sábado, 10 de janeiro de 2009

Rita Chaves (Angola e Moçambique: Experiência Colonial e Territórios Literários)


São Paulo: Ateliê Editorial, 295 págs.

Para quem quer conhecer as literaturas africanas de expressão portuguesa Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários, de Rita Chaves, é um caminho seguro.

Reunindo textos que abrangem um esforço iniciado ao final da década de 1980, quando o interesse no Brasil pelas culturas africanas ganhou maior intensidade, e chegam até o começo do novo século, o volume é, porém, o resultado de um trabalho de três décadas de paixão pela literatura africana de Língua Portuguesa, pois foi em 1978, sob a orientação de Vilma Arêas, na Universidade Federal Fluminense, que a autora descobriu o seu caminho para o continente africano. Desde então, não se limitou apenas àquelas viagens interiores que se costuma fazer através dos livros, mas percorreu in loco a África do Atlântico ao Índico, tendo sido professora visitante na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, entre os anos de 1998 e 2000.

Dividido em três seções, o livro de Rita Chaves, na primeira parte, “Signos de identidade na literatura angolana”, discute a nova literatura nascida especialmente a partir da independência do país em 1975, analisando especificamente autores como José Luandino Vieira, Agostinho Neto, Pepetela, José Eduardo Agualusa, Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho. Num dos oito ensaios que compõem essa parte, “O passado presente na literatura angolana”, a autora, baseada nas idéias de Frantz Fanon (Paris, Pour la révolution africaine, François Maspéro, 1964), a partir da experiência francesa na Argélia, tenta compreender o colonialismo português em Angola, observando que também ocorreram tentativas de apagamento da história anterior à chegada dos europeus. O que justificaria a idéia de libertação que marca o início do processo literário angolano, repetindo, guardadas as distâncias e proporções, o que ocorreu no Brasil no século XIX, quando os românticos procuraram fazer do índio um dos símbolos da identidade brasileira.
Após a independência”, diz a autora, “a essa noção de passado instaurado no período pré-colonial, junta-se outra.

A euforia da vitória converte em passado o próprio tempo colonial. É o momento então de centrar-se nesse período como forma de engrandecer o presente. A celebração eleva as antinomias: aos heróis do passado remoto se vão aliar os heróis que participaram na construção desse presente em contraposição àqueles que o discurso colonialista apresentava como vencedores do mal
”.

Em sua análise, Rita Chaves constata uma segunda fase na literatura angolana, a idade adulta, em que, passada a euforia dos primeiros anos da independência e depois do fracasso da experiência socialista e de guerras civis devastadoras, o que há é a injustiça do presente, já que, como diria Antônio Lobo Antunes, o destino de todas as revoluções seria, afinal, sempre o de substituir uma aristocracia por outra.

A continuidade da guerra, as imensas dificuldades no cenário social, o esvaziamento das propostas políticas associadas ao estatuto da independência, a incapacidade de articular numa concepção dinâmica a tradição e a modernidade compuseram um panorama avesso ao otimismo”, diz a autora, observando que, em função dessa realidade imutável, em que o colonizador já não pode ser responsabilizado como antes, regressa-se ao passado outra vez “para se tentar compreender o presente desalentador”. É nesta situação em que viveria o escritor angolano de hoje, buscando no passado – às vezes, num passado remoto e até mitológico – uma maneira de vislumbrar hipóteses para um mundo que, por razões diversas e em variados níveis, lhe surge como um universo à revelia”.

Já na segunda parte do livro, “A poesia em português na rota do Oriente”, formada por quatro ensaios e uma entrevista com José Craveirinha, Rita Chaves não busca compreender a literatura moçambicana de hoje como resultado do colonialismo português como fez em relação à literatura angolana, embora haja paralelismos bem evidentes nos dois processos. Concentra-se, isso sim, na análise da obra de poetas como José Craveirinha, Eduardo White, Rui Knopfli e Luís Carlos Patraquim.

Em “Eduardo White: o sal da rebeldia sob os ventos do Oriente na poesia moçambicana”, ensaio publicado também em África e Brasil: letras em laços (São Caetano do Sul-SP, Yendis Editora, 2006) de Maria do Carmo Sepúlveda e Maria Teresa Salgado (organizadoras), procura compreender a obra de um dos nomes mais expressivos da poesia moçambicana de hoje, a partir de suas ligações com a Ilha de Moçambique, a presença mais marcante hoje no imaginário poético de Moçambique. “Ali, o autor vai buscar as sedas, o m´siro, as miçangas, as oferendas de Java, o séqüito ajawa, o curandeiro macua, o monge birmanês, com que compõe o desenho do universo em que projeta a sua identidade”, diz a autora.

Na terceira parte, “Literaturas em Língua Portuguesa: a utopia em trânsito sob os vento do Império”, que reúne mais quatro ensaios, chama a atenção o texto “O Brasil na cena literária dos países africanos de Língua Portuguesa” em que a autora procura estabelecer a utopia que a terra brasileira sempre representou no imaginário africano, concluindo que, felizmente, os escritores africanos souberam catalisar numa chave progressista as imagens (brasileiras) que convidavam à mudança. E conclui que esses escritores souberam compreender como a realidade brasileira – povoada pelas injustiças e pelos preconceitos que conhecemos – poderia auxiliá-los na mobilização em favor de “um projeto conduzido pelo sentido da liberdade e outras utopias”.

Além de ensaios bem elaborados, o livro de Rita Chaves traz uma entrevista que ela fez com o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003), em fevereiro de 1998, em sua casa em Maputo. Nela, Craveirinha, filho de pai português e mãe africana, entre outros tantos temas, diz da influência que ele e outros autores moçambicanos receberam na década de 40 e 50 de escritores brasileiros, como Jorge Amado e Rachel de Queiroz, e, especialmente, daqueles jornalistas e cronistas que escreviam na célebre revista O Cruzeiro, como David Nasser, embora sua formação inicial tenha sido mesmo por meio de Eça de Queirós, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Camões e Soeiro Gomes e ainda dos franceses Victor Hugo e Zola.

Curiosa é também esta frase: “(...) hoje andam aí pelas ruas grande parte daqueles que de fato lutaram, mas os que estão nas cadeiras são precisamente aqueles que não lutaram. E que engordam desavergonhadamente. E a gente olha e fica triste, mas paciência”, dizia para, em seguida, reconhecer que ficava admirado quando ia a Portugal e recebia alguma homenagem: “(...) Há qualquer coisa que não bate bem: ou eu, ou eles! Uma das mais importantes comendas de Portugal foi concedida a mim. Depois de tudo, toda a comenda que eu deveria receber de Portugal era uns pontapés no rabo, mas não uma comenda. Ora, isso faz com que fiquemos um pouco duvidosos de nós próprios e ao mesmo tempo isso retira um determinado ônus de cima da cabeça dos portugueses”, dizia, com bom humor. Até porque teve oportunidade de constatar que o Portugal que o homenageou na década de 1990 não era o Portugal das décadas de 60 e começo de 70 que ele combateu em Moçambique, quando, então, passou um bom tempo na cadeia.

Professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, Rita Chaves, hoje, dirige o Centro de Estudos Portugueses da instituição e é pesquisadora associada do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Entre outros títulos, publicou A formação do romance angolano em é co-organizadora de Portanto... Pepetela, Literaturas em movimento – hidridismo cultural e expressão e Exercício crítico e Brasil/África: como se o mar fosse mentira.
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Outro artigo da Rita Chaves (Caminhos da Ficção da África Portuguesa)
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/02/caminhos-da-fico-da-frica-portuguesa.html

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Fonte:
Adelto Gonçalves (Viagem ao universo africano).
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2009/01/viagem-ao-universo-africano-adelto.html

O Nosso Português de Cada Dia (Pisar e Assistir)



Pois bem, hoje escreveremos sobre regência verbal. Regência verbal é a relação que existe entre o verbo e seu complemento. Trata-se de saber se o complemento é regido por preposição ou não.
No caso do verbo pisar, a regra é a seguinte. Esse verbo não pede preposição. Dessa maneira, o complemento é sempre direto. Portanto, fale e escreva: Pisei a grama. É errado dizer: Pisei na grama. Mesmo que algumas gramáticas já admitam tal construção, o correto, de acordo com a tradição da norma culta, é escrever sem preposição.

Já o verbo assistir, possui três formas de construção, e cada uma possui um sentido diferente. O verbo assistir, no sentido de ajudar, não é regido de preposição. Assim, o correto é dizer: o médico assistiu o doente e não: O médico assistiu ao doente.

Por outro lado, quando o verbo assistir tiver o sentido de ver, então ele é regido pela preposição a. Por isso, o correto é dizer: Eu assisti ao jogo do Brasil. Estaria errado se eu dissesse: Eu assisti o jogo do Brasil.

Finalmente, existe ainda um sentido e uma regência do verbo assistir, que é um uso antigo. Nós quase não o vemos hoje em dia. Trata-se da regência intransitiva em que o verbo assistir significa morar. É nesse sentido que estão frases do tipo: Eu assisto em Bragança, isto é, eu moro em Bragança. Seguindo esse mesmo sentido, posso fazer frases do seguinte tipo: Eu assisto na Avenida Leandro Ribeiro. Ou: Eu assisto no Estado de São Paulo.

Fonte:
Prof. Dr. Ozíris Borges Filho.
http://www.movimentodasartes.com.br/

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Christopher Paolini (1983)



Christopher Paolini (Paradise Valley, 17 de novembro de 1983) é um escritor dos Estados Unidos da América. Ficou mundialmente famoso por sua série O Ciclo da Herança, que já vendeu mais de 15 milhões de livros em todo o mundo.

Christopher Paolini nasceu no dia 17 de Novembro de 1983 no sul da Califórnia. Exceto por alguns anos em Achorage, no Alasca, ele passou a vida inteira no Paradise Valley, em Montana, onde ainda reside. Ele vive com os pais e a sua irmã mais nova, Angela, numa rústica quinta nos bancos de Yellowstone River. Eles têm dois animais de estimação: Otis, um gato preto e branco e Annie, uma cocker frisada.

Christopher foi educado pelos seus pais. Ele freqüentemente escrevia pequenas histórias e poemas, fazendo visitas à biblioteca e lendo muito. Alguns dos seus livros favoritos são “Jeremy Thatcher”, “Dragon Hatcher” por Bruce Colville’s; “Dune” de Frank Herbert; “Magician”, de Raymond E. Feist’s e “Mundos Paralelos” de Philip Pullman, nosso conhecido.

Christopher cresceu ouvindo muita variedade musical, mas a clássica ardeu a sua imaginação e ajudou-o a escrever. Ele ouvia freqüentemente Mahler, Beethoven e Wagner enquanto escrevia Eragon. A batalha final de Eragon foi escrita a ouvir Carmina Burana, por Carl Orff.

A história de Eragon, começou com os sonhos de dia de um adolescente. Ele queria experimentar uma história que incluía todas as coisas que ele gostava em outros romances fantásticos. O projecto começou como um hobby; ele nunca tencionaria que fosse publicado. Ele demorou um mês para planificar a trilogia inteira, então sentou-se no sofá e começou a escrever num bloco de notas. Quando ele enriqueceu seis páginas, ganhou confidência suficiente para transferir as suas palavras no seu computador Macintosh, onde a maior parte de Eragon foi escrita, enquanto que algumas partes eram melhor escritas por ele manuscritamente. Todas as personagens da obra foram parte da cabeça de Paolini, exceto Angela, baseada na sua irmã.

Demorou-lhe um ano para acabar o primeiro rascunho de Eragon. Quando Christopher leu o rascunho, ele viu o quão pobre o mesmo se encontrava. A história estava lá, no entanto, ele demorou mais um ano para rever o livro e dar aos seus pais para o lerem. Eles ficaram encantados e decidiram ajuda-lo publicando-o na companhia editorial da família. Um terceiro ano foi passado com novas edições, desenhado a capa e criando materiais de marketing. Durante este tempo, Christopher desenhou o mapa para Eragon, assim como o conhecido olho de dragão que aparece na edição normal, vendida nas livrarias. Finalmente o livro foi lançado.

A família Paolini passaria o ano a promover o livro. Começando com as apresentações na livraria local e na escola secundária viajaram pelos EUA. Ao todo, Paolini deu mais de 135 apresentações em livrarias, editoras e escolas desde 2002 até 2003. Ele fez a maioria das apresentações vestido com a roupa medieval com uma T-shirt vermelha, calças de ganga pretas, botas e uma capa negra.

No verão de 2002, Carl Hiassem, o autor de “Hoot”, comprou Eragon para atenção da sua editora, Alfred A. Knopf, que sub conseqüentemente adquiriu os direitos de publicar Eragon e o resto de O Ciclo da Herança.

Atualmente, ele passa o seu tempo a escrever Empire (4º e último livro da série). Também foi consultado para o filme produzido pela Fox 2000, que saiu em dezembro de 2006. Acabada a série, Christopher planeja fazer umas grandes férias, enquanto ele ponderá qual das muitas histórias e ideias ele irá escolher para fazer a próxima saga.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Christopher Paolini (Ciclo da Herança)



O bestseller Eragon, primeiro volume da Trilogia da Herança, do norte-americano Christopher Paolini, com mais de quatro milhões de exemplares vendidos em 38 países, chegou ao topo da lista dos livros mais vendidos do New York Times, do Washington Post, do USA Today e do Publishers Weekly. No rastro do sucesso de outros títulos de fantasia, como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, Eragon também chegou às telas dos cinemas mundiais em 2006, pela Fox.

Nos Estados Unidos, o título manteve-se por 52 semanas no topo da lista dos mais vendidos. Em apenas seis meses, Eragon foi reeditado por três vezes na Turquia. Na Espanha, a edição de 80 mil exemplares esgotou-se em apenas um mês. Na Polônia, o título de Paolini só perde em vendas para o O Código Da Vinci e já vendeu 45 mil exemplares. Eragon é uma história repleta de ação, vilões e locais fantásticos, com dragões e elfos, cavaleiros, luta de espada, inesperadas revelações e uma linda donzela. Inspirado em J.R.R. Tolkien, que criou idiomas para os diálogos de seus personagens, Paolini utiliza o norueguês medieval para a linguagem dos elfos e inventa expressões específicas para os anões e os urgals, de modo a dar veracidade ao lendário reino de Alagaësia, onde a guerra está prestes a começar.

Ciclo da Herança

Até 2007, dois dos quatro livros já haviam sido publicados: Eragon (2003) e Eldest (2006). O terceiro livro foi lançado na América, Canadá e Reino Unido no dia 20 de setembro de 2008, sendo lançado no Brasil em novembro de 2008. Tanto Eragon quanto Eldest entraram na lista de bestsellers do The New York Times. Em 2006, Eragon foi adaptado para o cinema, numa película de mesmo nome.
Passada no mundo fictício de Alagaësia, a história se foca no adolescente Eragon sua parceira Saphira, um dragão com a qual compartilha sua consciência, e a descoberta de ser um Cavaleiro de Dragões, um lendário grupo que governava as terras em tempos passados,(tais dragões não são de forma alguma meras bestas, pelo contrário, cavaleiros e dragões são tratados como iguais).O Rei Galbatorix, que destruiu a antiga ordem (os Cavaleiro de Dragões) e pegou a coroa para si, envia seus assassinos para capturar o rapaz e Saphira, e assim, inicia a sua jornada.

Livro Um: Eragon

Roran tem por volta de dezoito anos no inicio da saga e é o único filho de Garrow e irmão de criação de Eragon, que tem quinze-dessezeis anos no início da saga. É apaixonado por Katrina, a quem chega a pedir em casamento. No início da trama Roran parte para Therrinsford afim de conseguir dinheiro para o dote de Katrina, uma vez que Sloan, pai da moça, nunca aceitaria ver a filha casada com um "joão-ninguem" (essa história foi completamente alterada no filme "Eragon" uma vez que Katrina vira personagem aleatória na história e Roran vai para Therrisford com medo de ser alistado para o exercito do reino Bodring-Império). Quando os Ra'zac destroem sua fazenda e assassinam seu pai a procura do ovo de dragão (que pertencia a seu primo Eragon - embora Roran não soubesse disso), ele é avisado por Baldor (filho de Horst, um amigo) e retorna para Carvahall (onde nasceu e cresceu).

Livro Dois: Eldest

Esse livro conta com uma participação bem mais ativa de Roran, sendo ele também considerado um dos personagens principais, como Arya, Orik e o próprio Eragon. Roran tem por volta de vinte anos no começo do livro, e sua maior preocupação era reconstruir sua fazenda para poder pedir Katrina em casamento. Num determinado momento do livro trinta soldados do império mais os Ra'zac (vilões recorrentes da série) tentam capturar Roran, pois Galbatorix tinha esperança de que ele soubesse onde Eragon estaria. Para se proteger Roran, que estava hospedado na casa Horst, o ferreiro, esconde-se numa montanha.

A Invasão de Carvahall
Com a desculpa de estava caçando Roran foge para as montanhas na esperança de que os soldados se irritassem e partissem, o que não aconteceu e após uma série de eventos, como a morte de Quimby e o celeiro de Carvahal incendiado, Roran volta para a casa de Horst e combina com vários outros habitantes a expulsão dos soldados. Com o intuito de apenas espantar os soldados mas com o resultado da morte de um deles a reação de Carvahal, de certa forma marcou o fim do vilarejo. Construindo algumas barricadas toscas feitas em suma com carroças tombadas o vilarejo sofreu uma intimidação de um Ra'zac que sozinho destruiu as barricadas improvisadas e jurou escravizar todos os habitantes do lugar. Tentando proteger a cidade Roran encarregou diversos homens de fazerem novas barricadas, desta vez mais resistentes, feitas de troncos de árvores. Após o primeiro ataque dos soldados, Roran decidiu levar todas as mulheres e crianças para as Cataratas Igualda, porém com certa relutância. Quando Roran estava dormindo com Katrina, que havia sido deserdada pelo pai, Roran é atacado pelos Ra'zac e tem seu braço gravemente ferido

A Espinha
Convecido de que o unico jeito de salvar Katrina -que foi sequestrada pelos ra'zac- e impedir a completa destruição de Carvahall era levar todo o vilarejo até Surda, ele os convencem com grande discurso. Com o plano de chegar a Narda e pegar um barco até Surda, Roran leva os habitantes de Carvahall a atravessarem a espinha.

Narda
Roran passa a ser conhecido como martelo forte pelos aldeões(por usar um martelo em batalha) e em Narda conhece o capitão Clóvis com quem negocia uma viagem por chatas até Teirm. Ao chegar lá, Roran realiza um motim porque não possuía dinheiro para pagar a viagem.

Teirm
Ao chegarem a Teirm conhece Jeod- que já havia encontrado Eragon algum tempo antes - que estava falido. Assim, eles junto com outros piratas roubam o asa-de-dragão (o melhor navio de toda Teirm)

O Olho de Javali
A bordo do Asa de Dragão e fugindo dos navios de Galbatorix, Roran se vê obrigado a passar pelo olho de javali, um imenso ciclone entre as ilhas Nía e Beirland.

A Campina Ardente
Ao chegar à Surda, Roran é avisado que uma guerra irá acontecer entre os Varden e o Império. Tentando ajudar os Varden, Roran leva o Asa-de-Dragão para a Campina Ardente (local da guerra). Lá ele encontra Eragon, agora um cavaleiro, e mata dois magos do império, conhecido como gêmeos. Ao fim da batalha, Roran descobre que Katrina está aprisionada em Helgrind e parte para salvá-la.

Livro Três: Brisingr

Este é o penúltimo livro do Ciclo da Herança. O livro começa logo por contar o resgate de Katrina, noiva de Roran que havia sido raptada pelos Ra'zac's, por parte de Eragon, Roran e Saphira. Ao longo do livro vai-se contado o percurso de Eragon no acampamento em Surda, e como ele vai lidando com as diversas batalhas tanto bélicas como pessoais. Neste livro é revelado porque Galbatorix tem tanto poder. Katrina esta grávida de Roran. O nome do livro é Brisingr, pois Eragon volta a Ellesméra e lá Rhunon faz uma espada para Eragon, porém como ela tinha prometido que nunca mais faria uma espada, ela possui Eragon e Eragon faz sua própria espada. Oromis e Glaedr saem de Du WeldenVarden e vão ajudar a conquistar Gil'ead. Quando eles chegam lá, encontram Murtagh e Thorn. Eles duelam quando e no meio da luta Galbatorix possui Murtagh e o próprio Galbatorix mata Oromis e Glaedr. Glaedr dá seu Eldunari(coração dos corações dos dragões) a Eragon. Galbatorix roubou a maioria dos eldunari dos dragões que matou e é por isso que ele é tão poderoso. Eragon e Roran matam os Ra'zac e sua montarias. Os elfos também saem de Du WeldenVarden conquistam Ceunon e Gil'ead.Os Varden conquistam Aroughs e Feinster. Em Feinster Arya e Eragon encontram outro Espectro, Arya o mata com a ajuda de Eragon. Orik se torna o rei dos anões. Agora os Varden no quarto livro pretendem marchar sobre Belatona e Dras-Leona para depois se encontrarem com os elfos nos portões de Urû'baen, mas antes Eragon e os Elfos tem que encontrar alguma maneira de tirar os Eldunari do Galbatorix e do Murtagh ( Galbatorix deu alguns Eldunari para Murtagh).

Alagaësia
Alagaësia (pronunciado A-la-guÊi-gia) é um país fictício em que é ambientada a trilogia.

Habitantes
• Dragões- Existentes desde o princípio de Alagaësia;
• Elfos- Originários de terras longuíquas aportaram antes dos humanos
• Anões- Primeiros governantes de Alagaësia.
• Humanos- Dominaram depois dos anões.
• Urgals- Vieram a Alagaësia seguindo os elfos.
• Espectros- Poucos foram vistos ou comentados,e por terem uma origem não-natural é difícil dizer quando surgiram.

Lugares
Carvahall - Vilarejo ao norte, lar e ponto de partida de Eragon, Brom e Saphira. A oeste existe a Espinha uma cadeia de montanhas.

Therinsford - Pequena cidade vizinha de Carvahall.

Teirm - Cidade mercante, vive principalmente do comércio marítimo. Lar de Jeod, amigo de Brom.

Deserto Hadarac - Um deserto de grandes proporções e marca o fim da Alagaësia.

Dras-Leona - Cidade que mantém relações com a capital Uru'baen.

Helgrind - Montanha próximo a Dras-Leona. Seu nome significa portões da morte na Língua Antiga.

Uru'baen - A capital do Império, e sede do governo de Galbatorix.

Gil'ead - Outra cidade-base do Império, foi palco da grande batalha entre Brom e Morzan.

Cavaleiro de Dragões

No Ciclo da Herança de Christopher Paolini a Ordem dos Cavaleiros de Dragões foi uma grandiosa instituição cuja missão era proteger a terra de Alagaësia.Todos os Cavaleiros compartilham suas mentes com um dragão, os quais são seus aliados e parceiros, permitindo além de tudo que seu cavaleiros os usem como montaria,e possuem numa da palma das mãos um gëdwey ignasia uma marca prateada brilhante.Sua base localizava-se na cidade de Dorú Areaba,na ilha de Vroengard. É importante ressaltar que o cavaleiro não possuía o dragão, ou o contrário, o que eles tinham era uma aliança que ia além de posses ou laços físicos, eles eram ligados por suas mentes e, portanto, eram iguais.

Habilidades

Gëdwey Ignasia

Todo Cavaleiro possui uma gëdwey ignasia (palma prateada na Língua Antiga), fato de eles serem chamados também de argetlam, que tem o mesmo significado. Eles a recebem no momento em que tocam um filhote de dragão. Essa marca funciona como uma espécie de "receptor" de magia.

Vantagens
Todos os Cavaleiros possuem sua vida prolongada além de um humano normal, praticamente são imortais. Também recebem um aumento de força, velocidade e resistência. O efeito disso é o longo contato com seus dragões, criaturas misteriosas e mágicas. E também, sempre teriam um companheiro, em qualquer situação, quem nunca irá abandonar você, a não ser que se o dragão fosse morto.

Fonte:
http://www.livrariacultura.com.br

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Aluisio de Azevedo (O Japão Cronica = Capitulo 3)

O Comodoro Perry Ii Kammon
Pintura de Isis Lucena
Foi sem dúvida o insólito advento dos estrangeiros no Japão, de 1853 em diante, o que, provocando a guerra civil em todo país, determinou a queda do Shogunato e a seqüente restauração do unitarismo imperial. Aqueles porém não conseguiriam penetrar e instalar-se no território, ou pelo menos muito mais caro lhes custaria o feito, se não fora a ardilosa política e traiçoeira audácia de um homem, cuja memória é ainda hoje execrada pelos japoneses da velha têmpera; e o qual de resto pagou com a vida nas mãos dos roninos semelhante ato, nem só contrário à vontade do Micado de então, Komei, pai do atual, como inteiramente oposto às aspirações da nação, que era nessa época profundamente nativista, desde a sua mais alta à mais baixa camada social.

Esse homem fatídico é o Daimo de Hikobe, Ii Kammon no Kami, que durante muito tempo exerceu o cargo de "Tairô", ou primeiro ministro, do Shogun Tokugawa Yeçada, e depois, com a morte deste, passou a ser o poderoso Regente do Shogunato durante a menoridade do sucessor, Tokugawa Iyemochi, príncipe de Kii, criança de treze anos.

Mas, para bem explicar como se deram os fatos, é preciso voltar atrás. O primeiro Ocidental que pôs pé no Japão, assinalando com obras a sua presença, foi um português, Mendes Pinto, em 1542. Antes deste, consta que no século XIII Marco Polo havia já desembarcado no arquipélago, se é com efeito o Japão o que ele nas suas famosas memórias chama "Zipangri" ou "Cipango"; tais revelações porém, verdadeiras ou fantasiosas, sem merecerem até hoje inteiro crédito nem dos próprios compatriotas do autor, não deixaram de si nenhum resultado positivo; podendo-se pois concluir que, a passagem do ilustre navegador veneziano pelo nipônico Império do Sol Nascente, é caso de efeito inteiramente nulo e que ninguém afirma com segurança.

Com Mendes Pinto a coisa muda de aspecto, não se contentou o investigador português com descrever as suas aventuras, muito mais desenvolvidas sobre o Japão e em nada menos interessantes que as do outro, foi a Macao e de lá conseguiu trazer para o arquipélago São Francisco Xavier e mais trinta jesuítas que, uma vez instalados em Kiuciu, atraíram novos, até formarem um núcleo forte e próspero de catechistas, ao qual não tardaram de incorporar-se os espanhóis e logo depois os holandeses, arrebatados estes últimos, não pela fé, mas pela cobiça.

Qual veio a ser nos primeiros trinta anos a boa fortuna dessa pacífica expedição já o leitor conhece, mas o que talvez ainda não saiba é que, à vista de tal êxito, os holandeses, a quem tanto faltava espírito evangélico quanto sobrava o de ganância, receando lhes viessem aqueles a fazer mais tarde concorrência comercial, principiaram a guerreá-los com a mais feia e intrigante deslealdade; como eram protestantes, afetaram pertencer a religião muito diversa da dos portugueses e, calcando aos pés o Crucifixo e fazendo toda a sorte de ridículas manifestações anticatólicas, perseguiram os missionários a ponto de fornecerem a Ieiâs a artilharia com que este exterminou os cristãos na célebre hecatombe de Chimabara.

Foi com esses e outros lances de igual jaez que os holandeses obtiveram, sob o governo de Tokugawa Iyemitsu, filho e sucessor de Ieiás, o privilégio de ficar no arquipélago, enquanto eram todos os mais estrangeiros enxotados e logo corridos a bala e ponta de azagaia. A despeito porém de tanta baixeza e tanta humilhação, permanecia latente no espírito do Shogun o desejo de varrê-los também pata fora do país, de sorte que os não deixava respirar com imposições e exigências cada vez mais cruéis. A um tal Francisco Caron, que em 1640 era o chefe da feitoria holandesa em Hirado, intimaram secamente para demolir todas as edificações por ele e seus patrícios construídas, porque dizia o mandado, se afastavam um pouco da forma arquitetônica nacional imposta pelas "Cem Leis", e os bons homens dos Países Baixos submeteram-se a isso sem o menor protesto e até com vivo e afetado empenho de bem cumprir as ordens do Governo, na esperança, já se vê, de que tais mostras de sujeição abrandassem os rigores oficiais e lhes facultassem a eles continuar a auferir os belos lucros que proporcionava o seu tráfico sem concorrência.

Maximiliano Lemaire, que, com a morte de Caron, o substituiu, obteve afinal do Governo, à força de súplicas e juramentos de solidariedade, concessão para construir uma ilha ao pé de Nagasaki, feita com a terra de uma colina próxima, para estabelecer nela a sua feitoria que não tinha onde abrigar-se. Essa ilha artificial, em hemiciclo, forma lisonjeira aos Tokugawa, cujo escudo era um leque de ouro com as rosas malvas do brasão de Ieiás no centro, chamou-se Dechima e foi o escasso recinto em que, durante trinta e dois anos, vegetaram os holandeses no Japão, sem família e sem direitos, privados de licença de arredar pé do presídio, a não ser com mil formalidades e só durante certas horas do dia, enchiqueirados lá dentro debaixo de uma fiscalização draconiana; não podendo receber da pátria por ano mais do que um navio, e sem vênia de entreter relações, fora das comerciais, com os japoneses e, ainda menos, com as japonesas, às quais era rigorosamente vedado o ingresso na ilha, como a toda e qualquer mulher estrangeira, menos a asiática, era defesa, sob pena de morte, a entrada no Império.

Semelhante reclusão teve, como era de prever, conseqüências ridículas. Nesse tempo não comiam ainda os japoneses outras viandas senão de aves e peixes; o boi era um animal sagrado, o porco desprezível e o carneiro inaclimável no território, apesar das d1-ligênncias nesse sentido tentadas pelos chineses e coreanos; ora, os holandeses, que não estavam dispostos a amargar, além do que já sofriam do Governo, os rigores da cozinha japonesa, faziam vir todos os anos da Europa um bom carregamento de gado ovelhum e caprino; quanto ao bife nem era bom falar nisso - animal consagrado! Assim, quando mais tarde, depois de muita lamúria, permitiu o Shogun que as "musmês" da mais baixa extração fossem ter à ilha Dechima e isso somente na ausência do sol, o povo começou de alcunhá-las de "Ovelhas" e "Cabras", qualificativo com que ainda agora grande parte dele estigmatiza a japonesa que partilha com qualquer ocidental o fruto do paraíso.

Mas o fato é que foram os holandeses os únicos europeus a permanecer no arquipélago desde 1625, época da expulsão definitiva dos estrangeiros, até 1853, quando um grito de alarma e de cólera ecoou por todo o país, arrancado pela arrogância do Comodoro norte-americano Perry, que se apresentara nas águas japonesas com uma esquadrilha composta de quatro navios de guerra, a reclamar o direito de ancorar, deter-se e traficar nos proibidos portos de Chimoda e Hakodate.

Dai Nipão já não era o mesmo quanto ao naturalismo espontâneo dos costumes. Duzentos e cinqüenta anos de profunda paz e desenvolvimento artístico, impostos pelos Tokugawas, tinham abafado o ardor bélico e turbulento dessa raça que agora se elevava já mais além de 40 milhões de indivíduos. Os acaroados arneses e as decorativas espadas de Massamore e da família Miotchim, os mais primorosos alfagemes da idade média japonesa, jaziam havia muito dependurados nos altares domésticos, como venerandas relíquias dos tempos heróicos e dos antepassados valentes. Os príncipes e daimos viviam então tranqüilos, a gerir as suas terras patriarcais, desistidos das antigas rivalidades de classe e descuidosos das armas; os respectivos samurais, dantes tão árdegos e revessos, eram agora os seus agentes de confiança na administração dos feudos.

Mas, se por um lado haviam a preguiça e a voluptuosidade invadido a aristocracia e a nobreza militar, por outro os artistas, os operários e a gente da gleba se tinham apurado pelo esforço inteligente ou pelo trabalho subalterno. Não se contava um só analfabeto no país.

E com efeito durante aquela extensão pacífica que atingiram a sua mais linda plenitude as artes e as indústrias japonesas, caindo depois vertiginosamente com a revolução e ameaçando hoje em dia desaparecerem para sempre, estioladas de todo pela macaqueação da arte européia e do industrialismo cosmopolita e banal. Os artistas japoneses, então diretamente protegidos pelos daimos senhoriais não faziam obra de afogadilho destinada ao comércio, que só em muito pequena escala existia no Japão.

Como tinham vida garantida pelo príncipe a que serviam, e absolutamente despreocupada de necessidades materiais ou de ambições burguesas, trabalhavam sem impaciência, sem pressa de acabar, e só cuidosos da perfeição e requintado esmero. Daí essas inverossímeis maravilhas de laca, de bronze, de esmalte, de mosaico, de porcelana, e todas as outras mil inapreciáveis coisas, das quais neste sincero livro muito tenho que vos referir; coisas que nunca mais se repetiram depois daquele tempo áureo e que, — infelizes dos olhos futuros! — nunca mais se farão em parte alguma do mundo.

E que o governo feudal dos daimos era, contido pelas sábias e humanas leis de Ieiás, nem só paternal para o povo, mas talhado de molde a favorecer a expansão do talento artístico. Com uma obra d'arte perfeita obtinham-se foros de nobreza, tença vitalícia e até hereditária, se acontecia neste caso, como era então muito comum, exercer a família do artista a mesma profissão que o chefe. Uma alçada, de imediata confiança do Governo Central, composta de cinco membros e dispondo de duzentos agentes de tradicional integridade, tinha a seu cargo a fiscalização da gerência dos principados, e, uma vez por ano, passava em revista todos os oitenta e quatro distritos do Império, recolhendo, uma por uma, as queixas e reclamações do povo; o protocolo de tudo isso seguia para Yedo a ser estudado e julgado pela Corte Shogunal, que punha em confronto essas partes populares com as contidas nos relatórios, também anuais, apresentados por cada um dos daimos governadores.

Em caso de denuncia de crime grave, o Shogun fazia vir à sua presença os interessados, acareava-os em plena audiência e, se o daimo tinha razão, entregavam-lhe o delinqüente para ser punido como de lei; mas, se ficava justificada a razão de queixa contra o príncipe, o Shogun anotava o depoimento das testemunhas com o seu parecer, e os autos subiam, pro forma, às mãos da Corte do Imperador que, imediatamente, em nome do Micado, convidava o daimo criminoso a abrir honradamente o ventre com a sua katana de fidalgo. E nunca se dava o caso de semelhante convite deixar de ser atendido com toda a solicitude, nem só porque ele significava áulica deferência prestada a um nobre do Império, corno também porque, se o criminoso não se prevalecia do privilégio, passava pelo negro vexame de acabar menosprezadamente decapitado, enforcado ou crucificado, conforme o dia da semana em que caísse a execução.

O produto de cada feudo era consumido pelo próprio feudo, não havia por bem dizer outra permuta fora da produção industrial e da produção agrícola; o mercador intermediário não estava classificado, porque também não existia ainda capital em giro de especulação. O organismo político do Estado, como a própria economia do povo, achavam-se na mais sinérgica integridade de equilíbrio e força; neles se não acusava nenhum dos vírus que na Europa perturbaram e destruíram o sistema congênere; não havia questão religiosa; não haviam rivalidades dinásticas em luta, nem reivindicações filosóficas e populares contra o direito divino do Trono ou contra a autonomia civil e militar do Shogun; não haviam tendências igualitárias transbordamento industrial dos limites que às competentes classes lhes traçavam as leis ieiasinas; a vida era fácil e simples, o país abundante; o clima em geral benigno, os patrões afáveis, o caráter do povo risonho e doce, como recomendou Ieiás, a fartura das terras e das águas afastava toda e qualquer insurreição de inferiores famintos contra superiores fartos; o patriarcalismo dos costumes, a sobriedade, o gosto da nudez; a ausência da moda, o enlevo amoroso pela natureza, punham a população ao abrigo dos apetites brutais e dos vícios caros e vaidosos de que se fazem os pronunciamentos e as plutocracias.

Não se acusava no corpo da nação o menor sinal dessa implacável moléstia oriunda dos Estados Unidos da América do Norte — a Febre do milhão, a cujo alucinador contágio nenhum 'país ocidental escapou até hoje; o dinheiro ainda servia só para ser gasto e não para ser multiplicado pela tabuada dos filhos de Israel; o capital ainda não era capital, era coisa secundária, não se tinha transformado em força viva e roda dentada que engrena, arrasta, mastiga e babuja a moral, o talento, o amor e o caráter da melhor porção do mundo moderno. Ninguém se azafamava correndo atrás dos galopantes cavalinhos de Dona Isabel, e não havia por conseguinte encontrões, nem choques, nem trambolhões; suicídios só por amor, por desafronta de honra ou em piedosa homenagem à morte de um amado chefe, militar ou doméstico, a quem por íntimo e espontâneo voto de lealdade se tivesse consagrado a vida. O Shogun era olhado pela população como um pai severo e bom, e o Micado como um taumaturgo padroeiro, compassivo e brando, em cuja influência divina contavam todos para obter entrada no céu.

A Nobreza, abençoada e quieta, desfrutava em respeitável paz os prazeres do espírito adubados com as delícias coreográficas que lhe davam entre sorrisos as maikos e as gueichas; livre e ainda forte para gozar, já impotente e manietada para levantar desordens. O povo pelo seu lado tinha tudo o que lhe desejava o coração ainda simples: as suas festas civis e religiosas, os seus espetáculos e justas de lutadores, os seus arraiais e os seus fogos de artifício. As relações sociais e as regalias públicas eram, como as relações e as regalias dos poderes constituídos, metodicamente e pontualmente exercidas e observadas. Enfim — a nação era feliz.

Durante esse largo período de bem-aventurança, as várias tentativas de quebrar o isolamento japonês, empreendidas pelos ingleses, pelos espanhóis e pelos russos, abortaram completamente. A disposição geográfica do terreno e as especiais condições meteorológicas do clima e da latitude eram vigilantes cúmplices do Tokugawa no seu apertado código das "Cem Leis"; eram a melhor garantia da estreita reclusão em que desejavam viver os donos do país, caprichoso arquipélago armado com mais de três mil e oitocentas ilhas perigosas, de costas escudadas por tufões e ciclones infernais. Qual seria o louco aventureiro que entestasse contra tais sinistros para ir lá dentro, em terra firme, dar talvez, por entre homens, com ainda mais duros rochedos e mais ferozes tempestades? Assim pois, o decreto de Iyemitsu, fechando positivamente o Japão em 1625 a todo e qualquer ocidental, depois de expelir, à exceção dos ostráceos holandeses, os poucos que lá restavam, não se via uma só vez desacatado até a revoltante chegada dos americanos.

E seja dito de passagem que, no modo de fazer respeitar essa lei, o Japonês foi sempre, assevera-o Georges Bousquet, tão lógico e firme quanto cortês e humano. Por ocasião de qualquer daquelas investidas européias, negou-se ele com boas razões e boas maneiras a franquear a pátria, sem jamais empregar inúteis violências; desde todavia que a pretensão saltava para o terreno da arrogância, como sucedeu com a Rússia, o Japonês arrancava da espada e não a recolhia de novo à bainha enquanto o perturbador da paz do seu Estado não desarvorasse das águas territoriais. O Tokugawa porém, dois séculos antes, não contara com a descoberta da aplicação do vapor que, no começo do nosso, veio neutralizar as defesas naturais do seu país, transformando os oceanos, de abismos isoladores que eram, em laços de união entre todos os continentes do velho e do novo mundo.

Com o vapor ao serviço da avidez, podiam os modernos fenícios abordar às costas japonesas e, sem risco de avaria, insinuar-se por entre esses sirtes e recifes com que contava Ieiás para guardar a sua frágil e humana obra contra as danosas ambições do resto do mundo cobiçoso, fechando-a naquela natural custódia que lhe parecia invulnerável por ser feitura das mãos de Deus.

Ora, a América do Norte em 1852 sonhava com uma nova e grande linha marítima que unisse pelo Oceano Pacífico a Califórnia à China, fazendo escala pelo Japão, e por isso queria que lhe franqueasse este, ao norte o porto de Hakodate em Yezo, e a leste o de Chimoda em Izo. Era esta a razão ostensiva e oficialmente declarada, mas a oculta e talvez mais palpitante, não passava da mesma que várias vezes movera as outras nações ocidentais a pôr, não os pés, mas as garras no Extremo Oriente; quer dizer: era, nada mais, nada menos, do que a curiosidade de verificar se no misterioso arquipélago havia de fato muitas riquezas, como constava; e, caso houvesse, fazer de conta que elas não tinham dono.

Bem sei que os europeus e norte-americanos, naturalmente por decoro, não contam deste modo nos seus livros sobre o Japão os fatos que aqui vou narrando; dizem todos os autores, pelo menos os meus conhecidos, que a revolução existia em estado latente no Império Japonês e que a chegada do Comodoro Perry nada mais fizera do que precipitar-lhe os efeitos.

E preciso muito má fé, ou não, ter sequer cheirado as crônicas japonesas, para sustentar semelhante falsidade histórica! nem sei como não afirmam logo que o pobre Japão se achava em viva guerra de extermínio e que eles, americanos, lá foram, impelidos pelos próprios sentimentos de humanidade. Seria desse modo a burla mais engenhosa e mais completa.

O país nunca tivera época de tão inteira paz e nunca vivera tão despreocupado de lutas. Esta é que é a verdade! Como se deram os sucessos vou eu dizê-lo francamente, porque entre o assaltante atrevido e a vítima sacrificada, claro está que me coloco ao lado desta.

Eis o caso. Não sendo o Comodoro Perry atendido na primeira vez, ameaçou que voltaria para o ano seguinte e que empregaria a força se as suas reclamações fossem de novo rejeitadas.

Pode-se facilmente calcular o efeito produzido por tal audácia no espírito desse povo, que para mais de dois séculos vivia tranqüilo e feliz, fechado no seu canto, sem nada pedir a ninguém, nem de ninguém precisar, tão indiferente e alheio ao resto do mundo que ignorava até que se houvesse descoberto do outro lado deste a navegação a vapor. O efeito foi fulminante; uma profunda perturbação logo abalou o país inteiro. A nação dividiu-se em dois partidos; um pequeno e tímido, outro enorme e forte; o dos curiosos, dos comodistas ou medrosos, que eram pela admissão dos estrangeiros; e o dos nativistas radicais, que clamavam energicamente a favor da repulsão pelas armas. Este último partido compreendia a nação quase inteira.

O Shogun hesitava, e compreende-se a sua hesitação, porque é fácil de compreender a responsabilidade; a resistência, sem visos de bom êxito, iria pôr de novo em pé de guerra, e logo de intriga e de ambição política, os daimos que administravam agora tranqüilamente os principados, e iria acordar nos samurais o instinto brigalhão e turbulento a tanto custo, e com tanto sacrifício de sangue, reprimido pelo fundador da sua dinastia; mas, por outro lado, se o mensageiro Americano fosse admitido e conseguisse do governo japonês tratados de paz, comércio e amizade; com o do seu país, não seria isto igualmente, por modos diversos, a destruição completa da obra de Ieiás, cuja garantia única de estabilidade tinha os seus alicerces no mais completo isolamento? Sem contar que, o fato de se não chamar oficialmente a nação às armas não queria dizer que ela se não levantasse amotinada e a guerra civil não rebentasse do mesmo modo e produzindo as mesmas funestas conseqüências.

Entretanto, o Shogun Yeçada no seu enleio descobria uma tangente para escapar ao dilema, era a contemporização, a meia promessa que não dá nada e ganha tempo na expectativa de uma solução aceitável. Foi a esse farrapo de esperança que se agarrou o desgraçado.

E já sobre a hesitação deste começavam os príncipes do sul a fazer carga política, quando o mais inesperado dos fatos veio decidir tudo e precipitar os acontecimentos: o hipotético Imperador, com quem ninguém contava, esqueceu-se de que o seu destino era ser o fantasma n.0 121 e rezar para aí de gatinhas defronte do espelho até que os céus para si de feita o arrebatassem, tira-se dos seus cuidados, interrompe os seus mistérios e intervém diretamente no Governo do país, pronunciando-se com firmeza sobre a endiabrada questão.

Era a primeira vez que tal coisa sucedia desde que os Tokugawas tinham hereditariamente a posse do poder executivo. E o fato, posto que extraordinário, vinha tão a propósito naquele momento, também único e muito angustioso para a vida nacional, que ninguém, a não ser o Shogun, pareceu estranhá-lo.

Espalhou-se logo no ambiente um profilático aroma de milagres. Sim! o filho dos altos deuses descia pelo seu pé à terra vil dos homens; a palavra inspirada baixava, como a luz dos astros, lá das místicas alturas, para vir inspirar o povo querido do peito de Amateras; e essa palavra bendita fazia estremecer a multidão como se fosse a voz de uma alma do outro mundo.

A boca do santo falou e disse

É preciso, quando esses bárbaros tornarem cá, varrê-los para longe, como se varre a poeira com a vassoura. O súdito que proceder de outro modo ofende a vontade do meu coração.

Esta simples ordem do divino fantasma de Kioto fez vibrar, com um arrepio aceso, a alma de todo aquele bom povo, que nesse tempo era ainda, como o foi até aos últimos instantes da revolução, ingênuo e casto. Àquelas poucas palavras do Imperador dissolveu-se logo por encanto a pequena facção política favorável aos estrangeiros. Mas o Shogun, em cujo espírito a indecisão cedera afinal abrindo pelo lado da impossibilidade da resistência, expediu imediatamente um poderoso emissário para junto da Corte Imperial, Hayachi, príncipe de sangue, que aliás não foi sequer atendido pelo Imperador; mandou um segundo, na aparência decisivo pelo seu grande prestígio naquela Corte, da qual havia sido já o mais belo ornamento, Hotta Bishu, que apesar de tudo porém, não conseguiu melhor resultado; então o Shogun correu em pessoa para lá. Era também a primeira vez que um Tokugawa ia ao lado do Trono curvar o joelho antes de decidir sobre os negócios do Estado. Definitivamente uma das conchas da balança política começava a pesar mais e a descer, procurando equilibrar-se com a outra. A posição do Imperador tinha sido até aí a mais alçada justamente por ser a mais leve.

O Shogun expôs ao Micado a verdadeira situação do país e falou-lhe com franqueza; mostrou-lhe o perigo interno de armar os mais poderosos príncipes e disse-lhe quais eram as probabilidades negativas da resistência. Os americanos viriam fortes, e atrás deles estava a Europa inteira, a espreitar a situação, esperando o resultado da empresa para dela tirar partido!

— É preciso varrê-los! exclamou sinteticamente o Monarca.

— O melhor, insistiu o outro, seria aceitar uma conferência com Perry, fazer cara alegre e, por meios hábeis, com boa diplomacia, tratar de mistificá-lo, prometendo pouco e não dando nada...

— Isso é um paliativo que a ninguém aproveita!

— Mas que ganha tempo, durante o qual nos prepararíamos para a resistência e para a vitória neste momento impossíveis.

— Não engoliriam semelhante isca!

- Os ocidentais não conhecem absolutamente o mecanismo político do Japão... nem sequer sabem ao certo qual é o verdadeiro chefe do Estado; seria fácil por conseguinte engodá-los durante muito tempo, sem nada lhes ceder de positivo.

— Mas cedendo sempre...

— Cedendo sombras de concessões... Que pode valer um simulacro de tratado, sem a assinatura do Imperador, e que...

Yeçada não conseguiu concluir a frase, porque Komei, ouvindo falar em tratado com os estrangeiros, teve um terrível assomo de cólera e bradou, com os lábios trêmulos e os olhos apopléticos:

— Um tratado?! Nunca! E preciso varrê-los! Se o Shogun, que é o Comandante das Forças, desobedecendo as minhas ordens, não der quanto antes providências para repelir os bárbaros, eu próprio chamarei às armas os príncipes japoneses e irei em pessoa comandá-los!

Pobre Imperador! Tarde voltava ele à vida. Estremunhava agora como a Bela adormecida no bosque, e com a agravante de que não levara apenas um século a dormir. As suas intenções eram as melhores, a sua vontade enérgica e leal, o seu patriotismo legítimo e puro; mas a complicada rede de fórmulas e etiquetas, que em volta do arbítrio lhe teceram durante o sono gerações inteiras de áulicas aranhas manhosas, torcia-lhe o gesto e quebrava-lhe a ação. Nenhuma das suas ordens foi cumprida, posto não deixasse nenhuma de ser acatada com a máxima reverência; as Cortes, os Ministros, os Daimos, ninguém, como o próprio Shogun; zombava dele, isso não! mas delas zombavam todos; ninguém o contradizia, cada qual porém, a dizer que sim, ia fazendo o que melhor lhe convinha, contemporizando, iludindo os decretos, e dando tempo a que a situação por si mesma abrisse brecha para qualquer lance decisivo ou para qualquer escapada.

O Shogun ainda hesitou, ainda roeu as unhas durante alguns dias, mas, percebendo que os insofridos príncipes do sul já por conta própria se proviam para a guerra, chamou a nação às armas, dando aos daimos liberdade de levantar exército e construir navios de combate. E o país inteiro, ao grito de "Morram os Bárbaros!" ferveu em apercebimentos vertiginosos para defesa do território. Principiaram febrilmente as obras de fortificação; construiu-se dentro de poucos meses o forte de Chinagawa, guarnecido logo com artilharia fabricada em Nagasaki, pelos aprendizes dos fundidores holandeses.

Os donativos choviam de todos os lados; o dinheiro desencadeou-se espontaneamente correu a rodo; o príncipe de Satsuma fez lançar n'água dois grandes navios de forma européia e ofereceu-os ao Estado; outros daimos o imitaram; o príncipe de Mito, então detido à ordem do Governo no seu próprio castelo desde 1841, por se ter, como intransigente nativista, contraposto ao forasteiro Budismo, foi absolvido e chamado para tomar o comando em chefe da defesa marítima do país. "Era este príncipe, diz a mais recente das crônicas japonesas, um homem de energia e coragem, com dois sentimentos únicos no coração — cego fanatismo pelo Imperador e ódio ainda mais pelos estrangeiros."

Yeçada, desiludido e sagaz, tinha para si, sem ânimo contudo de dizer palavra, que todo aquele apresto bélico ingenuamente improvisado pelo patriotismo, e todo aquele santo e brioso entusiasmo dos seus compatriotas nada valeriam contra o bombardeio de um só encouraçado moderno, cujas baterias de grande projeção e certeza de mira podiam de longe, fora do alcance de qualquer insulto, fazer à terra o dano que lhe aprouvesse; e em sobrecarga do seu desalento e da sua inconsolável tristeza, notou, sempre de si para si, que o pavilhão arvorado pelas novas milícias já não era o do leque de ouro encentrando as rosas malvas da casa dos Tokugawas, com o qual, depois de Ieiás, pelejaram sempre os japoneses; mas sim a bandeira branca de globo vermelho no centro, representando o sol oriental. Era já o pendão do Império que se levantava em desafronta da pátria comum. E viu nisto Yeçada um mau presságio para a sua dinastia.

Justo um ano depois da primeira investida, o Comodoro Perry, pela primavera de 1854, surgiu de novo nas águas japonesas, e agora com uma esquadra de oito vasos de guerra de alto bordo, duzentas bocas de fogo e quatro mil homens de abordagem. Era com estes argumentos diplomáticos que os Estados Unidos da América do Norte contavam entrar em relações de paz e amizade com o Shogun, única potência que os ocidentais conheciam no Japão e à qual davam o título de soberano.

A imponente esquadra bordejou orgulhosa todo o arquipélago, e foi fundear a leste em frente á barra de Yokohama. O povo miúdo, cuja curiosidade era muito maior que o terror, corria às praias a contemplar boquiaberto aqueles estranhos monstros que invadiam as suas águas virgens de vapor, vomitando fumo negro e atroando os ares com ameaçadores berros de fera infernal e faminta; faminta ainda se não sabia de que.

Afinal a cada ronco dos monstros, os indígenas quase nus saltavam a rir torciam-se em gargalhadas de prazer; alguns, concheando as mãos na boca, respondiam ao mugido feroz com um sibilante e zombeteiro silvo de garoto; e, enquanto o povinho se divertia com o caso, o Shogun, sem querer ferir de frente a vontade do Micado, que ao apontar da esquadra lhe dera aviso terminante de dispor as forças em ordem de batalha, e sem querer também produzir a irreparável ruína de sua pátria, assanhando os ograis monstros que rondavam para a devorar, reuniu conselho extraordinário e chamou em seu socorro parecer dos príncipes Gosankês e de outros de bom aviso; mas ninguém lhe valeu na aflição; uns, encolhendo os ombros, confessavam não encontrar saída para semelhante conjuntura outros entendiam que o melhor seria cumprir à risca a vontade suprema do Imperador, desse por onde desse, ainda mesmo com o sacrifício do país inteiro; e nenhum, ou por intransigente convicção ou pelo receio do estigma público, nem por sombras alvitrava a hipótese de travar acordo no que pretendiam os invasores. O Shogun, coitado! esse arfava cabisbaixo e tíbio, escondendo o rosto entre as duas mãos. Não sei se chorava.

Passam-se dias. Os americanos já não pedem, exigem, sob pena de começar o bombardeio, a resposta do memorandum que, em nome do Governo da República, enviaram por um oficial de patente superior á "Sua Majestade o Shogun do Japão". Marcam afinal um prazo de espera e, no dia precisamente em que terminava esse prazo fatal, Yeçada é encontrado morto, estendido de bruços sobre os degraus do seu trono shogunal.

Assassínio? suicídio? natural explosão do desespero? Ninguém o explica. Um romance japonês conta o episódio histórico muito dramaticamente e diz que o mísero sucumbiu estrangulado pela perplexidade.

Com este fato, resolveram os americanos suspender a intimação e esperar, de fogos apagados, que o Estado tivesse novo chefe.

Surge então à ribalta da história contemporânea do Japão a já anunciada figura de Ii Kammon no Kami, príncipe de Hikone, ao qual, na sua qualidade de primeiro ministro ou chefe de gabinete, competia tomar as rédeas do Governo até a sagração do novo Shogun. Ora, o sucessor de Yeçada, como já disse, era uma criança de doze anos, e o príncipe de Hikone trata logo de assumir a Regência do Shogunato, o que conseguiu, a despeito da forte oposição levantada por Mito e outros intransigentes daimos do sul.

Vai a situação mudar de aspecto. Ii Kammon dispunha de todas as qualidades políticas que faltavam ao seu perplexo antecessor, audácia, energia, resolução, astúcia e sangue frio; talento não sei se o tinha e espírito nativista posso afiançar que não. Inspirado de outro modo, esse homem de valor, havendo por si a nação inteira pronta a reagir com entusiasmo até a morte, pregaria uma boa peça aos americanos, que afinal poderiam sim arrasar o país de um extremo a outro, esmigalhá-lo, mas não poriam os pés lá dentro, ficando-lhes perante o resto do mundo a odiosa responsabilidade do vandalismo cometido. Era essa a vontade da Nação; vontade insustentável decerto para o futuro, mas sem dúvida reveladora do sábio instinto de uma raça que defende a sua hegemonia, a sua originalidade, o seu caráter nacional; como nos mostrara-o os fatos posteriores.

O primeiro ato público do Regente foi dar balanço às forças deixadas pelo falecido Shogun e logo providenciar para completá-las, formando um efetivo superior ao dos primeiros daimos. Ninguém se negou a ajudá-lo nesse empenho, todos convencidos de que Ii Kammon se fortificava para resistir aos estrangeiros, quando em verdade o fazia para impor à nação pelas armas o seu programa político. Depois, sem se preocupar absolutamente com a opinião do Micado, nem com a da Nobreza e ainda menos com a do povo, recebe em audiência privada o próprio Comodoro Perry, que o toma pelo verdadeiro Imperador do Japão e firma com ele um tratado, não provisório como queria o outro, mas decisivo, e cedendo mais do que pretendia o Americano, pois além de Chimoda em Izo e Hakodate em Yezo, lhe abriu mão também do porto de Nagasaki a oeste de Kiuciu. Como complemento desta medida, envia, por conta própria, uma embaixada à América do Norte, a qual saiu do Japão sem o público dar por isso; em seguida por decreto concede a todo o súdito japonês o direito de afastar-se das águas territoriais do país e quanto quisesse e pelo tempo que lhe parecesse. Este golpe nas "Cem Leis" foi ostensivo e forte.

O povo, sempre agarrado às praias, vê com alegre surpresa a esquadra americana começar a dispersar-se, a esgalhar por todos os lados do Pacífico e afinal sumir-se no horizonte, sem fazer para a terra sequer um bocejo de fogo; respira, inteiramente estranho ao que vai pelos misteriosos bastidores sbogunais, e deveras maravilhado pela habilidade desse Regente, cujo governo se abre assim aos olhos aflitos do público por um tão lindo milagre político; mas os verdadeiros nativistas, a quem no seu vigilante amor da pátria sobressaltavam tristes pressentimentos, esses franzem o sobrolho e não participam da confiança geral.

Outras potências estrangeiras, que espreitavam de perto a solução da cartada americana; mal fariscaram o bom êxito da expedição, acudiram logo nas águas dos Estados Unidos e surgem por sua vez nas costas do requestado arquipélago. Ii Kammon recebe-as todas de braços abertos e sucessivamente vai assinando novos tratados com a Inglaterra, com a Rússia, com a Holanda e mais tarde com a França que foi então a última a apresentar-se, concedendo-lhes, além da abertura dos portos já franqueados à América do Norte, a de mais um que valia por dois, o de Kanagawa, a cuja alçada se prendia Yokohama ainda nesse tempo sem maior importância.

Às honras e zumbaias oficiais prestadas ao Regente por esses gratos expedicionários da Europa, respondeu como Imperador magnânimo, fazendo salvar as fortalezas e hasteando o pavilhão nacional. O povo via tudo isto intrigado, sem nada poder compreender do que se passava. E a bordo dos próprios navios estrangeiros lá seguiam em segredo novos embaixadores japoneses destacados para diversos pontos do Ocidente.

Não tardou a chegar ao Japão Townsend Harris, enviado pela República Norte Americana como ministro residente para acompanhar de perto o bom desempenho do tratado concluído entre os dois países. Só então foi que, alcançando os ouvidos do Imperador e caindo no domínio público a notícia dos atos arbitrários do Regente e até onde subira a sua audácia, rebentou o descontentamento da nação e transformaram-se em desespero febril a desconfiança e a ansiedade que às ocultas ardiam no ânimo dos nativistas.

Traição! Traição! bradavam de toda parte. E Mito, pondo-se à frente dos revoltados, decidiu tomar contas ao pérfido governante. Ii Kammon, bem provido de forças, recebeu-os à bala e golpes de bacamarte, mandando decapitar no próprio teatro da ação os que pôde apanhar com vida.

Era a guerra civil que recomeçava depois de dois séculos e meio, como previra Yeçada; e ela agora seria inevitável e terrível, porque acabava de abrir-se a divergência entre a Corte do Imperador e a do Shogun. Contra esta se levantavam já, ao exemplo de Mito, todos os príncipes do sul, e a seu favor acudiriam logo os do norte, fiéis à dinastia dos Tokugawas que do norte provinha.

Ii Kammon, homem de ação por excelência e disposto a não partilhar o poder com quem quer que fosse, trata antes de mais nada de pôr Mito fora de combate e descobre meios de responsabilizá-lo como conspirador contra o Shogunato, cuja soberania devia ser por princípio fundamental do Império reconhecida e respeitada pelos daimos sob sua alçada. Para documentar a acusação obtém com muita astúcia e audácia da entibiada Corte do Micado a correspondência secreta dos príncipes do sul, feita ainda em tempo do seu frouxo antecessor; publica-a lardeada de negros comentários e acompanhada das mais injuriosas censuras, e acaba condenando Mito ao exílio perpétuo e os fidalgos de sua casa ao completo afastamento dos negócios públicos.

Depois, receoso de uma provável coligação sulana contra o seu predomínio, arroja-se incontinenti em fúria desabrida sobre os príncipes de Tosa, de Tozamma e de Uwajima e sobre os quatro daimos de Sikok, que eram os mais vivos correligionários de Mito e os mais intransigentes inimigos da expansão internacional; bate-os a todos, consegue fazê-los prisioneiros; manda executar na praça pública o intrépido Tatewahi com a centena de cúmplices do seu heróico nativismo, e passa pelas armas uma multidão de samurais e homens do povo.

Não se sentindo ainda bem seguro do perigo, ordena, como medida preventiva, a captura, com arresto de armas, dos príncipes de Owari, de Gazen e de Echizen, todos três membros da Casa Imperial e os quais até aí não se tinham absolutamente pronunciado a respeito dos atos do Governo.

Era demais! Um grupo de roninos, dezessete apenas, afiam as adagas, cobrem o corpo com um capucho de palha espetadiça à moda dos kulis do campo, e atiram-se firmes para Yedo. Escondem-se às portas de Sakurada, aguardando a passagem do déspota, que tem essa manhã de atravessar por aí para chegar ao inexpugnável chiro dos shoguns.

Esperam mais de três horas. Tempo nevoado e frio apesar de estarem já a 23 de março desse ano famoso na história do Japão, 1860. Afinal surge o lobo no seu palanquim de charão dourado, ao meio de uma refulgente escolta em que as galas brilham tanto quanto as armas. Saem-lhe os roninos pela frente e, fazendo da capa escudo, às cutiladas se atiram sobre eles. Desfeito o séquito, despedaçam a liteira e arrancam pelas pernas Ii Kammon, a quem cortam a cabeça, para ir no mesmo instante levá-la ao chefe dos nativistas.

O príncipe de Mito, rejubilando com a dádiva sangrenta, manda expô-la na ponte mais concorrida da capital com o seguinte letreiro, estampado em letras vermelhas sobre uma pele de hiena:

"Esta é a cabeça de um traidor, que violou as santas leis do Japão admitindo estrangeiros na pátria."

Os assassinos, seguindo a usança nobre entre os japoneses do tempo, foram solicitar da justiça a pena capita] que lhes cabia, apresentando por escrito as razões morais que os levaram a cometer o atentado. O memorial, depois de expor todos os atos reprováveis da vida pública do Regente, concluía assim:

"Esse monstro em suma, por medo ou por espírito de perfídia, e a pretexto de necessidade política, firmou com os bárbaros tratados feitos clandestinamente, contra a vontade do Imperador e contra a vontade do povo japonês; crimes tais que não encontram perdão nos deuses, nem nos homens. E nós pois, representantes da cólera nacional, deliberamos castigar o grande culpado com a morte, dando a nossa vida em holocausto à felicidade da pátria."

Um grupo de oito samurais de Ii Kammon, fiéis à memória do chefe, juraram sobre o seu cadáver ainda quente que em breve, para vingá-lo, poriam as mão sobre o príncipe de Mito.
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continua...

Marcio Brasil (Sobre amores e cores... )

Marcio Brasil (Cor de Rosa)
Num dia de chuva e vento, ele voltava para casa. Seu guarda-chuva não era dos melhores e, na verdade, já tinha algumas barbatanas tortas que ele insistia que voltassem ao lugar e esquecessem de obedecer as ordens do vento. Cruzou por centenas de outros guarda-chuvas de cores mil, até que se chocou com uma sombrinha cor-de-rosa (como é a cor do céu dos apaixonados...). Ela derrubou as pastas de escritório que carregava. Ele entortou o guarda-chuva e arrebentou as barbatanas em definitivo. Ajudou a recolher os papéis dela no chão e recuperou outros que tentavam ganhar o céu, num balé aéreo. Ele se molhava, mas sentia o perfume que ela usava. Eternity.

- Eu te dou uma carona debaixo do meu guarda-chuva...

Ela ofereceu. Ele, queria pedi-la em casamento...
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O garoto chorava e não queria largar da mão de sua mãe, que o levava ao primeiro dia de aula da sua vida. "Vá conhecer seus coleguinhas". Mas ele não queria. Aquele era um mundo estranho, cheio de estranhos. A mãe enxugava as suas lágrimas e quase se deixava convencer pelos seus apelos de levá-lo de volta para casa. Foi quando uma amiga chegou, trazendo sua filhinha, um pequeno anjo vestido de um azul cor-de-céu. Se recompondo diante do olhar da menina, o garoto secou as lágrimas e retribuiu o sorriso doce, corajoso e inspirador diante dele. A menina lhe estendeu a pequena e delicada mão.

- Vamos entrar juntos.

Ele tocou nos seus dedos, sem desviar de seus olhos brilhantes e do sorriso cheio de vida. E, confiantes um no outro, caminharam de mãos dadas até a sala de aula, ante o olhar orgulhoso de suas mães. Foi nesse dia em que ele conheceu o seu primeiro amor, mesmo sem saber o porquê de seu coração bater mais forte perto dela...
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Tudo tinha que ter lógica para ela. Era matemática e acreditava em resultados exatos e precisos. Tudo preto no branco. Se gostasse de poesia, teria estudado Letras. Mas não acreditava nisso. Desprezava poesia e odiaria receber flores (ela dizia). Para ela, o coração era simplesmente um órgão muscular cuja função era bombear o sangue vermelho para o organismo. Algo lógico e nada a ver com a descrição alienada de adolescentes apaixonadas e tolas, contagiadas pela síndrome de Cinderela (sempre à espera de um príncipe a lhe tomar nos braços). O amor, para ela, era uma farsa inventada para disfarçar nossos instintos primários de seleção natural e acasalamento (lógico que o ser humano é um animal, ainda que racional). Algo exato. O amor, ela dizia, era como um perfume caro que se comprava para disfarçar o odor do corpo humano ou a menta da pasta de dente. Podia até impregnar sua pele ou refrescar sua boca, mas isso não fazia parte de sua natureza. Era uma ilusão breve. Ela podia viver sem perfume, assim como podia viver sem amor. (E se o príncipe se desencantasse sentindo o bafo e o chulé da Cinderela ao calçar-lhe os sapatinhos de cristal?) Era fácil descontruir mitos. Deus? Uma lenda criativa, tão inventiva quanto o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa. Para ela, a explicação divina para todas as coisas foi o tempo perdido para achar a verdade sobre todas essas coisas.

- Tudo nasce, cresce e morre. Acontece com uma planta, acontece com um sapo, acontece com uma bactéria e não há nada de romântico ou misterioso nisso. É pura lógica, matemática e cronologia.

Tudo tinha que ter lógica. Mas o que ela não conseguia entender era por que, entre seis bilhões de pessoas no planeta, foi se apaixonar justamente por aquela pessoa? O que tinha ela de tão especial, a ponto de destruir toda a visão de mundo que ela possuia e revirar seus conceitos pelo avesso? "Meu Deus, me permita viver esse amor", ela pediu, após mais uma noite insone e sem lógica...
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Ele tinha aceitado o conselho dos amigos e resolveu participar do tal grupo de terceira idade. Vivia sozinho, mas ao contrário do que os velhos amigos pensavam, ser sozinho não era de todo o mal. Ele fazia os seus horários, dormia até a hora que queria, comia de vianda, fazia suas caminhadas, deixava a roupa espalhada e pedaços do jornal que lia por toda a casa. E ninguém reclamava de outros hábitos peculiares. Depois de ter sido casado por 40 anos, ele reaprendia a viver uma vida de solteiro. E não era tão mal assim. Só ainda não havia se acostumado com aquele espaço vazio no sofá, ao seu lado na hora do chimarrão ou da novela (as horas cor-de-cinza e de saudade). Ela não estava mais aqui e ele, bem, ele era um velho. Naquele dia, no grupo de terceira idade, ele dançou. Até que a cãibra lhe fez perder o compasso.

- Já passei por isso também.

Ela disse, sentando ao seu lado.

- Pela cãibra?

Ele perguntou, bem humorado.

- Não. Por achar que minha vida tinha terminado com morte de meu marido.

Respondeu aquela senhora, que não pintava o cabelo, nem maquiava as marcas da passagem do tempo.

- E como superou?

Ele indagou.

- Percebendo que o mundo foi criado em nome do amor. E também que o tempo que temos é muito curto e que os medos que alimentamos são ilusórios. Como o de dizer que me apaixonei por ti.

Ele sorriu, como uma criança no primeiro dia de aula...
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Dois estranhos cruzam seus caminhos numa rua qualquer, numa pequena cidade qualquer, em frente a uma praça verde e arborizada qualquer. "Pode ser ela", ele se indaga. Ela, ele não sabe o que pensa, incapaz de ler pensamentos ou, simplesmente, de decifrar ou perceber as sutilezas femininas. Seus passos são apressados e carregados de compromissos profissionais. Ficam paralelos por uma fração de segundos, mas - sabe aquelas cenas de filme em que tudo fica em câmera lenta? Foi o que aconteceu aqui- ela passou ao lado dele, que invadiu-se de mil pensamentos, de mil frases para dizer, de uma vontade indescritível de desvendar aquele ser encantador que cruzava ao seu lado (e que inexplicavelmente não era notado pelos outros ao redor, como que acostumados a conviver com uma força da natureza absurdamente bela e enigmática, como a Lua). Em segundos, estavam distantes um do outro para, sei lá quando, cruzarem seus caminhos novamente. Restou a ele gravar as cenas em sua memória, retroceder seus passos e apertar o slow-motion para decorar aqueles poucos segundos em que a mulher mais apaixonante do mundo cruzou seu caminho numa rua qualquer, numa pequena cidade qualquer, em frente a uma praça verdejante qualquer...
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Ela passou a noite escrevendo poesia. Estava triste, profundamente. Tudo por causa de um amor. Num de seus versos descreveu que "o amor é a maior força do universo. Mas os que se vêem tomados por essa força se tornam intensamente fracos". Ela sabia o que descrevia e transformava a tristeza em poesia. Ela lembrava dele, do seu amor (que a deixou intensamente fraca). Já havia partido (em pedaços?) e estava longe. A distância não era apenas física, mas cronológica. Os dias, meses e anos passavam impiedosos e ela acreditava no seu retorno. "Talvez não como fomos, duas pessoas que se conheciam em corpo e alma. Mas como se fosse a primeira vez, quando você sorriu para mim e acreditamos que seria para sempre", ela escrevia em seus versos. Em seguida, boba, rasgava as páginas. Especialmente ao ouvir Por Enquanto, em que Renato Russo diz na canção que "o prá sempre, sempre acaba". Renato sempre soube das coisas. Ela abriu as janelas e deixou o vento entrar, fechou os olhos e sentiu a brisa brincar com seus cabelos. Ela era bela, intensamente bela, pelos sentimentos que nutria. E resolveu que não iria mais se fechar para o mundo. "Por que um romance do passado parece tão mais confortável de abraçar, com seus erros e acertos, do que estar aberta ao futuro, estranho e distante diante de nossos olhos?", se perguntou. Ela decidiu que não seria mais fraca e que o amor lhe daria forças. Amando a si própria, sem esperar pelo amanhã ou fazer planos de romances embalados por trilhas sonoras da novela das oito.

- O verdadeiro amor surgirá sem cobranças, sem exigir mudanças, compreendendo minhas falhas humanas, e será intensamente lindo, aos meus olhos. O verdadeiro amor será sublime, será fiel. E será simples, como meus versos e complexo como o meu coração. Como é a beleza de uma rosa e a textura de suas pétalas...

Escreveu a poetisa (sem escrever...) com a ponta dos dedos no azul do céu, onde as nuvens se uniam tomando a forma de um coração, à espera de um pôr-do-sol encantador... :)

Fonte:
http://marciobrasil7.blogspot.com/search/label/Contos

Gianfrancesco Guarnieri (Cem Gramas)

Marcio Brasil (O Engraxate)
Cem Gramas era miúdo e transparente, daí o apelido. Corria sobre duas pernas longas e finas em desproporção com o corpinho mirrado. Arrastava sua caixa de engraxate por um barbante comprido e ensebado. A caixa era seu trem e, às vezes, automóvel, navio, até mesmo avião. E corria pelas ruas, a caixa atrás, saltando, batendo, lascando-se no calçamento. Era seu instrumento de trabalho, brinquedo e cofre. Lá dentro, de mistura com graxa, escova e flanelas, as riquezas de Cem Gramas: um punhado de figurinhas, selos do Correio Nacional, uma caneta tinteiro sem pena, três bolinhas de gude, duas tiras de papelão ondulado, um “bob” de enrolar cabelo, uma faquinha de lâmina partida.Já perdera muitos fregueses por ficar absorto, manuseando a tralha, enquanto outros engraxates, mais vivos, tomavam conta do cliente.

Em verdade, raras vezes Cem Gramas conseguia serviço. Na disputa pelo trabalho, levava sempre a pior. Bastava um empurrão, de leve, para deixar Cem Gramas sem ação, vencido, choramingando. O que levava para casa era fruto de caridade. Gente que se compadecia e, sem usar de seus préstimos, lhe atirava alguma nota miúda. Cem Gramas não tinha o talento de alguns dos companheiros. Tuíra, o negrinho, atraía o freguês compondo sambas na hora, engraxando e batendo o ritmo na caixa; Miguelzinho utilizava com habilidade um sorriso gostoso de moleque maroto; Bentinho sabia enaltecer a superior qualidade do material que usava; Jamegão contava piadas incríveis; Rui Barbosa entretinha o freguês falando sobre política, com toda a autoridade de seus sete anos.

Cem Gramas não fazia nada. Podia atrair despertando compaixão, mas não se dava ao trabalho. O que conseguia não era por mérito. Não descobrira ainda a indústria da piedade. Distraído, boca sempre aberta, olhos arregalados como numa admiração constante, deixava-se viver, muito só, resignado, descobrindo as coisas do mundo, uma a uma, com moderado interesse.
Sabia que voltando à favela com pouco ou sem dinheiro levaria uma surra dolorida, raivosa. O pai - se era pai mesmo ninguém sabia - não se dava bem com o trabalho e quase sempre folgava, embebedando-se desde cedo. A mãe, mulher coitada, com dores, cuidando como podia de um barraco em ruína e do nada que tinha. Trabalho mesmo era dos pequenos, cinco crianças magras e largadas, entre elas o Cem Gramas. Dois engraxavam e três vendiam coisas: pentes, barbatanas e flor. O negócio estava em processo de ampliação. Tinha os fornecedores, os intermediários e a mão-de-obra miúda e doentia.

Diziam, com orgulho, trabalhar no comércio. Temendo a pancada, arrumavam-se todos de outra forma, que o rendimento das vendas nem sempre era considerável. E daí, que o maiorzinho - Julito - já estava adquirindo fama de punguista. Cem Gramas é que não tomava jeito. Resignando-se, cada vez mais, às surras, não se importava muito com dinheiro, mesmo porque não lhe conhecia o valor. Mas de tanto apanhar acabou por perder dois dentes e a dor foi aguda. Acabou por compreender o que se exigia dele e resolveu atender o pai. Mas dinheiro não vinha que não sabia criar habilidade. Foi quando recebeu a proposta de Juvenal, o Mais-que-Deus (o apelido provinha da extrema vaidade e prepotência do dito). O que tinha a fazer era simples: postar-se na estrada e à aproximação de alguém, chorar e simular fortes dores pelo corpo. Achou fácil e até engraçado e, lá pelas dez horas, foi pra estrada e fez tudo como o combinado.

O primeiro passante não caiu no conto, nem o segundo e terceiro, mas o quarto, um senhor já, acudiu o menino, levando-o para a margem da estrada. De um salto, Mais-que-Deus fez o serviço. E, no fim da noite, depois de muito se repetir o jogo, foi feito o balanço. Oito contos e trocados, relógios, dois anéis, dois chaveiros, as peças de um caminhão e um morto. Cem Gramas ganhou mil cruzeiros em notas de duzentos. Preferia os anéis e mesmo os chaveiros. Mais-que-Deus não quis saber:

- Fica com isso, isso é que serve. Dá uma nota dessas pro teu velho, uma só. Gasta o resto. Depois vem mais. E só…

Passou os dedos nos lábios impondo segredo. E Cem Gramas obedeceu. Deu uma nota de duzentos para o pai e naquele dia não apanhou. Andou de táxi e teve muita alegria. Perdeu uma das notas e guardou a outra na caixa de engraxate. À noitinha saiu à cata de Mais-que-Deus, procurando serviço.

Fontes:
GUARNIERI, Gianfrancesco. (Organização: Worney Almeida de Souza). Crônicas de 1964. Ed. Xamã, 2008.
Pintura = http://marciobrasil7.blogspot.com/

José Verdasca (A Vida, o Homem e o Universo: ensaios crítico-analíticos)



O Autor procedeu a uma pesquisa cuidadosa, servindo ao leitor as opiniões das várias tendências filosóficas e científicas que pontuaram de luz a sabedoria humana ao longo dos tempos. Uma obra de boa e reta intenção, sem precipitações e principalmente sem conclusões, obviamente impossíveis e indesejáveis num campo de tão delicados conteúdo e contorno.

Ao escolher uma temática desta natureza, ao fazer-nos navegar entre a essência e a existência, das incertezas epistemológicas para as que a escatologia suscita, o autor conseguiu promover o pensamento introspectivo de quem lê, tornando a leitura deste livro num sadio exercício da busca de si próprio e de novas descobertas ou alegrias intelectuais, alargando os horizontes desde o psicológico/individual ao coletivo/sociológico/humanidade. Ao interrogar-se sobre o seu próprio momento entre a origem e o fim, com os escassos instrumentos de complexidade cerebral de que ainda dispõe, o ser humano não deixará certamente de desejar a passagem dum tempo geológico que lhe permita abarcar tudo quanto lhe escapa... Se não vier a destruir a sua própria humanidade.

Pois se é verdade que o Homem aprendeu a dominar a Ciência e a Técnica antes de ter atingido a verdadeira dignidade humana; se é o único ser vivo sobre a Terra capaz de contrariar o terceiro princípio da termodinâmica; se não se capacitar da necessidade fundamental de uma convivência sadia consigo próprio, com os outros e com o ecossistema de que também faz parte - aquilo a que Carl Roger chamou nos anos 60's fenômeno organísmico - nunca a espécie humana viverá o tempo geológico suficiente para compreender as origens e o destino da humanidade que irá destruir, em conjunto com a sua aldeia global, num tempo meramente histórico.

Na contracapa:

Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o Universo e os deuses"
(Inscrição no Templo de Delfos)
Fruto de séria e profunda investigação, serena e intuitiva meditação e objetiva e honesta reflexão, através das quais o autor tentou dissecar os segredos da alma humana, descortinar os domínios secretos da Vida e do Homem e penetrar os mistérios do Universo, esta obra aborda os problemas do Espírito à luz do misticismo de Profetas, Filósofos, Sábios e os até agora ignorados elétrons espirituais, revelados pêlos maiores físicos subatômicos da atualidade, muitos dos quais se vêm identificando com os místicos de antanho, como que a provar o ciclo vicioso que a tudo e a todos acompanha, talvez porque de forma esférica sejam o cérebro humano e o Globo Terrestre, os astros e as estrelas, o átomo e as partículas subatômicas, e, quiçá, o próprio Universo.
Não sendo obra de natureza religiosa e muito menos de opinião, trata-se, isso sim, de um livro de índole reflexiva e expositiva, cujos objetivos primordiais visam informar o(a) leitor(a), e, sobretudo, levá-lo(a) a refletir profundamente sobre os mistérios que ensombram a existência humana, os segredos que rodeiam a Essência ou origem dos Espíritos e os enigmas que à Vida concernem e que aguçam a curiosidade intelectual dos homens superiores, desafiam a intuição humana e agridem as mais lúcidas inteligências, tornando-se fonte de constantes preocupações e indagações ao longo da nossa experiência, enquanto seres espirituais que realmente somos.
Nilton Barbosa Lima (do Parlamento Mundial para Segurança e Paz)

Alguns trechos do prólogo do livro:

com o prólogo (do gr. pro=a favor+logos=exposição, discurso, verbo, texto), temos a intenção de apresentar, esclarecer e explicar o texto, desejando torná-lo mais acessível, claro e compreensível, em especial no que concerne aos assuntos, idéias e conceitos habitualmente considerados complexos e ou de difícil entendimento, pelo que podem bloquear a nossa limitada capacidade de discernir e ou escapar ao campo da nossa inteligência; aos temas metafísicos, que estão acima ou para além da física (Natureza); e, ainda, dos considerados místicos (do gr. Mystikos=misterioso), de natureza especificamente intuitiva, contemplativa e ou meditativa, e que abordam o possível e ou hipotético contato dos humanos com o divino e com os seus mistérios, dogmas e ou enigmas, valendo-se da contemplação e da meditação, através da intuição mística, quando esta busca explicar as "visões" e ou experiências extra-sensoriais e ou da Vida do Espírito.

Ao longo da nossa exposição vamos tentar analisar, clarificar, relatar e definir, primordialmente, os conceitos expressos nos vocábulos título - Vida, Homem, Universo - perfeita trilogia cósmica que guarda semelhança com a Trindade formada pela essência (origem, constituição primeira, atributo fundamental), pela existência (viver de entes e seres), e pela Natureza (physis=conjunto dos seres e do mundo físico), aqui englobadas a natureza do Homem e a natureza da Natureza, bem como os fenômenos físicos e suas causas; acreditamos que os conceitos dos citados vocábulos título apresentam grande analogia com a idéia que a cristandade faz de Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - ou ainda com os seus equivalentes dos antiqüíssimos deuses bramânicos - Brama (o Pai), Maya (a Mãe), e Visnu (o Filho) - que são essência, substância e Vida segundo os Upanishad da doutrina bramânica.

Temos plena consciência de que os assuntos aqui abordados são naturalmente polêmicos, mas gostaríamos de encarecer que não nos move qualquer intenção de polemizar, mas tão somente o desejo de debater para esclarecer, de expor para aprofundar e de comparar para optar, pois os temas são apresentados com o objetivo de despertar a curiosidade e o interesse do leitor, no sentido de tentar desmistificar tabus, de estudar crenças e religiões e de - conhecendo-as melhor - podermos alicerçar nossas convicções em bases e dados mais sólidos, onde a intuição mística seja complementada pelo raciocínio dedutivo, para que, através dele e por meio do silogismo, possamos tentar chegar a conclusões lógicas, portanto inteligentes.

O tema - ou temas - da presente obra é, ou são, talvez, os mais profundos de que poderíamos ocupar-nos, porquanto, desde sempre, a preocupação maior de nossos antepassados foi com as nossas origens, com o significado e interpretação daquilo que chamamos nascimento e morte e com o nosso destino após esta, e em especial com o sofrimento humano, mormente com a ansiedade e ou a angústia que, sem aviso prévio, muitas vezes de nós se apodera: a estas o Papa João Paulo II chamou "sofrimento da alma", exclusivo da nossa espécie ao longo do percurso dos homens na Terra; tal sofrimento tem muito a ver com a especulação dos crentes acerca da chamada vida extra-terrena ou eterna, e muito especialmente com a intranqüilidade ou insegurança provocada pelos primitivos mitos de céu ou paraíso, inferno e purgatório.
(...)
Acerca do título da obra - A Vida, o Homem e o Universo - urge explicar que se trata de três vocábulos de conceitos convergentes, porquanto a Vida inclui todas as vidas (em todo o Universo), quando o Homem engloba todos os homens (passados, presentes e futuros), ou seja a Humanidade, com o Universo abarcando o todo material e espiritual que são as vidas da Vida, que dele procedem para encarnar nos homens, e à Natureza retornam após a desencarnação; deste modo, estamos em presença de uma Trilogia interdependente e ou complementar, quando as três partes compõem o todo, quando o Microcosmos se aglomera e ou aglutina para formar o Macrocosmos, ou seja, quando as partículas elementares se vão juntando para a incorporação, perfeita, contínua e permanente evolução renovadora dos seres, cuja aparente matéria será fruto da atuação conjunta das quatro forças universais conhecidas: forças nuclear forte, nuclear fraca, eletromagnética, e gravítica.

Relativamente ao Universo, impõe-se-nos que o tentemos enxergar como incomensurável - como supomos que realmente é - composto de sistemas "provavelmente formados ou criados à imagem e semelhança do Sistema Solar", gigante sideral por sua vez também "desenhado" segundo o modelo do átomo, cujo núcleo equivaleria ao Sol, e cujos elétrons corresponderiam aos satélites, pois, como estes, giram em torno do núcleo, quando tudo e todos seriam compostos por matéria altamente concentrada, quem sabe talvez apenas energia que ainda confundimos com matéria. Neste nosso Universo - que continua praticamente desconhecido, "comandado" pelas citadas "grandes forças'' a que pensamos dever a sua harmonia, o seu equilíbrio, o seu funcionamento, talvez mesmo a sua existência - nada acontece por acaso, pois todos os fenômenos ditos naturais têm suas causas específicas, mesmo que por nós ignoradas; e se avançarmos em hipóteses e elucubrações, raciocínios e explicações, teses e conclusões, decerto acabaremos valendo-nos da nossa intuição mística que nos guiará no caminho já seguido pelos grandes místicos, fundadores de velhas religiões e ou de sérias teorias filosófico-morais.

É, pois, de tais seres e temas, conceitos e problemas, idéias e sistemas que vamos tratar, com seriedade mas com muita humildade; com determinação mas com profundo respeito; com objetividade mas sem qualquer tipo de preconceito; e, finalmente, com a melhor das intenções e com a mais rigorosa honestidade intelectual, apesar de sabermos - como muito bem sabemos - que a inteligência humana tem seus limites, que o domínio da língua é precário e que a linguagem escrita se presta a mal entendidos, incompreensões, distorções, erros e mesmo a contradições, falhas que aqui decerto existem, já agora assumimos e pelas quais definitiva e pessoalmente nos responsabilizamos; no que respeita às nossas limitações - por demais evidentes a quem tiver a bondade de ler o presente trabalho - delas temos uma rigorosa noção e para elas solicitamos generosa compreensão. É pois com sincera humildade, mas com muita esperança, que passamos a desenvolver os temas que nos propusemos, certos de que - em maior ou menor grau, e em circunstâncias favoráveis - alguma utilidade, proveito ou benefício poderão os nossos leitores obter deste trabalho.
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Fontes:
- VERDASCA, José. A vida, o homem e o universo: ensaios crítico-analíticos. São Paulo: Scortecci, 2006. (contracapa e pp.25-27, 33,34).

José Verdasca (1936)

José Verdasca (em pé) ao lado do presidente do Gabinete
de Leitura Sorocabano, Cel. Verlangieri.= (sentado).
José Verdasca nasceu em Gondemaria, Ourém (Fátima), Portugal, em 1936. Após o curso dos liceus efetuado no Colégio Fernão Lopes de Ourém, e no Liceu de Camões, em Lisboa, licenciou-se em ciências militares na Academia Militar de Lisboa, onde, no livro de curso, se iniciou na poesia. Prestou duas comissões de serviço nas antigas colônias portuguesas da África, a primeira como alferes em Cabo Verde e a segunda como capitão em Moçambique, onde enfrentou a guerrilha comandando várias unidades de combate. Freqüentou o curso de língua e cultura francesas na Alliance Française.

Emigrou para o Brasil em 1967, onde se dedicou ao comércio e indústria de madeiras, à pecuária e à construção civil. Licenciado e pós-graduado em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie, há duas décadas vem se dedicando à pesquisa histórica, tendo publicado as seguintes obras: "A Casa de Portugal e a Comunidade", "A Língua de Camões - Do Homo Sapiens à Língua Portuguesa", "Raízes da Nação Brasileira - Os Portugueses no Brasil" e "Memórias de um Capitão", esta editada e lançada em Portugal. Organizou, coordenou, comentou e prefaciou "Sermões Escolhidos" do Padre Antônio Vieira para a Editora Martin Claret.

É sócio titular da Academia Paulistana da História, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Academia Cristã de Letras, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Ordem Nacional dos Bandeirantes e da Ordem Nacional dos Escritores, de que é o atual Presidente da Diretoria. Tem textos publicados nas revistas Ceru (Usp), Unicamp e em outras publicações brasileiras e estrangeiras. Profere palestras e conferências em universidades e instituições culturais no Brasil e no exterior. É Diretor de Relações Exteriores da Universidade Europan e membro do Parlamento Mundial para Segurança e Paz.

Foi distinguido com as seguintes honrarias e distinções: Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes; diploma de Honra ao Mérito da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo; diploma dos 500 anos do Brasil outorgado pela Secretaria de Estado da Cultura, Academia Paulista de Letras e Instituto Genealógico Brasileiro; Ordem Católica de São Miguel Arcanjo, no grau de cavaleiro-comendador, além de algumas dezenas de diplomas, medalhas e outras distinções.

Casado no Brasil, é pai de um casal de fihos e avô de três netas.

Fonte:
VERDASCA, José. A vida, o homem e o universo. São Paulo: Scortecci, 2006. (orelhas do livro)