terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Victor Hugo (Catarata de Poesias)


ONTEM A NOITE

Ontem — sozinhos — eu e tu, sentados,
Nos contemplamos quando a noite veio:
Queixosa e mansa a viração dos prados
Beijava o rosto e te afagava o seio,
Que palpitava como ao longe o mar...
E lá no céu esses rubis pregados
Brilhavam menos que teu vivo olhar!

Co´a mão nas minhas, no silêncio augusto,
Tu me falavas sem mentido susto,
E nunca a virgem que a paixão revela,
Passou-me em sonhos tão formosa assim!
Vendo essa noite pura, e a ti tão bela,
Eu disse aos astros: — dai o céu a ela!
Disse a teus olhos: — dai amor p´ra mim!
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HOMEM & MULHER

O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono;
Para a mulher um altar.
O trono exalta; o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher o coração, o amor.
A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o gênio; a mulher o anjo.
O gênio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória;
A aspiração da mulher, a virtude extrema.
A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.
A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; os martírios sublimam.
O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;
Ante o sacrário ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem um fanal; a consciência;
A mulher tem uma estrela : a esperança.
O fanal guia, a esperança salva.
Enfim ...
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu...

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A FONTE

Da espalda de um rochedo, gota a gota
límpida fonte sobre o mar caia,
Mas, ao vê-la tombar em seu regaço:
" O que queres de mim?" O mar dizia.
"Eu sou da tempestade o antro escuro;
"Onde termina o céu aí começo;
"Eu que nos braços toda a terra espreito,
"De ti, tão pobre e vil, de ti careço?...
No tom saudoso do quebrar das águas
Ao mar, serena, a fonte assim murmura:
"A ti, que és grande e forte, a pobre fonte
Vem dar-te o que não tens, dar-te a doçura!"
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O SEPULCRO E A ROSA

O sepulcro diz à rosa
Que fazes tu flor mimosa
Do orvalho da alva manhã?
Diz a rosa à sepultura:
Que fazes feia negrura
de tanta forma louça?
Negra tumba, segue a rosa
Eu, dessa água preciosa
Faço aroma que é só meu.
Diz-lhe a tumba com afago
De cada corpo que trago
Ressurge um anjo no céu.
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APARIÇÃO

Eu vi um anjo branco que passou sob minha cabeça;
Seu vôo brilhante aliviou a tempestade,
E não disse nada sobre o mar cheio de ruídos longínquos.
- Que você vem fazer, anjo, nesta noite?
Diga me. - Ele respondeu: - Eu venho levar sua alma
- E eu tive medo, porque eu vivo para uma mulher;
E eu contei isto, tremi e lhe ofereci meus braços:
- Isso ficara para mim ? porque você partirá .
- Ele não respondeu; o céu que as trevas sitia
Morrerei ... - Se você levar minha alma, eu exclamei,
Aonde você a levará ? Mostre-me em que lugar
- Ele estava sempre quieto. - Oh passageiro do céu azul,
Você é a morte? Diga me isto , ou você é vida?
- E a noite aumentou em minha alma encantada,
E o anjo ficou negro , e disse : - Eu sou o amor.
Mas sua fronte escura era mais encantadora que o dia,
E eu vi, aonde a sombra brilhava seu discípulo,
Estrelas como penas de suas asas.
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AS CONTEMPLAÇÕES

VEM ! - Uma flauta invisível

Vem ! - Uma flauta invisível
Suspire perto dos vergéis
- A canção mais tranqüila
É a canção de pastores.
O vento sopra, debaixo dos galhos ,
O espelho escuro das águas.
- A canção mais feliz
É a canção de pássaros.
Aquele cuidar atento não te atormenta.
Nos amamos ! amamos sempre!
- A canção mais encantadora
É a canção de amores.
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OS CANTOS DO CREPÚSCULO

Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio ,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar , desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida ,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos :
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade !
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuis em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuis esquecimento!
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" O AMOR "

Pois que a beber me deste em taça transbordante,
e a fronte no teu colo eu tenho reclinado,
e respirei da tu'alma o hábito inebriante,
- Misterioso perfume à sombra derramado;

visto que te escutei tanto segredo, tanto!
Que vem do coração, dos íntimos refolhos,
e tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,
- A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos;

pois que um raio senti do teu astro, querida,
dissipar-me da fronte as densas brumas frias,
desde que vi cair na onda da minha vida
a pétala de rosa arrancada aos teus dias...

Possa agora dizer ao tempo em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
levando na torrente as vossas murchas flores;
ninguém há de colher a flor que eu tenha n'alma!

Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,
a taça derramar em que me dessedento:
Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;
e, em mim, há mais amor que em vós esquecimento!
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PALAVRAS SOBRE A DUNA

Agora que meu tempo encurta como um facho,
Que meus labores terminei,
Agora, quase assim do sepulcro debaixo,
Pelo que vivi e o que chorei.
Quando, ao fundo do céu pelo meu vôo sonhado
Vejo fugir na escuridão
Tal como um vendaval arrastando o passado,
As horas boas de então
Agora, que já digo, - um dia o sol inunda,
Mas amanhã chega a descrença!
Sinto-me triste e vou junto a água profunda,
Curvado como alguém que pensa.
Olho, para além do monte e do vale, na extensão,
E dos mares que atiram espumas
Erguer vôo e fugir do abutre aquilão
Toda a cabeleira das nuvens;
Ouço, o vento no ar, o mar sobre o recife,
Homens, na seara madura,
E escuto, ao confrontar na mente pensativa,
O que fala e o que murmura,
E às vezes, sobre a duna, eu fico meditando
Por entre a erva rala e nua,
Até a hora em que vejo aparecerem sonhando
Os olhos sinistros da lua
Ela ascende e projeta um longo raio dormente
Do abismo, no insondável poço;
E olharmo-nos então, nós os dois, fixamente,
Ela que brilha e eu que sofro.
Onde iriam assim meus dias dissipados?
Sabe alguém quem eu sou?
Tenho ainda o clarão, nos olhos deslumbrados,
Da juventude que passou?
Então tudo se foi? Estou cansado e sozinho,
Clamo, sem que ninguém responda;
Vento e vagas! Dizei serei brisa, ai de mim!
Serei um espectro e és uma tumba?
Tudo esgotei, amor, vida, alegria, esperança?
Espero, desejo, suplico,
Minhas urnas inclino, a ver se alguma lança
Um derradeiro salpico.
Como a saudade é pois vizinha do remorso!
Como o chorar tudo nos clama!
E como tu és fria, em te tocando, ó morte,
Negro ferrolho da porta humana!
E medito, ao sentir o amargo vento uivar,
E a onda enorme que se arqueia,
O verão sorri, e pode ver-se a beira mar
Florir o cardo azul da areia.
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MÃE E FILHO

Mãe ! A teu filho muitas vezes dissestes
Que o céu tem anjos e o há
Só alegrias no viver celeste
E que é melhor viver por lá;
Que é um zimbório de pilastras belas,
Tenda de ricas cores;
Jardim de anil e lúcido de estrelas
Que se abrem como flores;
Que é o mundo dos seres invisíveis
Do qual Deus é o autor,
De místico azul, de inexauríveis
Gozos, do eterno amor;
Que é doce lá, num êxtase que encanta,
Sentir que a alma se abrasa,
E viver com Jesus e a Virgem Santa
Numa tão linda casa...
Mas nunca lhe disseste, inconsolável
Mãe, chorosa mulher,
Que ele, o pequeno, te era indispensável,
Que ele te era necessário;
Que pelos filhos, quando são pequenos,
Muito as mães se consomem,
Mas que a mãe com seu filho conta ao menos
Quando for velha, e ele homem.
Nunca disseste que no escuro trilho
Da vida, Deus, que é pai
Quer que o filho a mãe guie, e a mãe ao filho,
Pois um sem o outro cai...
Nunca disseste! e agora, morto, apertar
Nos braços teu filhinho!
Deixaste as portas da gaiola aberta,
Voou o passarinho...
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Victor Hugo (1802 - 1885)


Victor Marie Hugo nasce a 26 de Fevereiro de 1802, em Besançon, terceiro filho do general napoleonico Léopoldo Hugo e de Sophie Trébuchet.

Em 1811, a família reencontra-se com o seu pai em Madrid onde vive durante um ano. Victor faz os seus primeiros estudos, como interno, no Seminário de Los Nobles, na companhia do seu irmão Eugène.

Em 1812, os dois regressam a França ao mesmo tempo que os seus pais se separam.

Em 1815, Eugène e Victor vão viver com a sua mãe no bairro parisiense Val de Grâce.

. Muito jovem, ainda, compôs numerosos poemas. Aos quinze anos recebeu um prêmio em um concurso de poesia da Academia Francesa. A partir desse momento resolveu dedicar-se à carreira literária: "serei um Chateaubrian ou não serei nada ". Apaixonado, generoso e dotado de uma extraordinária capacidade de trabalho, Hugo escreveu uma obra colossal e variada.

Em 1819 fica noivo de Adèle Foucher, uma amiga de infância, apesar dos ciúmes do seu irmão Eugène e contra os conselhos da sua mãe.

Em 1820 publica a novela "Bug-Jargal" ao mesmo tempo que recebe uma pensão de dois mil francos do rei Luís XVIII pela sua Ode sobre a Morte do Duque de Berry

En1821, Sophie Hugo, a mãe do romancista, falece a 27 de Junho. A 20 de Julho o seu pai volta a casar-se cm Catherine Thomas.

Em 1822 As suas primeiras "Odes" vêm a lume no ano em que casa com Adèle Foucher, integrando-se ao romantismo e em breve se transformou no porta-voz desse movimento.

Em 1823, escreve "Hans de Islandia".

Em 1825 é nomeado Cavaleiro da Legião de Honra ao mesmo tempo que se torna líder de um grupo de jovens escritores criando o Cenáculo.

Em 1826 nasce o seu segundo filho, Charles. O prefácio do seu drama "Cromwell" é considerado o manifesto do Romantismo contra o Classicismo.

Em1828 morre o seu pai. A 24 de Outubro nasce François-Victor.

Em 1929 em agosto, a sua peça "Marion de Lorme" é censurada.

Em 1830 nasce a sua filha Adèle.

Nos seus escritos reserva lugar preponderante aos estados de alma. Demonstra uma forte tendência ao estranho, ao maravilhoso, ao exótico e ao pitoresco. Neste ano estréia Hernani obra teatral que representa o fim do classicismo, e desencadeia uma polêmica apaixonada.Essa obra expressa novas aspirações da juventude. para Hugo começa então um período de fecundidade. Rival de Lamartine, deseja se afirmar como o único e maior poeta lírico da França.

Em 1831 consegue a sua consagração graças à publicação de "Notre-Dame de Paris", o seu primeiro romance histórico. A sua mulher inicia uma relação com o célebre crítico Sainte-Beuve.

Em 1832 publica a peça teatral "O Rei se diverte".

Em 1833 estréia dos dramas "Lucrécia" e "Maria Tudor". Hugo e a atriz protagonista destas peças, Juliette Drouet, começam uma relação amorosa.

Em1834 edita "Littérature et Philosophie Mêlées", em homenagem ao descobridor da América e a novela "Claude Gueux". Um ano mais tarde é a vez de "Cantos do Crepúsculo".

A partir de 1835, empreende várias viagens pela Europa. Ao mesmo tempo escreve ainda numerosas obras de teatro.

Sua glória de poeta é finamente consagrada em 1841, com a sua eleição para a Academia Francesa. No mesmo ano Luís Felipe o nomeia par de França. A essa altura, Victor Hugo é um homem bem sucedido, leva uma vida burguesa e dedica-se muito pouco a toda criação verdadeiramente nova.

Em 1837 é nomeado Oficial da Legião de Honra.

Em 1840, "O Retorno do Imperador" é editado.

Em 1841 depois de quatro tentativas, ingressa na Academia Francesa no mesmo ano em que sai a lume o seu livro de viagens "O Reno".

Em 1843 a sua filha Léopoldine casa-se em fevereiro. Em setembro, o casal morre afogado no Sena. Victor Hugo estará três anos sem escrever.

Em 1845 começa a esboçar "Os Miseráveis" que começou por chamar-se "As Misérias".

Mas ao ser deflagrada a revolução se 1848, se entusiasma com os valores revolucionários das camadas miseráveis e rompe-se com o partido da situação. Torna-se deputado, e se destaca por sua eloquência e por sua radical oposição a Luís Napoleão Bonaparte.

Em 1849 a 13 de maio é eleito deputado conservador na Assembleia Legislativa. Em agosto preside ao Congresso Internacional da Paz.

Em 1851 Declara-se inimigo acérrimo de Luis Bonaparte acusando-o de tirano. Os seus filhos são presos. Depois de organizar a resistência ao golpe de Estado, sai de Paris. Bonaparte assina o decreto de expulsão de Hugo que responde com o manifesto "Pequeno Napoleão".

Refugiado em Guernesey, Hugo redige ferozes panfletos contra o regime imperial. Mas também escreve grandes "painéis" novelescos e poéticos, em particular A Lenda dos Séculos (1859-1883). Esta obra épica evoca a história do mundo e mistura constantemente a lenda com a realidade. Para ele, o mundo é o terreno onde se defrontam os mitos, o bem e o mal, a bondade e a crueldade.

Do mesmo modo, escreve alguns romances,entre eles Os Miseráveis ( 1862). Quando explode a guerra de 1870 e o Império se desmorona, Hugo regressa à França: é um símbolo da resistência republicana. Sua atividade literária se reduz então consideravelmente.

Em 1871 é eleito deputado, como cabeça de lista dos republicanos por Paris. Morre o seu filho Charles e dois anos depois François.

Em1876 é eleito senador por Paris.

Em 1878 sofre uma congestão cerebral.

Em 1881 milhares de pessoas enchem as ruas de Paris por ocasião do seu 80º aniversário.

Em 1883 morre Juliette Drouet e em junho é publicado o último volume de "Lendas dos Séculos".

Em 1885, a 13 de Maio sofre uma congestão pulmonar e morre oito dias depois. O Governo decreta luto nacional. O corpo é sepultado no Panteon dos Homens Ilustres. A república lhe presta homenagens fúnebres nacionais. Com ele desaparece um dos grandes gênios da língua francesa. Victor Hugo despertou imenso entusiasmo e fervor popular e deixou sua marca na literatura de todo o século XIX, e ainda em boa parte do século XX.
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Suas obras e suas datas

1822 Odes e Vários Poemas. Poesia ainda prematura.
1823 "Hans de Islândia". Romance histórico, Hugo está apenas começando.
1826 "Bug-Jargal". Uma novela esquecida sobre uma revolta escrava em Santo Domingo. Hugo escreveu a primeira edição quando ele tinha 16 anos.
1827 Cromwell. Esta poesia é muito longa para o palco. Seu prefácio, entretanto, fez Victor Hugo famoso. Nele, ele debate por um renascimento romântico do drama.
1829 "Marion de Lorme". Censores ultrajados baniram este drama chocante. O personagem principal é uma mulher "livre". O papel do Rei Louis XIII é rude e ofensivo.
O último dia de um condenado à morte. Uma novela contra a pena de morte. Primeiro romance maduro de Victor Hugo.
1829 Poemas Orientais. Ecos da era de temas românticos populares.
1830 Hernani. A instituição literária é escandalizada por este descarado romantismo da obra. Na noite de abertura o público se dividiu entre fãs ardentes e violentos detratores. Brigas apareceram inesperadas. Mas quando a poeira abaixou, a idéia romântica de Hugo dominou o teatro francês.
1831 O Corcunda de Notre Dame (Notre Dame de Paris). A arte da novela nunca mais foi a mesma depois arrojado esforço. O livro resulta na restauração da catedral de Notre Dame de Paris.
1832 "O Rei se Diverte". Uma obra sobre o efeminando Rei Francis I e seu nobre bobo da corte. Banido pelas autoridades. Guiseppe Verdi usou a trama para sua ópera, RIGOLETTO.
1833 Lucrácia Borgia e Maria Tudor. Hugo escreveu esses dois dramas para a atriz Juliette Drouet.
1834 "Literature and Philosophy Mingled". Ensaios.
1834 Claude Gueux. Outra novela denunciando a pena de morte
1835 "Canções na Alvorada". Poesia política. Cada vez mais, Hugo envolve-se em disputas partidárias.
1835 Angelo. Um drama de paixão e vingança no século XVI
1837 Vozes Interiores. Vívido verso.
1838 Ruy Blas. Uma obra sobre uma princesa amada por um pobre poeta. Quase um apelo por reforma política.
1840 Raios de Sol e Trevas. Ambiciosa poesia sobre religião, problemas sociais, políticos e filosóficos.
1842 "O Reno". Um livro de viagem.
1843 "The Burgraves". Um melodrama que se passa na Alemanha medieval. Fracassou.
1848 "O Evento". Um jornal iniciado por Hugo para melhorar suas perspectivas políticas. Em três anos, ele é forçado para o exílio.
1852 Napoleon o Pequeno. Comparação sátira entre Napoleon III e Napoleon I.
1853 Punições. Sátira política em forma poética. Aqui, Hugo completamente abandona padrões clássicos e descobre uma voz poética mais livre.
1856 Contemplações. Comovente poesia inspirada na morte da filha de Hugo, Leopoldine.
1859 A Lenda dos Séculos. Em verso, Hugo desenvolve uma complexa visão de um universo moldado pela imperfeição do homem. Ele vai lutar com este tema durante todo o resto de sua vida.
1862 Os Miseráveis. Um ótimo sucesso internacional. Um romance descomunal, elaborado como uma história de detetive, com memoráveis descrições da vida em Paris. Finalmente, é uma obra que detalha a busca do homem pela verdadeira justiça.
1864 William Shakespeare. Uma comemoração da poética imaginação e do gênio humano
1865 Songs of Lane and Wood. Poesia lírica, leve e pastoral.
1866 Os Trabalhadores do Mar. Um romance dedicado aos marinheiros de Guernsey, a ilha onde Hugo sofre seus 19 anos de exílio da França.
1869 O Homem que Sorri. Um romance anti-feudalismo ambientado na Inglaterra do século 17. A face deformada do herói é um permanente sorriso.
1872 O Ano Terrível. Um relato do cerco a Paris e da ascensão da Comuna durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870.
1873 "1793." Um romance sobre a Revolução Francesa.
1875 Antes do Exílio e Depois do Exílio. Coleção dos ensaios e discursos políticos de Hugo.
1876 Desde o Exílio. Mais material político.
1877 A Arte de Ser um Avô. Versos leves inspirados nos netos Georges e Jeanne.
1877 A Lenda dos Séculos - Segunda Série. Mais poesia fantasmagórica explorando os segredos da criação.
1877 História de um Crime. Escrito no exílio, este reconta o golpe que colocou Napoleão III no trono da França.
1879 A Suprema Misericórdia. Um longo poema demonstrando que um criminoso merece piedade pois sua primeira vítima é si mesmo.
1880 O asno. Um idiota narra este poema sobre o pensamento humano.
1880 Religião e Religiões. Um ataque poético sobre o materialismo e seitas estabelecidas.
1881 Os Quatro Ventos do Espírito. Poesia dramática, épica, lírica e satírica.
1882 Torquemada. Uma severa peça sobre o inquisidor geral da Espanha.
1883 A Lenda dos Séculos. Novamente Hugo usa versos para meditar sobre a humanidade e metafísica.
1886 O Fim de Satanás. Um poema do céu e da terra, da luz e da sombra.
1886 Peças Livres. Obra dramática de 1854 em diante.
1888 A Lira Toda, parte um. Mais poesia.
1891 Deus. Outro poema teológico. hugo resume sua própria religião em uma palavra-- Amor.
1893 A Lira Toda, parte dois. Ainda mais poesia.
1898 Os Anos Fatais. Política poética.
1902 Os ùltimos Respingos. Fragmentos de poesias juntadas pelo testamenteiro literário de Hugo.
1942 Oceano e Pilhas de Pedras. Fragmentos colhidos de todos os estágios da carreira de Hugo.

Fontes:
http://victorhugo200anos.vilabol.uol.com.br/victor_hugo.htm
http://pt.wikipedia.org

Victor Hugo (Os Miseráveis - O Corcunda de Notre Dame)



Os Miseráveis
Um fato histórico...

Durante 73 dias, a cidade sitiada, dominada pela Comuna mobilizada para a guerra, enfrentou o exército. Brigadas de operários e suas mulheres, as petroleuses, numa resistência desesperada, deslocavam-se pelas avenidas e ruas incendiando os prédios públicos. Num repente, os miseráveis que Victor Hugo imortalizara no seu gigantesco romance (Les misèrables, 3 volumes com 2.800 páginas, que, desde 1862, vendera sete milhões de exemplares!), rebelados, tentavam "tomar o céu de assalto". Milhares de Jeans Valjeans, na companhia das Fantines e das pequenas Cosettes, assistidas pelo moleque Gavroche, um minúsculo herói das barricadas - personagens da grande epopéia literária do proletariado francês -, haviam ocupado as ruas de Paris preparando-se para o embate final. O poeta, ainda na Bélgica, impotente, deprimiu-se. Logo ele que tanto apostara nos Estados Unidos da Europa. Não só alemães lutaram contra franceses, como esses, agora, brigavam entre si.

Glória imorredoura

Por essas e outras é que 700 mil pessoas desfilaram em frente a sua residência na avenida Eylau (hoje Victor Hugo) ao ele completar 80 anos, em 26 de fevereiro de 1881. Nem Napoleão vira tanto povo assim do seu palanque. A sua casa tornou-se local de romaria de gente do mundo inteiro. Até um poema sobre o Brasil ele compôs para o imperador D. Pedro II. Nada em matéria de multidão equiparou-se ao seu enterro quando, no dia 31 de maio de 1885 (ele falecera no dia 22), partindo do Arco do Triunfo onde seu modesto ataúde estava exposto, um milhão de franceses se irmanaram pelos Campos Elísios para levar o féretro de Père Hugo até o Panteão. Nos seus 70 anos de atividade ele fizera de tudo: foi par da França, membro da Academia de Letras, deputado, exilado político, militante anti-bonapartista, integrante do senado e o escritor mais famoso e mais popular das letras francesas em todos os tempos. Além de célebre defensor da abolição da pena capital e emérito ativista das causas populares. Dizem que no delírio que antecedeu a morte, ele gritou "esta é a luta entre o dia e a noite". Pode ter sido a chegada da noite para ele, mas para a França, que agora celebra o bicentenário do nascimento do seu maior poeta, ocorrido em Besançon em 26 de fevereiro de 1802, Victor Hugo vai ser sempre a luz do dia.

O clássico Os miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, foi chamado de "um dos maiores best-sellers de todos os tempos". Em 1862, nas 24 horas seguintes à publicação da primeira edição de Paris, as 7 mil cópias foram todas vendidas. O livro foi publicado simultaneamente em Bruxelas, Budapeste, Leipzig (na Alemanha), Madri, Rio de Janeiro, Rotterdam e Varsóvia. Depois, a obra foi traduzida para quase todas as línguas do mundo. No século XX, Os miseráveis se tornou filme e musical da Broadway.

Trecho da obra de Victor Hugo:
(...)
Jean Valjean achava-se pois no esgoto de Paris.
Outra semelhança de Paris com o mar. Como no oceano, o mergulhador pode nele desaparecer.
A transição era inaudita. Jean Valjean saíra da cidade mesmo no meio dela e, num abrir e fechar de olhos, no tempo de levantar e abaixar uma tampa, passara da luz do dia para a completa escuridão, do meio-dia para a meia-noite, do tumulto para o silêncio, do turbilhão dos trovões para a estagnação do túmulo; e, por uma peripécia muito mais prodigiosa ainda do que a da rua de Polonceau, do extremo perigo para a segurança absoluta.
Permaneceu alguns segundos como atordoado, estupefato. A bondade celeste tinha-o, de certo modo, surpreendido por traição. Adoráveis emboscadas da Providência!
Mas o ferido não fazia o mínimo movimento, e Jean Valjean não sabia se o que então levava às costas era Mário ou um cadáver.
A sua primeira sensação foi a cegueira. Repentinamente, deixou de ver. Pareceu-lhe que num minuto ensurdecera. Não ouvir já coisa alguma. A frenética e homicida tempestade que se desencadeava alguns metros acima dele não lhe chegava, como já dissemos, ao ouvido, senão muito confusamente, e como um rumor saído de uma profundidade graças à espessura de terra que o separava dela. Adiantou com precaução um pé, temendo que se lhe deparasse um buraco, desaguadouro ou um abismo; e convenceu-se de que o lajedo se prolongava.
Contudo, podia-se penetrar naquela muralha de nevoeiro, e forçoso era fazê-lo. Jean Valjean lembrou-se de que a grade, descoberta por ele debaixo das pedras, podia-o ser também pelos soldados e que tudo dependia de um tal acaso. Podiam também descer ao cano e revistá-lo. Não havia um minuto a perder. Depusera Mário no chão, tornou a pô-lo às costas e meteu-se ao caminho. Entrou resolutamente naquela escuridão.
(...)
G G G G G G G G G G G G G
O Corcunda de Notre-Dame
(Notre-Dame de Paris)

Victor Hugo tinha a reputação principalmente como poeta, mas a fama bem maior lhe veio com a publicação do romance Notre-Dame de Paris, também intitulado O Corcunda de Notre-Dame em diversas traduções. O Misterioso tema do livro tocava profundamente os leitores, em particular dura crítica de uma sociedade que, nas pessoas de Frollo, o arcebispo, e de Phoebus, o soldado, condenava à infelicidade o corcunda Quasímodo e a cigana Esmeralda. Enquanto este romance estava sendo escrito, Luís Felipe , um rei constitucional , havia sido elevado ao poder pelos estudantes e pela burguesia liberal, nos três dias da chamada Revolução de Julho (1830). Hugo compôs um poema em honra ao acontecimento, que seria precursor de muita poesia política. O autor não se contentava, com os seus versos, em exprimir emoções pessoais : pretendia ser o "eco sonoro" do seu tempo, e assim, desempenhar a verdadeira função do poeta, tal como a entendia. Problemas filosóficos e políticos se misturavam à inquietação religiosa e social do período. Um poema tratava da miséria dos trabalhadores, outro proclamava a eficiência das orações .

Algumas versões da obra de Victor Hugo já são bem conhecidas, filmes ou desenhos com adaptações diferenciadas já foram produzidos, para alguns casos, como a Disney por exemplo, o enfoque principal cai sobre a personagem Quasímodo. Na França, um grande musical vem sendo encenado sob o título de Notre Dame de Paris, que é também o título original da obra, que, quando da tradução para português, recebeu o nome de "O CORCUNDA DE NOTRE DAME", daí talvez algumas leituras caiam sobre esta personagem

Notre-Dame é um livro com o porte de um monumento. Como a igreja que o inspira, é uma obra de transição, exibindo a majestade de um clássico e a decadência do folhetim. Suas personagens expressam a diversidade e se identificam com cada um dos elementos da sua estrutura múltipla e complexa: o padre santo e sábio transformado em vilão ao longo da narrativa e que abriga e alimenta, sem saber, a figura que sintetiza sua própria decadência; o poeta dividido entre a cultura vazia do poder e a presença viva do povo nas ruas; a dançarina que encarna a beleza e a graça do movimento em confronto com uma espiritualidade rígida fundada no medo. Assim, a trama que enreda o leitor revela a solidez acumulada pela História em queda livre para o abismo.

Em oposição a esta imagem do escritor no século 19 - que Victor Hugo denuncia ambientado no século 15 - um livro feito de pedra como Notre-Dame de Paris instaura uma postura intelectual sólida. A obra literária opõe-se à decadência, resgatando a grandeza perdida da arte. Em Gringoire, as palavras são como a caiação deformando antigos monumentos. Em Victor Hugo, elas funcionam como uma orquestra e assumem a força de uma tempestade.
(crítica de Nei Duclós em artigo "Um livro feito de pedra")
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Sobre Nei Duclós
Nei Carvalho Duclós (Uruguaiana, 29 de outubro de 1948) é jornalista, poeta e escritor brasileiro. Tem quatro livros lançados e inúmeros textos publicados na imprensa brasileira.
Aos 17 anos se mudou para Porto Alegre e se matriculou no curso de engenharia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o qual abandonaria logo depois em favor da faculdade de Jornalismo. Envolveu-se no movimento estudantil brasileiro após o golpe militar de 1964. Trabalhou no jornal gaúcho Folha da Manhã e publicou seu primeiro livro, Outubro, em 1975. Mudou-se para São Paulo, onde desenvolveu longa carreira como jornalista, tendo trabalhado no jornal Folha de S. Paulo, revistas Brasil 21, Senhor, e IstoÉ. Publicou textos também em O Estado de S. Paulo, Veja e Jornal do Brasil. Publicou Outubro e No Meio da Rua, ambos pela editora LP&M, em 1980, e No Mar, Veremos, pela editora Globo, em 2001, todos de poesia. Em 2004 publicou seu primeiro romance, Universo Baldio, pela W11 Editores. É bacharel em História pela Universidade de São Paulo. Trabalha na revista Empreendedor e publica coluna no Diário Catarinense.
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Fontes:

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Edgar Allan Poe (A Máscara da Morte Escarlate)



A "Morte Escarlate" havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua marca a cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora.

Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a a muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos. Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a "Morte Escarlate".

Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os mil amigos com um magnífico baile de máscaras.

Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou descrever onde ela aconteceu. Eram sete ? um suíte imperial. Em muitos palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem nas paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente, como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica dava para um corredor fechado que acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo, era azul ? e de um azul intenso eram suas janelas. No segundo salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verdes também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com cor alaranjada ? o quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à das decorações. As vidraças, ali, eram escarlates ? Uma violenta cor de sangue.

Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto. Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da seqüência de salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.

Era também nesse apartamento que se achava, encostado à parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado, monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas em tom tão enfático e peculiar que, ao final de cada hora, os músicos da orquestra se viam obrigados a interromper momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio, observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e serenos passavam a mão pela teste, como se estivessem num confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o relógio dava novamente as horas, acontecia a mesma perturbação e idênticos tremores e gestos de meditação de antes.

Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! Os gostos do duque eram estranhos. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e veementes, e suas idéias brilhavam com um esplendor bárbaro. Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencer-se disso.

Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas. Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia? Muito daquilo que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de terrível e um tanto daquilo que poderia despertar repulsa. De um ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade, uma multidão de sonhos. E eles? Os sonhos ? Giravam sem parar, assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das batidas extinguem-se ? Duraram apenas um instante? E risos levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios luminosos dos tripés. Ao salão que fica a mais oeste de todos os sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às alegrias nos salões mais afastados.

Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou, como contei, as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo ficou intranqüilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava a reprovação e surpresa ? e, finalmente, terror, horror e repulsa.

Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal sensação. Na verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo, existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade, todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era alta e esquálida, envolta dos pés a cabeça em veste mortuárias. A máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue? e sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o horror escarlate.

Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu semblante tornou-se vermelho de raiva.

- Quem ousa... ? perguntou com voz rouca aos convivas que estavam perto ? quem ousa nos insultar com essa caçoada blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer!

O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com um sinal de sua mão.

O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele momento, estava bem ao alcance das mãos, e agora, com passos decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas por causa de certo temor sem nome, que a louca arrogância do mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que, desimpedido, passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio, passando do salão azul para o púrpura ? do púrpura para o verde ? do verde para o alaranjado ? e desse ainda para o branco ? e daí para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo para detê-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a extremidade do salão de veludo, virou-se subitamente e enfrentou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo ? e o punhal caiu cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte, tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável.

E então reconheceu-se a presença da Morte Escarlate. Viera como um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.

Fontes:
POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. SP: Nova Cultural, 1993.
Imagem = http://vulcanus.multiply.com/

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Antonio Augusto de Assis (A enchente)



Silvedora e Sezefredo se encontraram, se gostaram, se casaram, se enlearam num xodó de fazer medo.

Medo de os outros botarem mau olhado e o amor gorar, se reverter, se atrapalhar, desmastrear e súbito acabar. Mas não gorava não. Quanto mais passava o tempo, mais calor no assanhamento, mais amor no coração. Na primavera e no verão, também no outono e mais até no inverno, era aquele achegamento com juras de amor eterno.

Era de noite, de tarde, de manhã, de madrugada, toda hora para eles era hora de agarra-agarra, interminável saborosa farra, beijo no queixo, cosquinha no atrás-da-orelha, amor sem-pausa estava ali.

Só quando ele ia para o eito é que os dois se desjuntavam. Morantes num pé de serra, ia ele todo dia para o roçado, vol­tava embalado na hora do almoço e no fim da tarde, guloso dos carinhos dela, mais até que das gulodices da panela.

E a bóia era boa. A sopa de inhame, o caldo d'unto com taioba e couve, o feijão preto, a canjiquinha amarelinha, a costeleta de porco. Ele chegava de enxada no ombro, o corpo suado, um assobio na boca soprando dengosas modinhas, largava a tralha no terreiro e ti­bum no rio para o vespertino asseio. Silvedora já esperando com a roupa dele limpinha na mão, para as alegrias da noite.

Só eles os dois, e as estrelas no céu e um bicho ou outro piando nas redondezas. Depois da janta, a viola para a digestão. E zás de novo na cama, para a festa do amor-sem-fim.

Só que tem que mas porém Silvedora de repente embarrigou. Sezefredo e ela por uns tempos só pensavam no bebê. Que nasceu robusto e que na pia o nome de Ambrósio recebeu. Primogênito de uma ninhada de nove: três meninas e seis guapos garotões. Silvedora mal esvaziava e já de novo arredondava. Mas nem por isso o amor diminuía, antes pelo contrário mais crescia.

Até que deu aquela enchente doida. Trinta dias chovia sem parar. Dilúvio parecia. Da serra desciam grossas enxurradas levando as lavouras de arrasto. Era água de não mais acabar. O rio em frente da casa roncando, engordando, troncos batendo nas pedras, bichos do mato rolando embolados na correnteza, e não parava de chover.

Um estrondo na madrugada. Era o curral caindo. Sezefredo acordou num susto, viu o rio levando as vacas, puxando junto o galinheiro, o cavalo, as cabras. Só a casa deles ainda em pé, sustentada nas pilastras altas. Ilhados ali, viam as águas já entrando pelas portas, Silvedora e a criançada chorando, rezando, Sezefredo pra-lá-pra-cá com uma corda na mão.

O pé-de-manga tinha tronco forte, haveria de resistir. Pela janela atirou a corda, laçou um galho. O rio crescendo, rosnando. Sezefredo mandou as crianças se agarrarem na corda e subir na árvore. Mandou também Silvedora, que ainda conseguiu salvar-se a tempo.

Ele Sezefredo rodopiou águas abaixo misturado com os pedaços da casa. Paredes, soalhos, alicerces, telhado, móveis, panelas, todo o seu ninho engolido pelo furor da correnteza. As crianças e a mãe olhando do alto da árvore sem nada poder fazer.

Parou na manhã seguinte a chuva. Silvedora desceu com toda a ninhada. Nessas horas chorar não vale; é levantar a cabeça e enfrentar. Recomeçar. Reconstruir. Chegou todavia um recado.

– Dona Dora: é pra senhora preparar um feijãozinho aí, que Seu Fredo vem pro jantar. Ele mandou dizer que não morreu não. Salvou-se montado num pé-de-bananeira, mas engastalhou numa peroba e tá agora só esperando baixar mais um pouco o rio pra ele descer de lá.

No chão mesmo. Foi assim ele chegar e Sezefredo mais Silvedora mandaram as crianças sair de perto, e pimba num mata-saudade de dar gosto. Donde nasceu o nono fruto, chamado Pluvioso da Silva, que já encontrou a casa de novo erguida, a lavoura refeita, o curral e o galinheiro mais bonitos do que os que a enchente carregara.
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O poeta Antonio Augusto de Assis é membro da Academia de Letras de Maringá e considerado um dos maiores trovadores do Brasil
Esse conto foi premiado este ano (2008) em concurso nacional promovido pela Academia Niteroiense de Letras, em parceria com a Imprensa Oficial do Rio de Janeiro.

Fontes:
http://blogdodepaula.blogspot.com/
Imagem =
http://presentepravoce.wordpress.com

Antonio Roberto de Paula (Ary, o poeta que amou Maringá)

Maringá - 1952 - Quadro de Edgar Werner Osterroht de 1952
(quando a cidade tinha 5 anos) mostra os prédios do
escritório da Companhia Melhoramentos e o
Hotel Esplanada, na esquina da Duque de Caxias
com a então rua Bandeirantes (hoje, Joubert de Carvalho).
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Quem te avista nos dias de agora talvez não saiba quantos lutaram para que tu chegasses à condição de terceira cidade paranaense. O que seria de ti se não existissem homens que empunhassem a caneta para contar tua história?

Ary de Lima, por amor e com competência, fez a maior declaração que um morador poderia fazer a ti. Com o coração repleto de júbilo e agradecimento, o poeta Ary de Lima gravou ainda mais seu nome à Cidade Canção, escrevendo o hino da menina Maria do Ingá. Outro brilhante professor, Aniceto Matti, se encarregou de colocar melodia àquela declaração de amor e gratidão e a parceria redundou num canto emocionado que vai atravessando gerações.

O eclético Ary, falecido em abril de 98, deixou uma vasta folha de serviços prestados a Maringá. Uma folha escrita com emoção. Professor, vereador, deputado, radialista. E, acima de tudo, poeta. Os feitos desse maringaense nascido na cidade mineira de São Sebastião do Paraíso, que grande contribuição deu ao progresso da Cidade Canção, jamais serão esquecidos porque sempre haverá numa escola uma criança cantando o Hino a Maringá. Em qualquer solenidade que a linda flor, a mais gentil do norte do Paraná for homenageada, lá estará a eterna lembrança do poeta Ary de Lima.

Há em ti o perfume das flores, a poesia de todos os ninhos, e uma luz que acende fulgores, clareando teus novos caminhos. Maringá, o teu nome sublime será porque tiveste a graça de receber, em teu seio, figuras como Ary de Lima, que fez da vida uma poesia sem deixar de atender sua gente. Ary fez poesia, ensinou e legislou. A tripla colaboração que o tornou uma grande eminência maringaense.

E para homenagear Ary de Lima, o melhor é buscar definições na sua poesia a Maringá: o teu vulto traduz a mensagem de um passado coberto de glória, um passado que exemplo nos dá. Ary pode ser saudade, mas não é passado. Poeta nunca morre. Está sempre compondo novas estrofes, aqui ou em qualquer outro lugar.
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Hino de Maringá
(Letra - Ary de Lima/ Música - Anicetto Matti)

I
Quem te avista, nos dias de agora,
Acenando ao porvir da esperança,
Adivinha a floresta de outrora
Que embalou tua vida criança
- Há em ti a grandeza imponente
De um passado que exemplos nos dá:
-Se és glória da Pátria contente,
És orgulho do teu Paraná.

ESTRIBILHO
Linda flor, a mais gentil,
Do norte do Paraná,
És orgulho do Brasil,
Nossa amada Maringá (BIS)

II
O teu vulto traduz a mensagem
De um passado coberto de glória,
Arrancado à floresta selvagem
Para eterno viver na história.
Um poema de luz para o mundo
O teu nome sublime será,
E de nosso afeto profundo
Sempre filha serás Maringá.

ESTRIBILHO
Linda flor, a mais gentil,
Do norte do Paraná,
És orgulho do Brasil,
Nossa amada Maringá (BIS)

III
Teu encanto de hoje é retrato
Das belezas que Deus espalhou
Como bênçãos do céu sobre o mato
Que a tua grandeza enfeitou.
Há em ti o perfume das flores,
A poesia de todos os ninhos,
E uma luz que acende fulgores,

Clareando teus novos caminhos.
ESTRIBILHO
Linda flor, a mais gentil,
Do norte do Paraná,
És orgulho do Brasil,
Nossa amada Maringá (BIS)
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Arlene de Lima (Ary de Lima, saudoso pai)



Papai, lembro com saudade
tuas conversas mineiras,
a vida de liberdade
e as poesias altaneiras.

Poeta e mãos de operário,
ah, meu pai, quanta lembrança...
foi teu hábito diário
com flores ter aliança!

Por onde meu pai passou,
explodiu sua poesia.
Tanta magia deixou
suas marcas por onde ia.

Papai querido, partiu...
nada mais há que fazer.
Ficaram saudades mil,
um enorme padecer!

Papai descansa, repousa
dentro de cada um de nós.
O seu corpo está na lousa,
mas é viva a sua voz!

Pois não tenho cultura e arte
para saber expressar
meu grande amor, exaltar-te,
saudoso pai exemplar!

Lá atrás, tudo ficou,
muitos amigos, parentes,
lembranças de quem amou,
e acenos aos nossos entes...

Na alma, jaz tanta saudade,
papai partiu, nos deixou:
ficou a honestidade
que nos corações plantou!
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Fontes:
Academia de Letras de Maringá
Imagem = http://garatujando.blogs.sapo.pt

Antonio Roberto de Paula (Amores de todos os matizes)


Tento escrever. Está difícil. Procuro inspiração nos escândalos envolvendo gente graúda da cidade. Deixo de lado. Já disse e já disseram quase tudo. Se for colocar mais algumas linhas sobre isso, tenho quase a certeza de que vou ser repetitivo.

Procuro pôr no papel algo sobre o amor. Penso num amor específico. O de mãe, por exemplo. Não, não... É matéria vencida. Seria cair no lugar comum falar da mãe. Afinal, não conheço um único ser humano que não ame a mãe com todas as forças. Mãe, me desculpe, mas falar do meu amor pela senhora não dá ibope.

Busco então o amor pela mulher. Aquele amor que movimenta o espírito e o físico. Não posso fazer isso. Não tenho a coragem e nem a pretensão de fazer confidências. Além do mais, minha vida sentimental pouco difere da maioria das pessoas.

Vem o amor pelos familiares. Outro amor comum. Apesar dos arranca-rabos com a turma consangüínea, prevalece o amor. Briga-se internamente e dá-se a vida na defesa de um irmão. Quem não tiver uma família com este perfil não é normal. Portanto, falar de amor familiar também não chama a atenção.

Quem sabe falar sobre o amor pelos amigos? Dou uma geral no número de amigos. Começo a peneirar as pessoas com as quais me relaciono e procuro os verdadeiros amigos. Parece que tenho vários. Só parece.

Lembro de algumas decepções que trago comigo e de muitas outras que infringi às pessoas. Percebo que mais sou perdoado do que perdôo. Lembro dos amigos de longa data que se perderam no tempo, dos circunstanciais, dos que chegaram muito tempo atrás e que estão comigo até hoje e dos que chegaram agora e que luto para preservá-los.

Não conseguiria falar dos meus amigos. Além de ferir suscetibilidades ao omitir algum nome que imagina ter a recíproca neste amor, que chamamos de amizade, seria básico porque todas as pessoas são iguais. Os relacionamentos diferem, mas mantêm a essência: são complicados. Se forem simples, os relacionamentos não são importantes.

Desisto de falar de amor. Sei que tenho uma fonte inesgotável de amor e não sei se faço a distribuição correta. Vou falar do amor de Deus. Quero começar agora, mas hoje está difícil escrever. O importante então é sentir o amor de Deus. Nenhuma frase vai poder traduzir este sentimento. Paro de escrever, prefiro sentir.

Fontes:
http://www.tvcm.com.br/da_minha_janela.htm
Pintura = http://pinturadeamor.blogs.sapo.pt/

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

José Feldman (Espelho da Alma)


I

Antes de começar a narrar a minha odisséia, creio que devo me apresentar, para que não imaginem ter eu saído de algum livro de conto de fadas.

Meu nome é Zwaig Ramcharran. Apesar de ser filho de mãe norueguesa, nasci nas Bahamas. Desde cedo, senti uma tendência aquém do normal para a pintura, uma facilidade enorme para realizar a combinação de cores, dando a impressão de que meus quadros criavam vida.

Comecei a dedicar-me desde cedo a esta arte e, senti-me muito influenciado por Ben Nicholson(1) , inglês de Buckinghamshire (2), filho do já pintor William Nicholson. Ben foi considerado um dos maiores expoentes da arte não figurativa da Inglaterra, criou obras abstratas, tratadas por vezes, como baixo-relevos, mas também pintava paisagens e naturezas mortas muito estilizadas, oferecendo jogo de cores purificadas ao extremo.

Aliás, para não estender-me muito no assunto, o qual acredito não ser de vosso interesse uma aula de pintura, encerro esta explanação com uma frase marcante de Nicholson, ao menos para a minha pessoa: “Os problemas de que trata a arte abstrata ligam-se a encontro de forças e, por conseguinte, toda solução em que nos detemos exerce influência sobre todos os equilíbrios de forças. Trata-se de uma partida de futebol entre o Arsenal e o Clube de Corridas ou do movimento dos astros”.

Graças a este meu dom, fui galgando cada vez mais a escala dos pintores do século XX, expondo em museus da América do Norte, América Latina e Europa, rendendo-me, pois, certa compensação financeira e, estando eu com 35 anos de idade, resolvi procurar um lugar tranqüilo para me dedicar à pintura e, ao meu hobby, a eletrônica.

Morava numa casa simples de um quarto apenas, em Estocolmo, Suécia, localizada na Grev Magnigatn, que fazia esquina com Riddargatan. Entretanto, sentia que a casa já era pequena. Portanto, graças à venda de alguns quadros na exposição de arte e artesanato de Liljevalchs Konsthall(3) , finalmente pude cumprir o meu sonho de um lugar sossegado, comprando um terreno em Riddarholmen, beirando o lago Malaren, um lugar quase que totalmente isolado, excetuando-se o grande movimento aos finais de semana devido a proximidade do cemitério Riddarholmskyrkan, ocasião tal, que aproveito para ir às confeitarias no centro de Estocolmo para comer o famoso “smorgasbord”(4) e degustar um bom vinho. Esta é uma oportunidade para percorrer a cidade, atualizando-me de novidades no mundo da arte da eletrônica.

II

A minha história começa na terça-feira, no período da manhã, quando eu me mantivera ocupado tentando montar um conversor térmico, para fornecer maior calor à casa, pois sentia que nesta época do ano, somente a lareira seria insuficiente, além do fato de que não estava ambientizado num país frio como a Suécia e eu ser originário de um país de clima quente.

Estava absorvido nesta montagem – eram tantos fios, pólos de contato, relés, resistência, etc. – que comecei a perder a paciência e abandonei tudo de lado, retornando às minhas pinturas.

O quadro em que eu me empenhava no momento era uma espécie de auto-retrato de corpo inteiro, no qual eu colocava-me refletido num espelho e, na frente, meio de lado, uma figura de costas, que seria eu mesmo, o qual devo confessar sem falsa modéstia, um retrato fiel de mim mesmo. Entretanto, o que eu não encontrava, era uma cor que desse mais vida – não desejava um retrato simplesmente – mas sim algo que mexesse com as emoções das pessoas, despertasse seus sentimentos, uma pintura viva, na qual eu seria o Dr. Viktor Frankestein, como idealizou Mary Shelley. Seria minha maior obra-prima.

Enquanto eu refletia sobre o que utilizar, peguei meu cachimbo bengt “plumb”(5) , o qual havia ganho de presente de um oficial do exército, em umas de minhas vernissages em Londres, Inglaterra, abri uma caixinha de tabaco dinamarquês “neeskens”, meu preferido por não ter nenhum odor, de modo a que o ar não ficasse muito carregado em meu atelier, já tão carregado pelo cheiro das tintas à óleo.

Estava eu perdido em reflexões sobre a pintura, quando a réstia de luz que penetrava em meu atelier principiou a desvanecer-se. Mirei através do vidro da janela e percebi que o céu, frequentemente sombrio, tornava-se escuro, prenunciando o início de uma tempestade (algo muito raro na Suécia), mas o clima encontrava-se instável em virtude do aquecimento global - obra do homem. passei a trava de segurança no batente da janela, trancando-a, para que, se porventura houvesse um vento violento, não penetrasse no atelier, derrubando tudo.

Quase que instantaneamente, uma saraivada de trovões estourou no céu, cujos raios brilhavam intensamente, iluminando-o, como se fosse o "Gotterdamerung", a batalha final dos deuses realizada em solo sueco.

Repentinamente, uma descarga elétrica se fez sentir nos fios de alta tensão dos postes enfileirados na rua, produzindo um clarão de grande intensidade e, tudo que se encontrava ligado na eletricidade, estalou. as luzes se apagaram e um cheiro de queimado volatizou-se pelo ar - fios queimados e retorcidos.

Confesso que eu, acostumado a tempestades em vários lugares do mundo, a observar o encanto das forças da natureza, senti um calafrio repentino percorrer-me a espinha, mas prevenido sobre estes fenômenos repentinos neste local isolado da cidade, havia-me preparado, colocando no centro de cada compartimento da casa uma lamparina, algo arcaico, mas eficiente.

Peguei a caixa de fósforos que havia utilizado para acender o cachimbo e acendi a lamparina da sala. No instante que meus olhos se acostumavam lentamente com a escuridão que momentaneamente havia me cegado, o ruído de um estalo no assoalho na sala contígua me assustou e, um suor frio escorreu em minha testa. Fiquei paralisado.

Agucei os ouvidos, mas nada mais ouvi. Senti minha pressão voltar ao normal e, raciocinei que estava a me deixar levar pela imaginação - uma casa isolada, próxima ao cemitério e, como se não bastasse, tivera a maldita idéia de ler na noite anterior o livro "Drácula", de Bram Stocker.

Não, não podia deixar que minha imaginação me dominasse. Evidentemente é isto que ocorreu...eu estava muito sozinho.

Espere!!...Um ruído no assoalho novamente. Passos...não! Não é minha imaginação! Alguém ou alguma coisa está na casa.

Procurei me controlar e dirigi-me lentamente até o criado-mudo, de onde tirei da gaveta uma pistola semi-automática Maanlicher, a qual ganhei de um oficial austríaco, quando expus em Viena. Na verdade, era uma pistola para colecionador, já que há mais de 20 anos não se fazem mais suas balas especiais de calibre 7,65. Aliás, a última vez que uma arma como esta foi empregada, foi na II Guerra Mundial. Contundo, a minha ainda possuía em seu tambor as dez balas originais, fabricadas em 1905, raridade. Mas, para auto-defesa, tem sua validade.

Peguei a arma e andei sorrateiramente, sempre beirando a parede, para não ser apanhado de surpresa pelas costas.

Novo ruído! E na semi-escuridão de meu atelier pareceu-me divisar uma sombra passando célere. Com a arma na não, tremendo entre meus dedos gelados, avancei devagar e, numa mesa ao lado peguei um farolete e fui em direção à soleira da porta entreaberta - alguém estava lá - eu sentia.

Procurei raciocinar. O jeito era fazer como aqueles filmes policiais americanos, meter o pé na porta e entrar com tudo. É claro, seria um ato absurdo, pois se alguém estivesse me esperando, me acertaria facilmente.

Mas não podia ficar naquela posição de presa acuada. Suspirei para me recompor e meti o pé na porta, iluminei o atelier com o farolete e gritei: "Pare aí mesmo ou atiro!"

Talvez tenha sido uma entrada em cena muito cinematográfica, mas não havia mais nada que passasse por minha cabeça - aliás, devo admitir, que naquele momento, nem cabeça eu tinha.

O farolete iluminou tudo - não havia ninguém. Gelei!

Eu estava em minha casa, e eu era a caça.

Gritar? Para quem? Só haviam os mortos do cemitério.

Maldita hora que aluguei esta casa isolada do mundo! Estou com os nervos à flor da pele.

Lentamente, tornei a ficar de costas para a parede e fui andando como um gato pelo atelier, apesar de minhas pernas estarem tão trêmulas, que me faziam cambalear.

Com respiração arfante, andei, passo a passo para o canto da sala. A janela estava trancada, como eu havia deixado antes da tempestade e, só fechava por dentro.

Alguém estava em casa! Girei o farolete pelo ambiente.

A estante de pincéis e tintas, a caixa de ferramentas, a prateleira de porcas, parafusos e fios, o conversor térmico estourado e enegrecido, caído junto ao cavalete, provavelmente devido à descarga elétrica.

O quadro...o...o quadro!

Minhas pálpebras ergueram-se completamente e com os olhos esbugalhados de pavor fitei o quadro. O farolete escorregou de minha mão, batendo em meu sapato com um ruído surdo e rolando até próximo ao conversor. Minha boca entreaberta de espanto.

O quadro! - A imagem de mim mesmo que havia desenhado no espelho...sumira. Só ficara o espelho e a imagem de costas.

Senti um terror enorme - se eu fosse um gato de sete vidas, teria perdido ao menos umas seis naquele momento.

Um ruído à minha direita.

Aterrorizado, quase desfalecido, inclinei-me para a direita e o vi. Nem sei dizer o que senti...era a visão mais tétrica que jamais poderia ter imaginado em toda minha vida, em pensamento ou pesadelo. Lovecraft, Hoffman ou Stocker eram simplesmente infantis diante de que eu via.

Encostei-me na parede e senti-me escorregar pelo assoalho.

Ele estava parado tranquilamente à minha frente, fitando-me nos olhos, como se esperasse uma reação minha, pior do que qualquer filme ou história de terror, pior do que tudo que se pode criar. Estava lá a encarar-me.

E, então, ergueu as mãos. Desesperado, apontei a arma para ele.

Um raio! Uma luz! Um buraco vindo do nada! Tudo rápido como um relâmpago.

III

O Museu Liljevatchs Konsthall estava apinhado de gente. Fotógrafos, jornalistas, artistas e críticos estavam todos reunidos para admirar o quadro que fazia sensação. O diretor do museu, cedia uma reportagem, extasiado, aos repórteres:

"Sentimo-nos honrados em realizar esta exposição em nosso museu em homem ao desaparecido pintor Zwaig Ramcharram. Como já puderam comprovar anteriormente, seus quadros são de uma vivacidade ímpar. E, hoje, temos a imensa satisfação de revelar-lhes este fantástico quadro, o qual podem perceber nele a imagem do próprio artista refletida no espelho, com uma expressão de angústia, como se estivesse vendo uma coisa sobrenatural. Podemos até sentir em seu quadro, uma réplica de seu atelier, o desespero, a dor, a arma que empunha em sua mão, que parecem tão real. Se observarem dentro de seus olhos, parece que ele está nos vendo, com tanta intensidade, que chega até dar um arrepio. As cores são vivas, que parece que ele está vivo dentro do quadro, diante de nós. Esta é com certeza sua maior obra-prima, onde ele mexe com nossos sentimentos. Lamentavelmente, desde aquela semana de tempestade de raios, Zwaig desapareceu misteriosamente, mas ele sempre será imortal entre nós. Descerro para vocês o quadro "Espelho da Alma".
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Notas
1 1884 – 1982.
2 Condado no Sul da Inglaterra
3 Liljevalchs Konsthall é uma galeria de arte, localizada na Ilha de Djurgarden, em Estocolmo, Suécia. Inaugurada em 1916, é uma mistura da arte moderna e a tradicional.
4 O Smorgasbord é um buffet elaborado com diferentes ingredientes típicos da cozinha sueca. A palavra sueca "smörgåsbord" é composta pelas palavras smörgås (sandwich) e Bord (mesa). Se costuma servir em reuniões familiares ou em festejos, sendo servido nos restaurantes como um buffet. Um tradicional smörgåsbord consiste em alimentos quentes e frios, separando os pescados das carnes. Indispensáveis são o pão (diversos tipos) e a manteiga e queijo, arenque, salmão, almôndegas, salsichas e patê além de outras especialidades suecas. A idéia é consumir muitas proteínas, por isso os acompanhamentos como batatas, arroz ou saladas estão geralmente ausentes. Os comensais se servem por si mesmos e se fazem até cinco rodadas. Costuma ser acompanhado com cerveja e aquavit (bebida destilada escandinava, com 40% de álcool, aromatizada por ervas.
5 Bengt = cachimbo curvo, tipo utilizado por Sherlock Holmes, ou por marinheiros. Plumb = marca de cachimbo fabricado na Inglaterra.
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Fontes:
Feldman, José. Antologia de Contos para Curar Dorminhocos.
Imagem = http://www.angela.amorepaz.nom.br/

Edgar Allan Poe (Poema: Annabel Lee)


Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
A ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar
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Fonte:
Poetas norte-americanos. RJ: Lidador, 1976.

Argemiro Garcia (Caldeirão Literário da Bahia)

JANELAS

Olho da janela e o que vejo?
Formigas de azulejo
escalam muros de pedra;
anjos de face rosada
velam santos e orixás;
outros anjos, de cara suja,
percorrem praias e ruas,
à cata de latas e lixo.
Em torno, um e outro bicho
passam também a fuçar.
Rabiscos riscam tapumes e uma garatuja
Assina-se nas paredes. Solidão flutua no ar.
Janelas, sempre janelas!
Assisto através delas
o mundo que teima em passar.
Gotas escorrem do vidro:
Lágrimas? Suor?
Liberdade, Paraíso, Amaralina,
Copacabana, Imbetiba, Ondina,
quantas ruas será que eu, ainda,
percorro até me encontrar?

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MORRO ACIMA, MORRO ABAIXO

A cidade sobe, num jeito de presépio,
pelas curvas de nível e ladeiras.
Sobem, acima dela, pipas, pássaros,
nuvens de fumaça, como um véu;
sobem sonhos e orações num escarcéu.
A cada chuva descem,
nas sarjetas,
suores, sujeiras e dissabores,
incertezas e esperanças
que aguardam outro dia,
outra chance, a loteria,
para se concretizar.
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PAZ

Não sou guerreiro.
Não sou herói.
Guerreiros não vacilam nas grandes batalhas.
Prefiro lençóis a mortalhas.
Não puxaria um gatilho,
mas uma enxada.
Dignidade se constrói
com tijolos e cimento,
calos, calva e cãs.
Medalhas e bravatas? Coisas vãs.
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VIRA-LATAS

a Marilda Confortin e Manuel Bandeira

Filitas peito facas,
feito lápides, são estacas
cravadas no coração do Brasil.
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MARINHEIROS

Sobre a pedra, uma gaivota
observa o remador
e estuda sua rota.
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VIDA

A vida é um mistério
escancarado
livro aberto em idioma
ignorado,
escrito em pele humana,
pergaminho,
mapa ilegível
do caminho.
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ANJOS BARROCOS

Todo santo de pau oco
espera um pouco
espera um beijo
um soco.
Todo santo de pau oco
aguarda um pouco
um sorriso
um riso rouco
e guarda em si
um louco
desejo de carinho
um jeitinho.
Todo santo de pau oco
se guarda
e guarda em si
um prêmio
um tesouro,
pedra, ouro,
e espera sempre um pouco.

Macaé, 21/02/90
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ESTAÇÃO RODOVIÁRIA

Um gato passa caçando
na madrugada sem mistérios.
Vozes, tosses, impropérios
e um par de tamancos longínquos
ecoam pelo saguão;
o vapor da cafeteira
envolve o guarda ao balcão.
Dúzias de óculos me espiam
sem olhos atrás da vitrina
não sei como enxergariam
com essa luz que ilumina
menos que a minha sombra.
O chiado da vassoura
e a risada que estoura
sublinham o não-silêncio
da noite baiana cansada.

Salvador, 19/7/87
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Sobre o Autor
Nasceu em São Paulo, em 1960. Graças a seu pai, Argemiro, e a seu professor Wilson que se interessou pela poesia. Casou-se com Mariene: tiveram quatro filhos, Gabriela, Leonardo, Pedro e Gabriel. Hoje, moram em Salvador.

Participou das seguintes antologias:
Álbum In Verso. Macaé, RJ: Petrobras, 1995.
Brusca Poesia. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 1996.
Antologia Escritores & Poetas da Bahia. Salvador, BA: Petrobrás, 1997.
Anuário Pórtico 1997. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 1997.
Antologia Poetrix. Salvador, BA: Movimento Internacional Poetrix, 2002.
Antologia Pórtico 1. Salvador, BA: Grupo Cultural Pórtico, 2003.

Mantém o blog "Canto de Anjo", sobre o filho caçula, que é autista:
http://www.cantodeanjo.blogger.com.br
o blog "Cronica Autista", de notícias sobre autismo
http://www.cantodeanjo.blogger.com.br
e o blog "Imbloglio",
http://www.imbloglio.blogger.com.br , de Crônicas, poesia e tudo o mais.
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Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br

Bienal Afro-Brasileira do Livro, em Salvador, 7 de Fevereiro

Pintura de Wilson Tibério (1923-2005)
O evento traz à tona com grande ênfase a cultura afro-brasileira situando além do foco nas produções literárias independentes produções literárias do mercado editorial com prioridade no corte racial e outras manifestações culturais resultantes da trajetória de resistência dos afro-descendentes.

Bienal Acontece no dia 07 de fevereiro de 2009 (sábado), às 10h, na Câmara Municipal de Salvador – Pça. Tomé de Souza, o lançamento da Bienal Afro-Brasileira do Livro - Educar para a Diversidade. O evento traz à tona, com grande ênfase, a cultura afro-brasileira situando, além do foco nas produções literárias independentes, produções literárias do mercado editorial com prioridade no corte racial e outras manifestações culturais resultantes da trajetória de resistência dos afro-descendentes.

Durante a Bienal, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia – SEC, faz lançamento do edital para seleção publica de material didático em Historia e Cultura Africana e Afro-brasileira e Educação das Relações Étnico Raciais para professores e alunos da rede estadual de educação. A programação do evento conta com: Colóquio Intelectual, mesas temáticas, exposição de artes plásticas e livros temáticos.

CONCEITO - Foi compreendendo que é necessário valorizar, sem disfarces, a luta e a história do povo negro na formação da identidade e cultura da sociedade brasileira que a Bienal Afro chega à conclusão que contribuir para ajudar a minimizar a desigualdade racial não é apenas resolver seus aspectos puramente econômicos, plasmar leis, mas é também educar a família, a comunidade, o professor e, nessa educação, reconstruir a educação nos parâmetros edificados pelos seus principais protagonistas.

Para que a pessoa, indistintamente, não seja só um ente social, mas que seja também capaz de viver, difundir e contribuir para o desenvolvimento da cidadania plena, esse caminho é, portanto, a preparação das novas gerações para a vida em sociedade plenamente democrática, justa e conhecedora da sua formação histórica, e, consequentemente transformadora, para que, de fato, sejamos gigantes pela própria natureza humana, rica em sabedoria.

A Bienal Afro-Brasileira vem de encontro às políticas públicas que visam o combate à discriminação racial, à igualdade de oportunidades e às reparações.

“A história é um processo, prossegue, e todos nós, conscientes ou inconscientemente, por atos ou omissões, participamos dela”.

OBJETIVOS

- Dar visibilidade às produções independentes, cujos conteúdos editoriais valorizem a História da África e a Cultura Afro-Brasileira, aproximando-os do mercado editorial e/ou auxiliando-os na criação de Cooperativa Editorial para concretizar as suas produções literárias.

- Oferecer essas produções aos Educadores de todos os níveis, cada um ao seu turno, para suprir a ausência de material didático para ser difundido nas salas de aula.

- Auxiliar as instituições de ensino na construção da identidade étnica dos alunos, pais, funcionários e comunidade.

- Fazer a discussão e tornar visível a temática racial para o conjunto da sociedade, através das manifestações culturais resultantes da trajetória de resistência: capoeira, samba, tambor de criola, ciranda, música, congada, reisado, boi-bumbá, etc.; além dos instrumentos musicais: atabaque, agogô, caxixi, cabaça, chocalho, etc.; exibição de vídeos e filmes; culinária de origem africana de todas as regiões do Brasil; moda; beleza; exposições artísticas; exposições fotográficas; artesanato; religiosidade de matriz africana e outras intervenções culturais relacionadas ao tema do evento.

- Introduzir a comparação do sistema brasileiro de inclusão racial e social, no contexto de uma economia transacional , com outros países desenvolvidos, emergentes e subdesenvolvidos, demonstrando o impacto de diferentes ambientes culturais, político-econômicos e normativos sobre a natureza da diversidade.

Serviço

O quê?
Lançamento da Bienal Afro-Brasileira do Livro - Educar para a Diversidade
Quando?
07 de fevereiro de 20009 (sábado), a parti das 10h.
Onde?
Câmara Municipal de Salvador – Pça. Tomé de Souza - Salvador/Ba.
Quanto?
GRATUITO

PROGRAMAÇÃO:

Manhã:
-10h, Abertura

Mesas Temáticas
- Invisibilidade do Negro na Literatura Afro-brasileira
- Impacto da lei 10.639 no combate as desigualdades
- Lançamento do edital para seleção publica de material didático em Historia e Cultura Africana e Afro-brasileira e Educação das Relações Étnico Raciais para professores e alunos da rede estadual de educação

Almoço

Tarde:
- Apresentação do Conselho Consultivo da Bienal Afro-BrasileirA do Livro
-Visitação Publica ao pôr-do-sol no Forte São Marcelo
-Show intimista com artistas locais

Noite:
- Noite da Beleza Negra no Ilê Aiyê

Mais informações:
Samuel Azevedo
(71) 87090312 - aseydou@hotmail.com

Hamilton Oliveira (Dj Branco) – Assessor de Comunicação
(71) 9151-0631 – cmahiphop@hotmail.com

Fontes:
artigo escrito por Hamilton Oliveira,
http://www.portalcapoeira.com/capoeira/106/1833
http://ricardoriso.blogspot.com/2009/02/bienal-afro-brasileira-do-livro.html
Pintura =
http://revistaraiz.uol.com.br

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Dimas Carvalho (O Manuscrito)


Nota: Recebi hoje do escritor Nilto Maciel, o livro Contistas do Ceará: D'A Quinzena ao Caos Portátil. Já havia lido outras obras deste escritor, tanto na área de ficção como em não ficção, como podem atestar pelas postagens colocadas neste blog. A qualidade tanto material do livro, como de seu conteúdo, como a maioria dos livros de Nilto que tive em mãos, me impressionaram muito pela sua excelência. E, neste ano que se comemora o bicentenário de Edgar Allan Poe, folheando este livro meus olhos pousaram sobre um conto: O Manuscrito, de Dimas Caravalho, o qual me aguçou a curiosidade. Devorando-o, transcrevo-o a seguir tal qual está no livro. O pouco que já li de seus contos, me impulsiona a coloca-lo entre outros do mesmo autor em minha estante das obras favoritas.
José Feldman
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Epaminondas Pitágoras da Cunha trabalhava numa livraria decrépita, um prédio velho de dois andares, situado numa ruazinha decadente do centro da cidade. Era o único empregado, além de dono, seu Eleutério, muito idoso, surdo, reumático, quase cego. De modo que Epaminondas se via quase que como proprietário absoluto daqueles milhares de livros velhos e empoeirados, perfilados em estantes antigas, e aos quais praticamente ninguém procurava. Porque os clientes, como era de se esperar de tal estabelecimento, eram raros, e também eles antigos, decrépitos e decadentes.

Os dias se passavam numa monotonia de rio amazônico… Epaminondas, entediado, dava grandes bocejos enquanto folheava páginas esquecidas. Seu Eleutério cochilava na espreguiçadeira, por trás do balcão, o jornal caído entre as pernas, a boca aberta, babando.

Além dos dois andares, o prédio possuía um pequeno sótão, onde Epaminondas subia, quando estava mais disposto, para fazer a limpeza. Numa dessas vezes, notou que, num canto, havia uma pilha de livros, coisa que nunca antes observara. Aproximou-se e começou a verificar os títulos, manuseando com todo o cuidado as folhas amareladas. A poeira fazia com que espirasse. Alguns livros estavam roídos pelas traças, outros eram quase ilegíveis. Mas o que chamou mesmo a sua atenção foi um manuscrito encadernado, datado do século XVII, vazado em uma língua que lhe era completamente estranha. Um pequeno texto em Português, que parecia servir de intróito, dizia ser a língua o sumério, e que o felizardo capaz de traduzi-lo alcançaria a imortalidade, assim como se tornaria imensamente rico.

Epaminondas era um homem prático, nada sonhador, bem terra a terra. Riu com desdém daquelas promessas mirabolantes. O absurdo do que lia levava-o a crispar os lábios em um sorriso irônico. Porém, alguma coisa, que ele não saberia explicar o que era, puxava-o para o manuscrito, como o ímã faz com o ferro. Quando desceu do sótão, já estava determinado a aprender o sumério, custasse o que custasse.

A partir deste dia, a vida de Epaminondas mudou radicalmente. O que era fascinação transformou-se em mania, obsessão, delírio. Tornou-se estudioso. Consagrava todas as horas de lazer ao seu objetivo único. Esqueceu-se de viver, absorveu-se e foi absorvido pelos caracteres mágicos que o enfeitiçavam.

Foram anos a fio de dedicação, em casa e na livraria. Era com impaciência que atendia os fregueses cada vez mais raros. Comprou livros, pesquisou na internet, fez contatos com sábios do outro lado do mundo. Assinou revistas especializadas. À medida em que prosseguia naquela viagem sem volta, os indícios de que o manuscrito dizia a verdade se avolumavam. Citações milenares, pistas criptográficas, as peças do imenso quebra-cabeças iam se encaixando. Seus olhos adestrados passaram a ver, em coisas aparentemente desconexas, relações profundas e sutis. No final de nove anos de estudos, sentiu que estava a um passo de dar o grande salto, de penetrar enfim a grande porta que guardava o Mistério.

Foi por esse tempo que o Seu Eleutério morreu, exatamente ao meio-dia, sentado na espreguiçadeira, o jornal dobrado nos joelhos. Como o velho fosse viúvo, e não tivesse filhos ou parentes conhecidos, Epaminondas, herdeiro presuntivo, organizou o velório. A casa do velho ficava num bairro afastado, onde grandes árvores ladeavam as ruas largas, enchendo de sombras e silvos os espaços da noite. Pôs-se a velar, sozinho, o morto. Quase madrugada, a fome o levou a abandonar a câmara mortuária, onde as velas tristes eram a sua única companhia.

Encaminhou-se a uma churrascaria, onde fez um lanche breve, biscoitos e guaraná. Pediu ainda um sanduíche, para fazer o desjejum, quando o dia nascesse.

Ao voltar para casa, o susto foi enorme. Rodeando o caixão, quatro de cada lado, oito anciãos, vestidos de preto, murmuravam palavras estranhas em uma língua extinta. E mais ainda aumentou seu espanto quando, trêmulo e suando frio, viu o antigo patrão erguer-se e, lenta e solenemente, pronunciar, com uma voz alta e cheia de vitalidade:

— Caríssimo Epaminondas, é nossa obrigação agradecermos; o Segredo do Manuscrito é nosso, meu e dos meus oito companheiros, há muitos milênios. Realmente, ele nos dá a imortalidade e nos cumula de incalculáveis riquezas. No entanto, tudo tem um preço. E o preço que o manuscrito exige é o sangue de uma pessoa que por nove anos completos se dedique à tarefa de decifrá-lo, vencendo todos os obstáculos e tendo chegado às raias de desvendá-lo. De cem em cem anos repetimos este ritual, e tantas vezes já o fizemos que perdi a conta.

Então Epaminondas Pitágoras da Cunha sentiu que garras aduncas rasgavam-lhe as vestes e a pele, e enquanto a escuridão se apossava dos seus olhos, uma lâmina fria penetrou no seu ventre, atingindo-lhe o coração, rasgando-lhe as vísceras, perfurando-lhe o pulmão, ao som de litanias e imprecações sussurradas naquela língua arcaica e quase que completamente esquecida.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D'A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza, CE: Imprece, 2008.