segunda-feira, 11 de maio de 2009

Rubem Fonseca (O Outro)

Gustav Courbet(auto-retrato:O Homem Desesperado)

Eu chegava todo dia no meu escritório às oito e trinta da manhã. O carro parava na porta do prédio e eu saltava, andava dez ou quinze passos, e entrava.

Como todo executivo, eu passava as manhãs dando telefonemas, lendo memorandos, ditando cartas à minha secretária e me exasperando com problemas. Quando chegava a hora do almoço, eu havia trabalhado duramente. Mas sempre tinha a impressão de que não havia feito nada de útil.

Almoçava em uma hora, às vezes uma hora e meia, num dos restaurantes das proximidades, e voltava para o escritório. Havia dias em que eu falava mais de cinqüenta vezes ao telefone. As cartas eram tantas que a minha secretária, ou um dos assistentes, assinava por mim. E, sempre, no fim do dia, eu tinha a impressão de que não havia feito tudo o que precisava ser feito. Corria contra o tempo. Quando havia um feriado, no meio da semana, eu me irritava, pois era menos tempo que eu tinha. Levava diariamente trabalho para casa, em casa podia produzir melhor, o telefone não me chamava tanto.

Um dia comecei a sentir uma forte taquicardia. Aliás, nesse mesmo dia, ao chegar pela manhã ao escritório surgiu ao meu lado, na calçada, um sujeito que me acompanhou até a porta dizendo "doutor, doutor, será que o senhor podia me ajudar?". Dei uns trocados a ele e entrei. Pouco depois, quando estava falando ao telefone para São Paulo, o meu coração disparou. Durante alguns minutos ele bateu num ritmo fortíssimo, me deixando extenuado. Tive que deitar no sofá, até passar. Eu estava tonto, suava muito, quase desmaiei.

Nessa mesma tarde fui ao cardiologista. Ele me fez um exame minucioso, inclusive um eletrocardiograma de esforço, e, no final, disse que eu precisava diminuir de peso e mudar de vida. Achei graça. Então, ele recomendou que eu parasse de trabalhar por algum tempo, mas eu disse que isso, também, era impossível. Afinal, me prescreveu um regime alimentar e mandou que eu caminhasse pelo menos duas vezes por dia.

No dia seguinte, na hora do almoço, quando fui dar a caminhada receitada pelo médico, o mesmo sujeito da véspera me fez parar pedindo dinheiro. Era um homem branco, forte, de cabelos castanhos compridos. Dei a ele algum dinheiro e prossegui.

O médico havia dito, com franqueza, que se eu não tomasse cuidado poderia a qualquer momento ter um enfarte. Tomei dois tranquilizantes, naquele dia, mas isso não foi suficiente para me deixar totalmente livre da tensão. À noite não levei trabalho para casa. Mas o tempo não passava. Tentei ler um livro, mas a minha atenção estava em outra parte, no escritório. Liguei a televisão mas não consegui aguentar mais de dez minutos. Voltei da minha caminhada, depois do jantar, e fiquei impaciente sentado numa poltrona, lendo os jornais, irritado.}

Na hora do almoço o mesmo sujeito emparelhou comigo, pedindo dinheiro. "Mas todo dia?", perguntei. "Doutor", ele respondeu, "minha mãe está morrendo, precisando de remédio, não conheço ninguém bom no mundo, só o senhor." Dei a ele cem cruzeiros.

Durante alguns dias o sujeito sumiu. Um dia, na hora do almoço, eu estava caminhando quando ele apareceu subitamente ao meu lado. "Doutor, minha mãe morreu”. Sem parar, e apressando o passo, respondi, "sinto muito". Ele alargou as suas passadas, mantendo-se ao meu lado, e disse "morreu". Tentei me desvencilhar dele e comecei a andar rapidamente, quase correndo. Mas ele correu atrás de mim, dizendo "morreu, morreu, morreu", estendendo os dois braços contraídos numa expectativa de esforço, como se fossem colocar o caixão da mãe sobre as palmas de suas mãos. Afinal, parei ofegante e perguntei, "quanto é?". Por cinco mil cruzeiros ele enterrava a mãe. Não sei por que, tirei um talão de cheques do bolso e fiz ali, em pé na rua, um cheque naquela quantia. Minhas mãos tremiam. "Agora chega!”, eu disse.

No dia seguinte eu não saí para dar a minha volta. Almocei no escritório. Foi um dia terrível, em que tudo dava errado: papéis não foram encontrados nos arquivos, uma importante concorrência foi perdida por diferença mínima; um erro no planejamento financeiro exigiu que novos e complexos cálculos orçamentários tivessem que ser elaborados em regime de urgência. À noite, mesmo com os tranquilizantes, mal consegui dormir.

De manhã fui para o escritório e, de certa forma, as coisas melhoraram um pouco. Ao meio-dia saí para dar a minha volta.

Vi que o sujeito que me pedia dinheiro estava em pé, meio escondido na esquina, me espreitando, esperando eu passar. Dei a volta e caminhei em sentido contrario. Pouco depois ouvi o barulho de saltos de sapatos batendo na calçada como se alguém estivesse correndo atrás de mim. Apressei o passo, sentindo um aperto no coração, era como se eu estivesse sendo perseguido por alguém, um sentimento infantil de medo contra o qual tentei lutar, mas neste instante ele chegou ao meu lado, dizendo, "doutor, doutor". Sem parar, eu perguntei, "agora o quê?". Mantendo-se ao meu lado, ele disse, "doutor, o senhor tem que me ajudar, não tenho ninguém no mundo". Respondi com toda autoridade que pude colocar na voz, "arranje um emprego". Ele disse, "eu não sei fazer nada, o senhor tem que me ajudar". Corríamos pela rua. Eu tinha a impressão de que as pessoas nos observavam com estranheza. "Não tenho que ajudá-lo coisa alguma", respondi. "Tem sim, senão o senhor não sabe o que pode acontecer", e ele me segurou pelo braço e me olhou, e pela primeira vez vi bem como era o seu rosto, cínico e vingativo. Meu coração batia, de nervoso e cansaço. "É a última vez", eu disse, parando e dando dinheiro para ele, não sei quanto.

Mas não foi a última vez. Todos os dias ele surgia, repentina­mente, súplice e ameaçador, caminhando ao meu lado, arruinando a minha saúde, dizendo é a última vez doutor, mas nunca era. Minha pressão subiu ainda mais, meu coração explodia só de pensar nele. Eu não queria mais ver aquele sujeito, que culpa eu tinha de ele ser pobre?

Resolvi parar de trabalhar uns tempos. Falei com os meus colegas de diretoria, que concordaram com a minha ausência por dois meses.

A primeira semana foi difícil. Não é simples parar de repente de trabalhar. Eu me senti perdido, sem saber o que fazer. Mas aos poucos fui me acostumando. Meu apetite aumentou. Passei a dormir melhor e a fumar menos. Via televisão, lia, dormia depois do almoço e andava o dobro do que andava antes, sentindo-me ótimo. Eu estava me tornando um homem tranqüilo e pensando seriamente em mudar de vida, parar de trabalhar tanto.

Um dia saí para o meu passeio habitual quando ele, o pedinte, surgiu inesperadamente. Inferno, como foi que ele descobriu o meu endereço? "Doutor, não me abandone!" Sua voz era de mágoa e ressentimento. "Só tenho o senhor no mundo, não faça isso de novo comigo, estou precisando de um dinheiro, esta é a última vez, eu juro!" — e ele encostou o seu corpo bem junto ao meu, enquanto caminhávamos, e eu podia sentir o seu hálito azedo e podre de faminto. Ele era mais alto do que eu, forte e ameaçador.

Fui na direção da minha casa, ele me acompanhando, o rosto fixo virado para o meu, me vigiando curioso, desconfiado, implacável, até que chegamos na minha casa. Eu disse, "espere aqui".

Fechei a porta, fui ao meu quarto. Voltei, abri a porta e ele ao me ver disse "não faça isso, doutor, só tenho o senhor no mundo". Não acabou de falar ou se falou eu não ouvi, com o barulho do tiro. Ele caiu no chão, então vi que era um menino franzino, de espinhas no rosto e de uma palidez tão grande que nem mesmo o sangue, que foi cobrindo a sua face, conseguia esconder.
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Biografia de Rubem Fonseca = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/rubem-fonseca-1925.html
Conto: Família =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/rubem-fonseca-famlia.html
Conto: O Vendedor de Seguros =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/rubem-fonseca-o-vendedor-de-seguros.html
Estudo do Livro Agosto =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/05/rubem-fonseca-agosto.html
Estudo do Livro A Grande Arte =
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/jos-rubem-fonseca-grande-arte.html

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Fonte:
FONSECA, Rubem. Contos Reunidos. SP: Companhia das Letras, 1994.

Rubem Fonseca



Artigo de Fernanda Cardoso (UNICAMP)

Rubem Fonseca inaugurou uma nova corrente na literatura brasileira contemporânea que ficou conhecida, em 1975 através de Alfredo Bosi, como brutalista. Em seus contos e romances utiliza-se de uma maneira de narrar na qual destacam-se personagens que são ao mesmo tempo narradores. Várias das suas histórias (em especial, os romances) são apresentadas sob a estrutura de uma narrativa policial com fortes elementos de oralidade.

O fato de ter atuado como advogado, aprendido medicina legal, bem como ter sido comissário de polícia, nos anos 50 no subúrbio do Rio de Janeiro teria contribuído para o escritor compor histórias do submundo dentro dessa linguagem direta. Muito provavelmente devido a isso, vários dos personagens principais em sua obra são (ou foram) delegados, inspetores, detetives particulares, advogados criminalistas, ou, ainda, escritores.

Além do tom nitidamente policialesco, em que há geralmente um crime ou um mistério a ser desvendado, sua obra pode ser vista como uma paródia do gênero policial tradicional, visto que os crimes atuam apenas como um disfarce de suas críticas a uma sociedade opressora do indivíduo. No gênero policial tradicional o mistério funciona como uma casca que encerra um caroço; ali a “morte não é nada. O assassinato não é nada. O que transtorna é a selvageria do crime, porque ela parece inexplicável”. A Rubem Fonseca – mais do que simplesmente deslindar o ato criminoso – interessa registrar o cotidiano terrível das grandes cidades e, simultaneamente, por a nu os dramas humanos desencadeados pelas ações transgressoras da ordem.

Persistem, apesar disso, algumas semelhanças entre literaturas como a de Sir Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes), que se insere nos parâmetros tradicionais do gênero, e a de Rubem Fonseca. Em ambos os autores, o enigma inicial fica por conta de um crime brutal (geralmente um homicídio) que gera toda uma atmosfera de mistério e tensão no romance e fará com que o leitor não desgrude os olhos de suas páginas antes do desenlace. Ainda podemos notar semelhança na maneira como se iniciam as investigações, isto é, o primeiro passo seja do investigador genial (Sherlock Holmes) ou do investigador comum (Mandrake, Guedes, Mattos, etc.), que será a visita ao local do crime em busca dos primeiros indícios que nortearão o processo investigativo. Além disso, encontramos outros exemplos quase irrelevantes do ponto de vista da comparação que estamos estabelecendo, mas que sugerem alguma semelhança, como a relação entre Mandrake e Wexler, em A grande arte (1983), e Sherlock e Watson como companheiros para solucionar crimes.

As diferenças, porém, são mais fascinantes. Enquanto no gênero policial tradicional temos, segundo Pierre Boileau e Tomas Narcejac (1991), um investigador portador da graça metafísica e guiado pelo pensamento positivista, em Rubem Fonseca há um investigador simples, que, ao mesmo tempo, não é como a “máquina de pensar” de Poe ou Doyle e nem como “intuição demolidora” de Hammet ou Chandler , escritores da literatura conhecida como noir. Num mundo sujo e infame, onde a moral e a ética foram dissolvidas, onde o vilão e o mocinho desaparecem, estas personagens erguem um protesto quase solitário (senão romântico) contra esta realidade que, apesar de tudo – ao contrário do romance policial tradicional – continuará suja e infame, seja o criminoso eliminado ou não. Os tempos são outros e os leitores que se aventuram por alguns dos romances policiais contemporâneos em busca de detetives com cara de herói, correm sério risco de abandonar o livro antes do final.

Rubem Fonseca é pródigo em deixar as coisas para o leitor completar. Ao escrever, o autor deve supor um interlocutor inteligente, culto, atento. Com uma inesgotável amplitude de experiências e observações, tornou-se capaz de escrever com a mesma verossimilhança sobre halterofilistas e executivos, marginais e financistas, delegados de polícia e assassinos profissionais, garotas de programa e pobres diabos que vagam sem destino pelas ruas do Rio de Janeiro. Tem, pois, como matéria-prima os dois extremos da nação: os que vivem à margem do sistema e os que constituem o núcleo privilegiado do mesmo.

O que mais choca nos romances e contos de Rubem Fonseca é o amoralismo dos bandidos. Em nenhum momento eles são atormentados por qualquer remorso ou culpa. São perversos e frios, venham dos estratos superiores ou das camadas populares. As cidades parecem vazias de inquietação ética, a não ser por alguns indivíduos que, em meio ao horror, agem movidos por um sentimento qualquer de justiça. A relação entre “mocinho” e “bandido” está presente em suas obras, contudo não nos é possível identificar exatamente quem é um e quem é o outro, pois há uma grande transitividade entre ambos fazendo com que, por exemplo, Wexler suponha que o criminoso em A grande arte seja até mesmo o próprio Mandrake: “Pode ter sido qualquer pessoa. Pode ter sido você, Mandrake.”

Não obstante as mais variadas combinações de “mocinho” & “bandido” nas personagens de Rubem Fonseca, vemos n’O caso Morel (1973) o ex-delegado e escritor Vilela & Morel; o criminalista Mandrake & Lima Prado/ Ajax ou Carmilo Fuentes, em A grande arte (1983); o detetive Guedes & Eugênio Delamare, em Bufo & Spallanzani (1985); o comissário Mattos & “O Anjo Negro” ou Fortunato, em Agosto (1990); e, para completarmos as obras aqui analisadas, Mandrake & Gustavo Flávio, em E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto (1997). Estes investigadores, inabaláveis na sua força motriz, trazem com certeza o espírito da literatura noir, desenvolvida e aperfeiçoada pelos escritores Hammet e Chandler, apesar de nem sempre se utilizarem dos mesmos meios para a solução dos crimes.

Um dos temas dominantes na obra de Rubem Fonseca é a violência que percorre as ruas brasileiras, numa espécie de guerra civil não declarada. Certas passagens de contos ou narrativas longas, como é o caso do romance A grande arte (1983) apresentam uma brutalidade tão meticulosamente narrada que se tornam leitura quase insuportável para os espíritos delicados. Esse romance tem um enredo complexo: o enigma inicial se dá através de um assassino frio que desenha, com uma faca, uma letra “P” no rosto de cada vítima. Mas esse não é o único crime que o leitor deverá descobrir em parceria com Mandrake e Wexler. Muitos outros assassinatos, sem nenhum “P” desenhado no rosto das vítimas, começam a acontecer. No entanto, nessa obra, a chave central dos enigmas é o esclarecimento do que está por detrás do conglomerado Aquiles, misto de banco, financeira, entreposto de contrabando, agência de corrupção, etc.

Algo intrigante em suas obras é condição existencial de suas personagens, sempre dominadas por uma atmosfera de violência latente. Mas, de onde virá a inspiração para a composição das misérias humanas das personagens de romances e contos de Rubem Fonseca, já que a condição humana e a violência neles formam um retrato que, a princípio, só foi proposto para a sociedade brasileira pelo próprio autor? Sua obra contém o retrato de uma violência diferenciada das obras literárias escritas, até então, no Brasil. O autor revela os primórdios de uma violência que se pulveriza em nossa sociedade nos dias de hoje, devido ao aumento das contradições sociais, sobretudo nos grandes centros urbanos do Brasil, a partir da década de 70.

Isso não nos pode induzir a ver o autor como um mero retratista da violência urbana que assola o país. Sua obra apresenta maiores sutilezas, temas mais complexos e ricos, como a solidão dos indivíduos nas grandes metrópoles. A maioria de seus protagonistas vive opressa, aturdida pela sensação de isolamento e de vácuo na alma – reside nesse ponto uma outra forma de violência, a violência do indivíduo contra si, contra os outros por sua condição e de outros contra esse indivíduo solitário. A abundância de possibilidades eróticas oferecidas pelas cidades dá a suas personagens a obsessão sexual como única alternativa ao vazio da existência, como se na satisfação física do desejo residisse à última certeza de que ainda se está vivo. Essa sensação de isolamento está muito presente em todas as suas obras como, por exemplo, os romances Agosto (1990) e do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto (1997).

Agosto (1990), obra que, apesar de fictícia, tem sua origem na história do Brasil, apresenta vários crimes que acontecem ao mesmo tempo e cujo clímax fica por conta do suicídio de Getúlio Vargas, que interfere muito na vida do comissário Mattos. Mattos é uma dessas personagens que tem no individualismo a marca de sua condição existencial. Podemos sugerir aqui a presença do próprio autor – executivo da empresa Light durante a década de 60, homem de ação e ativista político –, que participou ativamente do movimento que culminou no golpe de 64, mostrando, tal qual a personagem Mattos, sua crença em certos valores capitalistas como o individualismo que se realiza através da liberdade.

E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto (1997) é, entre os estudados, seu romance mais atual. Nessa obra, Rubem Fonseca apresenta o escritor Gustavo Flávio que já fora sua personagem em Bufo & Spallanzani (1985), e também o criminalista Mandrake d’A grande arte (1983). Gustavo Flávio é dessa vez, relacionado com outro crime e, talvez por seu “currículo” (em Bufo & Spallanzani esteve relacionado com a morte de Delfina Delamare), seja o principal suspeito até mesmo para sua nova companheira. Mandrake é quem irá trabalhar no caso e tentar desvendar o crime. Assim como Mattos (Agosto, 1990), a condição existencial que marca a vida de Gustavo Flávio é o individualismo. Ele se sente isolado, porém quer sentir-se isolado, e por não gostar que ninguém mexa em suas coisas, faz com que acreditem estar escondendo algo.

Uma outra forma de violência que está presente nas obras de Rubem Fonseca, é a violência do autor contra o leitor. Através da análise das relações entre violência e linguagem, podemos sentir a hostilidade no contato com o leitor. Esta hostilidade se traduz pela violência discursiva, tanto através de expedientes formais (estilo seco e entrecortado, frases curtas), como através dos recursos de conteúdo, nas situações-limite em que envolve as personagens. Supondo que a linguagem em geral tem escondido o que justamente importa revelar, Rubem Fonseca propõe o inverso: da “matéria bruta” concernente à realidade para a sua representação na narrativa, uma série de desmistificações se faz necessárias, e na base delas está, sobretudo, a desmistificação da linguagem. A linguagem violenta tem uma função definida frente ao seu leitor: a de presentificar a violência de modo a que ele não tenha mais condições de questioná-la. Entretanto, somos acostumados a abrandar, através de mecanismos vários (como o silêncio, por exemplo), o efeito do que tem que ser dito pelo modo de o dizer, ficamos surpresos diante de uma linguagem tão avessa a atenuações.

Além das várias formas de violência e da solidão dos indivíduos nas grandes metrópoles, há um outro tema a ser abordado por quem se pretende a estudar as obras de Rubem Fonseca: o erotismo. Aqui vemos também a ironia e a pornografia utilizadas pelo autor para compor suas obras e suas críticas a uma sociedade que oprime, isola e maltrata seus indivíduos, especialmente – pela biografia desse autor – na cidade do Rio de Janeiro.

Os temas apontados como próprios de Rubem Fonseca apontam para o embate dos valores humanos que coexistem na grande cidade, onde a uma mitologia urbana imposta socialmente surge em contrapartida à convergência de cenas avassaladoras de sexo e violência. A perspectiva extremista indicia a desmistificação, o desmascaramento dos mitos sob os quais o homem urbano tenta sobreviver, e revela, sobretudo que a tensão entre o real e o ideal se dá, no limite, através do pequeno liame que separa a vida da morte.

Se pudermos considerar, com Georges Bataille, que o erotismo “é a aprovação da vida até na própria morte”, então esse encanto pela morte, revelado sobretudo na passagem da atitude normal à do desejo, é a manifestação culminante da nostalgia da continuidade do ser, ao colocar repentinamente em questão a vida descontínua (do trabalho e da razão). Então a “aprovação da vida na própria morte” configura-se como um desafio, por indiferença, à própria morte. Por acreditar que o erotismo está na base da condição humana é que Rubem Fonseca o tematiza em sua literatura e o abraça em todas as suas manifestações.

Podemos notar manifestações claras do poder do erotismo em Rubem Fonseca n’O caso Morel (1973), em que Paul Morel (artista de vanguarda, famoso e excêntrico), acusado pelo assassinato de Joana, conta a história de sua vida a Vilela (ex-delegado e, atualmente, escritor) por meio de personagens fictícias. Enquanto Morel busca em Vilela conselhos para o livro que pretende escrever, Vilela mira-se em Morel enxergando em seu caso os contornos de seu próprio destino. Por meio dessa história recheada de erotismo, hedonismo, pornografia, arte e morte, o delegado Matos espera descobrir o verdadeiro culpado de um crime bárbaro do qual Morel é o principal suspeito.

Outro romance que traz a erotização de suas personagens como afirmação da vida é Bufo & Spallanzani (1985). Rubem Fonseca mostra sua intenção desde a escolha do título da obra: Spallanzani foi um cientista italiano que estudou o instinto de preservação da espécie entre os sapos, mais especificamente no Bufo; seus estudos comprovaram que, mesmo com as duas patas de trás carbonizadas, o macho não abandonava a fêmea com a qual estava copulando. Além do título, o início do primeiro capítulo de seu romance (“Foutre ton encrier”), apresenta uma carta de Gustavo Flávio a uma de suas namoradas, Minolta: “Você fez de mim um sátiro (e um glutão), por isso gostaria de permanecer agarrado às suas costas, como Bufo, e, como ele, poderia ter minha perna carbonizada sem perder essa obsessão”. Essa obsessão sexual que a própria personagem deixa clara desde o princípio permeará toda a obra.

Apesar de ter participado ativamente do golpe de 64, Rubem Fonseca foi censurado posteriormente, em 1975, com o livro de contos Feliz Ano Novo por motivos que ainda permanecem obscuros. Mas ele não desistiu de suas críticas e suas obras alcançaram e continuam alcançando cada vez mais leitores. Dessa forma, numa atitude – apontada por François Warin – semelhante à de Nietzsche, Artaud e Bataille, Rubem Fonseca também objetiva a desmistificação, no sentido de “reabrir a arte à vida, enraizá-la no corpo, desublimar a cultura, denunciando os julgamentos demasiado virtuosos que a justificam” . E sem qualquer abrandamento.

Fonte:
http://www.brasilescola.com/literatura/rubens-fonseca.htm

domingo, 10 de maio de 2009

Sylvio Magellano (O Casarão)

Casarão do Cardoso (Paulo Leuzzi)

O Casarão

Na casa onde as horas passam sem cessar,
passaram todos,
só ela permanece no mesmo lugar.

Impassível,
no seu insólito silêncio,
Acima do imensurável tempo.
Além de todas as vaidades.

Em cima do “etajer”
Retratos dos antepassados,
a porcelana de “sérvres”
aguarda a hora de servir o chá
ao convidados.

Ainda ouço o ecoar de meus passos
pelo assoalho de madeira da sala de jantar,
marfim, Ipê, Pinho de Riga,
o som de minhas botas
me acompanha por toda a vida.

No espelho de cristal
da penteadeira de meu quarto,
eu vejo um rosto triste, esvaecido,
como um retrato antigo.
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Sylvio Magellano é seu nome artístico. Seu nome de batismo é Sylvio Álvares de Magalhães. Paulista do Vale do Paraíba, radicado em Curitiba.
Poeta titular da cadeira nr. 06 da Academia Paranaense de Poesia, cujo patrono é Leôncio Correia.
Diretor da Sala do Poeta desta academia.
Participa da Oficina Permanente de Poesia, sob a coordenação da Prof. Roza de Oliveira, Presidente da Academia Paranaense da Poesia, onde proferiu várias palestras: A poesia de Leôncio Correia, O mal do século, A Poesia Social de Castro Alves, Álvares de Azevedo – Literatura e poesia do século 19, Poesia e Auto Retrato, bem como, “Enfoque crítico sobre a obra de Machado de Assis”, proferida no Centro de Letras do Paraná.
Participou de várias Antologias Poéticas, a última “Poesia do Brasil”, Vol.7 (Proyecto Cultural Sur/Brasil, 2008).
Foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba, com diploma pelo “Dia da Comunidade Luso Brasileira” e por sua “Contribuição a Literatura Paranaense”, ambos por indicação do Vereador Ângelo Batista.

Fontes:
http://simultaneidades.blogspot.com/
Imgem = http://www.estacoesferroviarias.com.br/

Josué Montello (Os Tambores de São Luís)



(significado das palavras negritadas no vocabulário ao final do texto)

Até ali os tambores da Casa-Grande das Minas tinham seguido seus passos, e ele via ainda os três tamboreiros, no canto esquerdo da varanda, rufando forte os seus instrumentos rituais, com o acompanhamento dos ogãs e das cabaças, enquanto a nochê Andreza Maria deixava cair o xale para os antebraços, recebendo Toi-Zamadone, o dono do lugar.

Por vezes, no seu passo firme pela calçada deserta, deixava de ouvir o tantantã dos tambores, calados de repente no silêncio da noite, com o vento que amainava ou mudava de direção. Daí a pouco Damião tornava a ouvi-los, trazidos por uma rajada mais fresca, e outra vez a imagem da nochê, cercada pelas noviches vestidas de branco, lhe refluía à consciência, magra, direita, porte de rainha, a cabeça começando a branquear.

Fora ela que viera buscá-lo, à entrada do querebetã. A intenção dele era apenas ouvir um pouco os tambores e olhar as danças, sentado no comprido banco da varanda, de rosto voltado para o terreiro pontilhado de velas. Já o banco estava repleto. Muitas pessoas tinham sentado no chão de terra batida, com as mãos entrelaçadas em redor dos joelhos; outras permaneciam de pé, recostadas contra a parede. Mas a nochê, que o trouxera pela mão, fez cair do banco um dos assistentes, e ele ali se acomodou, em posição realmente privilegiada, podendo ver de perto os tambores tocando e as noviches dançando, por entre o tinir de ferro dos ogãs e o chocalhar das cabaças.

Vez por outra sentia necessidade de ir ali, levado por invencível ansiedade nostálgica, que ele próprio, com toda a agudeza de sua inteligência superior, não saberia definir ou explicar. O certo é que, ouvindo bater os tambores rituais, como que se reintegrava no mundo mágico de sua progênie africana, enquanto se lhe alastrava pela consciência uma sensação nova de paz, que mergulhava na mais profunda essência de seu ser. Dali saía misteriosamente apaziguado, e era mais leve o seu corpo e mais suave o seu dia, qual se voltasse a lhe ser propício o vodum que acompanha na Terra os passos de cada negro.

Embora só houvesse no céu uma fatia de lua nova, por cima da igreja de São Pantaleão, uma tênue claridade violácea descia sobre a cidade adormecida, com a multidão de estrelas que faiscavam na noite de estio. Em cada esquina, a sentinela de um lampião, com seu bico de gás chiante. Todas as casas fechadas. Perto, para os lados da Rua da Inveja, o apressado rolar de um carro, com o ruído do cavalo a galope nas pedras do calçamento. E sempre o baticum dos tambores, ora fugindo, ora voltando, sem perder a cadência frenética, muito mais ligeira que o retinir das ferraduras.

No canto da Rua do Passeio com a Rua do Mocambo, antes de passar para a calçada fronteira, Damião parou um momento, batido em cheio pela claridade do gás.

Resguardado do sereno pelo chapéu de feltro inglês, presente do Governador Luís Domingues no último Natal, parecia mais comprido, a espinha dorsal direita, o corpo seco e rijo, os ombros altos. Aos oitenta anos, dava a impressão de ter sessenta, ou talvez menos, com muita luz nos olhos, o passo seguro, a cabeça levantada. Até o começo do século, não dispensava a bengala de castão de prata com que entrou pela primeira vez no sobrado do Foro, sobraçando a sua pasta de solicitador, para defender outro negro. Agora, trajava com simplicidade, muito limpo, a barba escanhoada, o paletó abotoado acima do peito, um alfinete de ouro junto ao laço da gravata.

- Faça favor...

Damião assustou-se com a voz rouca que lhe vinha por trás do ombro direito, do lado da Rua do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos. E deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino, enxuto, metido na sua sovada casaca de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado, bigode, nos negros olhos uma faísca de loucura, e que logo lhe disse, com um pedaço de papel impresso na ponta dos dedos:

- É o convite para o meu próximo espetáculo:

- Outra vez A queda da Bandeira?

- É. O pessoal pede sempre. E o público é quem manda.

Damião quis ainda saber por que o velho mágico preferia aquela hora da noite, com as casas fechadas, para distribuir os seus convites.

- De dia - redargüiu ele, dando-lhe outro convite - os moleques vêm atrás de mim, me chamando de Troíra. Chegam a atiçar cachorros para me morder. De noite é mais calmo: os moleques estão dormindo.

E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar o papelucho por baixo das portas, sem ruído, apenas roçando o chão da calçada com seu passo macio.

Já fazia alguns anos que Damião vira aparecer na cidade aquela figura caricata, debaixo de uma cartola preta, casaca, sapatos cambados, a andar acima e abaixo, com uma pasta de couro, também preta, e apresentando-se no Largo do Carmo, no Palácio do Governo, na redação dos jornais, no Liceu, no Paço Episcopal, e também à porta das igrejas, nas missas dominicais e nos casamentos, como - o Ilusor Maranhense. Dias depois, apenas por curiosidade, tinha ido assistir, no Teatro São Luís, ao seu primeiro espetáculo, que daí em diante se repetia todos os anos: a caprichada mágica intitulada A queda da Bandeira. Sátiro subia uma escada, até o último degrau, bem no centro do palco, e dali, com uma bandeira desfraldada, recitava comprido bestialógico, cheio de palavras abstrusas, numa suposta língua de sua invenção, o gramazino, da qual proporcionava antes um pano de amostra com esta explicação: "O A do alfabeto gramazino é a mesma coisa que o A do alfabeto em português, com a diferença de que se escreve de cabeça para baixo e tem o som de bé." Em seguida, enrolava-se na bandeira. Um tiro de pólvora seca estrondava, assustando a platéia. E eis que o mágico se atirava lá do alto, em arremesso, como se fosse voar, e caía pesadamente cá embaixo, nas tábuas do chão.

- Bis, bis - gritava-lhe da torrinha.

E Sátiro repetiu o monólogo, uma, duas, várias vezes, com o mesmo tiro e a mesma queda, até que Damião, compadecido de sua insânia, começou a reclamar - Chega! Chega! - e o mágico afinal se retirou, manquejando, uma das mãos no quadril machucado, enquanto o pano do teatro vinha descendo, debaixo de gritos e assobios.

Antes que ele desaparecesse, sempre a enfiar o impresso por baixo das portas, Damião mudou de calçada, ainda ouvindo o baticum dos tambores. Para trás, em linha reta, ficava o Cemitério do Gavião, com o Padre Policarpo, a Genoveva Pia, a Aparecida, o Dr. Celso de Magalhães, a Dona Bembém, a Dona Páscoa, a Dona Calu, o amigo Barão, cada qual no seu jazigo ou na sua cova rasa, na santa paz do Senhor. A frente, era o Largo do Quartel; em seguida, torcendo para a direita, a Rua das Hortas, o Largo da Cadeia, a Praia do Jenipapeiro e por fim a Gamboa, com a casa de sua bisneta, num cômoro verde que escorregava para o mar.
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Vocabulário
Nochê =Sacerdotisa suprema, figura principal da hierarquia feminina do culto da casa grande das minas
Noviche =Iniciada no culto jeje tradicionalista da casa das minas.
Querebatã = (regionalismo do Maranhão) o terreiro onde dançam ritualmente os vodus
Abstrusas = incongruentes.
Cômoro =obra de terra que se constrói, como um valado, à margem de um rio, para que suas águas não inundem os campos; elevação de terreno não muito alta; duna.

Fontes:
MONTELLO, Josué. Os Tambores de São Luís. RJ: José Olympio, 1975
Pequeno Glossário dos Cultos Afro-Brasileiros. http://www.quilombodospalmares.org.br/
Dicionário Eletrônico Houaiss. abril 2007.

Josué Montello (1917 – 2006)



Josué de Souza Montello nasceu em São Luís, a 21 de agosto de 1917. faleceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em 15 de março de 2006. Fez em São Luís seus estudos dos cursos fundamental e médio e colaborou em diversos jornais, a exemplo de A Tribuna, Folha do Povo e O Imparcial. Ainda estudante do Liceu Maranhense, dirigiu A Mocidade, órgão do corpo discente daquele tradicional estabelecimento de ensino.

Integrou, em 1932, o Cenáculo Graça Aranha. Em 1936 transferiu-se para Belém-PA, onde fez sua estréia em livro, com História dos homens de nossa História, de parceria com Nélio Reis. No fim desse ano mudou-se para o Rio de Janeiro. Ali participou da redação de inúmeros jornais e revistas, tornou-se técnico do MEC e publicou, em 1941, seu primeiro romance: Janelas fechadas.

Romancista, novelista, contista, teatrólogo, historiador, cronista, ensaísta, biógrafo, conferencista, professor.

Foi adido cultural do Brasil em Lima, Lisboa, Madri e Paris. Diretor da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, do Serviço Nacional de Teatro, do Museu Histórico Nacional, subchefe da Casa Civil do Presidente da República, fundador e primeiro diretor do Museu da República; autor da proposta de criação e primeiro presidente do Conselho Federal de Cultura; membro dos Conselhos Federal de Educação, Social Rural, do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de Orientação Nacional do Livro, Consultivo do Instituto Cultural Brasil-Argentina, de Desenvolvimento do Nordeste, Estadual de Cultura do Maranhão; reitor da Universidade Federal do Maranhão; embaixador do Brasil junto à Unesco, de 1985 a 1989; presidente da Academia Brasileira de Letras, 1995-96.

Possui, entre outras, as seguintes comendas e condecorações:
Ordem do Sol (Peru);
Ordem do Infante Dom Henrique (Portugal);
Legião de Honra da França;
Ordem do Mérito Naval;
Medalha do Sesquicentenário do Arquivo do Exército;
Ordem do Mérito das Forças Armadas, da Ordem do Mérito de Brasília,
Ordem do Mérito do Grão-Pará,
Medalha Anchieta;
Medalha Cultural Alexandre de Gusmão;
Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (Portugal);
Ordem de Andrés Bello (Venezuela);
Ordem do Congresso Nacional;
Medalha Cultural Pedro I;
Medalha Marechal Hermes;
Mérito Timbira e João Lisboa, do Estado do Maranhão;
Medalha Sousândrade do Mérito Universitário, da Universidade Federal do Maranhão;
La Ravardière, da Prefeitura de São Luís.

É catedrático honorário da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, do Peru, e doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Maranhão.

Pertence, entre outras instituições culturais, à Academia Brasileira de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ao Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará, à Academia das Ciências de Lisboa, à Academia Portuguesa de História, à Sociedade de Geografia de Lisboa.

Colaborador permanente da revista Manchete e do Jornal do Brasil, por longos períodos. No último, durante cerca de 40 anos.

Distinguido com os prêmios literários de Teatro, Romance e Ensaio da ABL; de Intelectual do Ano, da UBE; Fernando Chinaglia, da UBE/RJ, e Luís Cláudio de Souza, do Pen Club do Brasil, por Os degraus do paraíso; de Romance, da Fundação Cultural de Brasília, por Cais da sagração.

Ocupou a cadeira nº 29 da Academia Brasileira de Letras por 51 anos. Cadeira n. 31 da Academia Maranhense de Letras.

Bibliografia

Romance:
Janelas fechadas; A luz da estrela morta; Labirinto de espelhos ; A décima noite ; Os degraus do paraíso ; Cais da sagração ; Os tambores de São Luís ; Noite sobre Alcântara ; A coroa de areia ; O silêncio da confissão ; Largo do Desterro ; Aleluia ; Pedra viva ; Uma varanda sobre o silêncio ; Perto da meia-noite ; Antes que os pássaros acordem ; A última convidada ; Um beiral para os bentivis ; O camarote vazio ; O baile da despedida ; A viagem sem regresso ; Uma sombra na parede ; A mulher proibida ; Enquanto o tempo não passa

Novela:
O fio da meada ; Duas vezes perdida ; Numa véspera de Natal ; Uma tarde, outra tarde ; A indesejada aposentadoria ; Um rosto de menina e outras novelas reais

literatura infantil e juvenil
O tesouro de Dom José ; As aventuras do Calunga ; O bicho do circo ; A viagem fantástica ; A cabeça de ouro ; As três carruagens e outras histórias ; Fofão, Antena e o vira-lata inteligente ; O carrasco que era santo

Ensaio
Gonçalves Dias ; Histórias da vida literária ; O Hamlet de Antônio Nobre ; Cervantes e o moinho de vento ; Fontes tradicionais de Antônio Nobre ; Ricardo Palma, clássico da América.; Artur Azevedo e a arte do conto ; Estampas literárias ; Caminho da fonte ; A oratória atual do Brasil ; O Presidente Machado de Assis ; O conto brasileiro: de Machado de Assis a Monteiro Lobato ; Uma afinidade de Manuel Bandeira: Vicente de Carvalho ; Santos de casa ; Uma palavra depois da outra ; Un maître oublié de Sthendal ; Estante giratória ; Machado de Assis; Ruy, o parlamentar; Literatura para professores do 1º grau ; Fachada de azulejo; O tempo devolvido; Cenas e figuras da História do Brasil ; Baú de juventude ; A Academia Brasileira entre o Silogeu e o Petit Trianon ; A condição literária.

História
História dos homens de nossa história ; Os holandeses no Maranhão ; Theremin ; História da Independência do Brasil, 4v. ; Pedro I e a Independência do Brasil à luz da correspondência epistolar

história literária
Pequeno anedotário da Academia Brasileira ; Na casa dos 40 ; Anedotário geral da Academia Brasileira ; Aluísio Azevedo e a polêmica d’O Mulato ; A polêmica de Tobias Barreto com os padres do Maranhão ; O modernismo na Academia; testemunhos e documentos

Crônica:
Os bonecos indultados ; Lanterna vermelha ; Janela de mirante

Antologia
Aluísio Azevedo ; Machado de Assis ; Para conhecer melhor Gonçalves Dias ; Para conhecer melhor José de Alencar.

Teatro
Escola da saudade (comédia em 3 atos) ; O verdugo (drama em 1 ato) ; A miragem (comédia em 3 atos) ; Através do olho mágico (comédia em 3 atos) ; O anel que tu me deste (comédia em 3 atos) ; A baronesa (comédia em 3 atos) ; Alegoria das três capitais (espetáculo oficial da inauguração de Brasília); Um apartamento no céu (peça em 4 atos).

A obra romanesca de Montuello até Perto da meia-noite foi reunida em Romances e novelas, 3v. Rio de Janeiro: Nova Aguilar/INL, 1986. No volume Romances escolhidos (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996) foram reeditados Os tambores de São Luís, Noite sobre Alcântara, A luz da estrela morta, Cais da sagração, O baile da despedida, Antes que os pássaros acordem, Aleluia e, pela primeira vez, editado A mulher proibida.

Fonte:
Academia Maranhense de Letras. http://www.academiamaranhense.org.br/

Bioque Mesito (A efervescente poesia da Cidade de Sousândrade)



O passado e o presente bem próximos: um rápido panorama da poesia maranhense nas últimas décadas. – Há quem diga que a poesia morreu. – Ceticamente falando, não. Não é exagero afirmar que a poesia, como as outras artes, passa por um momento de reformulações e todo processo de mudança é gradual. Vivemos, ainda, os reflexos da década de 60 e para muitos o século 19 ainda é uma grande referência em termos estéticos.

Certo. Porém, a contribuição legada por Sousândrade, Gonçalves Dias, Odylo Costa, filho, Maranhão Sobrinho, Nauro Machado, José Chagas e Ferreira Gullar (falando exclusivamente da poesia maranhense), não é de ficar de longe do que já foi produzido no restante do país e em outros lugares do mundo. O que questionamos é o que está relacionado ao momento no qual estamos inseridos: suas transformações dinâmicas, avanços tecnológicos, o surgimento de uma nova concepção nas formas de pensar e agir. O homem deste século é mais ávido, veloz, mais exigente, tem mais sede por informações, pois já acumula mais de vinte séculos de experiências em todos os campos do conhecimento humano.

Os poetas de hoje têm uma missão muito diferenciada, principalmente os poetas maranhenses, porque a poesia do nosso Estado é referência entre as outras existentes no país. O erro de alguns poetas é justamente quererem quebrar demais ou então serem anarquistas da palavra, estes acrescentam algumas coisas, mas ainda muito frágeis. Os poetas que quiserem ser referência em um futuro serão aqueles que aproveitarem o conhecimento do passado e modificarem aos poucos sua estética. Como já dissemos, toda mudança acontece aos poucos. A ruptura não é repentina.

Ferreira Gullar soube muito bem seguir este caminho de mudança com seus antecessores, tão verdade é essa afirmação que atualmente é o maior poeta em atividade do nosso país. Gullar sempre bebeu nas referências do passado, mas também sempre esteve com os olhos no presente. Nauro Machado e Luís Augusto Cassas são nomes que devem ser levados em consideração e sobre os quais falaremos oportunamente.

A antologia Hora de Guarnicê, dos anos 70, corresponde a uma geração muito boa e que projetou nomes como Chagas Val, Valdelino Cécio, Rossini Corrêa, Raimundo Fontenele e Luís Augusto Cassas.

Ufa! Chegamos à década de 80. O que falar dessa década se até os críticos, professores acadêmicos, literatos fecham os olhos para ela? Nós, não. A poesia das décadas de 80, 90 e início deste século vem com muita felicidade (apesar de todos os contras) honrado, com bastante autoridade, a tradição dos poetas da Cidade de Sousândrade. Sempre quando se trata da poesia dessa época, recai o conceito de poesia marginal, contra o sistema, panfletária. O que não se observa em um primeiro momento é o que de potencial tem esses poetas. Mesmo a “Akademia dos Parias” e suas performances pelos becos do Centro Histórico de São Luís possuiu sua importância nos ditames de nossa literatura.

É bem verdade que desse grupo apenas meia-dúzia escrevia uma poesia de qualidade, séria. Os Parias foi um grupo efêmero e evaporou. Apenas 3 poetas desse grupo sobreviveram – Paulo Melo Souza, Celso Borges e Fernando Abreu. Este último, apesar de 2 livros lançados na praça, não conseguiu empolgar, como no tempo dos Parias, atualmente, faz composições para o cantor Zeca Baleiro. Já Paulo Melo Souza e Celso Borges respiraram outras fontes e levaram a poesia por outras fronteiras. Celso Borges, sempre compromissado com a estética da palavra, em seus poemas parece chegar a gritar com a insatisfação por que passa o momento da poesia produzida no Brasil. Paulo Melo Souza é outro importante poeta dessa época e continua, entre seus poemas, buscando e aprimorando seu estilo, sem se falar que é um combatente exímio contra as politicagens que permeiam nosso Estado. Paulo Melo é um poeta antenado com as modificações do pensamento humano e da literatura.

Os poetas do Safra 90 (nome dado a uma antologia lançada pelo governo local, em 1997, formada por 23 poetas que compunham a cena poética do final do século 20 e início do século 21) poucos, desses poetas que integram esta antologia, ainda demonstram que vieram para ficar. Nomes como Antonio Aílton, Rosemary Rêgo, Hagamenon de Jesus, Bioque Mesito, Dyl Pires, Jorgeane Braga, Eduardo Júlio, Paulinho Dimaré, Marco Pólo Haickel, - estes 3 últimos nomes, apesar de não fazerem parte do Safra 90, comunicam do mesmo momento literário, e todos já possuem importantes premiações locais e nacionais, além de possuírem seus livros lançados. O que demonstra, para os que fazem vista grossa ou que desconhecem, que a produção maranhense continua muito boa e a renovação está acontecendo com qualidade.

Alguns entraves, mas, no final de tudo, a poesia prevalece – Falando, especificamente, do Festival Maranhense de Poesia - evento promovido pela Universidade Federal, juntamente com o seu Departamento de Assuntos Culturais, em suas últimas edições vem perdendo o fôlego. A boa vontade do Diretor do Departamento de Assuntos Culturais, Euclides Barbosa Moreira Neto, é o que ainda impulsiona esse evento. Euclides vem dando chances aos artistas locais com sua política de difusão.

O festival de poesia está repleto de poemas de baixa qualidade. Talvez por falta de uma lista de seleção mais rigorosa e também pelo grande número de concorrentes nas eliminatórias. Com certeza, diminuindo o número de participantes nas eliminatórias, o público ganhará com poesias de melhor qualidade e não o que vem acontecendo – poemas muito fracos, em sua maioria. Compreendemos, Euclides, a política que você realiza. O evento deveria ser realizado em apenas uma semana, com palestras, oficinas e debates sobre a literatura maranhense e brasileira. Assim, o Festival só ganharia e poderia possuir a estirpe do Maracanto e/ou do Guarnicê – Cine/Vídeo, a maior e melhor realização do Departamento de Assuntos Culturais, coordenado por Euclides.

Já em 3 oportunidades fui júri deste festival e recebi inúmeras críticas. Eu sempre as rebatia afirmando que a culpa não está na direção do Festival, nem tampouco no corpo de jurados, mas, sim, em quem está produzindo esses textos e colocando-os para serem julgados. O aspecto interpretativo também é outro ponto que deve ser questionado, pois, grande parte dos atores que interpretam os textos dos poetas sabe muito pouco, quando sabe, do que vem a ser poesia e realizam interpretações, muitas vezes, distantes do que a poesia está realmente falando.

Mesmo assim podemos perceber muitos pontos positivos no Festival Maranhense de Poesia. O festival é um evento que aproxima o público da poesia e também serve de intercâmbio entre os poetas. Este ano o Teatro Arthur Azevedo ficou completamente lotado, o que demonstra o valor desse evento e da poesia maranhense. O festival é um dos poucos que ainda privilegia o talento poético em nosso Estado, somando-se, é claro, ao Concurso Cidade de São Luís, da Fundação Municipal de Cultura.

Em uma cidade que respira poesia e tem uma efervescência poética, ainda é pouco. Temos, por exemplo, uma Academia Maranhense de Letras que passa quase sua totalidade fechada, sem realizar quase nada em prol dos escritores. Academia de Letras que é de suma importância na fomentação da cultura do nosso Estado, mas, que faz muito pouco, além de não socializar a Casa de Antonio Lobo, fechando-a para os intelectuais e o público em geral. A Academia Maranhense de Letras, esperamos, em sua nova administração, que democratize a Casa de Antonio Lobo e abra as portas para projetos práticos, sem o caldo político que era prática comum na gestão anterior.

Sim. Voltando ao Festival Maranhense de Poesia, mais uma vez. Esse festival, ao longo dos anos, serviu para descobrir vários poetas como são os casos de Paulo Melo Souza, Roberto Kenard, Fernando Abreu, Antonio Aílton, Paulinho Dimaré, Rafael Oliveira, Ribamar Feitosa, Rosemary Rêgo, Mauro Ciro, Eduardo Júlio, Maria Aparecida Marconcine, Josoaldo Rêgo, César Borralho, João Almiro Lopes Neto, Francisco Tribuzi, Bioque Mesito, Dyl Pires, Cibele Bittencourt, César William, Junerlei Moraes, Geane Fiddan, Lúcia Santos, Ronnald Kelps, dentre outros.

Fonte:
Suplemento Cultural & Literário Guesa Errante. Ano V. 2006. Edição 145. http://www.guesaerrante.com.br/

Academia de Letras do Maranhão



1908: O ano de fundação da AML

Nada melhor do que um recuo de 100 anos no tempo, para mostrar, ainda que de forma sumária, como era o Brasil, o Maranhão e São Luís na época da fundação da Academia Maranhense de Letras, a 10 de agosto de 1908, quando doze intelectuais se reuniram, em São Luís, com o propósito de criar uma nova instituição cultural, que recebeu inicialmente a denominação de Academia Maranhense, mas, mercê da reforma estatutária de 1934, passou a ser denominada de Academia Maranhense de Letras.

No ano de nascimento da nossa Academia, o Brasil mostrava que o regime republicano, proclamado havia não mais que dezenove anos, chegara para impor-se como forma de governo. O país vivia nova fase histórica, pois o comando da nação não dependia mais da vontade dinástica, mas de um processo eleitoral, conquanto vulnerável e fraudulento, que daria ao segmento elitizado o direito de eleger os seus representantes.

O mineiro Afonso Pena se encontrava à frente do Poder Executivo do Brasil, por efeito de uma eleição realizada em1906, que o elegera para o cumprimento de um mandato a se findar em 1910, mas interrompido em razão de seu falecimento em junho de 1909. Antes de assumir o governo da República, ele veio ao Maranhão, em julho de 1906, a convite do governador Benedito Leite, para realizar uma excursão ao rio Itapecuru, ao final da qual se convenceu da necessidade da construção de uma estrada de ferro, ligando São Luís a Caxias.

O Poder Legislativo, composto de Senado e Câmara dos Deputados, cujos membros eram eleitos também pelo voto livre, tinha na presidência do primeiro o fluminense Nilo Peçanha e, no comando da segunda, o mineiro Carlos Peixoto Filho.

Em 1908 tiveram ressonância na sociedade fatos como: a atracação no Porto ,de Santos do primeiro navio trazendo imigrantes japoneses para trabalhar nas lavouras de café de São Paulo; a inauguração no Rio de Janeiro da Exposição Nacional, da qual o Maranhão participou, em comemoração ao primeiro centenário da Abertura dos Portos; aprovação da lei que tornava o serviço militar obrigatório para homens entre 21 e 44 anos; o desaparecimento, nos meses de setembro e outubro, de dois expressivos representantes da cultura brasileira, o escritor Machado de Assis e o dramaturgo Artur Azevedo, e o nascimento de João Guimarães Rosa, Sílvio Caldas, Cartola e Luis Viana Filho.

O Cenário Maranhense

Em 1908, o Maranhão atravessava uma fase de relativa tranqüilidade institucional, por conta do ajustamento de suas forças políticas ao novo regime implantado no país. Benedito Leite, que desde novembro de 1891, como integrante de uma Junta Governativa Provisória, impôs-se como a figura mais proeminente da vida pública maranhense, elegeu-se governador do Estado, para o quadriênio 1906 a 1910.

Nesse ano, ele cumpria o seu terceiro ano de mandato, no exercício do qual se consolidava como o grande chefe político estadual Ele teve nesse época de empenhar-se com todas as forças para vencer a crise financeira em que se debatia o Estado, com a adoção de medidas que visavam melhorar a agricultura e a pecuária, reduzindo impostos, instituindo prêmios, criando novos serviços e aperfeiçoando os já existentes. Em que pese todo esse esforço, as dificuldades não foram superadas.

A crise financeira do Estado, que resultou inclusive no atraso do pagamento do funcionalismo público, fez agravar o estado de saúde do governador. Uma junta médica aconselhou seu afastamento do Governo e uma viagem para tratamento da debilitada saúde na Europa. Foi para a França, onde veio a falecer em 6 de março de 1909.

No ano de fundação da Academia Maranhense de Letras, o Congresso Legislativo do Estado era composto de 30 deputados, sendo 24 do governo e 6 da oposição. Da Mesa Diretora do Congresso do Estado faziam parte os deputados: Joaquim Gonçalves Ribeiro, presidente; José Eusébio de Carvalho Oliveira, 1 ºvice; Manoel Inácio Dias Vieira, 2º vice; Manoel Gomes Veras, 1º secretario; e Manoel Ribeiro da Cruz, 2º secretario.

O Congresso Legislativo, naquela época, funcionava apenas nos meses de março e abril. Em 1908, os deputados aprovaram 28 leis. Compare-se esse número com a fúria legiferante de hoje no Brasil, que produz novas leis em série.

Nesta legislatura, os deputados Clodomir Cardoso, Domingos Barbosa (um dos fundadores da Academia), Francisco da Cunha Machado, Joaquim Ribeiro Gonçalves, João Vital de Matos, João Dunshee de Abranches Moura, José Eusébio de Carvalho Oliveira, José Barreto da Costa Rodrigues e Luiz Carvalho eram apontados como os mais brilhantes e atuantes.

O Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, assim chamado desde o advento do regime republicano, era presidido, em 1908, pelo desembargador Francisco Xavier dos Reis Lisboa, nomeado para o cargo pelo governador Lourenço de Sá em 27 de agosto de 1891, e eleito para dirigir o STJ de 1906 a 1912.

A Diocese do Maranhão, naquele começo de século, tinha em D. Francisco de Paula e Silva o seu comandante espiritual. Nomeado pelo Papa Pio X , assumiu o Governo do Bispado em 30 de agosto de 1907. Em 15 de julho de 1908, o prelado assinou uma portaria determinando que “não se iniciem construções de igrejas ou capelas sem antes ser passada escritura pública de doação de terreno necessário ao edifício com larga área ao redor e apresentada a planta com orçamento, com aprovação pela Diocese, que entrará na posse do conjunto”.

Para melhor compreensão da situação econômica do Maranhão, no raiar do século XX, nada melhor do que Bandeira Tribuzi, que, no no seu estudo Formação Econômica do Maranhão, esclareceu: “Com todos os percalços de uma agricultura em crise grave – e uma vez mais reduzida à rigidez da monocultura do algodão, pelo fracasso da tentativa agro-industrial do açúcar, de tão curta duração – e de uma indústria que apresentava esforço superior à sua real capacidade financeira, o Maranhão ingressou no século XX sem boas perspectivas”.

Malgrado essa situação de dificuldade econômica, a Associação Comercial do Maranhão, fundada em 1854, não media esforços, em 1908, para reverter esse quadro desalentador. De sua diretoria, faziam parte o presidente Emilio José Lisboa, o vice-presidente, José João de Sousa, o 1º secretário, Manuel Ribeiro de Faria, o 2º secretário, Artur Leão e Silva, e o tesoureiro, Manuel Alves de Barros.

O trabalho da diretoria da ACM era principalmente focado para a construção da Estrada de Ferro São Luís-Teresina, que vinha sofrendo interrupções constantes pelo não cumprimento do contrato das firmas construtoras com o Estado com vistas à execução da obra no tempo previsto.

As viagens fluviais e marítimas eram realizadas por empresas nacionais e internacionais, destacando-se a Companhia de Vapor do Maranhão, Companhia Fluvial Maranhense, Loyd Brasileira, The Booth Steanshipg Com. Ltda e os vapores alemães, em que vinham os produtos de consumo local. Em São Luís, tais artigos eram comercializados por firmas maranhenses ou de representações nacionais, localizadas principalmente nas Ruas Grande, Afonso Pena e do Sol, sendo as mais famosas a Casa Otomana e as Lojas Pérola, Mariposa e Notre Dame.

O Cenário de São Luís

No começo do século XX, São Luís, intitulada de República Ludovicense por Raimundo Palhano, no livro de sua autoria, Coisa Pública, com respeito à oferta de serviços de infra-estrutura, afirmava que na Capital do Estado “os problemas de falta de água potável de boa qualidade, dos esgotos, que praticamente não existiam, ou aqueles ligados à falta de luz, de transporte coletivo, de existência de logradouros públicos e de higienização, dentre outros, dava sinais de um quadro de dificuldades e complexidade.”

Em outro trecho de sua preciosa obra, Palhano sentencia: “Praticamente ao longo de quase toda a década de vinte, a maioria dos cerca de 60.000 habitantes de São Luís viviam em uma situação de decadência urbana e, por isso mesmo, continuavam prisioneiros de velhos problemas, como a contaminação da água, a poluição dos mananciais, o precário saneamento, a falta de luz, e sujeitos a doenças terríveis, como o tifo, febre amarela e varíola.” A varíola grassava avassaladoramente no Maranhão, levando diariamente à morte numerosas pessoas.

Era este o quadro que marcava a sociedade de São Luís quando da fundação da Academia Maranhense, quadro que representava um desafio para os administradores da capital do Estado, na época, chamados de intendentes.

Governava a cidade o intendente Alexandre Collares Moreira Junior, que ocupava o cargo pela segunda vez. Eleito em 1906, seu mandato expiraria em 1908, mas, em face da Lei nº 482, de 25 de abril de 1908, teve-o prorrogado para 31 de dezembro de 1910. Todavia, Collares Moreira Junior não cumpriu todo o mandato. Viajou para o Rio de Janeiro, em abril de 1909 para assumir o mandato de senador do Maranhão, o que obrigou a Câmara Municipal a indicar um de seus membros para responder temporariamente pela Intendência da Capital.

O então presidente da Câmara Municipal, Afonso Giffening de Matos, em 12 de abril de 1908, assumiu interinamente o cargo de intendente. Em 9 de junho do mesmo ano, ele o transmitia para o novo intendente Raul da Cunha Machado. Na gestão deste, foram realizadas as obras de conclusão dos passeios e balaustradas da Praça Gonçalves Dias, de construção de um pavilhão para a venda de peixe no Mercado Público, do calçamento da Rua de Santaninha e da Travessa do Monteiro e melhoramentos nas estradas do Caminho Grande e do Cutim do Padre.

Do ponto de vista artístico e cultural, dois espaços dominavam a cidade: o Teatro São Luís e o Clube Euterpe Maranhense, local de reuniões literárias, onde os intelectuais maranhenses e de outras plagas, proferiam palestras e conferências, entre eles Antônio Lobo, Fran Pacheco Barbosa de Godois e Armando Vieira da Silva, todos fundadores da Academia, e cuja diretoria era formada por Artur Belo, presidente, Luso Torres (que foi presidente da Academia), vice-presidente, Otacílio Soares, 1º secretário, Tancredo Matos, 2ºsecretário, e João Laurine Guimarães, tesoureiro.

Em 1908, São Luís teve a oportunidade de conhecer o mais moderno equipamento de cinema visto no Brasil: o cinematographo falante, de propriedade da Empresa Fontenelle, que projetava fitas produzidas nos Estados Unidos, Inglaterra e França.
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Mais Que Uma Academia, Uma Antologia

A Academia Maranhense de Letras inscreveu a 10 de agosto de 2008, seu nome no panteão das instituições centenárias. E o faz em companhia do povo maranhense, compartilhando as honras do dia com o seu patrono e maior poeta brasileiro, Gonçalves Dias. Um século nos contempla.

É um dia de pausa e descanso da luta que vem travando, sem trégua, contra a ignorância e obscurantismo cultural. Mas, é também um dia de festa, confraternização e vigília, para mostrar o rico tesouro de nossas mais elevadas tradições, de que é depositária: o legado das melhores mentes do espírito maranhense – colheita na seara de nossa biodiversidade literária – que nos legitima intelectualmente perante nós mesmos e os maranhenses.

O centenário, traduz, portanto, sob ventos de tradição e renovação, em seu múltiplo simbolismo, a mensagem da vitória do tempo e da luz – união entre juventude e eternidade, a conjunção de vocação e missão, aliada à capacidade de resistência e dedicação, de abrigar e cuidar dos nossos valores – de uma instituição que vem cumprindo o seu luminoso papel, sustentada pelo ideário de servir à consciência da comunidade e ao espírito das épocas. Exibe, em sua contabilidade existencial, a despeito de sua franciscana pobreza material, ou até por isso mesmo, a riqueza do maior patrimônio espiritual do Estado: os frutos de sua inteligência e cultura. Mas, não dormimos sobre os louros. Como Goethe, queremos luz, mais luz.

Desde que Platão fundou a sua Escola Filosófica, em 387 a.C., destinada inicialmente ao culto das musas, situada nos jardins consagrados ao herói ateniense Akademus, muita idéia surgiu nos embates filosóficos. O termo reapareceu na Renascença, ampliando o seu significado para agremiação literária, depois científica, artística e cultural. No Brasil, a primeira academia, a dos Esquecidos, foi fundada na Bahia em 1724. Sob a presidência de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras veio ao mundo em 1897.

No Maranhão, coube, como na Bíblia, a um Grupo de Doze – Antonio Lobo, Alfredo de Assis, Astolfo Marques, Barbosa de Godóis, Corrêa de Araújo, Clodoaldo Freitas, Domingos Barbosa, Fran Paxeco, Godofredo Viana, Inácio Xavier de Carvalho, Ribeiro do Amaral e Vieira da Silva – associarem-se , em 1908, sob inspiração do espírito das letras, para servi-la e disseminar os seus ensinamentos.

Ser literário por evidente vocação é o maranhense, em sua índole de criar a beleza, mais apto ao cultivo da pena do que ao manejo da espada. Em sua atividade criadora, a pena reflete o destino de erguer-se para denunciar falsidades e incoerências, além de transformar-se em instrumento de rica produção, na intensa luta diária que é a do escritor com os seus símbolos.

Orgulha-se a Academia Maranhense de Letras, no revezamento das 40 cadeiras que compõem o seu acervo humano, em contar com os nomes mais representativos da cultura maranhense no século. Vale registrar, no entanto, que proeminentes prosadores e poetas, principalmente estes últimos, não integram – embora constituam patrimônio maranhense – a Casa. Mas, isso deve-se mais às peculiaridades de seus temperamentos. A Academia continuará a aguardá-los, como a companheiros com quem compartilha visões comuns.

Somos quarenta, mas somos apenas um. Somos um e, no entanto, somos quarenta. O coletivo preside a unidade. E a unidade manifesta-se na individualidade coletiva. Somos mais que uma Academia, uma Antologia.

De nossa rica tradição literária emergem, com reconhecimento nacional e internacional, importantes nomes, como Josué Montello, autor de mais de 150 títulos e considerado o maior romancista de todos os tempos do Maranhão, autor do epopéico Os tambores de São Luís; José Sarney, autor de inesquecíveis romances como O dono do mar, ex-Presidente da República, poeta, cronista e tribuno, hoje, decano da Academia, onde está desde os 23 anos de idade; Franklin de Oliveira, com vasta obra de erudição crítica e considerado por José Guilherme Merquior como o maior crítico cultural brasileiro de todos os tempos, e talvez do Ocidente; João Mohana, padre, psicólogo e escritor que alcançou excelência no romance e pioneiramente no aconselhamento psíquico e espiritual; José Louzeiro, contista, novelista, jornalista, notabilizado também como roteirista e autor de diversos romances que se tornaram sagas cinematográficas; Jomar Moraes pesquisador, historiador e editor de textos, responsável por retirar do esquecimento autores maranhenses importantes, mas esquecidos, com edições anotadas e comentadas, autor do Guia de São Luís e da Vida de Gonçalves Dias e responsável pela terceira edição do clássico de nossa historiografia, o Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão, de César Marques, com mais de 1.200 notas explicativas; José Chagas, autor de vasta obra impregnada de Maranhão e universalidade e um dos mais importantes poetas de toda a nossa historiografia lírica; Lucy Teixeira, poetisa, romancista, contista, teatróloga e agitadora cultural que, junto com Ferreira Gullar, organizou no final dos anos quarenta o Congresso Súbito de Poesia, origem do Grupo Ilha que teve entre seus participantes Bandeira Tribuzi e José Sarney, sendo autora do extraordinário No tempo dos alamares e outros sortilégios, livro de contos.

É um conjunto estelar que escreverá ainda, como o fez no passado, muitas páginas de grande riqueza espiritual.

Somos jovens, temos apenas 100 anos. Contemplaremos muitos séculos.
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Breve Memória da Academia Maranhense de Letras
Refletindo a intensa vida literária que São Luís conheceu entre a última e a primeira décadas dos séculos XIX-XX, diversas agremiações culturais foram fundadas, duas das quais tiveram particular importância: a Oficina dos Novos e a Renascença Literária, destacando-se a última, pela saudável emulação que estabeleceu com a primeira.

A Oficina dos Novos, fundada a 28 de julho de 1900, tinha estrutura organizacional semelhante à das Academias. Dava a seus membros o título de operários e editava um boletim oficial denominado Os Novos, em cujo frontispício se lia: “periódico evolucionista”.

Constituída, inicialmente, com 20 cadeiras, a Oficina ampliou seu quadro para 30, em 1904. Afora os membros efetivos, tinha-os honorários e correspondentes. Cada cadeira estava sob o patronato de um vulto eminente da cultura maranhense.

Como é natural, muitos desses patronos também seriam adotados como patronos das cadeiras da Academia, da mesma forma que diversos “operários” viriam integrar o grupo dos fundadores desta Instituição ou nela posteriormente ingressaram, o mesmo cabendo dizer relativamente aos sócios honorários e correspondentes.

Tendo Gonçalves Dias como seu patrono geral, a Oficina escolheu o poeta Sousândrade para seu presidente honorário. O culto a Gonçalves Dias estava representado pelos propósitos, declarados em estatuto, de organizar uma estante gonçalvina que fosse a mais completa possível, editar a obra do poeta e, futuramente, transformar a Oficina em Grêmio Literário Gonçalviano.

Ainda sobre a Oficina dos Novos, contradiga-se, por oportuno, a errônea versão segundo a qual essa entidade desapareceu para que em seu lugar surgisse a Academia. Além de um jantar de confraternização que as duas entidades promoveram no Hotel Central, a 15 de dezembro de 1908, diversos fatos atestam a co-existência da Oficina e da Academia, por alguns anos. Um deles foi a reorganização que a Oficina realizou em 1917, quando ocorreram a aprovação de novos estatutos, a eleição de diversos “operários” e da diretoria.

A Academia Maranhense de Letras, oficialmente instituída às 19 horas de 10 de agosto de 1908, data do 85º aniversário de nascimento do poeta da Canção do Exílio, também já demonstrava claramente, com esse fato, sua resolução de adotar Gonçalves Dias como seu nume tutelar.

Fundada no salão de leitura da Biblioteca Pública do Estado (prédio onde, a partir de 1950, tem sua sede própria), compôs-se, inicialmente, de 20 cadeiras.

Dispunham os estatutos que ao grupo dos 12 fundadores (nominados no início) viriam juntar-se os oito membros restantes, admitidos mediante eleição, e também com as honras de fundadores.

A 7 de setembro de 1908 realizou-se a solene sessão inaugural da Academia, que, assim, iniciava oficialmente as suas atividades. Por força de disposição estatutária, foi o primeiro presidente da agremiação o professor e historiógrafo José Ribeiro do Amaral, que era, aos 55 anos, o mais idoso entre seus confrades.

Em razão da incontestável liderança de um de seus fundadores, a Academia foi cognominada Casa de Antônio Lobo. Menos de uma década após sua fundação – a contar de 1916, entrou a Instituição numa fase de instabilidade, marcada por alguns períodos de reação vivificadora, em meio ao generalizado estado de apatia em que se arrastou até a década de 40.

As sucessivas reformas estatutárias (em 1916, 1934, 1942, 1946, 1948, 1957, 1979 e 1999) introduziram diversas modificações na estrutura e funcionamento da Academia, sendo particularmente interessantes, no que respeita a seus quadros, a de 1934, que fixou em 25 o número de membros titulares, e a de 1946, que elevou esse quadro ao número clássico de 40 poltronas, estabelecendo que seriam 60 os membros correspondentes. Este quadro honorífico, fixado em 30 cadeiras pela reforma de 1957, compõe-se, atualmente, de 20 cadeiras, às quais foram atribuídos patronos pela Resolução Nº 6, de 20 de setembro de 1987, da Diretoria.

O não dispor de sede própria durante longos anos, levou a Academia a funcionar, provisoriamente, na residência do presidente Ribeiro do Amaral, até seu falecimento em 1927. Depois teve abrigo nos baixos da Assembléia Legislativa do Estado, por achar-se, durante o Estado Novo, esse Poder suprimido. A seguir, seus arquivos estiveram guardados em casa do acadêmico Ribamar Pinheiro, que faleceu no exercício da Presidência. O presidente seguinte, Clodoaldo Cardoso, conseguiu que o Governo do Estado alugasse o sobrado da Rua de Nazaré, 200, para sede provisória da Academia. Enquanto isso, ia ela realizando suas sessões solenes em auditórios cedidos pela Assembléia Legislativa do Estado, Teatro Artur Azevedo, Casino Maranhense, Grêmio Lítero-Recreativo Português, Associação Comercial do Maranhão e outras entidades.

Houve, nesse período adverso da Academia, deserções, esmorecimentos e descasos. Estes, principalmente dos Poderes Públicos, apesar de se contarem, entre os acadêmicos de todos os tempos, deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores, prefeito e titulares de outros cargos e funções relevantes.

Algumas cadeiras ficaram vagas por longos anos. As sessões, em diversas fases, eram realizadas a espaços irregulares.

Na Presidência de Clodoaldo Cardoso, deu-se o processo de revigoramento da Entidade. Contando ele com a sensibilidade do Governador Sebastião Archer da Silva, cujo nome é aqui inscrito como preito de reconhecimento e gratidão, a Academia recebeu, por doação do Estado (Lei nº 320, de 3 de fevereiro de 1949), o prédio em que hoje se acha instalada, e que a devolveu ao lugar de sua fundação.

Providenciou-se o preenchimento das cadeiras vagas, fez-se a reorganização do Quadro de Membros Titulares e foi adotada uma série de outras providências necessárias. Entre elas, a edição da Revista (de que até 1948 só haviam sido publicados três números), a aprovação, em 3 de abril de 1948, do desenho do sinete e ex-libris, este posteriormente adotado como medalha do colar usado pelos acadêmicos em sessões solenes.

Entre os novos membros então eleitos, teve a Academia a felicidade de incluir o professor e historiador Mário Martins Meireles, que, feito secretário, vice-presidente e depois presidente, em sucessivos e profícuos mandatos, muito deu de si à organização e movimentação que então se processaram.

É dessa fase a decisiva contribuição prestada pela Academia para o desenvolvimento e consolidação do ensino superior no Maranhão. A Faculdade de Filosofia de São Luís, instituição matricial dos atuais cursos de Letras, Filosofia, Geociências e História, da Universidade Federal do Maranhão, contou com a colaboração da Academia, em cujo salão nobre ocorreu a aula inaugural, proferida pelo acadêmico Bacelar Portela, e que não somente operacionalizou a fundação da Faculdade, mas também lhe deu grande parte dos professores de que precisava, e aos quais, nos primeiros anos, nada podia pagar.

De 1966 a 1983, na condição de secretário, depois vice-presidente e por fim presidente, a figura dominante da Academia, sua alma e seu principal animador, foi o professor Luiz de Moraes Rêgo. Ao trabalho, dedicação e empenho desse saudoso acadêmico, muito deve a Academia. Foi esse um período de conferências, cursos, concursos literários e sessões comemorativas inesquecíveis.

Quatro governadores do Maranhão figuram, ao lado de Sebastião Archer, na Galeria dos Benfeitores da Instituição, a saber:

Urbano Santos, que, pelo Dec. Nº 92, de 19 de novembro de 1918, considerou-a de utilidade pública, previu que o Estado lhe daria sede condigna e determinou que a Imprensa Oficial lhe editasse regularmente a Revista;

João Castelo, a quem é devido o envio de mensagem à Assembléia Legislativa, que resultou na Lei Nº 4.350, por ele sancionada em 31 de outubro de 1981, autorizando o Poder Executivo a pagar mensalmente à Academia subvenção correspondente a 10 salários mínimos;

João Alberto Souza, que, pelo Dec. Nº 11.788, de 12 de março de 1991, regulamentou a referida lei, atualizou os pagamentos não efetuados pelo governador que o antecedeu imediatamente, e aprovou convênio celebrado com o hoje extinto Sioge, graças ao empenho do então diretor-presidente dessa autarquia, José de Ribamar Carvalho Moura.

Registra-se, para a História, que o convênio AML/Sioge nunca foi implementado, por falta de apoio do governador seguinte, e que a subvenção referida deixou de ser paga a contar de janeiro de 1997.

O gov. Jackson Lago, porém, baixou o Dec. Nº 23.433, de 2 de outubro de 2007, restabelecendo a subvenção suprimida, fato que o tornou membro da Galeria dos Benfeitores da Academia.

Alguns, no passageiro exercício do Governo do Maranhão, e desatentos ou hostis às tradições que mais enobrecem e de que mais se orgulha nossa terra, negaram apoio à Academia e até lhe suprimiram parcas, mas importantes ajudas. Sobre seus nomes, porém, o mais absoluto silêncio, pelo desprezo que merecem, pois nem para integrá-los a uma galeria de malfeitores da Academia valeria a pena consigná-los. A Diretoria que, com exceção de alguns de seus membros, esteve à frente da Academia no período de 2 de fevereiro de 1984 a 2 de fevereiro de 2006, por força de sucessivas reeleições, desenvolveu diversas atividades voltadas para o melhor e mais dinâmico funcionamento da Casa.

Tornou-se isso possível graças à completa reforma do prédio-sede, compreendendo obras ali iniciadas em abril de 1984 e concluídas em janeiro de 1986, e que constaram da restauração de todo o imóvel, da ampliação e adaptação de espaços, bem assim da aquisição de móveis e equipamentos. Esses trabalhos, para os quais contribuíram órgãos públicos e empresas privadas, foram ultimados com a substancial ajuda financeira do Governo Federal, à época chefiado pelo acadêmico José Sarney.

Concluída essa tarefa absolutamente prioritária e indispensável para dar à Academia uma sede condigna, seguiram-se outras iniciativas. Destacam-se, entre elas: a realização de cursos e concursos literários; a cessão do Auditório para diversas atividades culturais; a promoção de lançamentos literários, palestras, conferências e exposições de artes plásticas; a criação da Livraria Maranhense; a manutenção de um programa editorial; a retomada da publicação da Revista; a restauração de um sobrado em Alcântara, onde funciona, desde 6 de maio de 1988, a Pousada do Mordomo Régio; a reorganização da Biblioteca da Academia, então denominada Astolfo Marques, especializada em bibliografia maranhense, e cujo acervo está a caminho de tornar-se um dos mais importantes da capital maranhense, em sua especialidade.

As Diretoria e Comissão Fiscal eleitas em 27 de novembro de 2007 e empossadas a 31 de janeiro de 2008, estão compostas dos seguintes membros: Presidente, Lino Raposo Moreira; Vice-Presidente, José Maria Cabral Marques; Secretário-Geral, Jomar Moraes; 1º Secretário, José Chagas; 2º Secretário, Laura Amélia Damous; 1º Tesoureiro, Mont´Álverne Frota; 2º Tesoureiro, Alex Brasil.

Comissão Fiscal - Ceres Costa Fernandes, José Filgueiras e Mílson Coutinho.

Fundada a 10 de agosto de 1908 por Antônio Lobo, Alfredo de Assis Castro, Astolfo Marques, Barbosa de Godóis, Corrêa de Araújo, Clodoaldo Freitas, Domingos Barbosa, Fran Paxeco, Godofredo Viana, Inácio Xavier de Carvalho, Ribeiro do Amaral e Armando Vieira da Silva. Composta, inicialmente, de 20 cadeiras, que, em 1946, foram fixadas no número clássico de 40. Cognominada Casa de Antônio Lobo, tem sede própria na Rua da Paz, 84.

Fontes:
Benedito Buzar (1908: O ano de fundação da AML)
Jomar Moraes (Breve Memória da Academia Maranhense de Letras)
Lino Moreira (Mais que uma Academia, uma Antologia)
In Suplemento Cultural & Literário Guesa Errante. 2009. Edição 190. http://www.guesaerrante.com.br/
http://www.academiamaranhense.org.br/

Quadro de Patronos e Membros Efetivos da AML:

Fundadores da AML A história de um povo está escrita em letras de pura paixão pela arte, pela literatura, pela sinergia espalhada nos ares de nosso Estado, que desnudam a sabedoria divina, diluindo em seus cidadãos sempre altivos e voltado para grandes causas, a esperança de contribuir para o enobrecimento da humanidade.

A História da Academia Maranhense de Letras reflete o retrato de um Maranhão criativo, um dos mais belos e importantes foco de cultura nacional, berço de brasileiros ilustres que ontem, hoje e amanhã, ficarão imortais em nossa memória.

Cadeira Nº 1 – Patrono, Almeida Oliveira; Fundador, Barbosa de Godóis; Antecessores, Luís Carvalho e Antenor Bogéa; Ocupante, Sebastião Moreira Duarte.

Cadeira Nº 2 – Patrono, Aluísio Azevedo; Fundador, Domingos Barbosa; Antecessor, Fernando Viana; Ocupante, Waldemiro Viana.

Cadeira Nº 3 – Patrono, Artur Azevedo; Fundador, Antônio da Costa Gomes; Antecessores, João Quadros (nome literário de João da Costa Gomes), Assis Garrido, João Mohana e Amaral de Mattos; Ocupante, Antonio Martins de Araujo.

Cadeira Nº 4 – Patrono, Cândido Mendes; Fundador, Justo Jansen; Antecessor, Luiz de Moraes Rêgo; Ocupante, Joaquim Itapary.

Cadeira Nº 5 – Patrono, Celso Magalhães; Fundador, Fran Paxeco; Antecessor, Lago Burnett; Ocupante, Clovis Sena.

Cadeira Nº 6 – Patrono, Frederico José Corrêa; Fundador, Luso Torres; Antecessores, Reis Perdigão e Eloy Coelho Netto; Ocupante, Laura Amélia Damous.

Cadeira Nº 7 – Patrono, Gentil Braga; Fundador, Alfredo de Assis Castro; Antecessora, Lucy Teixeira; Ocupante, Carlos de Lima.

Cadeira Nº 8 – Patrono, Gomes de Sousa; Fundador, A. Vieira da Silva; Antecessores, Jerônimo de Viveiros, João Freire Medeiros e José de Ribamar Chaves Caldeira; Ocupante, Lino Antônio Raposo Moreira.

Cadeira Nº 9 – Patrono, Gonçalves Dias; Fundador, I. Xavier de Carvalho; Antecessores, Catulo da Paixão Cearense e Mário M. Meireles; Ocupante, José Maria Ramos Martins

Cadeira Nº 10 – Patrono, Antônio Henriques Leal; Fundador, Astolfo Marques; Antecessores, Luís Domingues da Silva e Henrique Costa Fernandes; Ocupante, Jomar Moraes.

Cadeira Nº 11 – Patrono, João Francisco Lisboa; Fundador, Ribeiro do Amaral; Antecessores, Nascimento Moraes e Manoel Caetano Bandeira de Mello; vaga

Cadeira Nº 12 – Patrono, Joaquim Serra; Fundador, Clodomir Cardoso; Antecessor, Odylo Costa, filho; Ocupante, Evandro Sarney.

Cadeira Nº 13 – Patrono, José Cândido de Moraes e Silva; Fundador, Almeida Nunes; Antecessores, Clarindo Santiago, Antônio Lopes e Fernando Perdigão; Ocupante, Benedito Buzar.

Cadeira Nº 14 – Patrono, Nina Rodrigues; Fundador, Antônio Lobo; Antecessores, Achilles Lisboa, Odilon Soares e Bernardo Almeida; Ocupante, Edson Vidigal.

Cadeira Nº 15 – Patrono, Odorico Mendes; Fundador, Godofredo Viana; Antecessores, Silvestre Fernandes e Erasmo Dias; Ocupante, Mílson Coutinho.

Cadeira Nº 16 – Patrono, Raimundo Correia; Fundador, Corrêa de Araújo; Antecessores, Domingos Vieira Filho e Paulo Nascimento Moraes; Ocupante, Neiva Moreira.

Cadeira Nº 17 – Patrono, Sotero dos Reis; Fundador, José Augusto Corrêa; Antecessores, Mata Roma, Fernando Barbosa de Carvalho e A. L. Bacelar Viana; Ocupante, Ivan Sarney.

Cadeira Nº 18 – Patrono, Sousândrade; Fundador, Clodoaldo Freitas; Antecessor, Astolfo Serra; Ocupante, Manuel Lopes.

Cadeira Nº 19 – Patrono, Teófilo Dias; Fundador, Maranhão Sobrinho; Antecessores, Manoel Sobrinho, Ribamar Carvalho e Emílio Azevedo; Ocupante, Américo Azevedo Neto.

Cadeira Nº 20 – Patrono, Trajano Galvão; Fundador, Barros e Vasconcelos; Antecessora, Conceição Neves Aboud; Ocupante, Sonia Almeida.

Cadeira Nº 21 – Patrono, Maranhão Sobrinho; Fundador, Raimundo Lopes; Antecessores, Isaac Ferreira, Salomão Fiquene e Nonnato Masson; Ocupante, Hélio Maranhão.

Cadeira Nº 22 – Patrono, Humberto de Campos; Fundador, Ribamar Pinheiro; Antecessor, Corrêa da Silva; Ocupante, José Sarney.

Cadeira Nº 23 – Patrono, Graça Aranha; Fundador, Clodoaldo Cardoso; Antecessor, Nunes Pereira; Ocupante, José Filgueiras.

Cadeira Nº 24 – Patrono, Coelho Neto; Fundador, Joaquim Dourado; Antecessora, Dagmar Destêrro; Ocupante, Joaquim Campelo Marques.

Cadeira Nº 25 – Patrono, Sá Viana; Fundador, Oliveira Roma; Antecessores, Raul de Freitas e Virgílio Domingues Filho; Ocupante, José Louzeiro.

Cadeira Nº 26 – Patrono, Antônio Lobo; Fundadora, Laura Rosa; Antecessores, José Jansen e Ignacio de Mourão Rangel; Ocupante, Carlos Gaspar.

Cadeira Nº 27– Patrono, Dias Carneiro; Fundador, Sousa Bispo; Antecessor, Arnaldo Ferreira; Ocupante, Magson da Silva.

Cadeira Nº 28 – Patrono, Visconde de Vieira da Silva; Fundador, Carvalho Guimarães; Ocupante, José Chagas.

Cadeira Nº 29 – Patrono, Filipe Franco de Sá; Fundador, Ruben Almeida; Antecessor, Viegas Netto; Ocupante, Mont’Alverne Frota.

Cadeira Nº 30 – Patrono, Teixeira Mendes; Fundador, Alarico da Cunha; Antecessor, Antônio de Oliveira; Ocupante, Alex Brasil.

Cadeira Nº 31 – Patrono, Raimundo Lopes; Fundador, Josué Montello; Ocupante, Ronaldo Costa Fernandes.

Cadeira Nº 32 – Patrono, Vespasiano Ramos; Fundadora, Mariana Luz; Antecessores, Félix Aires e Raymundo Carvalho Guimarães; Ocupante, Sálvio Dino.

Cadeira Nº 33 – Patrono, Pedro Nunes Leal; Fundador, Viriato Corrêa; Antecessores, Carlos Cunha e Luís Carlos Bello Parga; vaga

Cadeira Nº 34 – Patrono, João de Deus do Rego; Fundador, A. Serra de Castro; Antecessor, Carlos Madeira; Ocupante, Alberto Tavares.

Cadeira Nº 35 – Patrono, César Marques; Fundador, Raul de Azevedo; Antecessores, Vera-Cruz Santana e Clóvis Ramos; Ocupante, Lourival Serejo.

Cadeira Nº 36 – Patrono, Tasso Fragoso; Fundador, Bacelar Portela; Ocupante, Ubiratan Teixeira.

Cadeira Nº 37 – Patrono, I. Xavier de Carvalho; Fundador, Ribamar Pereira; Antecessores, Luiz Viana e Amaral Raposo; Ocupante: Nascimento Morais Filho.

Cadeira Nº 38 - Patrono: Adelino Fontoura; Fundador, Franklin de Oliveira; Ocupante, José Maria Cabral Marques.

Cadeira Nº 39 – Patrono, A. O. Gomes de Castro; Fundador, Pedro Braga Filho; Antecessores, Pedro Neiva de Santana e Pires Sabóia; Ocupante, Ceres Costa Fernandes.

Cadeira Nº 40 – Patrono, Dunshee de Abranches; Fundador, Joaquim Luz; Ocupante, Antônio Almeida.

Fontes:
Jomar Moraes (Breve Memória da Academia Maranhense de Letras)
In Suplemento Cultural & Literário Guesa Errante. 2009. Edição 190. http://www.guesaerrante.com.br/
http://www.academiamaranhense.org.br/

sábado, 9 de maio de 2009

Adelia Maria Woellner (Cristais Poéticos)


CONQUISTA

Joguei o laço,
ajustei o nó;
apertei o espaço
e segurei o tempo.

Onde e quando
agora não existem.

Basto-me eu só,
na insistência
em viver...
=========================

TECELÃ

Costurei palavras,
retalhos colhidos
no baú dos devaneios.

Fiz, do manto-poema
agasalho
das esperanças.
=========================

OUTRO TEMPO

Escrevo para outro tempo.
A página é selo:
guarda, encobre, protege,
mas também é passaporte
para envio da mensagem.
………………………………
O destinatário ainda não chegou.
Escrevo para outro tempo…
===========================

SEM TÍTULO

Ave desgarrada,
há muito vôo sozinha,
nesse espaço vazio,
em busca do ninho sonhado.

Já nem mais sei
quem sou.

Apenas descubro
que tenho por mãe a humanidade…
e o universo sabe que é meu pai.
===========================

INVERNO

O frio
endurece os ramos,
faz encolheren
as pétalas das flores
e transforma
a superfície das águas
em fatias de cristal.
Só assim pode,
a geada,
colocar grinaldas de gelo
nas folhas de capim.
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Fontes:
http://poetasdobrasil.blogspot.com/2007/06/adlia-maria-woellner-nasceu-em-curitiba.html
– Antologia dos Acadêmicos; edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.

Adélia Maria Woellner (1940)


(Pseudônimo: Adélia Maria)

Nasceu em 20 de junho de 1940, em Curitiba e reside em Piraquara (PR). Formou-se em Direito, em 1972, quando foi premiada com quatro medalhas, inclusive a de ouro, por haver obtido o 1º lugar no curso jurídico-noturno.

Foi professora (Direito Penal) na PUC do Paraná e Chefe do Departamento de Recursos Humanos na RFFSA, onde foi agraciada com a comenda do Mérito Ferroviário.

Pertence à Academia Paranaense de Letras (Cadeira nº 15), ao Centro de Letras do Paraná, do qual foi Presidente (biênio 98/99) e a inúmeras outras entidades culturais.

Teve seu nome incluído em diversas obras literárias, entre as quais: Dicionário Literário Brasileiro (Raimundo de Menezes) e Enciclopédia de Literatura Brasileira (OLAC/FAE-MEC).

Bibliografia

A Literatura e a História do Paraná (prosa)
Avesso Meu (poesias)
Balada do Amor que se Foi (poesias)
Encontro Maior (poesias)
Graciette Salmon - A Ciranda da Estrela Sozinha (ensaio)
Infinito em Mim (poesias)
Nbanduti (poesias)
Poemas para Amar (poesias)
Poemas para Orar e Meditar (poesias)
Poemas Soltos (poesias)
Poesia Trilógica (poesias)
Sons do Silêncio (poesias)
Trovas do Dia-a-dia (trovas)
Para onde vão as andorinhas (pesquisa)
Férias no Sítio (infantil)

Fontes:
http://poetasdobrasil.blogspot.com/2007/06/adlia-maria-woellner-nasceu-em-curitiba.html
– Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística. http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/
– Antologia dos Acadêmicos; edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.

Machado de Assis (A Reforma pelo Jornal )


Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos populares; foi o jornal. Devia ser curioso vê-las quando um século despertou ao clarão deste fiat humano; era a cúpula de seu edifício que se desmoronava.

Com o jornal eram incompatíveis esses parasitas da humanidade, essas fofas individualidades de pergaminho alçado e leitos de brasões. O jornal que tende à unidade humana, ao abraço comum, não era um inimigo vulgar, era uma barreira... de papel, não, mas de inteligências, de aspirações.

É fácil prever um resultado favorável ao pensamento democrático. A imprensa, que encarnava a idéia no livro, expendi eu em outra parte, sentia-se ainda assim presa por um obstáculo qualquer; sentia-se cerrada naquela esfera larga mas ainda não infinita; abriu pois uma represa que a impedia, e lançou-se uma noite aquele oceano ao novo leito aberto: o pergaminho será a Atlântida submergida.

Por que não?

Todas as coisas estão em gérmen na palavra, diz um poeta oriental. Não é assim? O verbo é a origem de todas as reformas.

Os hebreus, narrando a lenda do Gênesis, dão à criação da luz a precedência da palavra de Deus. É palpitante o símbolo. O fiat repetiu-se em todos caos, e, coisa admirável! sempre nasceu dele alguma luz.

A história é a crônica da palavra. Moisés, no deserto; Demóstenes, nas guerras helênicas; Cristo, nas sinagogas da Galiléia; Huss, no púlpito cristão; Mirabeau, na tribuna republicana; todas essas bocas eloqüentes, todas essas cabeças salientes do passado, não são senão o fiat multiplicado levantado em todas as confusões da humanidade. A história não é um simples quadro de acontecimentos; é mais, é o verbo feito livro.

Ora pois, a palavra, esse dom divino que fez do homem simples matéria organizada, um ente superior na criação, a palavra foi sempre uma reforma. Falada na tribuna é prodigiosa, é criadora, mas é o monólogo; escrita no livro, é ainda criadora, é ainda prodigiosa, mas é ainda o monólogo; esculpida no jornal, é prodigiosa e criadora, mas não é o monólogo, é a discussão.

E o que é a discussão?

A sentença de morte de todo o status quo, de todos os falsos princípios dominantes. Desde que uma coisa é trazida à discussão, não tem legitimidade evidente, e nesse caso o choque da argumentação é uma probabilidade de queda.

Ora, a discussão, que é a feição mais especial, o cunho mais vivo do jornal, é o que não convém exatamente à organização desigual e sinuosa da sociedade.

Examinemos.

A primeira propriedade do jornal é a reprodução amiudada, é o derramamento fácil em todos os membros do corpo social. Assim, o operário que se retira ao lar, fatigado pelo labor quotidiano, vai lá encontrar ao lado do pão do corpo, aquele pão do espírito, hóstia social da comunhão pública. A propaganda assim é fácil; a discussão do jornal reproduz-se também naquele espírito rude, com a diferença que vai lá achar o terreno preparado. A alma torturada da individualidade ínfima recebe, aceita, absorve sem labor, sem obstáculo aquelas impressões, aquela argumentação de princípios, aquela argüição de fatos. Depois uma reflexão, depois um braço que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai, um princípio que se levanta, uma reforma que se coroa.

Malévola faculdade — a palavra!

Será ou não o escolho das aristocracias modernas, este novo molde do pensamento e do verbo?

Eu o creio de coração. Graças a Deus, se há alguma coisa a esperar é a das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das superiores, não.

As aristocracias dissolvem-se, diz um eloqüente irmão d'armas. É a verdade. A ação democrática parece reagir sobre as castas que se levantam no primeiro plano social. Os próprios brasões já se humanizam mais, e alguns jogam na praça sem notarem que começam a confundir-se com as casacas do agiota.

Causa riso.

Tremem, pois, tremem com este invento que parece abranger os séculos — e rasgar desde já um horizonte largo às aspirações cívicas, às inteligências populares.

E se quisessem suprimi-lo? Não seria mau para eles; o fechamento da imprensa, e a supressão da sua liberdade, é a base atual do primeiro trono da Europa.

Mas como! cortar as asas de águia que se lança no infinito, seria uma tarefa absurda, e, desculpem a expressão, um cometimento parvo. Os pergaminhos já não são asas de Ícaro. Mudaram as cenas; o talento tem asas próprias para voar; senso bastante para aquilatar as culpas aristocráticas e as probidades cívicas.

Procedem estas idéias entre nós? Parece que sim. É verdade que o jornal aqui não está à altura da sua missão; pesa-lhe ainda o último elo. Às vezes leva a exigência até à letra maiúscula de um título de fidalgo.

Cortesania fina, em abono da verdade!

Mas, não importa! eu não creio no destino individual, mas aceito o destino coletivo da humanidade. Há um pólo atraente e fases a atravessar. — Cumpre vencer o caminho a todo o custo; no fim há sempre uma tenda para descansar, e uma relva para dormir.

(Publicado originalmente em O Espelho , Rio de Janeiro, 23/10/1859.)

Fontes:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Vol. III. RJ: Nova Aguilar, 1994.
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