciência do processo. Seria interessante que houvesse espaço para ir rebatizando o caderno. No final, uma análise dos vários nomes que o caderno foi tendo, pode ser um indicador interessante de muita coisa e pode ensinar muito.

- Em que consistia este caderno:

Alunos de uma escola de ensino artístico (artes plásticas) na disciplina de Português.

- O que se pretendia:

Basicamente, o mesmo que em relação a todos nós: que os alunos tomassem consciência do seu crescimento. Crescer, cresce-se sempre, mas às vezes não se dá por isso e portanto cresce-se menos. Se crescer com um irmão gêmeo, que neste caso é o caderno, sabemos do nosso crescimento através do nosso irmão. Que é a imagem. O caderno é um espelho. E eu posso intervir em mim através do caderno, intervindo nele, porque o espelho funciona nos dois sentidos.

- Para que servia o nome, que também era um tema:

Para não se perderem, para terem um fio condutor

Todos têm um fio condutor, podem é não saber disso, mas se formos ver bem, não anda muito distante da luz e da pele. Se calhar, a pele é o nosso caminho para a luz. Caminhamos sobre a pele com o olhar, com as mãos, com as agulhas, com o olfato, com a pele, com a nossa pele. A luz que procuramos é a que está dentro do corpo e num local secreto que o corpo ilumina. Mas temos de passar pela pele, enterrar, aprofundar, mergulhar nos poros, e penetrando no interior do corpo, retificá-lo, trazer à luz a preciosa pedra unitária.

Quando falo em luz não me refiro àquela luz artificial dos catecismos antigos, mas à luz que realmente ilumina o interior do corpo, a luz de profundidade, a visão do bem estar, da saúde, da compreensão do eu como um ser único, íntegro, indivíduo (in-dividuo), que significa o que não está dividido, porque “in” é um prefixo de negação.

A doença é quando o corpo se encontra fragmentado dentro de si e em relação ao todo, ao mundo, aos outros. No fundo, é isso que se pretende: pelo mapa da pele mas penetrando para lá da pele, mergulhar e percorrer os misteriosos corredores internos.

OUTROS CADERNOS

O CADERNO DOS SONHOS:

O lugar dele é sempre à cabeceira, Às vezes debaixo da almofada, às vezes ao lado da almofada, deve ter uma capa resistente para resistir ao corpo dos sonhos. É inseparável da caneta, que nunca deve afastar-se. Um caderno à cabeceira sem uma caneta (já me aconteceu) não serve para nada.

No caderno dos sonhos tanto posso escrever como desenhar, porque há sonhos que são desenháveis, que só podem mesmo ser desenhados…

Mas há O CADERNO DAS ESCRITAS, que deve colar-se ao meu corpo, porque posso escrever a meio da noite à saída de um sonho, na casa de banho, a fazer o jantar, a estender a roupa, a ver um filme, a andar na rua….

Daria jeito ao nosso caderno ter um corpo que lhe permitisse habitar vários meios: da banheira à cama passando pela rua, pelo autocarro ou pelo… cinema.

O fator presença, proximidade, intimidade, é muito importante. Não me serve de nada ter o caderno em casa se estou na rua, ou no carro se estou no teatro, ou na escola se estou a ver uma exposição.

Tenho também O CADERNO DA MEMÓRIA, onde colo coisas: bilhetes de espetáculos, postais que me enviam, moedas encontradas na rua, fotografias que me oferecem, espécies vegetais, cartões de visita, pequenos catálogos de exposições, e um sem número de coisas. (Este aprendi-o com um amigo)

O CADERNO DAS VIAGENS, onde escrevo percursos, sítios, desenho coisas que vi, frases que retive, frases que criei, pessoas que conheci, idéias que surgiram. Nesse caderno preparo as viagens, vivo as viagens e recrio as viagens. (Este aprendi-o com… talvez com Deus)

Um caderno pode ser utilizado como um diário, com a regularidade do sol, mas pode ser quase um horário, se o usarem com a mesma freqüência com que eu o faço. E não tenham receio se emudecerem um dia. O caderno, se é quadrado, pelo menos na origem, não tem de ser rígido. Pode ser a quadratura do círculo, e ser flexível, móvel, girar.

É claro que eu posso ser caótica, totalmente indisciplinada e anarquista, porque eu apenas tenho que o mostrar a mim mesma, que foi quem docemente me ordenou que o fizesse.

Quanto ao que se deve lá pôr, eu diria: tudo!

Mesmo que pensem que não sabem desenhar, não devem ter pudor em desenhar, se isso fizer sentido para vós, se o impulso do desenho saltar para a vossa mão

Eu não sou um bom exemplo, porque não tenho um caderno, tenho vários, um em cada sítio: cozinha, quarto, mochila, pasta, ao pé do PC, carro, etc. Nem sei quantos tenho. Se eu tivesse de fazer um caderno por me mandarem fazer, ou teria de grafar os cadernos todos, arquivá-los num dossiê, ou arrancar-lhes as folhas e dar-lhes uma organização. Realmente eu não sou um bom exemplo. Tenho o caderno dos sonhos, o caderno dos exercícios, o caderno de qualquer coisa que ando a escrever (que pode ser romance, cantata, musical, poemas, crônicas, este texto que estou aqui a transmitir-vos hoje, foi escrito assim, aos bocados…), o caderno dos alunos, o caderno das reuniões, o caderno das coisas que ando a estudar, o caderno dos desenhos, o caderno onde colo coisas, e acho que não acaba aqui… Se vocês forem assim pessoas dispersas terão de arranjar um truque para parecer que têm um caderno. Na verdade vocês têm um caderno, e mais outro, e mais outro…

Para as reuniões muito chatas (desde que não estejamos nós a dirigir), à falta de caderno, é sempre possível fazer poemas à margem das notas oficiais. Fiz imensos poemas numas reuniões assim… depois recortei os poemas e colei num caderno… que já não sei por onde anda.

E também podem dobrar em quatro os vossos fólios, à maneira da palavra latina “quaternum”, e fazerem, e até ritualizarem, o momento de criação do vosso caderno. Para quem isso for importante. Não há nada que seja proibido se for para ampliar e crescer.

Alguns cadernos que referi são cadernos parciais: de sonhos, de escrita, mesmo o dos meus alunos, com escrita e objetos e fotografia, mas o caderno é potencialmente, não obrigatoriamente, mas potencialmente, mais amplo, porque como terapeutas holísticos de nós mesmos ( e por extensão, do mundo) que todos deveríamos ser, nada poderá ficar de fora, e, de acordo com as características de cada um, que, naturalmente, dará diferente peso às várias possibilidades, aí poderemos incluir sonhos, reflexões, intuições, citações, revelações, esquemas, grelhas, questionários, listas, argumentações, entrevistas, reportagens, notícias, crônicas, críticas, apontamentos, descobertas, interrogações, dúvidas, possibilidades, bílis, cartas de amor…

Sob as formas de texto, traço, desenho, fotografia, objeto, colagem, corte, rasgão, cheiro, sabor, beijo e até… som (por que não poderá uma gravação num suporte qualquer fazer parte de um caderno assim? Ou um suporte multimídia?)

Enfim… acho que comecei a falar do quadrado e terminei a falar do infinito, porque o “problema” ou o encanto (depende do ponto de vista) do quatro é que pode sempre transformar-se num oito deitado, o sinal do infinito. Cabe-nos a vós decidir se queremos um caderno atado com uma corrente a uma secretária, ou um caderno a voar por aí e nós agarrados a ele a sobrevoarmos o mundo, ao estilo Super-Homem, Mary Poppins, anjo ou folha de árvore em outonal dia de vento e da desarrumação que precede a ordem, o compasso quaternário…

Fontes:
http://triplov.com/letras/risoleta_pedro/Caderno/index.htm
http://
http://www.milliu.com.br/ (imagem)

Rachel Jardim (A viagem de trem)

Conhecera, afinal, Florença e achava que a vida já lhe tinha dado bastante. Conhecera-a madura, depois de ter sonhado com ela toda sua juventude. Chorara no Ponte Vecchio, como se reencontrasse a mocidade, as estranhas visões que a povoavam.

Desde menina a ponte a fascinava, com suas casas entranhadas, mais rua do que ponte. Algo absolutamente insólito, ocupando um espaço e um tempo desarrazoados.

Deixou-se penetrar pelo encantamento da cidade, vagando por ela, sem rumo, durante dias.

Sem esgotá-la, tinha partido e agora, enquanto o trem andava, começou a degluti-la.

Jantou só, no carro-restaurante, e voltou para a cabine. Não desejava dormir e teve curiosidade de ver a paisagem noturna pela janela do trem. Nenhum passageiro parecia estar acordado, apenas um silêncio feito de sons abafados.

O barulho do trem nos trilhos era um ruído bom, familiar, que lhe devolvia a infância, as longas viagens de noturno rumo à fazenda.

"Estou me sentindo estranhamente jovem", pensou. Olhava pela vidraça fechada a paisagem banhada de luar.

A solidão reinante fazia bem, deixava o mundo à sua mercê, podia envolvê-lo na palma da mão.

Uma voz. Olhou espantada. Uma voz ao seu lado. Um homem a olhava e falava. Ia retirar-se e fechar a porta da cabine, quando alguma coisa a fez mudar de idéia. O homem pedia-lhe que ficasse e a voz combinava com a noite, o trem, o resto de Florença.


Ser jovem — ser jovem uma vez mais numa noite, numa cidade estranha. Depois, partir sem deixar rastro. Esgotar a vida, a cidade, o tempo, num só dia. Não desejava mais, ou melhor, só desejava isso. Qualquer acréscimo e tudo estaria perdido.

Cogumelos e cerejas no restaurante. Brilhantes e redondos. Tenros, devorados em plena juventude. a vinho, velho, conservava a mocidade, tinha também o poder de inebriar.

A cidade era feita de tempo, tempo guardado, tempo preservado.

Amava sim, de um amor sem tempo, sem limite, sem fim e sem começo.

Ele se chamava Alfredo e queria detê-la. Procurava saber tudo, seu nome, sua cidade, o que fazia, se era casada, se tinha filhos. Ela não dizia nada. Ele fora casado e agora se dizia, livre. Tinha o senso do limite. Queria-a para si num tempo e num espaço certos. Guardada, conservada. Que sabia ele?

Ela se sentia livre e aspirava até o último sorvo essa liberdade, duramente conquistada. Desistira das coisas concretas, uma posição definida, um lugar no espaço. Seu espaço era feito de muitos espaços; seu tempo, de muitos tempos. Queria conhecer um dia que não pudesse ser contado em dias. Que lhe daria ele? a tempo aprisionado, a dor das coisas que se perdem de momento a momento. Ela não queria mais ganhar nem perder. O amor seria agora assim, feito de instantes - instantes sem tempo. Já perdera e ganhara seu espaço e seu tempo. Sentia-se livre para viver sem medo de perder.

A sensação de juventude vinha cada vez mais forte, e ele participava dela. Estava lhe dando de presente o tempo reconquistado, o tempo de juventude, aquele que ninguém conta.


Ainda no trem, quis detê-la e lhe pedia que ficasse, que deixasse alguma coisa de palpável, um endereço, uma pista para encontrá-la um dia em algum lugar.

Resistiu.

Acenou pela janela e sentou na poltrona.

O coração batia violentamente.

Teve vontade de parar o trem, precipitar-se pela porta, voltar.

O trem, grande devorador, já transformara em tempo o espaço percorrido.

Estava livre e só na manhã de verão.
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Sobre a Autora:
Rachel Jardim, romancista e memorialista, nasceu em Juiz de Fora (MG) em 19 de setembro de 1926. Formou em Direito pela PUC-RJ. Ingressou no funcionalismo público. Fez estágios em museus de Nova York e, de volta ao Brasil, dirigiu o Patrimônio Cultural e Artístico do Rio de Janeiro. Tem colaborado na imprensa (Jornal do Brasil-RJ, Suplemento Literário do Minas Gerais, Correio do Povo - RS).
Obras publicadas:

Os anos 40: a ficção e o real de uma época, romance, 1973; Cheiros e ruídos, contos, 1975; Vazio pleno, romance, 1976; O conto da mulher brasileira, antologia, 1978; Mulheres & mulheres, antologia, 1978; Inventário das cinzas, romance, 1980; Muito prazer, antologia, 1981; A cristaleira invisível", contos, 1982; O prazer é todo meu, antologia, 1984; Crônicas mineiras, antologia, 1984; O penhoar chinês, romance, 1985; Minas de Liberdade, memórias, 1992.
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Fonte
Contos de escritoras brasileiras. SP: Editora Martins Fontes, 2003.
http://www.releituras.com/

Marina Colasanti (Como é mesmo o nome?)

Levou o manequim de madeira à festa porque não tinha companhia e não queria ir sozinho.

Gravata bordeaux, seda. Camisa pregueada, cambraia. Terno riscado, lã. Tudo do bom. Suas melhores roupas na madeira bem talhada, bem lixada, bem pintada, melhor corpo. Só as meias um pouco grossas, o que porém se denunciaria apenas se o manequim cruzasse as pernas. Para o nariz firmemente obstruído, um lenço no bolsinho.

No relógio de ouro do pulso torneado, a festa já tinha começado há algum tempo.

Sorridentes, os donos da casa se declararam encantados por ter ele trazido um amigo.

— Os amigos dos nossos amigos são nossos amigos — disseram saboreando a generosidade da sua atitude. E o apresentaram a outros convidados, amigos e amigos de nossos amigos. Todos exibiram os dentes em amável sorriso.

Recebeu o copo de uísque, sua senha. E foi colocado no canto esquerdo da sala, entre a porta e a cômoda inglesa, onde mais se harmonizaria com a decoração.

A meia hilaridade pintada com tinta esmalte e reforçada com verniz náutico exortava outras hilaridades a se manterem constantes, embora nenhuma alcançasse idêntico brilho. Abriam-se os transitórios vizinhos em amenidades que o compreensivo calar-se do outro logo transformava em confidências. Enfim alguém que sabia ouvir. Relatos sibilavam por entre gengivas à mostra e se perdiam em quase espuma na comissura dos lábios. Cabeças aproximavam-se, cúmplices. Apertavam-se as pálpebras no dardejado do olhar. O ruge, o seio, o ventre, a veia expandida palpitavam. O gelo no uísque fazia-se água.

A própria dona da casa ocupou-se dele na refrega de gentilezas. Trocou-lhe o copo ainda cheio e suado por outro de puras pedras e âmbar. Atirou-se à conversa sem preocupações de tema, cuidando apenas de mantê-lo entretido. Do que logo se arrependeu, naufragando na ironia do sorriso que lhe era oferecido de perfil. A necessidade de assunto mais profundo levou-a à única notícia lida nos últimos meses. E nela avançou estimulada pelo silêncio do outro, logo úmida de felicidade frente a alguém que finalmente não a interrompia. No mais frondoso do relato o marido, entre convivas, a exigiu com um sinal. Afastou-se prometendo voltar.

O brilho de uma calvície abandonou o centro da sala e coruscou a seu lado, derramando-lhe sobre o ombro confissões impudicas, relato de farta atividade extraconjugal. Sem obter comentários, sequer um aceno, o senhor louvou intimamente a discrição, achando-a, porém, algo excessiva entre homens. Homens menos excessivos aguardavam em outros cantos da sala a repetição de suas histórias.

Não acendeu o cigarro de uma dama e esta ofendeu-se, já não havia cavalheiros como antigamente. Não acendeu o cigarro de outra dama e esta encantou-se, sabia bem o que se esconde atrás de certo cavalheirismo de antigamente. Os cinzeiros acolheram os cigarros sem uso.

Um cavalheiro sentiu-se agredido pelo seu desprezo. Um outro pela sua superioridade. Um doutor enalteceu-lhe a modéstia. Um senhor acusou-lhe a empáfia. E o jovem que o segurou pelo braço surpreendeu-se com sua rígida força viril.

Nenhum suor na testa. Nenhum tremor na mão. Sequer uma ponta de tédio. Imperturbável, o manequim de madeira varava a festa em que os outros aos poucos se descompunham.

Já não eram como tinham chegado. As mechas escapavam, amoleciam os colarinhos, secreções escorriam nas peles pegajosas. Só os sorrisos se mantinham, agora descorados.

No relógio torneado do pulso rijo a festa estava em tempo de acabar.

As mulheres recolhiam as bolsas com discrição. Os amigos, os amigos dos amigos, os novos amigos dos velhos amigos deslizavam porta afora.

Mais tarde, a dona da casa, tirando a maquilagem na paz final do banheiro, dedos no pote de creme, comentava a festa com o marido.

— Gostei — concluiu alastrando preto e vermelho no rosto em nova máscara —, gostei mesmo daquele convidado, aquele atencioso, de terno riscado, aquele, como é mesmo o nome?
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Sobre a Autora:
Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em amor; Contos de amor rasgados; Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
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Fonte:
COLASANTI, Marina. O leopardo é um animal delicado. RJ: Editora Rocco, 1998.
Disponível em http://www.releituras.com/

terça-feira, 29 de abril de 2008

Marina Colasanti (Eu sei, mas não devia)

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.

A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Fonte:
COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. RJ: Editora Rocco, 1996.
http://www.releituras.com

domingo, 27 de abril de 2008

Poesias Soltas ao Vento

Gruta da Poesia
Alba Albarello (É tempo de vencer)

Tens vergonha
de chorar,
sofrer
dar um sorriso.
Frágil?
Mas quem não é...
Ser como um cristal!
Que pode estilhaçar.
Pense...
Enquanto não quebrar
Brilhe...
Lute!
Mergulhe?
Para se molhar!
Todos procuram
Carinho e afeição.
Sabem...ou
Estão buscando
Vagueiam..a paz
Descendo aos corações.


Gislaine Canales (Liberdade)

Me sinto livre, porque sou amada,
pertenço aos céus e corro como os ventos,
vou flutuando na noite enluarada,
nas doces asas dos meus sentimentos!

Faço da liberdade, a minha estrada,
e dou amor em todos os momentos,
transformando em meu tudo, um quase nada,
e em nada, todos os meus sofrimentos!

No azul do mar, a imagem refletida,
a imagem do meu próprio coração,
num renascer eterno de emoção!

Livre e feliz, eu sigo pela vida,
com mil estrelas a brilhar, converso,
plantando os sonhos meus pelo Universo!

Lígia Antunes Leivas (Os beijos que não esqueci)

Dentro de mim vive o consolo da saudade sentida.

Saudade de teu beijo ardente
de nossos beijos loucos
que nos cansaram o corpo
nos fizeram tolos
na certeza pouca
de que o nunca mais
um dia chegaria.

Ah! teus beijos!.
Adrenalina pura!
Lânguidos
insanos
feitos de romance
de bem, de mal, de tudo;
de sonhos de paixão
de toques de ousadia
do fogo da emoção
do ardor da euforia.

Dentro de mim resta o consolo de sentir saudade.

Vem!
Volta!
Esgota-me com teu beijo!
Renova-me com teu beijo!
Me faz viver de novo
em meio a nossos beijos
desejos tão sentidos!

Deus se faz...

Luiz Eduardo Caminha (Contrastes)

A cor azul turquesa
Faz o contraponto,
Com a palidez
Da linha do horizonte.

Acima de mim, o céu,
Vestido de azul claro,
Espera o manto dourado,
Dos raios vindos do Leste.

A última estrela da manhã
Vê, aos poucos, brilho apagado,
O nascer de um novo dia.

No meio do oceano,
Como uma casca de noz,
Flutuando na lagoa,
Eu sinto o Universo gigante.

Na madrugada de instantes atrás
Relâmpagos e trovoadas,
Faziam da chuva, tormenta
Contrastes da aurora iluminada.

Tantas forças que se opõem!
De noite o vendaval,
De dia, a serena paz.

Não há como negar:
Deus existe! E SE FAZ!!!

Maria Nascimento Santos Carvalho (Excesso de amor)

Amo o sol, amo a lua, o firmamento,
amo os montes, as serras, e arrebóis,
amo a terra, a beleza, o pensamento ...
Eu amo loucamente os rouxinóis.

Amo prados, colinas e amo os ventos,
e tudo desta vida passageira,
eu aprendi a amar os sofrimentos
e até mesmo a vizinha faladeira ...

Amo as flores, as aves, as florestas,
amo praias, jardins, e os coqueirais,
eu amo a solidão, bem como as festas,
também amo o frescor dos matagais.

Amo a sombra, o silêncio e a harmonia,
amo tudo o que traz felicidade,
o sereno, o ciúme, a cortesia,
amo a cor, amo o amor, e amo a saudade !

Amo o frio da noite enluarada,
amo os rios, o espelho e a amplidão,
amo a vida, sem mesmo ser amada,
porque amo ouvir a voz do coração ...

Eu amo o bem - estar da Humanidade,
seguindo o que me ensina a Lei Cristã...
Amo plantar, feliz, na mocidade
uma esperança a mais para o amanhã !

Amo a noite, amo o dia, a madrugada,
a chuva que dá viço a flor do agreste,
o sublime cantar da passarada,
e a vida sossegada do Nordeste...

Amo a fonte, os desertos, os rochedos,
amo a areia e amo a espuma do oceano,
o clarão, amo a réstia, amo os degredos,
e amo as quatro estações de cada ano ...

Amo o sonho, o talento, amo a pintura,
a igreja com seu sino a repicar ...
Amo o riso depois da desventura
e amo o barulho ouvido à beira - mar ...

Amo o som, a ternura, amo a nobreza,
e o pranto quando fruto de emoção,
amo todo o esplendor da Natureza,
eu amo tudo, enfim, sem distinção...

Amo as nuvens com arte e com mesuras,
quando formam no espaço um longo véu ...
e as estrelas fazendo travessuras,
mudando de lugar, mesmo no céu ...

Eu amo os vegetais, toda a folhagem,
a garra da cigarra cantadeira,
as notas musicais, amo a friagem
e o calor insistente da lareira...

Eu amo o despertar da simpatia,
a velhice e também a juventude,
um semblante que vibra de alegria,
a força de vontade, amo a virtude !

Amo o lirismo, a paz, amo a cultura,
amo o trabalho, a luz e a inteligência,
amo as benesses da literatura,
amo a sabedoria da Ciência ...

Eu amo o campo santo, a nostalgia,
E o lazer no descanso após a lida,
e fervorosamente amo poesia ...
e amando o Ser Humano ... Eu amo a Vida !

Eu amo este Universo imenso e bom
com todo o amor que Deus me concedeu,
pois nem toda Mulher possui o dom
de Amar, com tanto excesso, assim com eu ...


Marisa Cajado (Sou a Música)

No contexto do universo
Sou voz em tom expresso
Do som da divindade
Toco os acordes da alma
Que estimula e acalma
O cerne da humanidade

Onde o concerto Divino,
Profundo e Cristalino,
Exprime-se naturalmente,
Alcançando árvores ninhos
As vozes dos passarinhos
No som do eternamente.

Estou na voz do vento,
Suave ou em tormento,
Acompanhando a vida
Desde o princípio da Terra,
Nas lutas que ela encerra,
A dar-lhe paz e guarida.

Inspirei o guerreiro iludido
Também o homem vencido
Porque, a minha missão
É de acordar a grandeza
Que dormita na fraqueza
Dos pobres de coração.

Em tantos hinos de glórias,
Exaltei muitas vitórias,
Nas ilusões que traduzem.
Até, o homem encontrar
O vórtice angular
Representado nas cruzes.

Então, em elevação
A alma sem divisão,
Retornará ao seu lar.
Sou a música que embala
Enquanto à sua alma fala:
Amigo, Viver é amar!

Tchello d'Barros (A flor da pele)

O Amor-perfeito veio
Nascer na tela do artista
E nasceu em nossos olhos
Amor à primeira-vista

As Avencas hoje dançam
Ao vento que vem soprar
Essa brisa diz-me algo
Vem teu nome sussurrar

As Azaléias formosas
Fazem sombra pro besouro
E sem sombra de dúvida
Nosso amor é um tesouro

As Acácias abraçadas
Tão juntinhas neste ramo
Olho dentro dos teus olhos
Então digo que te amo

As Adálias tão formosas
Parecem obras de arte
E bate forte o meu peito
Simplesmente por amar-te

Os Antúrios corações
Lá no jardim à crescer
Bate-bate e faz tum-tum
Cada vez que vou te ver

Os Agapantos ao vento
Como azuis olhos de Venus
Com afagos e carícias
Assim nós nos amaremos

As Begônias são a causa
De um jardim tão colorido

Sem teu amor minha vida
Não teria algum sentido

As Bromélias são encanto
Magia de belos matizes
Essa paixão é o feitiço
Que nos faz sorrir felizes

As Camélias tem um ar
De quem vibra de paixão
Escrevo hoje teu nome
No livro do coração

Oh Crisântemos divinos
São as flores de um adeus
Jamais morre esta chama
Que me une aos olhos teus

Os Cravos estavam tristes
Pois o sol havia se posto
Vi nas nuvens deste céu
O desenho do teu rosto

A Flor-de-Liz e suas cores
São matizes da beleza
Mantemos em nosso peito
A chama do amor acesa

Os Gerânios nos jardins
Ornamentam a cidade
Assim é o nosso amor
Jardim de felicidade

A Gérbera apaixonada
Na primavera nascia
Em mim nasceu o amor
Que renasce à cada dia

Os Girassóis apaixonados
Sorriam ao astro-rei
Te amarei eternamente
Jamais te esquecerei

Os Hibyscus perfumavam
O vento do entardecer
Meu coração será teu
Cada vez que ele bater

As Hortências tão sublimes
De fragrância tão pura
Mais sublime é nosso amor
Puro afeto e ternura

Os Ipês na primavera
Vestem traje amarelo
Teu amor vestiu meu mundo
De um sonho doce e belo

O Jasmin enamorado
Floresceu até que enfim
O romance de nós dois
Tem começo e não tem fim

Os Lírios perto do mar
Inesquecível paisagem
Assim é o teu semblante
Em sonho vi tua imagem

Nos Lisiantus do jardim
Pisca-pisca um vagalume
O teu amor me completa
Como a flor e seu perfume

As Margaridas não mentem
Respondem à quem quiser
Perguntei de nosso amor
Terminou em bem-me-quer

A Miosótis tão singela
Sempre me enterneceu
Estarei junto de ti
Sempre sempre ao lado teu

As Orquídeas com seu néctar
Onde pousa o beija-flôr
Nesses lábios pousam beijos
Também a palavra amor

As Petúnias se destacam
No céu de azul profundo
Te quero muito meu amor
Mais que tudo neste mundo

As Prímulas elegantes
Como asas de querubim
No céu brilha o arco-íris
Como este amor sem fim

A Rosa disse ter visto
Borboletas no jardim
E falou do teu amor
A melhor parte de mim

As Tulipas são tão raras
Tão difíceis de encontrar
Encontrei o meu amor
E meu destino é te amar

As Violetas violácias
Ou da mesma cor do céu
Não acaba este beijo
Com doce sabor de mel

Fonte:

Colaboração de Iara Melo
Gruta da Poesia - Nº 07 da 2ª série – Abril de 2008
http://www.caestamosnos.org/Revista_A_Gruta_da_Poesia/08.html

Academia de Letras, Artes e Ciências de Abreu e Lima (Cerimônia Solene)

A Academia de Letras, Artes e Ciências de Abreu e Lima realizará Cerimônia Solene de nstalação Acadêmica, Posse do Presidente acadêmico Marcos de Andrade Filho e de seu Conselho Dirigente e Recepção dos novos acadêmicos:
Elisabeth Salgado (poetisa);
José Pimentel (dramaturgo, ator, diretor e produtor teatral);
Alcides Tedesco (educador e cientista da Educação).
24 de maio de 2008 (sábado, na Câmara Municipal de Abreu e Lima

sábado, 26 de abril de 2008

Entrevista com Douglas Maria Lara

Biografia de Douglas Lara em 8 de fevereiro
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Vânia Moreira Diniz do Jornal Ecos entrevista o divulgador e editor Douglas Lara

Jornal'Ecos: Douglas: Você nasceu em Sorocaba, uma grande cidade paulista, a origem de sua família é de Sorocaba mesmo?

Douglas: Vânia, que bom conversar contigo. Sim, nasci em Sorocaba em 24 de janeiro de 1938 que aproximadamente 70 anos atrás era uma cidade média do interior do estado de São Paulo, ficando a 90 quilômetros da capital.

Penso que não existia melhor lugar para nascer. A vida em Sorocaba era de pessoas ordeiras e do bem, amigas e nasci do casamento de minha mãe Victoria (com seis irmãos) e Ramon Lara Rodrigues (que também tinha seis irmãos). Meus pais foram morar com meus avós maternos Elias Salum e Henriqueta Dias Salum numa casa enorme com muita gente no centro de Sorocaba).

Todos trabalhavam e vivíamos alegras e muito felizes.
Conheci e convivi durante muitos anos com minha avó Henriqueta que quando casei-me e tive meu primeiro filho, o Douglas Junior foi morar conosco em São Paulo, cidade que mudei-me em 1958 para fazer vestibular na faculdade de economia na USP.
Meus avós paternos foram imigrantes espanhóis que trouxeram 6 filhos primeiro para a Argentina onde nasceu em Buenos Aires e posteriormente decidiram imigrar para o Brasil na época com 7 filhos.

Jornal'Ecos: Como transcorreu sua infância? Tem alguma recordação de algum fato que o marcou com ênfase?

Douglas: Minha infância foi muito alegre e divertida no meio de muitos tios e primos.
Meu único irmão, o Dorival nasceu quando eu já tinha 7 anos de idade o que fez com que meus pais tivessem dois filhos únicos, dos mesmos pais.
Morava com minha vó e bisavó.
Como era comum na época, aos treze anos fui trabalhar com meus tios que tinham uma pequena manufatura de sapatos ... meu primeiro salário foi um dicionário de português.
Ai você pode ver que meus tios tinham sensibilidade e perceberam que teria que estudar muito a língua pátria.
Quando criança tudo era permitido, exceto não estudar.
E Sorocaba, chamada terra das escolas e das indústrias oferecia para todos seus moradores trabalho e estudo.
Vânia, agora irei contar um pouco de minhas peraltices.
Na minha infância, saia muito com meus tios que tinham 14 anos ou mais portanto moleques.
Uma das coisas que mais gostávamos de fazer era nadar no rio Sorocaba, que ficava bem próximo de onde morávamos.
Quem conhece Sorocaba sabe que o rio passa no centro da cidade ...

Jornal'Ecos: Douglas, explique um pouco mais isso e como seus pais controlavam estas peraltices de menino?

Douglas: Vânia, meu pai tinha um método infalível que era o de verificar minhas orelhas ao chegar do trabalho ... muito simples amiga ... as orelhas de quem vai nadar ficam brilhantes. Só que tinha como advogados de defesa, minha mãe, avó e bisavó, tios e tias que moravam sob o mesmo teto para defender o pequeno sobrinho, filho, neto e bisneto.
Recordo bem e agora conto para meu neto que eu era uma menino traquino que costumava perturbar os jogadores e torcedores nos jogos de várzea.
Recordo-me como se fosse hoje uma passagem no qual um jogador saiu do campo e veio para meu lado para me bater ... e iria bater se não fossem meus tios que pediram para ele deixar o 'moleque' em paz, ele é apenas uma criança ... rindo

Jornal'Ecos: Que faziam seus pais?

Douglas: Meu pai, Ramon Lara Rodrigues, era carpinteiro da Estrada de Ferro Sorocabana e minha mãe, Victória Salum Lara era tecelã na fabrica de tecidos Votorantim onde permaneceu durante uns quinze anos quando passou apenas a fazer os deveres domésticos e posteriormente cuidar de uma loja de calçados que eles tinham no centro de Sorocaba na rua Barão do Rio Branco.

Jornal'Ecos: Parece-me que você exerceu cargos em que liderava as ciências exatas, já naquela época se interessava pela literatura?

Douglas: Cursei contabilidade após terminar o ginásio, na OSE - Organização Sorocabana de Ensino vindo a concluir em 1957 e a literatura que conhecia estava relacionada com os estudos que era forçado para passar de ano.
Em 1957, um pouco depois da instalação da faculdade de medicina em Sorocaba decidi com apoio de meus pais preparar-me para o vestibular na USP. Ai tive a oportunidade de conhecer a literatura suficiente para o exame, tendo conhecido a escrita de Erico Veríssimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros autores que eram presença constante nas re;ações de livros que tínhamos que estudar para o exame de português.
Ao entrar na faculdade tive que ir trabalhar pois meus pais não tinham condições de manter um filho adulto, dentro dos padrões brasileiros apenas estudando.
E meu trabalho foi direcionado para trabalhos onde a contabilidade a a matemática financeira eram mais importante.

Jornal'Ecos: Gostava de ler e tem algum autor que leu com mais persistência?

Douglas: Tomei gosto pela leitura e principalmente pelos autores citados e outros importados que faziam sucesso na época, como Dale Carnegie ... do como vencer na vida e como fazer amigos que hoje são chamados de auto ajuda.
Comecei a ser influenciado pelas mocinhas colegas de escola e aprendi um pouco de poesia e literatura mais para não 'fazer feio' no meio dos jovens da época.

Jornal'Ecos: Quando começou a navegar já escrevia alguns textos e os divulgava?

Douglas: Colocava apensa alguns pensamentos e citações, mesmo sem base arriscava.
Durante muitos anos usei um 'lema', toda decisão é uma solução intermediária.
Isto tem muita verdade hoje no episódio da disputa do gás com a Bolívia, os dirigentes dos vários paises envolvidos não sustentam em pé o que falaram quando estavam sentados, desculpe Vânia ocupar seu espaço para um pequeno desabafo.

Jornal'Ecos: Qual foi a primeira antologia organizada por você e de que forma aconteceu?

Douglas: Onze Autores da Web, atendendo solicitação de uma amiga de Jacareí na base de vamos escrever um livro juntos.
Deveria serem dez, porém a idéia foi um sucesso entre os internautas que terminamos em onze.
Dos onze apenas o Adhemar Molon permaneceu em todas antologias que organizei e sempre falo em tom jocoso que ele escreve mais rápido que podemos ler. E, ele não deixou de comparecer em nenhum dos lançamentos. É o que chamamos de 'amigãó de todas as horas'.

Jornal'Ecos: Como realmente você faz para conciliar as notícias o trabalho de divulgação e a organização das antologias?

Douglas: Tenho muito tempo, tenho todos os dias e apenas uma ou duas antologias por ano.
A antologia fixa é sempre lançada na ultima quinta feira de julho de cada ano.

Jornal'Ecos: Poderia falar algo sobre os anseios dos escritores que se reúnem nas coletâneas?

Douglas: As antologias são as tribunas onde cada um escreve o que quer sem censura de tema ou de assunto. É como uma conversa entre amigos onde cada um perpetua no papel o que pensa e como escreve e expõe suas idéias e ideais.

Jornal'Ecos: E esse interessante trabalho tem realizado suas expectativas?

Douglas: Acredito ter conseguido atender as expectativas dos autores e poetas que participam da coletâneas o que é nosso objetivo e para isso conto com o suporte e respaldo seu e do Mylton Ottoni.

Jornal'Ecos: Atualmente qual o trabalho no qual está se empenhando?

Douglas: No Roda Mundo 2006, na segunda edição da semana do escritor e na antologia dos escritores do Jornalecos todos já com data marcada de lançamento.
Diariamente edito um jornal eletrônico 'Acontece em Sorocaba, no qual tento trazer noticias de interesse para amigos internautas.

Jornal'Ecos: Algum sonho a realizar?

Douglas: Nada em particular, apenas saúde para continuar ajudando quem me procura e desejo de ser procurado bastante para ser útil dentro de minhas possibilidades.
Estou realizando um sonho em poder ser entrevistado por escritora experiente e podendo contar algumas coisas que parecem causos misturado com a verdade.

Jornal'Ecos: Douglas agradeço ter aceito meu convite e o espaço é todo seu. Quer deixar algum recado aos seus leitores e àqueles que lhe procuram para a divulgação de seus textos literários? Parabéns pelo seu brilhante e belo trabalho.

Douglas: Sou uma pessoa feliz e realizada e considero estar nesta vida para ajudar.
Obrigado e votos de felicidades a todos escritores e editores do Jornalecos e principalmente você, Vânia querida que me acompanha durante alguns anos.

Fonte:
Entrevista realizada por Vânia Moreira Diniz do Jornal'Ecos da Literatura Lusófona
10 de Maio de 2006 - Edição N°40
http://www.jornalecos.net/entrevistalara.htm

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Maria Lindgren

Nome: Maria José Lindgren Alves

- Mestrado em Educação – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ - 1999
Especialização em Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua Inglesa – Universidade Federal do Rio de janeiro – UFRJ – 1991
- Licenciatura em Letras : Português – Inglês – Universidade Federal Fluminense – UFF, 1976.
- Revisora e avaliadora de textos pedagógicos do INEP/MEC, de 1999 a 2003.
- Escritora literária: livro publicado: UMA ROLHA NA LÁGRIMA(coletânea de contos e crônicas), 2004.
-Contos publicados na antologia Uruguaia Cuentogotas: Encontro Inusitado, em português e Alta Fidelidad, em espanhol, Editora Bianchi Pilar, Movimento Cultural ABRACE, Montevideo, 2006

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/

Maria Lindgren (Se eu fosse um livro...)

“Los libros son como las dentaduras postizas: se guardan en un bolsillo hasta que sea el momento de masticar”.

Escarafunchei a cabeça o mais que pude, para ver se me saía um livro antigo ou novo, que eu pudesse chamar de meu predileto, aquele com o qual ficaria preenchida. E por que isto assim, de repente? Por duas razões interligadas: é tema de concurso do site espanhol Escuela de Escritores, que um dia pretendo enfrentar em concursos, e a curiosidade que o próprio tema me despertou.

Se me pedissem para escolher uma flor, certamente seria rápido: uma rosa bem vermelha, uma vez que as arianas, dizem, gostam de fogo: se fosse uma planta, uma árvore secular imorredoura e altiva; uma música, Cry me a River, com Julie London ou As Quatro Estações, de Vivaldi; se uma comida, meu bacalhau de Natal; uma sobremesa, uma daquelas japonesas com sorvete e banana caramelada... Enfim, para quase tudo, a resposta não daria tempo de piscar, mas um livro...

Nos bons tempos de avidez de leitura de livros de papel, não apenas eu, mas todos os que compartilhavam minha juventude bem intelectualizada saberiam dizer sem titubear o nome do último livro que havíam saboreado que, apesar disso, não sei se seria o predileto.

Certamente, o romance estaria entre os russos ou os latino-americanos, estes últimos, muito em voga; um ou outro brasileiro bem sofisticado; um ou dois ingleses ...). O livro de poesia, para ser curtida em silêncio ou a plena voz, oscilaria entre os luso-brasileiros, sem dúvida, os ingleses, sobretudo Shakespeare” life is a tale, told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing”( a vida é um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria, sem nenhum significado ) que, recitado em momento de baixa na vida, quase me custou um dedo numa janela de guilhotina velha.

Os amigos mais avançados ou snobs acabavam de descobrir o norte-americano J. A. Salinger (O apanhador no campo de centeio), mencionavam Clarice Lispector, ainda receosos, preferiam Rimbaud, entre os franceses, e falavam de Rilke, para embasbacar a platéia.

Se perguntasse à minha prima, naquela época, qual poesia mais lhe falava à alma, ela diria o Eu, de Augusto de Campos, encetando uma declamação direto: “...apedreja esta mão vil que te afaga e escarra nesta boca que te beija.

Enfim, a lista de literatura era longa e resultava sempre em discussão acalorada, com aquiescências e repulsas definitivas. Ninguém ousaria dizer não li nada esta semana. Cruz, credo! Só maluco passaria uma semana inteira sem ler um livro. Não seria fácil para ninguém dizer o título de seu livro predileto, tal a vertigem pelos livros.

Ler era compulsão aceita pelos melhores psis da época. Só fazia bem. Não se ficava em casa sem o lazer da leitura, não se saía à rua, sem um livro debaixo do baixo, nem que fosse para ir ao cinema, à praia ou em visita de muito bate-papo. O livro era mais importante na indumentária do que o resto da roupa. Usava-se até a expressão cultura axilar, em menosprezo aos que só o carregavam. Não tinha substituto no velho rádio e na TV insipiente, nem no computador inexistente quase.

Com a frase se eu fosse um livro na cabeça, abro o jornal El País e procuro a seção de Cultura. Fala-se de livros, porque dia 23/04 é Dia do Livro. Ressalta-se Barcelona, Festa de Sant Jordi, de confraternização de escritores e leitores, em meio a rosas vermelhas e livros, tudo em abundância. Percorro as fotos com inveja, confesso. Que vontade de correr para lá e partilhar da paella, em almoço feito para esse público tão especial.

Penso no contraste enorme com minha cidade no Dia do Livro, quase vazia de todo, por causa de feriadão, as livrarias fechadas ou abertas para ninguém, a não ser para um cafezinho.

Passeio pelo meu escritório de casa com bateladas de livros que ainda não li. Como nos diz Juan Cruz, no mesmo El País, no artigo El libro y la dentadura postiza, que recomendo: “Los libros son como las dentaduras postizas: se guardan en un bolsillo hasta que sea el momento de masticar”. Pior que hoje em dia, quase não há dentadura solta.

Fico mais triste ainda. Que idéia descobrir jeito para escrever logo em tempos de anorexia de livro! Olho para o computador, lembro-me dos escritores que publicam sem parar na Internet, sento na cadeira que gira e me mói, e renasço: ainda há esperança.

PS. Se eu fosse um livro, seria uma antologia poética internacional escolhida a dedo ou bolada por mim. Com certeza.

Fonte:
http://www.vaniadiniz.pro.br/maria_lindgren/cronica_se_eu_fosse_um_livro.htm
Colaboração de Douglas Lara in http://www.sorocaba.com.br/acontece

Bisa Maith (Maria Thereza Moreira Pereira)

Desde criança ela gostava de escrever e almejava tornar-se um dia uma grande escritora. Queria muito estudar, freqüentar uma escola mas isto lhe foi negado. Não foi além de Grupo Escolar, como se chamava então a escola primária, fato que, no entanto, não a impediu de sonhar, pois, os sonhos não estão condicionados a regras de gramática, ortografia, lingüística ou seja lá o que for.

O seu anseio, porém, se lhe afigurava impossível. Os escritores lhe pareciam tão distantes e inatingíveis quanto os consagrados artistas e desportistas com que sonham a maioria dos adolescentes.

Seguiu o caminho da maioria, trabalho, casamento, filhos ... e o seu sonho ficou guardado no coração. Nunca se desfez dele.

Satisfazia-se escrevendo alguma coisa que mandava para os jornais sempre que havia uma oportunidade.

Setenta e muitos anos, aposentada, filhos casados, viúva, só então tinha todo o tempo do mundo e o direito de fazer loucuras, como editar um livro, mil exemplares dos quais muito poucos foram vendidos, alguns doados e a maior parte lotou o seu armário.

Ela era inexperiente. Não conhecia nada do ramo e não procurou ajuda profissional. Deu seu livro para ser editado numa editora qualquer e o livro saiu com muitas falhas.

Ela ficou aborrecida, mas nem tanto. Orgulha-se dele como uma mãe que ama o seu filho mesmo que ele não seja o mais belo bebê deste mundo.

Graças a uma reportagem no Cruzeiro do Sul, ficou conhecida, seu blog (bisavo.blogger.com.br) teve muito acesso, foi convidada a participar do Roda Mundo 2005 e seus contos foram publicados em Cabo Verde, na África.

E vieram os convites para eventos literários. Tudo que ela desejou sua vida toda, mas, já então, sem condição de locomover-se, não pode aceitar.

Agora, consciente de estar trilhando o fim de sua estrada terrena, está vivendo talvez a mais gratificante etapa de sua vida, vendo seu trabalho ser reconhecido, conquistando novos amigos e procurando semear a sua volta sementes de alegria, de paz, de otimismo e de felicidade.

Fonte:
http://www.sorocult.com/el/colunistas/bisavo.htm

Bisa Maith (Sogra e Sogra)

Armando e Carol resolveram casar-se. Já eram namorados há algum tempo, mas ainda não conheciam as famílias. Agora estava na hora da aproximação e os dois estavam preocupados.

Armando dizia:

- A minha mãe é muito legal. Você vai gostar dela e ela de você, tenho certeza!”“.

Carol também afirmava:

Mamãe está ansiosa para conhecê-lo. Você vai ver que boazinha que ela é. Chegou o dia marcado para Carol fazer a primeira visita para a futura sogra e ela estava nervosa sem saber como se comportar para melhor impressioná-la.

Que vestir? Será que podia ir de calças compridas ou seria melhor um vestido? E o sapato? Não queria usar salto muito alto para não ficar mais alta do que o Mando, mas, salto baixo, também, não fazia nenhuma vista Tênis, nem pensar! Se fosse de calças até que podia, mas, não sei. . . É tão esporte!

E como se comportar na casa dele?

Se falasse muito alto, Ela a acharia vulgar, mas se cochichasse poderia parecer tímida. Tinha que medir muito bem (quantos decibéis?) para parecer uma pessoa fina, equilibrada, bem educada, etc.

Se mostrasse muito carinhosa com o Mando, podia parecer assanhada, mas se se mantivesse muito distante ela a acharia muito fria.

Se comesse muito, pareceria gulosa, mas, se comesse muito pouco, ela podia pensar que ela não gostou da sua comida.

Como é difícil encontrar o ponto de equilíbrio!

(A única coisa que não lhe ocorreu foi ser autêntica. Mostrar-se tal qual era na realidade para que ela já ficasse sabendo como era a mulher que estava levando embora o seu filho.).

E os possíveis acidentes? Já pensou se virasse a xícara de café, derrubasse alguma coisa no chão ou tropeçasse no tapete?

Quando se defrontaram, mediram-se por um instante de alto a baixo. Carol não pode deixar de comparar a mãe do Mando com a sua, (ela era bem mais sofisticada e isso a preocupou um pouco.) e a sogra pensou:

“Que menina feiosa”! Pernas finas, nariz chato e sardas no pescoço! ´´, mas falou, sorrindo:

- Olá, querida, o Armandinho não exagerou quando disse que você era linda!

Surpresa, Carol não lembrou de nada inteligente para dizer e balbuciou tolamente:

- ... ...gada...

- Meu nome é muito feio (Hermengarda!) cochicha-lhe no ouvido, mas quero que você, como todo mundo, me chame pelo apelido, Meg, e, por favor, nada de dona nem de senhora.

- Eu sou Carolina, mas todos me chamam de Carol.

- Eu já sabia, o Armandinho me disse.

O Armandinho procurou desanuviar o ambiente contando mil casos, mas a Carol não achava graça em nada. Queria sumir dali. Nunca pensou que fosse tão difícil relacionar-se com uma sogra em potencial.

Finalmente foram para a mesa e ela obrigou-se a se servir de tudo e comer um pouco.

E, então já, podia despedir-se.

- Volte sempre! Esta casa agora é sua!

-....gada... Ufa!

Na semana seguinte foi a vez do Armando conhecer a mãe da Carol.

Esta visita foi bem mais tranqüila. O Armando estava muito à vontade e a Berta, mãe da Carol recebeu-o carinhosamente, sem exageros.

Ofereceu, logo após os cumprimentos, uma latinha de cerveja que ele aceitou e trouxe uma bandeja enorme, de plástico, abarrotada de salgadinhos feitos por ela mesma (deliciosos).

A Carol ficou meio preocupada. Será que ele ia achar sua mãe muito brega?

Mas ele comeu à vontade, aceitou a segunda cerveja, e, quando ela ofereceu uma fatia de bolo, disse francamente que não gostava de bolo, mas que aceitava mais uma latinha.

- Meu Deus! Será que a Mamãe vai achar que ele bebe demais?

Berta era uma mulher simples, não se incomodava com etiquetas, mas, detestava beberrões e Carol sabia disso, é claro.

Carol estava com medo de que ele comparasse a sofisticação da mãe dele com a simplicidade da dela, mas ele nem reparou nisso. Aliás, já havia dito a Carol que a amava mesmo sem conhecê-la, pelo simples fato dela ser sua mãe e que a única queixa que tinha dela era o limite que ela punha no namoro dos dois. . .

Mas, faltava a terceira e mais complicada etapa. O confronto das duas futuras sogras.

Dentre os problemáticos relacionamentos familiares, é, sem dúvida, o das sogras o mais problemático de todos. Não por culpa delas, coitadas! (não conheço uma só que não diga: “eu não dou palpite, respeito às decisões de minha nora (ou genro)”. ““ A mãe dele (a) é um amor! Somos grandes amigas! ´´).

Berta e Meg se encontram num Restaurante. Um jantar para toda a família para oficializar o noivado, combinar o casamento.

As duas examinam-se, por um momento, cumprimentam-se e trocam frases polidas que não têm nada a ver com o que estão pensando.

Numa coisa as duas estavam de pleno acordo: o casamento de seus filhos tinha que ser um acontecimento para ser lembrado por muitas décadas. Uma festa de arromba, nem que para isso tivessem que empenhar tudo que tinham ainda ficar devendo.

O problema era o conceito que cada uma delas tinha de uma grande festa.

Berta sugeriu que a festa fosse na fazenda (uma grande fazenda de sua propriedade). Uma festa para o civil, outra para o religioso e depois que os noivos se fossem, uma terceira festa para o enterro dos ossos. Podiam convidar a cidade inteira que espaço não faltaria, muito menos comida e bebida.

Meg achou um absurdo. “Só faltou sugerir que os convidados fossem vestidos a caráter e dançassem uma quadrilha no terreiro ao som de violas e sanfonas”, pensou, mas disse:

- Eu acho que a festa num clube da cidade seria mais chic, mais apropriado. Pouca gente, um bom bufet, um decorador experiente, boa música, isto, naturalmente, depois da cerimônia na Catedral com toda a pompa a que temos direito. .

Os próximos meses foram cheios de trabalhos, apreensões e desencontros.

Meg e Berta, embora se declarassem amicíssimas e fossem vistas juntas por toda parte no afã dos preparativos para A Festa, desentendiam-se o tempo todo.

Meg, não satisfeita em escolher o seu próprio vestido, queria escolher também o da Berta, pois não ficava bem as Mães apresentarem-se muito diferentes e a Berta queria usar o que gostava, independente do que a Meg ia vestir.

Berta queria sempre fazer pesquisa de preços e, muitas vezes, optava pelo mais barato achando que tanto fazia, mas a Meg não admitia que se falasse em economia quando se tratava da grande festa do filhinho querido, e achava que a outra era mesquinha.

Quando os noivos começaram a montar sua casa, as duas se alvoroçaram a ajudá-los, cada uma querendo que suas idéias prevalecessem, é claro.

Os garotos começaram a perder a paciência. Carol pediu a mãe

- Não deixe a Meg mexer no nosso quarto. O Mando e eu queremos arrumar do nosso jeito, pelo menos o nosso quarto.

- Como é que eu vou fazer isso? Antes de eu começar a pensar ela já tinha providenciado tudo do seu gosto, até o cortinado da cama (será que ainda se usa isso?).

O Armando reclamou para a Carol:

- Sua mãe cismou de arrumar o meu escritório e agora eu não acho mais nada lá dentro.

- Mãe, por favor, não mexa nas coisas do Mando que ele não gosta.

- Vocês são mal agradecidos! A Meg e eu temos tido um trabalhão danado para que vocês tenham tudo do bom e do melhor. Se deixássemos por sua conta queria ver se saia casamento.

- Claro que saia. A gente casava em surdina, ia morar embaixo de uma ponta, e seríamos muito felizes!

- Deixe de falar bobagem e vá escolher o jogo de malas para a lua de mel.

- Ah! Mãe! Venha comigo. Eu não entendo nada de malas. . .

- É assim que é independente? Que podia casar em surdina e morar embaixo da ponte?

- Ah! Mãe! Isso é só modo de dizer. . .

Mas, de uma forma ou de outra o casamento realizou-se e as duas sogras continuaram se debicando amistosamente.

Berta gosta muito do Armando:

- Ele é um santo! A Carol tem um vidão. Não trabalha fora, tem empregada para todo o serviço da casa. Compra tudo o que quer e ele nunca a contraria em nada.

E, olhe, não pense que ele é rico. Faz sacrifícios, mas dá a ela tudo o que ela quer!

A Meg, porém, não vê as coisas pelo mesmo prisma:

- Coitado do Armandinho! A Carol é uma inútil! Não faz nada em casa. Gasta o que não tem e obriga-o a sacrifícios para satisfazer-lhe os caprichos.

Bem, Sogras à parte, Carol e Armando foram felizes para sempre. Afinal de contas, isto é o que importa, não é verdade?

Fonte:
http://www.sorocult.com/el/colunistas/bisavo.htm