terça-feira, 12 de agosto de 2008

Monteiro Lobato (Urupês)

Urupês não contém uma única história, mas vários contos e um artigo, quase todos passados na cidadezinha de Itaoca, no interior de SP, com várias histórias, geralmente de final trágico e algum elemento cômico. O último conto, Urupês, apresenta a figura de Jeca Tatu, o caboclo típico e preguiçoso, no seu comportamento típico. No mais, as histórias contam de pessoas típicas da região, suas venturas e desventuras, com seu linguajar e costumes.

José Bento Monteiro Lobato nasceu em 18/04/1882 como José Renato Monteiro Lobato e mudou seu nome mais tarde para poder usar a bengala com as iniciais JBML do pai. Bacharel em Direito contra a vontade, dizia sempre o que pensava e defendia a verdade. Escreveu livros para crianças e iniciou o movimento editorial brasileiro. Meteu-se em encrenca ao afirmar que o Brasil tinha petróleo (e estava certo). Editou livros para adultos e, desgostoso, voltou a literatura infantil. Morreu a 04/07/48. Em Urupês aparece pela primeira vez a figura de Jeca Tatu. Seu outro livro de contos muito famoso, que se junta a sua bibliografia de 30 obras é Cidades Mortas. Uma característica única de Monteiro Lobato é sua linguagem, simplificada, mais até do que a atual gramática oficial.

"Como se fosse de natural engraçado, vivera até ali da veia cômica, e com ela amanhara casa, mesa, vestuário e o mais. Sua moeda corrente era micagens, pilhérias, anedotas de inglês e tudo quanto bole com os músculos faciais do animal que ri, vulgo homem, repuxando risos ou matrecolejando gargalhadas." Urupês

"Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!" Urupês
"A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso, tolhidas de incansável caquexia, uma verdade, que é um desconsolo, ressurte e tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os mesmos, reflui com eles duma região para outra. Não emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando para trás de si um rastilho de taperas." Cidades Mortas

"Há de subir, há de subir há de chegar a sessenta mil réis em julho. Café, café, só café!…" Cidades Mortas

RESUMO DA OBRA
Urupês – Monteiro Lobato

Urupês é basicamente uma série de 14 contos, tendo como ênfase a vida quotidiana e mundana do caboclo, através de seus costumes, crenças e tradições.

Os faroleiros
Dois homens conversam sobre faróis, e um deles conta sobre a tragédia do Farol dos Albatrozes, onde passou um tempo com um dos personagens da trama: Gerebita. Gerebita tinha um companheiro, chamado Cabrea, que ele alegava ser louco. Numa noite, travou-se uma briga entre Gerebita e Cabrea, vindo este a morrer. Seu corpo foi jogado ao mar e engolido pelas ondas. Gerebita alegava ter sido atacado pelos desvarios de Cabrea, agindo em legítima pessoa. Eduardo, o narrador, descobre mais tarde que o motivo de tal tragédia era uma mulher chamada Maria Rita, que Cabrea roubara de Gerebita.

O engraçado arrependido
Um sujeito chamado Pontes, com fama de ser uma grande comediante e sarrista, resolve se tornar um homem sério. As pessoas, pensando se tratar de mais uma piada do rapaz negavam-lhe emprego. Pontes recorre a um primo de influência no governo, que lhe promete o posto da coletoria federal, já que o titular, major Bentes, estava com sérios problemas cardíacos e não duraria muito tempo. A solução era matar o homem mais rápido, e com aquilo que Pontes fazia de melhor: contar piadas. Aproxima-se do major e, após várias tentativas, consegue o intento. Morte, porém inútil: Pontes se esquece de avisar o primo da morte, e o governo escolhe outra pessoa para o cargo.

A colcha de retalhos
Um sujeito (o narrador) vai até o sítio de um homem chamado Zé Alvorada para contratar seus serviços. Zé está fora e, enquanto não chega, o narrador trata com a mulher (Sinhá Ana), sua filha de quatorze anos (Pingo d'Água) e a figura singela da avó, Sinhá Joaquina, no auge dos seus setenta anos. Joaquina passava a vida a fazer uma colcha de retalhos com pedacinhos de tecido de cada vestido que Pingo d'Água vestia desde pequenina. O último pedaço haveria de ser o vestido de noiva. Passado dois anos, o narrador fica sabendo da morte de Sinhá Ana e a fuga de Pingo d'Água com um homem. Volta até aquela casa e encontra a velha, tristonha, com a inútil concha de retalhos na mão. Em pouco tempo morreria...

A vingança da peroba
Sentindo inveja da prosperidade dos vizinhos, João Nunes resolve deixar de lado sua preguiça e construir um monjolo (engenho de milho). Contrata um deficiente, Teixeirinha, para fazer a tal obra. Em falta de madeira boa para a construção, a solução é cortar a bela e frondosa peroba na divisa das suas terras (o que causa uma tremenda encrenca com os vizinhos). Teixeirinha, enquanto trabalha, conta a João Nunes sobre a vingança dos espíritos das árvores contra os homens que as cortam. Coincidência ou não, o monjolo não funciona direito (para a gozação dos vizinhos) e João Nunes perde um filho, esmagado pela engenhoca.

Um suplício moderno
Ajudando o coronel Fidencio a ganhar a eleição em Itaoca, Izé Biriba recebe o cargo de estafeta (entregador de correspondências e outras cargas). Obrigado a andar sete léguas todos os dias, Biriba perde aos poucos a saúde. Resolve pedir demissão, o que lhe é negada. Sabendo da próxima eleição, continua no cargo com a intenção de vingança. Encarregado de levar um "papel" que garantiria novamente a vitória de seu coronel, deixa de cumprir a missão. Coronel Fidencio perde a eleição e a saúde, enquanto o coronel eleito resolve manter Biriba no cargo. Este, então, vai embora durante a noite...

Meu conto de Maupassant
Dois homens conversam num trem. Um deles é ex-delegado e conta sobre a morte de uma velha. O primeiro suspeito era um italiano, dono de venda, que é preso. Solto por falta de provas, vem morar em São Paulo. Passado algum tempo, novas provas incriminam o mesmo e, preso em São Paulo e conduzido de trem ao vilarejo, se joga da janela. Morte instantânea e inútil: tempo depois, o filho da velha confessa o crime.

"Pollice Verso"
O filho do coronel Inácio da Gama, o Inacinho, forma-se em Medicina no Rio de Janeiro e volta para exercer a profissão. Pensando em arrecadar dinheiro para ir a Paris reencontrar a namorada francesa, Inacinho começa a cuidar de um coronel rico. Como a conta seria mais alta se o velho morresse, a morte não tarda a acontecer. O caso vai parar na justiça, onde dois outros médicos velhacos dão razão a Inacinho. O moço vai para Paris morar em Paris com a namorada, levando uma vida boêmia. No Brasil, o orgulhoso coronel Inácio da Gama fala aos ventos sobre o filho que andava aprofundando os estudos com os melhores médicos da Europa.

Bucólica
Andando pelos pequenos vilarejos e sítios interioranos, o narrador fica sabendo da trágica história da morte da filha de Pedro Suã, que morreu de sede. Aleijada e odiada pela mãe, a filha adoeceu e, ardendo em febre numa noite, gritava por água. A mãe não lhe atendeu, e a filha foi encontrada morta na cozinha, perto do pote de água, para onde se arrastou.

O mata-pau
Dois homens conversam na mata sobre uma planta chamada mata-pau, que cresce e mata todas as outras árvores ao seu redor. O assunto termina no trágico caso de um próspero casal, Elesbão e Rosinha, que encontram um bebê em suas terras e resolvem adotá-lo. Crescido o menino, se envolve com a mãe e mata o pai. Com os negócios paternos em ruína, resolve vendê-los, o que vai contra os gostos da mãe-esposa. Esta quase acaba vítima do rapaz, e vai parar num hospital, enlouquecida.

Bocatorta
Na fazenda do Atoleiro, vivia a família do major Zé Lucas. Nas matas da fazenda, havia um negro com a cara defeituosa com fama de monstro: Bocatorta. Cristina, filha do major, morre justamente alguns dias depois de ter ido com o pai ver a tal criatura. Seu noivo, Eduardo, não agüenta a tristeza e vai até o cemitério chorar a morte da amada. Encontra Bocatorta desenterrando a moça. Volta correndo e, junto a um grupo de homens da fazenda, sai em perseguição a Bocatorta. Esse, em fuga, morre ao passar num atoleiro, depois de ter dado o seu único beijo na vida.

O comprador de fazendas
Pensando em se livrar logo da fazenda Espigão (verdadeira ruína para quem a possui), Moreira recebe com entusiasmo um bem-apessoado comprador: Pedro Trancoso. O rapaz se encanta com a fazenda e com a filha de Moreira e, prometendo voltar na semana seguinte para fechar o negócio, nunca mais dá notícias. Moreira vem a descobrir mais tarde que Pedro Trancoso é um tremendo safado, sem dinheiro nem para comprar pão. Pedro, no entanto, ganha na loteria e resolve comprar mesmo a fazenda, mas é expulso por Moreira, que perdeu assim a única chance que teve na vida de se livrar das dívidas.

O estigma
Bruno resolve visitar o amigo Fausto em sua fazenda. Lá conhece a bela menina Laura, prima órfã de Fausto, e sua fria esposa. Fausto convivia com o tormento de um casamento concebido por interesse e uma forte paixão pela prima. Passado vinte anos, os amigos se reencontram no Rio de Janeiro, onde Bruno fica sabendo da tragédia que envolveu as duas mulheres da vida de Fausto: Laura sumiu durante um passeio, e foi encontrada morta com um revólver ao lado da mão direita. Suicídio misterioso e inexplicável. A fria esposa de Fausto estava grávida e deu a luz a um menino que tinha um sinalzinho semelhante ao ferimento de bala no corpo da menina. Fausto vê o sinalzinho e percebe tudo: a mulher havia matado Laura. Mostra o sinal do recém-nascido para ela que, horrorizada, padece até a morte.

Velha Praga
Artigo onde Monteiro Lobato denuncia as queimadas da Serra da Mantiqueira por caboclos nômades, além de descrever e denunciar a vida dos mesmos.

Urupês
A jóia do livro. Aqui, Monteiro Lobato personifica a figura do caboclo, criando o famoso personagem "Jeca Tatu", apelidado de urupê (uma espécie de fungo parasita). Vive "e vegeta de cócoras", à base da lei do menor esforço, alimentando-se e curando-se daquilo que a natureza lhe dá, alheio a tudo o que se passa no mundo, menos do ato de votar. Representa a ignorância e o atraso do homem do campo.

Fontes:
http://www.vestibular1.com.br
Capa do livro: http://www.monteirolobato.tur.br

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Marina Colasanti (Luz de lanterna, sopro de vento)

Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. "Para trazê-lo de volta," murmurou. E foi dormir.
Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. "Foi o vento da madrugada," pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.

À noite, antes de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância deveria indicar ao seu homem o caminho de casa.

Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger das argolas da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.

Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. "Na certa não ventará," disse em voz alta, quase dando uma ordem. E encostou a chama do fósforo no pavio.

Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas.

Assim foi durante muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância apagava.

Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe recortada contra a luz que lanhava em sangue o horizonte, a silhueta escura de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.

Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu marido que vinha.

Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou-lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.

Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. "Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir," disse-lhe quase ríspido. "Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas, como se me chamasse. "Só de madrugada depois que o vento sopra posso adormecer."

A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça.

"Deixe-me fazer o que tem de ser feito, mulher," disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pode sequer vê-lo afastar-se contra o céu.

A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálpebras do marido.

No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém, que era tanto.

E, passado, num final de tarde em que a soleira da porta despedia-se da última luz no horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem a pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça, retendo o sorriso nos lábios - tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre a barba e o chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra.

Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar. Quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só entrou com a mulher. E fechou a porta.

Fonte:
COLASANTI, Marina."Luz de lanterna, sopro de vento ". IN: Um Espinho de Marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM. Disponível em http://www.beatrix.pro.br/

Luiz Antonio Cardoso (Lygia...)

Lygia Fagundes Telles... lindo nome! Lygia Fagundes Telles! Lygia...

Uma das nossas maiores escritoras. Membro da Academia Paulista de Letras! Membro da Academia Brasileira de Letras! Premiadíssima... o Prêmio Jabuti, por exemplo! Formada em Direito pela tradicional e conceituada Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Vários livros publicados... vários sucessos... sucessos como "As Meninas", "Ciranda de Pedra "... foi elogiada pelos maiores entendidos em literatura... Carlos Drummond de Andrade, Antonio Cândido e Otto Maria Carpeaux são apenas alguns dos que recomendaram a leitura de seus livros.

Foi uma moça linda e, hoje, com toda a experiência, na plenitude de sua maturidade, continua bela. Uma bela senhora!

Mas de que importa todos os títulos de Lygia? De que me importa se ela foi bela ou se ainda o é? De que me importa o Largo de São Francisco? O Prêmio Jabuti? Os grandiosos que a recomendaram? De que me importa, se tudo isso passa? Se tudo passará? Qual o motivo de todo este glamour? E eu respondo a mim mesmo: nenhum! Tudo que fora relatado não significa nada, isto quando comparado ao sentimento do mundo que Lygia possui... este sentimento tão bem definido pelo nosso poeta maior, encontra um canal perfeito de manifestação na literatura e na vivência de Lygia Fagundes Telles.

Ouvia falar muito da notável escritora paulista, mas nunca tinha lido seus livros... era como muitos, que diziam se tratar de uma grande escritora sem ter experimentado a maravilha de ler seus verdadeiros ensinamentos de vida... como tantos, se me pedissem uma lista com nomes de escritores a serem estudados, passaria, dentre outros, o de Lygia, sem ao menos ter profundo conhecimento do motivo de tal indicação.

Mais eis que um dia chegou as minhas mãos de leitor, um exemplar de "As Meninas", e ao iniciar a viagem pelo mundo ficcional desta obra-prima, fui a cada página me surpreendendo... a cada linha que trilhavam, meus olhos curiosos e repletos de admiração, eram inundados por uma crescente sensação, ainda mais real, no meio da ficção que me envolvia...

- Eu conheço alguém muito parecido com Lorena! Eu conheço a Lião! Eu juro que conheço a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... fui me apaixonando a cada vocábulo por Ana Clara. Ao entrelaçar das palavras de Lygia, seguia espargindo as minhas e tentando de todas as formas ajudar minha Ana... mas nem Ana nem Lygia me ouviram... jurei amor eterno... ajoelhei-me (mesmo com o problema que possuo nos joelhos!)... rezei tanto, tanto, como há muito tempo não fazia... quis deixar de ser real e entrar na história para mostrar a Ana Clara que havia sentido maior para vida... mas nem mesmo minha renúncia da condição de real foi suficiente para Ana... Lorena me ouvia, mas não deu a atenção devida, pois estava preocupada com M.N. Lia também me ouviu, deu-me até alguns conselhos, mas falou que o mais importante era a luta contra a ditadura... mas, naqueles exatos momentos, nem M.N. tampouco a ditadura me afligiam... importava-me, tão somente, o olhar de Ana Clara... a riqueza psicológica desta fenomenal personagem... Lygia Fagundes Telles fez com que eu me apaixonasse e depois aniquilou o motivo de meu amor-fantasia-real... e ao término, restou uma paixão imortal pela literatura de Lygia!

O amor foi tanto, que se pela manhã estava terminando a leitura de "As Meninas", ao cair da noite já me enveredava pelos caminhos de "Ciranda de Pedra". E surgiu outra paixão, chamada Virgínia... ela veio sem muito alarde, sem muito falar, andando nas pontas dos pés... ainda criança me cativou... seu jeito de enxergar o mundo... um mundo todo dela, impenetrável como o mundo de seu pai-não-pai... confuso como o de sua mãe e ao mesmo tempo sublime como o de seu padrasto-que-era-pai. E conforme ela crescia, minha paixão também foi tomando proporções maiores... Virgínia foi conhecendo o mundo... vendo que não era o que pensava que fosse... viu que, o que era denominado de cruel, de detestável, era na verdade amor... um amor tão sublime, tão extraordinário, capaz de adentrar num mundo enfermo, fantasioso, irreal... um sentimento tão belo, que todos os que não alcançavam tamanha grandeza, o denominavam de ruim, de loucura... e desse amor surgiu Virgínia, para tornar-se um dos personagens mais grandiosos de nossa literatura!

E terminado o romance, ficou minha admiração pela escritora... minha gratidão pela sua arte criativa que me fez apaixonar duas vezes... sentir dor, rancor, frio, fome, alegria e tristeza...
E se não bastasse tudo que me havia ofertado, com seus romances, contos e entrevistas, que afoito, li e reli, ainda fui premiado - eu e cerca de cem pessoas - a ouvi-la num debate no Prédio da FIESP, na bela Avenida Paulista...

Lá estava eu, naquela noite de quarta-feira, que tinha tudo para ser uma noite como as outras, mas que acabou sendo uma noite demasiadamente especial! Estava em meio à platéia ansiosa... a maioria conformada apenas em esperar... alguns conversando com os colegas circundantes... mas eu, que até parecia querer ser diferente dos outros, estava a ler... não lia Lygia Fagundes Telles naqueles preciosos momentos de angústia salutar, mas lia, sim, Drummond, uma paixão que tenho em comum com a escritora que estava por chegar.

Foi então que notei a platéia se mexendo para cá e para lá... levantei minha cabeça e avistei, caminhando, Lygia, que andava calmamente ao nosso encontro... fiquei super emocionado só com sua presença... estremeci e pequenas lágrimas romperam minha estranha resistência. E ela começou a falar... falar... falar...

Sonhar.... sonhar.... sonhar...

Foi uma aula sem precedentes em minha existência turbulenta e sequiosa de paz... ela falou sobre inúmeros assuntos... disse da importância da esperança; da necessidade de termos mais escolas e creches, para evitarmos no futuro, os hospitais, as prisões e a violência; da literatura nacional como sendo da melhor qualidade; do exemplo de Machado de Assis, que era feio, pobre, mulato, gago e epilético e tornou-se o maior nome da literatura brasileira; dos políticos que roubam em demasia; da nossa importância; da qualidade da educação para as crianças; da boçalidade atual da televisão; do importante contato com a natureza, com os bichos; de sua infância e adolescência; de seus pais; de sua vida; da Faculdade de Direito; dos gatos e cachorros que teve; da composição literária e da comparação com a aranha e sua teia; do conhecimento da natureza humana... e eu estava já extasiado com tantas informações... com tanta vida que brotava das palavras de Lygia... e ela continuava... falou sobre Carlos Drummond da Andrade; da missão do escritor; das desigualdades sociais; do poder da palavra; de Jesus Cristo; das drogas, do álcool e da promiscuidade; da necessidade de fazermos o melhor em nossas profissões; da vocação; do preconceito no Brasil; do atender ao chamado; da origem da personagem Ana Clara... neste ponto fiquei ainda mais emotivo do que já estava... Ana Clara... mas Lygia falou que as personagens, assim como as pessoas, voltam, e isto me trouxe certa esperança... será então que Ana Clara voltaria e eu teria, finalmente, a chance de auxiliá-la e mostrar toda a intensidade de meu amor?

E a Lygia continuou... falou sobre a permanência do escritor através da palavra; da fantasia; do amor ao povo; da arte como negação da morte; da música de Bach; da mudança do ser humano; do artesanato literário; da paciência do escritor; da busca incessante da perfeição; das miniaturas no livro "Disciplina do Amor"; da palavra a desviar um jovem do estúpido suicídio; da criança e do incentivo à criatividade; da natureza como motivo de inspiração e amor; de Santo Agostinho; da lupa que o avô lhe dera; da urgência de criarmos ao redor de nós, nossas próprias reservas florestais; das suas idéias futuras; dos contos escritos em cadernos de escola; do custeio dos próprios livros; das participações em concursos literários... e ao fim, citou Camões: "eu estou em paz com a minha guerra...".

Lygia... oh grande escritora! Bela mulher! Grandioso ser humano! Como você me fez feliz sem ao menos saber que existo! É por causa de pessoas como você, como Drummond, Manuel Bandeira, Charles Chaplin, Monteiro Lobato, dentre outros tantos divinos anjos da cultura que vieram ao triste mundo trazer um pouco de esperança, que eu vivo... que eu resisto... que eu luto... que eu sobrevivo... que eu amo!

Muito obrigado, Lygia, muitíssimo obrigado... até, quem sabe, um dia... lembranças para todos... para as meninas, para o contemplador Conrado, para a especial Virgínia e para a Ana Clara! Ah, a Ana Clara... estou em paz, querida Ana Clara, mas desta guerra não desistirei!
São Paulo-SP, 2001

Fonte:
E-mail enviado por Luiz Antonio Cardoso, de Crônica Publicada no Site Diário LAC. http://www.diariolac.com.br/

sábado, 9 de agosto de 2008

Maurício Cavalheiro (O Papagaio)

Os passos pressurosos eram para abreviar o tempo de retorno ao lar. A expectativa em revelar a sua nova aquisição, não desfazia aquele sorriso no rosto. Os transeuntes, curiosos, olhavam-no segurando uma enorme embalagem, cuja proteção plástica, impedia desvendar o seu conteúdo.

Abriu o portão, gritando:

- Benhê! Jonzinho! Nininha!

Os filhos, que brincavam no balanço, correram ao encontro do pai.

- O pai chegou, mãe!

A esposa abriu a porta enxugando as mãos no avental.

- Que gritaria é essa???

- Tenho uma surpresa para vocês. Tenho certeza que irão gostar.

A esposa e os filhos, seguiram-no até o quintal. Ele ordenou-lhes que se sentassem.

Depositou o pacote no chão e, segurando a embalagem, puxou-a ligeiramente. Quis semelhar-se com um mágico.

- Tcham! Tcham! Tcham! Tcham! Gostaram?

O filho de três anos, espremeu os olhinhos e questionou:

- Por que o senhor comprou uma galinha, pai?

- Não é uma galinha, filho - disse a mãe com ternura - é um louro.

- Mas ele é verde, mãe... Louro não é amarelo? Indagou a filha.

- É um papagaio - definiu o pai - Pretendo ganhar muito dinheiro com ele. Vou ensiná-lo a falar, a cantar o Hino Nacional... Todos os programas de televisão vão querer entrevistá-lo... Aí eu peço uma grana preta... Vamos ficar ricos! Agora preciso escolher um lugar para ele ficar...

- Que tal ali? Sugeriu a esposa.

Suspenderam a gaiola do bípede emplumado sob o telhado da área de serviço. Naquele mesmo dia, o marido repetiu algumas palavras para a ave, que permaneceu alheia aos ensinamentos.

Meses se passaram e, mesmo com a insistência daquela doutrina, o animal não evoluía. Raramente ouvia-se um curupaco.

- Talvez eu não seja um bom professor! Confidenciou certa vez a um amigo.

- Não é nada disso... já li uma reportagem sobre adestramento de animais... Pra ensinar um bichinho, é necessário que ele receba muito carinho e compreensão.

Naquele dia, o marido voltou decidido a acariciar o papagaio. Certamente o seu amigo estava com a razão. Quem não gosta de um carinho?

Loro! Curupaco! Começou a falar, abrindo a portinha da gaiola para fazer um cafuné no cocuruto do papagaio. Diga: CO-MI-DA! CO-MI-DA!

O papagaio olhou desconfiado e abriu o bico. "Ele vai falar", pensou. Quando a mão aproximava-se da ave, esta mordeu-lhe o indicador, que só foi liberado depois de um palavrão gritado.

No outro dia, com o dedo enfaixado, encontrou-se novamente com o amigo.

- E aí? Conseguiu fazer o bicho falar?

- Que nada! - Respondeu constrangido - Além de não dizer nenhuma palavra, ainda me fere o dedo.

- Você já reparou que os animais quando obedecem ao dono, recebem alimento? Por que você não faz o mesmo?

- Mas ele não me obedece.

- Então não lhe dê comida até que ele faça o que você quer.

Resoluto, confiou mais uma vez no amigo.

- Loro! Curupaco! Ou você fala alguma coisa ou não lhe dou comida. Entendeu?
O papagaio continuou indiferente diante da ameaça. Entretanto, a partir daquele dia ficou terminantemente proibido a alimentação do animal.

- Quem se atrever a dar comida pro papagaio, vai se ver comigo. ENTENDERAM?

Ninguém se atreveria a contrariar a determinação daquele homem severo, capitão reformado do exército.

Naquela semana o papagaio não foi alimentado.

Certo dia, a mulher varrendo o chão, ouviu uma voz esganiçada e debilitada:

- Co... mi... da!

Olhou para todos os lados mas não havia ninguém. Seus filhos estavam na escola.

- Co... mi... da!

Surpreendeu-se quando percebeu que o papagaio finalmente falava. Jogou a vassoura e correu ao telefone.

- Querido! O papagaio tá falando! Venha depressa!

Estupefata, tanto quanto como quando ouvira a primeira palavra pronunciada por um filho seu, retornou para próximo da gaiola.

- Co... mi... da... Co... mi... da....

O marido entrou correndo e ainda conseguiu ouvir a ave dizer:

- Co... mi... da...

- Traga as sementes de girassol, mulher... Traga o girassol – berrou.

A mulher obedeceu. Porém, quando entregou o pacotinho ainda lacrado ao marido, ouviu o papagaio repetir a palavra e tombar na gaiola.

Era muito tarde. O papagaio havia morrido de fome e destruído o sonho do marido em se tornar milionário.

Fonte:
http://www.diariolac.com.br/

Luiz Antonio Cardoso (A Sombra das reentrâncias)

Ela caminhava... levava nas mãos um grande galão com algum líquido, ainda indefinido, e pendurados nas costas, dois grandes sacos pretos. E ela caminhava com cautela, até mesmo assustada. Parecia esconder algo ou fugir de alguém. Sua aparência chamava a atenção: era magra, provavelmente cinqüenta anos, e tinha o semblante arredio, assim como arredios eram seus passos... passos que não paravam...

Ela passava pelas ruas fitando com estranheza as calçadas, os muros e portões... o que aquela mulher pretendia? Enquanto as pessoas ansiavam, naquele anoitecer, a hora da ceia de natal, e ocupavam-se dos derradeiros preparativos, a mulher enigmática, parecendo tão sofrida, andava pelas ruas, arcada pelo peso que carregava. Qual seria o fardo daquela mulher? Seria uma andarilha qualquer, procurando restos de comida e objetos ou fugitiva de alguma clínica para doentes mentais?

Os transeuntes não ficavam indiferentes a ela. Todos que cruzavam seu caminho olhavam-na com desconfiança ou medo... outros tinham pena, e alguns riam, dizendo que era o Papai Noel ao contrário: em vez de homem, era mulher. Magricela como só ela, enquanto o Noel era gorducho! Com uns sacos pretos que mais davam medo do que despertavam as esperanças natalinas da criançada, e com aquele jeito arisco de ser, que espantava qualquer adulto... imaginem, então, crianças!

Mas ela demonstrava uma surpreendente indiferença para com o universo humano. Os risos e até algumas provocações que alguns jovens lhe lançavam, pareciam que passavam despercebidos... o que passava pela mente daquela mulher? Quais seriam seus planos, ao observar com tantos detalhes as sarjetas, os caules das árvores e os jardins das praças?

Será que ela não tinha nada mais importante para fazer do que perder tempo daquele jeito? Será que não tinha uma família esperando-a para a noite de natal? Não seria católica? Pois a missa do galo já havia começado e a igreja estava lotada de fiéis...

Mas ela continuava a andar... um policial que passava apressado, fitou-a por alguns segundos e seguiu adiante... será que ele havia percebido, com toda sua experiência, que se tratava de uma mulher inofensiva?!

E ela, após andar por horas, acabou dando uma grande volta ao redor daqueles bairros, indo parar naquelas mesmas ruas! Os grandes ponteiros do relógio da matriz assinalavam meia-noite! Fogos de artifício iluminavam o manto estrelado, anunciando o natal... nos lares: abraços e beijos! Troca de presentes! Comida farta... brindes com champanhes... muitos pernis, lombos... tantos perus, frangos e outros animais haviam sucumbido para saciar o insaciável desejo humano! Muitos vinhos estavam sendo sorvidos.

E a mulher, voltando à mesma rua na qual iniciou sua caminhada, parou pela primeira vez, tirou de um dos sacos pretos, três potes vazios de manteiga. Num deles despejou uma boa quantidade de ração para cães, que tirou do outro saco, e colocou o pote numa reentrância que havia observado na árvore... outro pote encheu de água cristalina, que trazia no galão, e inseriu na segunda reentrância... o terceiro pote serviu para acomodar ração para gatos, que ela pendurou, com muito cuidado, num galho da mesma árvore... e assim seguiu seu trilhar, com bastante rapidez, devido à prática e a observação prévia, construindo um natal mais feliz aos cães e gatos desamparados...

Realmente ela tinha algo de Papai Noel, e se aproveitando do vazio das ruas, devido às ceias e festejos natalinos, ia procurando o melhor lugar para montar a mesa das criaturinhas de Deus... buscava a sombra das reentrâncias, o esconderijo dos galhos, as frestas dos muros, sabendo que ali a inconsciência alheia teria mais dificuldade de avistar e de chutar, com risos galgados ao álcool e merecedores de piedade.

Amanhecia... uma bela manhã de natal começava a despontar na cidade... homens e mulheres dormiam, sendo que muitos acordariam com monumentais ressacas! Muitos gatos e cães, outrora abandonados, dormiam saciados, por que uma boa alma havia passado uma noite de natal a festejar a caridade para com aqueles que a humanidade, há séculos, classificou de úteis e inúteis, de saborosos ou indigestos, de divertidos ou chatos!

E aquela mulher sumiu... ninguém mais a viu! Ninguém sabia seu nome, se era casada, se tinha filhos, se sofria, se amava, se acreditava em Deus... parecia que ela havia se diluído às sombras... ou teria se perdido nas reentrâncias da vida? Ninguém sabia responder... mas onde estivesse, com ela certamente seguia a silenciosa gratidão de dezenas de criaturas... com ela seguia a paz da missão cumprida e a agradabilíssima sensação de harmonia universal para com a natureza... para com o cosmos... para com Deus...
Taubaté-SP, 2007

Fonte:
Diário LAC - Literatura, Artes e Cultura . http://www.diariolac.com.br/

Guimarães Rosa (Primeiras Estórias)

Época:

Modernismo brasileiro (terceiro tempo);

Contexto histórico-cultural:

Brasil - anos JK, o "presidente bossa-nova"; euforia desenvolvimentista; industrialização acelerada do país = Plano de Metas = "50 anos em 5"; fundação de Brasília; instalação da indústria automobilística; Concretismo = poesia verbivocovisual: Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, José Paulo Paes, Pedro Xisto, José Lino Grunewald; Bossa nova: João Gilberto, Johnny Alf, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Luis Bonfá, Sérgio Ricardo, Juca Chaves, Jorge Ben (jor), Maysa, Agostinho dos Santos e alguns mais; cinema novo: Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Gláuber Rocha; Teatro: fim da geração TBC e início das gerações Arena e Oficina; Futebol: seleção brasileira bicampeã do mundo (1958 e 1962); juventude transviada: geração coca-cola; atuação permanente da UNE. Mundo - vacina Sabin (pólio, 1955); Sputnik I (1957, URSS inicia a corrida espacial); XX Congresso do PC da URSS (1958: a desestalinização); Revolução Cubana (1958); Existencialismo: Jean-Paul Sartre; Novelle Vague: cinema de Louis Malle, François Truffaut, Jean-Luc Godard; explosão do roxk-and-roll: Elvis Presley, Bill Halley, Little Richard, Chuck Berry, Paul Anka.

ENREDOS

I - "As margens da alegria". Um menino descobre a vida, em ciclos alternados de alegria (viagem de avião, deslumbramento pela flora, e fauna) e tristeza (morte do peru e derrubada de uma árvore).

II - "Famigerado". O jagunço Damázio Siqueira atormenta-se com um problema vocabular: ouviu a palavra "famigerado" de um moço do governo e vai procurar o farmacêutico, pessoa letrada do lugar, para saber se tal termo era um insulto contra ele, jagunço.

III - "Sorôco, sua mãe, sua filha". Um trem aguarda a chegada da mãe e da filha de Sorôco, para conduzí-las ao manicômio de Barbacena. Durante o trajeto até a estação, levadas por Sorôco, elas começam surpreendentemente a cantar. Quando o trem parte, Sorôco volta para casa cantando a mesma canção, e os amigos da cidadezinha, solidariamente, cantam junto.

IV - "A menina e lá". Nhinhinha possuía dotes paranormais: seus desejos, por mais estranhos que fossem, sempre se realizavam. Isolados na roça, seus parentes guardam em segredo o fenômeno, para dele tirar proveito. As reticentes falas da menina tinham caráter de premonição: por exemplo, o pai reclamara da impiedosa seca. Nhinhinha "quis" um arco-íris, que se fez no céu, depois de alentadora chuva. Quando ela pede um caixãozinho cor-de-rosa com efeites brilhantes ninguém percebe que o que ela queria era morrer...

V - "Os irmão Dagobé". O valentão Damastor Dagobé, depois de muito ridicularizar Liojorge, é morto por ele. No arraial, todos dão como certa a vingança dos outros Dagobé: Doricão, Dismundo e Derval. A expectativa da revanche cresce quando Liojorge comunica a intenção de participar do enterro de Damastor. Para surpresa de todos, os irmãos não só concordam, como justificam a atitude de Liojorge, dizendo que Damastor teve o fim que mereceu.

VI - "A terceira margem do rio". Um homem abandona família e sociedade, para viver à deriva numa canoa, no meio de um grande rio. Com o tempo, todos, menos o filho primogênito, desistem de apelar para o seu retorno e se mudam do lugar. O filho, por vínculo de amor, esforça-se para compreender o gesto paterno: por isso, ali permanece por muitos anos. Já de cabelos brancos e tomado por intensa culpa, ele decide substituir o pai na canoa e comunica-lhe sua decisão. Quando o pai faz menção de se aproximar, o filho se apavora e foge, para viver o resto de seus dias ruminando seu "falimento" e sua covardia.

VII - "Pirlimpsiquice". Um grupo de colegiais ensaia um drama para apresentá-lo na festa do colégio. No dia da apresentação, há um imprevisto, e um dos atores se vê obrigado a faltar. Como não havia mais possibilidade de se adiar a apresentação, os adolescentes improvisam uma comédia, que é entusiasticamente bem recebida pela platéia.

VIII - "Nenhum, nenhuma". Uma criança, não se sabe se em sonho ou realidade, passa férias numa fazenda, em companhia de um casal de noivos, de um homem triste e de uma velha velhíssima, de quem a noiva cuidava. O casal interrompe o noivado, e o menino, que conhecera o Amor observando-os, volta para a casa paterna. Lá chegando, explode sua fúria diante dos pais ao notar que eles se suportavam, pois tinham transformado seu casamento num desastre confortável.

IX - "Fatalidade". Zé Centeralfe procura o delegado de uma cidadezinha, queixando-se de que Herculinão Socó vivia cantando sua esposa. A situação tornara-se tão insuportável que o casal mudara de arraial. Não adiantou: o Herculinão foi atrás. O delegado, misto de filósofo, justiceiro e poeta, depois de ouvir pacientemente a queixa, procura o conquistador e, sem a mínima hesitação, mata-o, justificando o fato como necessário, em nome da paz e do bem-estar do universo.

X - "Seqüência". Uma vaca fugitiva retorna a sua fazenda de origem. Decidido a resgatá-la, um vaqueiro persegue-a com incomum denodo. Ao chegar à fazenda para onde a vaca retornara, o vaqueiro descobre que havia outro motivo para sua determinação: a filha do fazendeiro, com quem o rapaz se casa.

XI - "O espelho". Um sujeito se coloca diante de um espelho, procurando reeducar seu olhar. apagando as imagens do seu rosto externo. A progressão desses exercícios lhe permite, daí a algum tempo, conhecer sua fisionomia mais pura, a que revela a imagem de sua essência.

XII - "Nada e a nossa condição". O fazendeiro Tio Man'Antônio, com a morte da esposa e o casamento das filhas, sente-se envelhecido e solitário. Decide vender o gado, distribuindo o dinheiro entre as filhas e genros. A seguir, divide sua fazenda em lotes e os distribui entre os empregados, estipulando em testamento uma condição que só deveria ser revelada quando morresse. Quando o fato ocorre, os empregados colocam seu corpo na mesa da sala da casa-grande e incendeiam a casa: a insólita cerimônia de cremação era seu último desejo.

XIII - "O cavalo que bebia cerveja". Giovânio era um velho italiano de hábitos excêntricos: comia caramujo e dava cerveja para cavalo. Isso o tornara alvo da atenção do delegado e de funcionários do Consulado, que convocam o empregado da chácara de "seo Giovânio", Reivalino, para um interrogatório. Notando que o empregado ficava cada vez mais ressabiado e curioso, o italiano resolve então abrir a sua casa para Reivalino e para o delegado: dentro havia um cavalo branco empalhado. Passado um tempo, outra surpresa: Giovânio leva Reivalino até a sala, onde o corpo de seu irmão Josepe, desfigurado pela guerra, jazia no chão. Reivalino é incumbido de enterrá-lo, conforme a tradição cristã. Com isso, afeiçoa-se cada vez mais ao patrão, a ponto de ser nomeado seu herdeiro quando o italiano morre.

XIV - "Um moço muito branco". Os habitantes de Serro Frio, numa noite de novembro de 1872, têm a impressão de que um disco voador atravessou o espaço, depois de um terremoto. Após esses eventos, aparece na fazenda de Hilário Cordeiro um moço muito branco, portando roupas maltrapilhas. Com seu ar angelical, impõe-se como um ser superior, capaz de prodígios: os negócios de Hilário Cordeiro, o fazendeiro que o acolheu, têm uma guinada espantosamente positiva. Depois de fatos igualmente miraculosos, o moço desaparece do memo modo que chegara.

XV - "Luas-de-mel". Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza recebem em sua fazenda um casal fugitivo, versão sertaneja de Romeu e Julieta. Certos de que os capangas do pai da moça virão resgatá-la, todos se preparam para um enfrentamento: a casa da fazenda transforma-se num castelo fortificado. É nesse clima de tensão que se celebra o casamento dos jovens, a que se segue a lua-de-mel, que acontece em dose dupla: dos noivos e do velho casal de anfitriões, cujo amor fora reavivado com o fato. Na manhã seguinte, a expectativa se esvazia com a chegada do irmão da donzela, que propõe solução satisfatória para o caso.

XVI - "Partida do audaz navegante". Quatro crianças, três irmãs e um primo, brincam dentro de casa, aguardando o término da chuva. A caçula, Brejeirinha, brinca com o que lhe dava mais prazer: as palavras. Inventa uma estória do tipo Simbad, o marujo, que ganha novos elementos quando todos vão brincar no quintal, à beira de um riacho. Liberando sua fantasia, Brejeirinha transforma um excremento de gado no "audaz navegante", colocando-o para navegar riacho abaixo.

XVII - "A benfazeja". Mula-Marmela era mulher de Mumbungo, sujeito perverso que se excitava com o sangue de suas vítimas. Esse vampiro tinha um filho, Retrupé, cujo prazer só diferia do do pai quanto à faixa etária das vítimas: preferia as mais frescas. Apesar de amar seu homem e ser correspondida, Mula-Marmela não hesitara em matá-lo e depois cegar Retrupé, de quem se torna guia. Passado algum tempo, resolve assassiná-lo: percebe que esta seria a única maneira de refrear o instinto de lobisomem do rapaz.

XVIII - "Darandina". Um sujeito bem-vestido rouba uma caneta, é surpreendido e, para escapar dos que o perseguem, escala uma palmeira. Uma multidão acompanha atentamente os esforços das autoridades, que procuram convencer o rapaz a descer. Resistindo, ele diz frases desconexas e tira toda a roupa, revelando notável equilíbrio físico. A sessão de nudismo leva um médico a nova tentativa de diálogo. Ao se aproximar, o médico percebe que o sujeito voltara à normalidade e que, envergonhado, pedia socorro. A multidão, sentindo-se ludibriada, não aceita essa sanidade repentina e se dispõe a linchá-lo. Sentindo o risco, o sujeito berra um grito de louvor à liberdade, motivo bastante para a multidão ovacioná-lo e carregá-lo nos ombros.

XIX - "Substância". O fazendeiro Sionésio apaixona-se por sua empregada Maria Exita, que fora abandonada pela família e criada pela peneireira Nhatiaga. Na fazenda, o ofício de Maria Exita era o de quebrar polvilho, trabalho duro mas que a moça realizava com prazer e competência. Embora preocupado com a ascendência da moça, Sionésio sente que a paixão é maior que o preconceito e pede-a em casamento.

XX - "Tarantão, meu patrão". O fazendeiro João-de-Barros-Dinis-Robertes tem uma surpreendente explosão de vitalidade em sua velhice caduca. Como se fora um Quixote, determina-se a matar seu médico: o Magrinho, seu sobrinho-neto. Ao longo da viagem rumo à cidade, recruta um bando de desocupados, ciganos e jagunços, que acatam sua liderança, pelo carisma natural do velho. Chegando à "frente de batalha", Tarantão percebe que era dia de festa: uma das filhas de Magrinho fazia aniversário. O susto inicial, provocado pela invasão do "exército", transforma-se em alívio quando o velho discursa, dizendo de seu apreço pela família e pelos novos amigos, colecionados ao longo da última cavalgada.

XXI - "Os cimos". O menino da primeira estória revela agora a face do sofrimento, causado pela doença da Mãe, fato que apressa sua viagem de volta à casa paterna. Os últimos dias de férias são de preocupação. O Menino só relaxava quando via, todas as manhãs e sempre à mesma hora, um tucano se aproximar da casa dos rios, onde se hospedava. Num processo de sublimação, desencadeado pela beleza da ave, o Menino ganha energia para resistir e para transferir à Mãe uma carga de fluidos mentais positivos, que lhe permitam superar a doença. Quando o Tio o procura para comunicar a melhora da Mãe, o Menino experimenta momentos de êxtase, pois só ele sabia do motivo da cura.

FOCO NARRATIVO

As indicações feitas a seguir são pontuadas com os algarismos que indicam a ordem de pubicação de cada estória no livro. Assim, dez delas têm o foco relato centrado na terceira pessoa:

I-"As margens da alegria"; II-"Famigerado";III-"Sorôco, sua mãe, sua filha"; IV-"A menina de lá"; V-"Os irmãos Dagobé"; VIII-"Nenhum, nenhuma"; X-"Seqüência"; XIV-"Um moço muito branco"; XIX-"Substância" e XXI-"Os cismos".

As onze estórias restantes são relatadas em primeira pessoa:

VI-"A terceira margem do rio"; VII-"Pirlimpsiquice"; IX-"Fatalidade"; XI-"O espelho"; XII-"Nada e a nossa condição"; XIII-"O cavalo que bebia cerveja"; XV-"Luas de mel"; XVI-"Partida do audaz navegante"; XVII-"A benfazeja"; XVIII-"Darandina" e XX-"Tarantão, meu patrão". Dessas onze estórias, apenas duas apresentam o narrador como protagonista: "O espelho" e "Pirlimpsiquice"; nas outras, o relato é feito por um espectador privilegiado, que presencia a ação e registra suas impressões a respeito do que assiste. O narrador pode ser também um personagem secundário da estória, com laços de parentesco ou e amizade com o protagonista.

Quanto ao emprego dos tempos verbais, nota-se que, na maior parte das estórias, o relato se faz através de uma mistura do pretérito perfeito com o pretérito imperfeito do indicativo.

ESPAÇO

A maioria das estórias se passa em ambiente rural não especificado, em sítios e fazendas; algumas têm como cenário pequenos lugarejos, arraiais ou vilas. Os ambientes são apresentados com poucos mas precisos toques: moldura de altos morros, vastos horizontes, grandes rios, pastos extensos, escassas lavouras. Duas estórias, no entanto - "O espelho" e "Darandina" -, transcorrem em cidades, pressupostas até como grandes centros urbanos, pelo fato de mencionarem a existência de secretarias de governo, hospício, corpo de bombeiros, jornalistas, parques de diversões, prédios de repartições públicas e outros serviços tipicamente urbanos.

PERSONAGENS

Embora variem muito quanto à faixa etária e experiência de vida, as personagens se ligam por um aspecto comum: suas reações psicossociais extrapolam o limite da normalidade. São crianças e adolescentes superdotados, santos, bandidos, gurus sertanejos, vampiros e, principalmente, loucos: sete estórias apresentam personagens com este traço.

1º conto:
menino: em estado de graça por descobrir a vida.

2º conto:
Damásio das Siqueiras: matador cruel.

3º conto:
Sorôco: viúvo que coloca a mãe e a filha, loucas, no hospício.

4º conto:
Nhinhinha: menina dotada de poderes sobrenaturais.

5º conto:
Liojorge: homem bom Damastor Dagobé: homem cruel e malfeitor
Doricão: irmão de Dagobé
Dismundo: irmão de Dagobé
Derval: irmão de Dagobé

6º conto:
protagonista: navegante da canoa narrador: filho de protagonista

7º conto:
Dr. Perdigão: professor de um grupo de adolescentes narrador: rapaz sem talento para o teatro. Ponto na peça
Zé Boné: rapaz espontâneo; revela-se ator.

8º conto:
um menino: arquétipo
um moço: enamorado da moça
uma moça: enamorada do moço
uma velha: simbolizando a vida
pai da moça: homem doente
pais do moço.

9º conto:
Zé Centaralfe: homem humilde
Esposa de Centaralfe
Herculinão: valentão que assedia a esposa de Centaralfe
Meu amigo: delegado instruído

10º conto:
rapaz: persegue a vaca fugitiva das terras de seu pai
moça: filha do Major Quitério.

11º conto:
narrador: protagonista; se vê refletido em espelhos

12º conto:
Tio M'Antônio: protagonista; estranho, calado filhas do Tio M'Antônio.
Tia Liduína: falecida esposa de Tio M' Antônio.

13º conto:
Reivalino Belarmino: empregado de Giovânio; narrador
Giovânio: italiano não afeito a hábitos de higiene, ex-combatente de guerra e fazendeiro. Seo Priscilo: subdelegado.

14º conto:
um moço muito branco: rapaz desmemoriado, com poderes
Duarte Dias: homem grosseiro
Hilário Cordeiro: homem bom e piedoso
José Kalende: escravo

15º conto:
Joaquim Norberto e esposa: velho casal; anfitriões
jovem casal: hóspede de Joaquim Norberto.
Seo Seotaziano: compadre de Joaquim Norberto

17º conto:
narrador: homem indignado com o comportamento da população
Mula Marmelo: mulher feia, suja e esfarrapada, benfeitora do povoado - "A benfazeja"
Retrupé: cego guiado por Mula Marmelo
Mumbambo: marido de Mula Marmelo. Homem cruel, assassinado pela esposa

18º conto:
narrador: médico-residente do hospício
louco: homem distinto que entra em crise
Adalgiso: homem excessivamente correto.

19º conto:
Maria Exita: moça bonita, trabalhadora e pura
Sionésio: homem bom e trabalhador, apaixonado por Maria Exita
Nathiaga: mulher boa, empregada na fazenda de Sionésio

16º conto:
Pela, Ciganinha, Brejeirinha: irmãs
Zito: primo

20º conto:
vagalume: narrador
João-de-Barros: patrão de Vagalume
Magrinho: médico; sobrinho de João-de-Barros

21º conto:
menino: o mesmo do primeiro conto
tio do menino: o mesmo do primeiro conto.

Fontes:
http://www.vestibular1.com.br
http://drang.com.br (capa do livro)

José Guilherme de Araújo Jorge (1914 - 1987)

Nasceu em 20 de maio de 1914, na Vila de Tarauacá, Estado do Acre. Filho de Salvador Augusto de Araújo Jorge e Zilda Tinoco de Araujo Jorge.

Descendente, pelo lado paterno de tradicional família alagoana, os Araujo Jorge. Sobrinho do embaixador Artur Guimarães de Araujo Jorge, ( autor de inúmeras obras sobre Filosofia, História e Diplomacia), sobrinho neto de Adriano de Araujo Jorge , médico, escritor, grande orador, que foi Presidente perpétuo da Academia Amazonense de Letras, e do Prof. Afrânio de Araujo Jorge, fundador do Ginásio Alagoano, de Maceió.

Descende pelo lado materno dos Tinocos, dos Caldas e dos Gonçalves, de Campos, Macaé, e S. Fidélis, Estado do Rio.

Passou sua infância no Acre, em Rio Branco, onde fez o curso primário no Grupo Escolar, 7 de Setembro. No Rio , realizou o curso secundário nos Colégios Anglo-Americano e Pedro II Colaborou desde menino na imprensa estudantis. Foi fundador e presidente da Academia de Letras do Internato Pedro II, no velho casarão de S.Cristovão, consumido pelas chamas muitos anos depois. Data dessa época, ainda ginasiano, sua primeira colaboração na imprensa adulta: em 1931 viu publicado o seu poema "Ri Palhaço, Ri" no "Correio da Manhã", depois transcrito no "Almanaque Bertand" de 1932.

Entretanto, este como outros trabalhos desse tempo, não foram incluídos em seus livros. Colaborou também no jornal " A Nação" ; nas revistas: " Carioca", "Vamos Ler", etc. Formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

Em 1932, No Externato Colégio Pedro II, em memorável certame, foi escolhido o " Príncipe dos Poetas", sendo saudado na festa por Coelho Neto, "Príncipe dos prosadores brasileiros" recebendo das mãos da poetisa Ana Amélia, Presidente da Casa do Estudante, como prêmio e homenagem, um livro ofertado por Adalberto Oliveira, então " Príncipe da Poesia Brasileira".

Na Faculdade de Direito foi o fundador e o 1º Presidente da Academia de Letras, que teve como patrono Afrânio Peixoto, então professor de Medicina Legal.
Foi locutor e redator de programas radiofônicos, atuando nas Rádios Nacional, Cruzeiro do Sul, Tupi e Eldorado. Em 1965, era professor de História e Literatura, do Colégio Pedro II.

Orador oficial de entidades universitárias, (do CACO da União Democrática Estudantil, precursora da UNE, da Associação Universitária, etc), ainda estudante, venceu concursos de oratória. Em Coimbra recebeu no título de " estudante honorário" e fez Curso de Extensão Cultural na Universidade de Berlim.

Com irrefreável vocação política, foi candidato a vários cargos públicos. Elegeu-se Deputado Federal em 1970 pela Guanabara, reelegendo-se já para o seu terceiro mandato em 1978 .

Ocupou a vice-liderança do MDB e a presidência da Comissão de Comunicação na Câmara dos Deputados.

Politicamente participou sempre das lutas anti-fascistas, como democrata e socialista. Lutou, ainda estudante, contra o "Estado Novo". Foi preso e perseguido várias vezes durante esse período . Deixou de ser orador de sua turma por estar detido na Vila Militar, sob as ordens do Gal. Newton Cavalcanti, durante todo "estado de guerra" de 1937.

Foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra lírica, impregnada de romantismo moderno, mas às vezes, dramático.
Foi um dos poetas mais lidos, e talvez por isto mesmo, o mais combatido do Brasil.

Faleceu em 27 de Janeiro de 1987.

Obras:
01 - 1934 Meu Céu Interior
02 - 1935 Bazar De Ritmos
03 - 1938 Amo!
04 - 1934 Cântico Do Homem Prisioneiro!
05 - 1943 Eterno Motivo
06 - 1945 O Canto Da Terra
07 - 1947 Estrela Da Terra
08 - 1948 Festa de Imagens
09 - 1949 A Outra Face
10 - 1952 Harpa Submersa
11 - 1959 Concerto A 4 Mãos
12 - 1958 A Sós. . .
13 - 1960 Espera.. .
14 - 1961 De Mãos Dadas
15 - 1961 Canto A Friburgo
16 - 1964 Cantiga Do Só.
17 - 1965 Quatro Damas.
18 - 1966 Mensagem
19 - 1960 Coleção Trovadores Brasileiros
20 - 1964 Cantigas De Menino Grande. 100 Trovas,
21 - 1964 Trevos De Quatro Versos . Trovas
22 - 1969 O Poder Da Flor
23 - 1942 Um Besouro Contra A Vidraça PROSA
24 - 1961 Brasil, Com Letra Minúscula- PROSA
25 - 1939 Poesias - Coletâneas
26 - 1947 Poemas De Amor-Coletâneas.
27 - 1948 Antologia Da Nova Poesia Brasileira
28 - 1961 Meus Sonetos De Amor Coletâneas
29 - 1961 Poemas Do Amor Ardente Coletâneas
30 - 1963 Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
31 - 1964 Amor Vário Antologia Lírica.
32 - 1966 Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
33 - 1969 No Mundo Da Poesia Crônicas
34 - 1970 Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou
35 - 1981 O Poeta Na Praça - Coletâneas
36 - 1986 Tempo Será - Coletâneas

Fonte:
http://www.jgaraujo.com.br/

J. G. de Araujo Jorge (Entrevista comigo mesmo)

Compilado do livro "No Mundo da Poesia" - edição do autor- página 229, 1969.

- Que Pensa da arte?

Insopitável necessidade de emergir. Todos nós que vivemos soterrados em tantos "eus, sentimos ânsias de ar, de sol, de revelação, de comunicação. A arte ajuda o homem a se aceitar, a compreender o mundo que o cerca, a se aproximar de Deus. A alma humana, como as baleias, vive mas precisa vir à tona para respirar.

- E do poeta ?

É um tradutor de realidades subjetivas. UM transfigurador. Um mergulhador dos mares do espírito. É através de mensagem, que o homem comum consegue atingir "o outro lado" das coisas! Seu trabalho enriquece a todos. Já o poeta é um prestidigitador - faz mágicas com a Vida - transforma água em vinho, para a embriagues da beleza. Mas há o reverso da medalha: quantos poetas tenho encontrado que apenas não fazem versos!

E da poesia ?

É a ciência do coração. Os poetas são os sábios do sentimento. E quantas coisas revelam sem se aperceberem de suas descobertas. Tenho dito muitas vezes: são seres que pensam, sentindo ou, pensam, porque sentem. Constróem seu mundo com emoções.
Quando pretendem filosofar, falam de amor. E falar de amor já é fazer poesia.
A poesia é criada pelo pensamento, mas seu material é o sentimento. Cobaias de si mesmos, os poetas, em experiências e pesquisas constantes, revelam a vida, são apenas homens que nasceram poetas.

- Então, o poeta não é um ser diferente?

É um ser diferente num homem comum. Sou um homem comum, apenas dispondo de recursos para realizar uma tarefa que não está ao alcance de todos. O poeta é como um alpinista, que já nascesse trazendo em si mesmo os instrumentos e apetrechos para poder realisar escaladas.
Sou um homem comum que anda na rua, canta no banheiro, vai ao futebol, toma porre, diz palavrão, faz versos para ela; que ama, briga, sonha, desespera, como qualquer um. Há um velho adágio latino: "primeiro viver, depois filosofar". Bem se poderia parafrasear: primeiro viver, depois poetar.

- E por que acha que faz poesia?

Talvez porque a única coisa que sei, e sei mal, sou eu mesmo. Se ninguém gostasse de minha poesia ainda assim a faria. Pois nasci para isso. Não é tanto que eu goste de minha poesia, mas porque preciso dela, o que talvez venha a ser a mesma coisa.
Mas, o fato é que, sem minha poesia., ficaria doente, como um índio confinado numa cela, sem sua selva, seus rios, seus pássaros, sua liberdade. Me encontro nela como peixe no mar. Ela me dá a impressão de que não é só do meu espírito, mas do corpo também. Eu a sinto, quase fisicamente. Os artistas são como as cigarras: estas, morrem de tanto cantar; nós, se não contarmos, morreremos.

- É fácil ou difícil fazer versos?

Fácil, ou impossível. Impossível, no sentido de ser. Você pode se tornar um pianista, nunca um "virtuoso". Você pode aprender a fazer versos, nunca a ser poeta. Poesia não é só construção. Se não, poderíamos abrir uma escola para poetas, como há uma escola de Engenharia ou de Direito. E é preciso que se diga isto, quando há uns poetas por aí negando-se a si mesmos.
Quanto a mim, já respondi: Eu faço versos assim,/ como quem respira ou canta / a poesia nasce em mim,/ como do chão nasce a planta.

- Gosta do que faz?

É como se me perguntasse se gosto de rir, ou de chorar. Gosto de cantar, de mataborrar minha alegria ou minha dor em versos. Poderia até responder numa quadrinha: Eu faço versos assim/ como quem ri, ou quem chora,/ e ao arrancá-los de mim/ fico nú e vou-me embora. .

- Que acha de sua obra?

Seria difícil responder, de dentro dela, onde me encontro. Faltam-me isenção e perspectiva. Mas sou um velho fazedor de versos, que em suas releituras muita vez não se reconhece em sua própria obra. Somos tantos afinal, em nós mesmos, em mortes e renascimentos que nos acabam e nos multiplicam. Mas seria um pai desnaturado se não gostasse do que nasce de mim, com todas as qualidades e defeitos que são os meus.

- Julga-se um poeta moderno?

Um poeta moderno é o que se comunica com o seu tempo, e lhe traduz as esperanças, anseios, desesperos. Se os moços lêem os meus versos e os sabem de cor, e os escrevem em seus cadernos, e compram meus livros, então não sou apenas um poeta moderno, de hoje, mas um contemporâneo do futuro, porque já estou me dirigindo ao amanhã.

- Que acha do amor, como tema poético?

O mais importante. Veio explorado, mas inesgotável, só os verdadeiros poetas conseguem, encontrar-lhe novos "filões". Confessei em "Eterno Motivo": Não me envergonho nunca de falar de amor. E repeti, em "O Poder da Flor". Acima de tudo cantarei o amor./ O de Cristo e Confúcio, o de Romeu e D. Juan, / o de Che Guevara,/ acima de todo cantarei o amor.

- Então, o amor é o grande tema ?

Sim, o amor, a vida. Está no meu "Cantiga do Só" poesia sem vida, é como flor de papel, de matéria-plástica Falta-Ihe seiva, viço, perfume. Não será mel nem fruto. Não conhecerá pássaros nem abelhas. É uma imitação triste.
E a poesia tem que ser múltipla pelas próprias contingências da vida. Sem falar de minha poesia social e política (sou talvez o único poeta brasileiro com livros de poesia política: "Estrela da Terra", "Mensagem", a segunda parte de "O Poder da Flor), minha obra lírica evoluiu, como é natural, a cada livro. Hoje, nos meus últimos livros, meu lirismo é um canto dramático, em que o lírico é mais um fio melódico, à distância.

- Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Em todos os tempos. E quanto mais árido o chão, mais sede de beleza sentirão os homens. Nas bicas, nos cantis, nas mãos, no coração, nas pedras, a poesia é água fresca sem a qual a vida morre. Por isso já escrevi: Alegria / é apanhar no chão,/ a água da minha poesia / a correr, / e dar a quem tem sede no coração / para beber.
Isto me dá a sensação também da constante utilidade da minha poesia, pois percebo que muitos precisam dela, como de um pedaço de pão, ou de um gole d'água.
A poesia é, além do mais, companhia e confidente. E quanta solidão anda por aí desarvorada, sem uma porta que se abra, um coração que a receba !

- Que acha da criação?

Não sei defini-Ia. Sei que após ela, nos sentimos leves e felizes, como devem se sentir as mulheres após a maternidade, as crianças depois das aulas, a terra depois da chuva. Proust a definiu: decolar. . .

- Há inspiração?

Sim, é um toque de Deus no artista. Uma espécie de "mediunidade". Um transe, um "estado de graça" tão natural, como a manifestação do amor. O poeta não é apenas "o arquiteto, o engenheiro, o construtor, o operário" como diz Vinícius, mas o próprio morador do edifício, e sem sua presença, a sua construção é menos que uma ruína, será um edifício vazio, sem alma, sem sentido. Com o pensamento, o homem faz prosa, faz Filosofia, Direito, Teatro, Romance. Sem o sentimento, não há poesia, ou o que há de poesia, será àquela vaga emoção que o pensamento conseguiu perturbar ou despertar. Alguns, raros, poetas, pensando, se emocionam. O processo da criação poética é, entretanto, outro; sem trocadilho, inverso: porque se emocionam, os poetas pensam, e então criam.
E o ato de criar verdadeiro é imprevisível. O poeta, não diz: bem, vou fazer um poema. O poema é que vem, e diz: estou aqui, escreve-me. Tentei explicar todo um livro, "Harpa Submersa": sua linguagem escorreu como lava de vulcão, fixando todas as emoções e angústias interiores. Cristalizou-se muitas vezes, como os minerais que constroem ângulos e arestas sem conhecer as leis das cristalografia.

Assim é a poesia.

Fonte:
http://www.jgaraujo.com.br/

J. G. de Araujo Jorge (Bom dia, amigo Sol - Minha biblioteca - Manhã para ser feliz - As chaves)

Bom dia, amigo Sol

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara,
- deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entre! Vem surpreendê-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
Que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito,
- de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...

( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro Eterno Motivo; - Prêmio Raul de Leoni, da Academia Carioca de Letras - 1943 )
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Minha biblioteca

Pátria e lar do pensamento,
porto do coração.

Minha loja de sonhos, mercado de emoções
onde faço pelas madrugadas a minha "feira"
para reabastecer meu espírito de realidades e ficções
e sobreviver.

Aí estão as prateleiras sortidas, estoques inesgotáveis
de fantasias a experiências
para a minha fome de conhecimentos, minha sede
de descobertas,
minhas ânsias de beleza.

É só estender a mão e colher o livro
como um fruto maduro que lentamente degusto
e, milagrosamente,
permanece inteiro, íntegro, intacto
entre folhas e flores
e surpreendentemente se renova e multiplica
em inusitados sabores.

Minha biblioteca
parque de papel e palavras
onde me perco em andanças e onde me reencontro
em tantos caminhos desconhecidos,
bosque de tantos livros, como as árvores
com quem Beethoven conversava
em seu bosque de Bonn.

Meus livros, companheiros pacientes e silenciosos
com quem dialogo horas sem conta,
que não discutem, não alteiam a voz
em tantas discordâncias inevitáveis,
e humildemente se fecham e se recolhem
a um simples gesto meu de impaciência, cansaço
ou de sono.

Minha biblioteca,
abrigo certo
oásis de águas e sombras
no imenso deserto,
que me faz decolar de tantas realidades
e planar como uma asa-delta
sozinho, sobre paisagens insuspeitadas.

Minha biblioteca,
pousada no caminho
onde me sento, a pensar,
e onde chego a esquecer que há um mundo
rosnando ameaças ao redor,
e adormeço como um menino
feliz..

(Poema de JG de Araujo Jorge do livro "Tempo Será" – 1986 )
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Manhã para se feliz

Esta é uma manhã para ser feliz
em um lugar, de algum modo,
é uma manhã para ser feliz...

Esta é uma manhã para dois, para dois juntos
abraçados e tontos, num remoinho
não como nós, eu aqui, diante do sol, das árvores,
de tudo envergonhado porque estou sozinho...

Esta é uma manhã que me fala de ti, nas nuvens,
na transparência do ar,
neste azul do céu, imaculado,
na beleza das coisas tocadas de sonho
e imaturidade...

Uma manhã de festa
para ser feliz de verdade!
Esta é uma manhã
para te Ter ao meu lado...

Quando Deus fez uma manhã como esta
estava com certeza apaixonado...
(Poema de JG de Araujo Jorge – do livro - Espera- 1960)
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As Chaves

Felizes os homens que tem as chaves
porque só encontram portas abertas...

Como podem tantos homens dormir sossegados e felizes
de portas fechadas,
quando essas portas se fecham para tantos homens
que ficam sempre ao relento
e nunca podem entrar?

Neste mundo de tantas portas,
quando teremos cada um, a sua chave,
e a sua hora de voltar?...
(1944)
(Poesia de JG de Araújo Jorge, extraída do livro " Mensagem" - 1966)

Fonte:
http://www.jgaraujo.com.br/

J. G. de Araujo Jorge (Trovas)

Sejam felizes ou não
Cantando instantes diversos,
As trovas do coração,
são trevos de quatro versos.

Rico eu sou, mesmo sem ouro
E da riqueza, dou provas,
- eis aqui o meu tesouro:
Minha sacola de trovas.

Tão simples, as trovas são
Cantigas com que a alma expande
Tudo o que há no coração
Do poeta - um menino Grande.

Meu terço feito de trovas
Que em versos fico a compor,
Com ele rezo, e dou provas
Do meu culto ao teu amor!

Ciúme

"Dosado", o ciúme é tempero
que à afeição da mais sabor...
Mas, levado ao exagero,
é o pior veneno do amor...

Cão de guarda, ameaçador,
a rosnar, furioso e cego
eis afinal, meu amor,
este ciúme que carrego...

Do amor e da desconfiança
infeliz casal sem lar,
nasceu o ciúme, - essa criança
tão difícil de educar...

Perigoso, onipotente,
verdadeiro ditador...
o ciúme é um cego, doente,
ou um doente, cego de amor?

Eis como o ciúme defino:
mal que faz mal sem alarde
corte de alma, muito fino,
que não se vê... mas como arde!

O ciúme, desajustado,
por louco amor concebido,
era uma amante, (coitado)
a padecer... de marido!"

Solidão

Por certo a pior solidão
É aquela que a gente sente
Sem ninguém no coração...
No meio de muita gente...

Praias longe, em solidão
Fora de todas as rotas,
Tal como o meu coração
Só como o sonho... das gaivotas...

A Vida
-
Gota d'água transparente
que brilha, cresce...e que cai!
Assim a vida da gente
que num instante se vai!

A Vida, - mistério vão
sombra agora, depois luz,
- estranho traço de união
ligando um berço... a uma cuz!

A Vida - uma onda que avança
e volta, vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança!
Quanta amargura, ao voltar!

A Vida - visão fugaz,
praia chã, mar que alteia,
onda que faz e desfaz
os seus cabelos de areia...

A Vida - ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo!

Às vezes penso que a vida
que há tanta gente a querer
só existe, - indefinida -
pra gente poder morrer...

Ó pobre vida suicida!
Teu destino é uma ironia
se o que chamamos de vida
é um morrer de cada dia!

Numa amizade perdida,
num amor que se desgraça,
a morte desconta a vida
a cada dia que passa!

Há uma ironia, contida
nas contigências da sorte:
- quanto mais se vive a vida
mais se avança para a morte.

Vive a vida bem vivida
e ao mais, esquece e revela,
que a gente leva da vida
a vida que a gente leva...
( JG. de Araujo Jorge do livro "Trevo de Quatro Versos" 1a ed. 1964 )

Fonte:
http://www.jgaraujo.com.br/

Jogos Florais de Nova Friburgo 1961

O SUCESSO DOS JOGOS FLORAIS

No momento em que publicamos este volume de trovas sobre SAUDADE, que foi o tema dos II Jogos Florais de Friburgo, realizam-se nessa linda cidade do Estado do Rio as festas dos III Jogos, e para lá se dirigem os dez vencedores do Concurso de trovas. Este ano, o tema foi: CIÚME .

Tem sido realmente extraordinário o sucesso alcançado pela iniciativa minha, e de Luiz Otávio, transplantando para o Brasil a semente desses torneios culturais que se originaram na Idade Média, e ainda hoje são realizados em muitas cidades européias, na França, na Espanha e em Portugal.

Em sua secção, “Porta de Livraria”, no jornal “O Globo”, do Rio, do dia 15 de janeiro deste ano, Antonio Olinto acentuou, ao referir-se aos III Jogos Florais de Friburgo: “Os Jogos Florais de Nova Friburgo, patrocinados pela “Porta de Livraria” de “O Globo” e realizados naquela cidade fluminense todos os anos, em maio, tornaram-se uma constante do calendário de poesia do País. Como resultado da iniciativa, baseada em idéia de J. G. de Araujo Jorge e Luís Otávio, houve no Brasil um surto de trovas. Cerca de 50 volumes de trovas saíram nos últimos três anos, lançados por editoras do Rio. No Estado do Rio, várias outras cidades promovem festas de poesia: Campos, São Fidelis, Teresópolis”.

* * *
O sucesso alcançado com a realização dos Jogos Florais, positivou-se com a classificação em 7.º lugar da poetisa portuguesa Ana Rolão Preto Martins Abano, residente em Benguela, África Ocidental Portuguesa.

Vieram trovas, não apenas do Brasil, dos estados mais distantes, mas de Portugal e Províncias Ultramarinas, até onde chegue a língua portuguesa.

Mas a colocação da poetisa da África portuguesa, nos deixou, a nós promotores dos Jogos Florais às voltas com um sério problema. Como trazer, de tão longe, com os gastos que tal viagem necessariamente implicaria, a poetisa vitoriosa?

O Regulamento do Concurso estabelece que os 10 vencedores têm direito a passagens pagas a Friburgo, e estadia de 18 dias em Hotel da cidade, para participarem das festas dos Jogos Florais e dos Festejos de aniversário da cidade, que se comemora a 16 de Maio.

Procuramos o então Ministro da Educação Brígido Tinoco, nosso velho amigo, fluminense de boa cepa, homem de cultura e poeta, e lhe expusemos nossas dificuldades. Na ocasião o Presidente Jânio Quadros iniciava, em boa hora, a sua política de aproximação com os povos da Ásia, e da África, e nossa promoção, de certa forma, ia ao encontro dos objetivos de nossa política externa.

E como que por um passe de mágica, diante da compreensão e boa vontade de Brígido Tinoco, e da aprovação de Jânio Quadros, conseguimos que o Governo Brasileiro convidasse oficialmente a poetisa vitoriosa a participar dos II Jogos Florais. Dificuldades imprevistas entretanto, e a exigüidade de tempo, impediram que Ana Rolão Preto Martins Abano pudesse vir ao Brasil na ocasião. Mas, de posse das passagens, com validade para um ano, a poetisa deverá estar presente aos III Jogos Florais, como convidado especial.

* * *
O tema saudade é um tema caro a brasileiros e portugueses. Saudade é uma palavra de que orgulha o idioma português pelo fato de os outros povos não encontrarem outra capaz de traduzi-la.

E o resultado, é que, enquanto aos I Jogos Florais concorram cerca de 4 mil trovas, aos II Jogos Florais, foram mandadas mais de 10 mil !

Quem não escreveu sobre saudade? No meu “Cantigas de Menino Grande” , tenho estas duas trovinhas:

“No peito dos marinheiros
nasceu, cresceu, emigrou...
Mas nos porões dos “negreiros”
foi que a saudade... chorou!

Demos à saudade portuguesa, que era ânsia, mais profundidade, com os gemidos de dor dos “negreiros”. A saudade brasileira, é portuguesa e africana. Por isso, confessei:

Partiu com sonhos de glória
Ficou, com a dor da tristeza!
Eis, afinal, toda a história
da saudade portuguesa!
* * *

Neste livro, os leitores encontrarão 100 das mais lindas trovas que a saudade já inspirou. Entre as vinte primeiras trovas classificadas há concorrentes do Rio, de São Paulo, de Juiz de Fora, de Niterói, de Campos, de Bandeirantes (no Estado do Paraná); e de Benguela, na África.

O vencedor dos II Jogos Florais, Anis Murad. (que se revelou aliás trovador como concorrente a esse torneio) obteve cinco trovas premiadas entre as vinte primeiras. Além de sagrar-se vencedor, viu outras trovas suas se Classificarem em 5.º, 11.º 16.° e 20.° lugares. Anis Murad estréia aliás, em livro, como trovador, com o volume n° 9 de nossa Coleção.
* * *

Deve-se à iniciativa dos Jogos Florais, um verdadeiro surto trovadoresco. Eu, por exemplo, recebo livros de trovas que me são mandados de todos os recantos do Brasil. A nossa “Coleção Trovadores Brasileiros”, já se seguiu o lançamento este ano, pela Livraria Freitas Bastos, da “Coleção de Trovas e Trovadores” organizada por Aparício Fernandes e Zalkind Piatogorsky.

Aparício Fernandes escreve aliás para a Rádio Globo dois programas diários de trovas: “Trovas e Trovadores”, as 10:50h. apresentado pelo meu velho amigo Luiz de Carvalho, e "Pensamento e trova do dia" às 15:05h, na voz de Mário Luiz. Unindo-se a Zalkind Piatogorsky, poeta e trovador,organizaram essa nova coleção que apareceu logo com um “time” completo de trovadores, pois foram lançados de uma vez, onze volumes, todos com a denominação genérica de CANTIGAS.

Eu próprio, através do meu programa na Rádio Tupi, aos sábados, às 18:30 horas, programa que já está no ar há três anos, tenho divulgado a trova e os torneios Florais. Campos, antes mesmo dos nossos Jogos Florais já realizara o seu I SalãoCampista de Trovas, sob o patrocínio da Academia Pedralva.

São Fidelis, linda cidade fluminense, vive um grande movimento cultural com os seus Festivais Fidelenses de Poesia, se ampliam anualmente em julho, tendo à frente o poeta Antonio Augusto de Assis. E o Festival Fidelense de Poesia, se amplia com uma exposição de livros, autógrafos, poemas, trovas e agora, pensam, seus organizadores em promover um concurso de trovas, tal como idealizamos em Friburgo, escolhem também uma “Musa dos Trovadores”, pleito a que concorrem moças escolhidas como “ Musas dos Trovadores ”, em várias cidades do norte do Estado: Miracema, Itaocára, Cambuci, Itaperuna, Pádua.

Cruzeiro, em São Paulo , comemorou o 60.° aniversário do Município com um grande Concurso de trovas e a publicação de uma “Antologia da Poesia Cruzeirense”.

Na Bahia, o Grêmio Brasileiro dos Trovadores, tendo a frente o dinâmico Rodolfo Cavalcanti, poeta popular, realiza periodicamente concursos de trovas. E já que falamos na “ boa terra ”, nunca será demais relembrar que a idéia dos “ Jogos Florais de Nova Friburgo ” ocorreu-nos, a mim e ao Luiz Otávio quando em viagem à Bahia, depois que vencemos um concurso de trovas.

Teresópolis, promove este ano, de 1.º a 6 de julho, o I Festival Brasileiro de Literatura, iniciativa da Academia- Teresopolitana de Letras, e de seu presidente, Artur Dalmaso. O Festival se baseia em concursos literários, podendo os candidatos se inscreverem em cinco gêneros: poesia, crônica, conto, ensaio, biografia e crítica, Como vêem, um Festival, em amplas proporções.

Várias cidades do Brasil, no momento, cogitam de torneios semelhantes. Coincidência ou não, no Rio se realiza agora todo ano no mês de julho, o Festival Brasileiro do Escritor este ano o festival terá lugar na sede do Museu de Arte Moderna, e certamente repetirá o sucesso dos dois primeiros , realizados em Copacabana.

Em Pouso Alegre, estado de Minas, já aconteceram os I Jogos Florais da cidade, também com um concurso de trovas, cujo tema foi ESPERANÇA.

As cem trovas selecionadas nesse festival constituem o volume n.º 11 de nossa Coleção. Santos, Juiz de Fora, Sorocaba, (leio pelos jornais e revistas) estão pensando na realização de festas e torneios semelhantes.
* * *
Alastra-se, portanto, pelo Brasil a “trovite”. Verdadeira epidemia, que não deve ser combatida, antes deve ser difundida cada vez mais pois, vai progressivamente interessando um maior número de brasileiros pelos problemas das letras e da cultura. As trovas são o primeiro degrau da poesia, o que está. mais perto do povo. Eu próprio já escrevi:

Cartilhas do coração
onde o povo se inicia,
os livros de trovas, são
um ABC de poesia:

Vamos portanto “alfabetizar” a alma do povo ensinando-a a sentir e a cantar com os trovadores. Porque, permitam-me mais esta quadrinha:

Modificando o ditado
direi: “Comer... e trovar...”
(está mais de que provado)
- “a questão é começar...”
J . G . de Araujo Jorge

Coleção “Trovadores Brasileiros”
Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge
Editora Vecchi – 1959

Fonte:
http://www.jgaraujo.com.br/

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Sinopse de Obras Literárias II

Memorial de Maria Moura (Queiroz, Rachel de)
As aventuras, amores e histórias de Maria Moura, uma sertaneja que não se prende às convenções e leva uma vida de muitos desafios no interior nordestino.

Insônia (Ramos, Graciliano)
Treze contos do romancista de “Vidas secas”, em que estão presentes a secura emotiva e a economia vocabular, características de estilo que convivem com a precisão psicológica.

São Bernardo (Ramos, Graciliano)
A história de Paulo Honório, um homem bronco e seco, que através de um golpe dado em um amigo , toma posse da fazenda São Bernardo.

Ladrão de luz (Ramus, David)
Adrian Sellers é um marchand corrupto de Manhattan, viciado em heroína, que ganha a vida vendendo falsificações de obras de arte a um rico empresário do Japão. O esquema funciona bem até que o pintor responsável pelas falsificações é assassinado e seu último trabalho, uma tela de Monet, é destruído. Sem ter como entregar o quadro no prazo, é ameaçado pela Máfia japonesa. Foge pelas ruas de Nova York recebendo ajuda para vasculhar o mercado de arte e tentar encontrar uma saída. Este livro marca a estréia do americano David Ramus como escritor.

A profecia celestina: aventura da nova era (Redfield, James)
O tema central do livro trata de um certo manuscrito encontrado no Peru e que teria sido escrito há mais de 500 anos AC. Nele estariam compreendidas dez visões, nove das quais algumas pessoas tiveram acesso, apesar de perseguições da Igreja e do Estado. Essas visões, passo a passo, propiciam ao indivíduo a percepção da energia cósmica que nos rodeia e ao Universo como um todo.

Menino de engenho (Rego, José Lins do)
Representa a ponta de lança do chamado ciclo nordestino do romance de 30. A saga da infância de Zé Lins, menino de engenho, ele próprio, tal como o personagem criado no Engenho Corredor, sob a tutela amorosa do avô e dos tios.

O caso do filho do encadernador: romance da vida de um romancista (Rey, Marcos)
O que faz uma criança interessar-se por literatura? No caso do escritor Marcos Rey o ambiente familiar foi decisivo. Seu nome, que não é Marcos, mas Edmundo, é uma prova. Foi escolhido pelo pai, um encadernador de livros, em referência ao personagem de O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. Nessa publicação, o autor relata sua infância, sua juventude e sua trajetória profissional.

A múmia ou Ramsés (Rice, Anne)
Por ter bebido o elixir da eternidade, o rei Ramsés II está destinado a vagar para sempre na Terra. Amante da rainha Cleópatra, ele acorda na Londres eduardiana sob a máscara de um refugiado egiptólogo. Por algum tempo ele adapta-se a sua nova existência, mas lembranças de suas vidas passadas não o abandonam. Para revivê-las, Ramsés não hesitará em cometer uma loucura que desencadeará uma série de crimes e horrores incontroláveis.

Atire a primeira pedra (Robbins, Harold)
Ele era um pregador, um homem cuja fé em Deus o levou a ser enfermeiro voluntário na guerra do Vietnã. Era contra matar, ao fundar a comunidade de Deus, um grupo religioso instalado numa fazenda na Califórnia, a sair pelas estradas americanas apregoando a palavra divina, a se tornar um dos maiores pregadores da televisão americana, com milhões de adeptos e angariando incontáveis milhões de dólares em donativos. Mas sua fé em Deus não excluía o sexo e os tóxicos e não impediu que ele se tornasse o instrumento de um vasto grupo econômico e político, em busca de lucro e poder, através do controle de maioria moral.

Maria Dusá (Rocha, Lindolfo)
Amor e aventura, na Bahia, século XIX. Uma moça muito pobre, torna-se protegida de uma prostituta que, por essa razão, volta a levar uma vida normal.

O mistério do caderninho preto (Rocha, Ruth)
Maria Emília quer ser escritora. Fascinada pelos livros, decide escrever seu primeiro romance e, para isso, conta com a ajuda de Pedro, seu melhor amigo, que também adora ler. O que parecia fácil, torna-se de repente uma grande aventura para esses dois adolescentes, principalmente quando “a vida imita a arte” e fatos que deviam estar apenas no livro de Maria Emília, começam a ocorrer na realidade. O leitor é conduzido ao mundo mágico da literatura, onde Ruth Rocha fala das emoções, descobertas e questionamentos que todo jovem faz ao tomar consciência de si e do mundo em que vive.

A companheira de viagem (Sabino, Fernando)
Contos. Da primeira valsa à última crônica, pura como aquele sorriso. Entre um e outro, numerosos contos, histórias curtas, crônicas ou simplesmente flagrantes do cotidiano.

Martini seco (Sabino, Fernando)
Marido e mulher acusam-se mutuamente de tentativas frustradas de assassinato, até se verem implicados em mortes reais.

O menino no espelho (Sabino, Fernando)
O menino Fernando, que vem a ser o próprio autor, vive todas as fantasias de sua infância através de aventuras mirabolantes como a de ensinar uma galinha a conversar, aprender a voar com pássaros e aviões, ficar invisível e visitar o Sítio do Picapau Amarelo, entre outras. E, no menino que vê retido no espelho, descobre o melhor de si mesmo.

Carga perigosa (Sant’Anna, Ivan)
Revela o dia-a-dia de três caminhoneiros. Um universo que encanta e que também assusta. Um violento crime ocorrido na estrada é o centro do enredo. Sandra Molinaro, uma jornalista aventureira, vai para Mato Grosso disposta a tudo para elucidar o mistério. Pouco a pouco , vai-se revelando uma trama perigosa em que há muitos interesses em jogo.

Que nem sabão em pó (Sant’Anna, Ivan)
Natália Bizzoto era uma mulher comum. Casara-se com Pedro, seu primeiro e único homem, com quem tinha uma filha. Preparara-se para viver com ele o resto da vida. Seus planos, contudo, ruíram quando Pedro a trocou por outra, mais jovem e mais rica. Surpreendentemente, dos escombros do casamento surgiu uma nova Natália - independente, confiante, determinada - , que deu a volta por cima, tornou-se escritora e, quem diria, uma celebridade. É um livro dentro de outro, cuja ação se passa em dois planos. No plano da realidade de Natália, a noite de reveillon do ano 2000. No plano da fantasia, o romance O americano.

Um crime delicado (Sant´Anna, Sérgio)
Ambientado no Rio de Janeiro, “Um crime delicado” é a história de Antônio Martins, um crítico de arte cinqüentão que se envolve com Inês, uma jovem manca a respeito de quem ele não sabe quase nada. Depois de muitas buscas e especulações, o crítico descobre que Inês é modelo do artista plástico Vitório Brancatti e suspeita de que este mantenha com ela uma relação ambígua, entre paternal e sádica. Este livro é ao mesmo tempo: insinuante trama policial, história de amor embebida num erotismo insólito e reflexão sobre a arte e a crítica.

Memorial do convento (Saramago, José)
O livro conta a história da humilde e nobre família Mau-Tempo, lavradores do Alentejo, desde tempos muito remotos até a Revolução de 1974. Mas atenção, não é um encadeamento marcante de fatos, e sim uma história inventada por força de graças de José Saramago.

A bruxa e o capitão (Sciascia, Leonardo)
O destino doloroso e transtornado de Caterina Medici, mulher que despertava intenso desejo nos homens. Uma história envolvente do século XVI, época em que presenças abrasadoras, como a de Caterina, eram empurradas para a fogueira, sentenciadas pela inquisição.

Uma mulher de seu tempo (Scrimgeour, G.J)
A história começa em 1914, quando Elizabeth sabe pela amiga Genevieve Pearsall, a mulher do governador do Ceilão, que o marido a engana com várias mulheres em Colombo, capital do país, onde residem. Uma história que inicia no Ceilão Colonial e depois se desloca para Londres e Hollywood. Personagens inesquecíveis, intenso drama, lances de aventura, a Europa do período entre as guerras mundiais, a vida das estralas em Hollywood, são elementos usados pelo autor. Romance excitante, ao mesmo tempo adorável, amargo, amedrontador.

Sonhos de uma noite de verão (Shakespeare, William)
História de quatro amantes que resolvem passar a noite num bosque perto de Atenas. Paralelamente, o Rei Oberon resolve castigar a Rainha Titânia por uma briga. Manda Puck enfeitiçá-la fazendo com que se apaixonasse pela primeira criatura que visse. O duende, porém, faz o mesmo com os amantes do bosque. A magia vai causar uma enorme confusão até que seja desfeita.

Plantão da Noite (Shaw, Irwin)
O vigia Douglas Grimes trabalha num hotel em Nova York e acaba envolvido em uma série de acontecimentos que irão transformar sua vida. Tudo começa quando ele encontra um homem morto no corredor do hotel, com um canudo de papelão nas mãos, contendo cem mil dólares. Ele se apossa dessa fortuna e foge para a Europa. Mas, durante a viagem, o dinheiro é roubado e inicia-se uma maratona à procura do ladrão.

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br

Literatura Iugoslava

Literatura escrita nas línguas da antiga Iugoslávia: sérvio, croata, esloveno e macedônio. As literaturas sérvia e croata compartilham basicamente a mesma língua, embora a primeira utilize o alfabeto cirílico e a segunda, o latino. A literatura eslovena utiliza uma língua própria cujos caracteres estão baseados no alfabeto latino e a Macedônia utiliza também sua própria língua em alfabeto cirílico.

Os textos mais antigos da literatura eslava meridional são documentos eclesiásticos que datam do século IX. Mais tarde, durante a Idade Média, os sérvios desenvolveram uma rica literatura que consiste em biografias, crônicas e traduções de textos literários gregos e bizantinos. A literatura medieval croata está composta de textos religiosos, historias, códigos legais e alguns poemas.

Sob a influência do renascimento italiano, a literatura croata viveu uma época de esplendor durante os séculos XVI e XVII. Entre os mais significativos escritores do período encontram-se o ensaísta e poeta Marko Maruliź, o dramaturgo Marin Dræiæ e Ivan Gunduliæ. Durante a reforma protestante do século XVI, os eslovenos retomaram sua atividade literária, tendo como líder Primož Trubar, criador da linguagem literária e da ortografia eslovenas. Ao mesmo tempo, os sérvios produziram poemas épicos e outras criações populares de grande beleza e elevado nível artístico.

O século XVIII foi um período de intensa atividade cultural em todas as regiões eslavas meridionais. Um antigo monge, Dositej Obradoviæ, determinou o despertar do espírito nacional e animou o panorama cultural de seu grupo étnico.

No século XIX, Vuk KaradžIæ, lingüista e folclorista, formulou a primeira gramática sérvia e publicou poemas e contos recolhidos entre os camponeses. Um dos mais destacados escritores deste momento foi o bispo e príncipe de Montenegro Petar Petroviæ Njegoś.
Na Croácia, o editor Ljudevit Gaj liderou o movimento Iliriano (1835-1848), empenhado na independência política e cultural croata, que recebeu o apoio de escritores como Ivan Mažuraniæ. Na Eslovenia, France Presšeren encabeçou o movimento romântico.
Durante a segunda metade do século, os escritores sérvios, croatas e eslovenos começaram a retratar a vida de suas respectivas regiões de um modo realista, combinando uma minuciosa observação naturalista com a crítica social.

No final do século, nas literaturas eslavas meridionais entraram correntes inovadoras procedentes da França. Este período, denominado moderno, foi muito rico em poesia lírica.
O período de entre-guerras caracterizou-se por sua produtividade e versatilidade por parte dos poucos escritores destacados do momento, entre eles, os sérvios Ivo Andric (Prêmio Nobel de Literatura de 1961), Milosš Crnjanski e Miroslav Krleža, o mais importante dos escritores croatas.

Após a II Guerra Mundial, se sobressaem os sérvios Mihailo Laliæ, Dobrica Æsiæ e Mescaron Selimoviæ. Após séculos de silêncio, a literatura macedônia, em especial a poesia, começou a vir à luz, enquanto que Milovan Djilas, um autor de Montenegro, escreveu um relato original sobre a situação política da Iugoslávia do pós-guerra.

Fonte:
http://br.geocities.com/culturauniversalonline/

Nilto Maciel (Carlim)

Apesar de muito vivido, Carlim não entendia quase nada do que falavam as pessoas. Nem mesmo porque o chamavam dos mais variados nomes e nunca de Carlim. Aliás, esse nome ele mesmo se deu.

Andava um dia perdido, porém satisfeito, quando parou junto a um muro e sua sombra. Só queria descansar e situar-se. Talvez não estivesse tão longe de casa. Isto é, de seus amigos, da rua onde costumava dormir.

Recostado ao muro, ouviu vozes de crianças. Faziam perguntas a uma mulher. Gritavam, riam, num vozerio babélico. A moça falava do Sacro Império Romano Germânico. De imperadores, reis, príncipes. De Carlos V, Maximiliano, Borgonha, Solimão, etc. Palavreado difícil, nunca antes ouvido.

Curioso, Carlim procurou ver as crianças e a moça. Descobriu uma janela. Primeiro viu a professora. Falava sem parar, explicava, lia. A certa altura, apontando para uma figura do livro, disse: este é Carlos Quinto. Porém, viu Carlim e nele fixou o olhar. Mirou-o profundamente. E havia tanta ternura (ou tanta piedade) em seus olhos, que aquele instante Carlim sentiu como sendo o seu batismo. Sentiu-se filho, sentiu ter tido mãe. Pois os olhos da moça lembravam os de outra...

A mãe de Carlim morreu debaixo de um carro. E ninguém parou para socorrê-la ou remover seu pobre corpo a lugar seguro. Carlim ainda tentou arrastá-la para a calçada. Por um triz, não morreu também.

Sim, Carlim não entendia quase nada do que falavam as pessoas. Nem do que faziam. Mesmo os gestos e as palavras mais repetidas. “Fulano não vale nada. É um cachorro”. Quando se aproximava de alguém, era enxotado. “Sem vergonha, vira-lata, cão-sem-dono”.

Carlim procurou os amigos. Quem sabia o significado de cão-sem-dono? E passaram a conversar mais. Precisavam se unir, lutar por direitos básicos: casa, comida, carinho, etc. Propuseram a criação de uma sociedade. Alguém brincou: Sociedade dos Cães-Sem-Dono.

A reação dos “outros” não tardou. Devem ter visto Carlim na televisão. Nada de casa, comida e carinho para aqueles vagabundos. Nada de nome. Quem vivia na rua era cão-sem-dono. Portanto, sujeito a comer lixo, levar pontapé, morrer debaixo dos carros. Além do mais, não havia casa para todos. Se aqueles sarnentos deixassem as ruas, eles, os “outros”, estariam perdidos. Adeus casa, comida, carinho, nome...

Pobres de tais rebeldes! Pois muitos foram considerados doidos e, por isso, mortos. Passavam dias e noites a latir, protestar. Cachorros doidos!

Em compensação, Carlim e seus amigos continuariam ao léu, perdidos nas ruas. E a toda hora morre um deles debaixo dos carros. Ontem mesmo foi a vez de Carlim.

Fontes:
MACIEL, Nilto. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Bárbara Bela, 1999. p.69-70.
Foto: http://geracaobraga2009.blogspot.com

Nilto Maciel (A Última Guerra de Hirohito)

Japonezinho mirrado, já velho, enrugado, banguela. Vigiava carros num estacionamento. Em troca recebia minguadas moedas. Quando a fome apertava, corria ao vendedor de pastéis. Esmigalhava com os dedos a iguaria e enchia a boca de farelos de carne moída e trigo assado. Pedia caldo de cana e sorria. Os moleques o chamavam de “japa”. Ele se zangava, cuspia farelos e pingos de caldo.

Deitado no catre imundo, Hiroito recordava a Grande Guerra. Dores, mortes, destruição. E a fuga para o Brasil. Dormia, cansado, e sonhava horrores. Milhões de pulgas a roê-lo vivo. Baratas e ratos fardados, enormes, violentos. Prendiam-no, arrastavam-no, molestavam-no.

Mal amanhecia, pulava do gramado e, tonto, buscava a aurora. Fechava os olhinhos sujos e enfiava as mãos na água da bacia. A fome de novo. Imaginava pastéis macios. Esquecia os inimigos, a guerra, os insetos. Corria para pegar o ônibus. Precisava chegar cedo ao estacionamento. E disputar com os moleques o direito de receber moedas dos donos dos carros. Moedas e insultos. “Vai trabalhar, vagabundo!”

Um dia lhe disseram que no Japão havia muita riqueza. Indústrias e mais indústrias. Como em nenhum outro país. O povo vivia farto e feliz. Nem parecia aquele povo destruído em 45. Riu. Não acreditou naquilo. E, se fosse verdade, mesmo assim preferia viver no Brasil, onde não havia guerra.

Noutro dia houve tiroteio entre policias e ladrões de carro. O estacionamento virou campo de batalha. Tiros a torto e a direito. Correria e gritaria. Um pandemônio. Assustado, o velho japonês correu. Talvez alcançasse a barraca dos pastéis. Quando aquilo acabasse, mataria a fome. Porém, antes de alcançar refúgio, uma bala se incrustou em seu peito. Atirado ao chão, rolou para debaixo de um carro. Se sentia dor, não sabia. Na verdade, tudo parecia grandioso aos seus olhos semi-abertos. Aviões devastavam céus. Tanques rolavam sobre os inimigos, que viravam pastéis. As tropas japonesas invadiam Ásias e Américas. E ele, Hirohito, imperador do Japão, comandava a vitória. O poderoso exército do Império do Sol Nascente. Quando a guerra terminasse, o Japão seria dono do mundo. E ele, Hirohito, o homem mais poderoso da Terra.

E expirou.

Fontes:
MACIEL, Nilto. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Bárbara Bela, 1999. p.71-72.