terça-feira, 14 de abril de 2009

Gonçalves Dias (O Gigante de Pedra)



O guerriers! ne laissez pas ma dépouille au corbeau!
Ensevelissez-moi parmi des monts sublimes,
Afin que l'étranger cherche, en voyant leurs cimes,
Quelle montagne est mon tombeau!
V.Hugo.Le Géant.

I
Gigante orgulhoso, de fero semblante,
Num leito de pedra lá jaz a dormir!
Em duro granito repousa o gigante,
Que os raios somente puderam fundir.

Dormido atalaia no serro empinado
Devera cuidoso, sanhudo velar;
O raio passando o deixou fulminado,
E à aurora, que surge, não há de acordar!

Co'os braços no peito cruzados nervosos,
Mais alto que as nuvens, os céus a encarar,
Seu corpo se estende por montes fragosos,
Seus pés sobranceiros se elevam do mar!

De lavas ardentes seus membros fundidos
Avultam imensos: só Deus poderá
Rebelde lançá-lo dos montes erguidos,
Curvados ao peso, que sobre lhe 'stá.

E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes
São velas, são tochas, são vivos brandões,
E o branco sudário são névoas algentes,
E o crepe, que o cobre, são negros bulcões.

Da noite, que surge, no manto fagueiro
Quis Deus que se erguesse, de junto a seus pés,
A cruz sempre viva do sol no cruzeiro,
Deitada nos braços do eterno Moisés.

Perfumam-no odores que as flores exalam,
Bafejam-no carmes de um hino de amor
Dos homens, dos brutos, das nuvens que estalam,
Dos ventos que rugem, do mar em furor.

E lá na montanha, deitado dormido
Campeia o gigante, — nem pode acordar!
Cruzados os braços de ferro fundido,
A fronte nas nuvens, os pés sobre o mar!

II
Banha o sol os horizontes,
Trepa os castelos dos céus,
Aclara serras e fontes,
Vigia os domínios seus:
Já descai p'ra o ocidente,
E em globo de fogo ardente
Vai-se no mar esconder;
E lá campeia o gigante,
Sem destorcer o semblante,
Imóvel, mudo, a jazer!

Vem a noite após o dia,
Vem o silêncio, o frescor,
E a brisa leve e macia,
Que lhe suspira ao redor;

E da noite entre os negrores,
Das estrelas os fulgores
Brilham na face do mar:
Brilha a lua cintilante,
E sempre mudo o gigante,
Imóvel, sem acordar!

Depois outro sol desponta,
E outra noite também,
Outra lua que aos céus monta,
Outro sol que após lhe vem:
Após um dia outro dia,
Noite após noite sombria,
Após a luz o bulcão,
E sempre o duro gigante,
Imóvel, mudo, constante
Na calma e na cerração!

Corre o tempo fugidio,
Vem das águas a estação,
Após ela o quente estio;
E na calma do verão
Crescem folhas, vingam flores,
Entre galas e verdores
Sazonam-se frutos mil;
Cobrem-se os prados de relva,
Murmura o vento na selva,
Azulam-se os céus de anil!

Tornam prados a despir-se,
Tornam flores a murchar,
Tornam de novo a vestir-se,
Tornam depois a secar;
E como gota filtrada
De uma abóbada escavada
Sempre, incessante a cair,
Tombam as horas e os dias,
Como fantasmas, sombrias,
Nos abismos do porvir!

E no féretro de montes
Inconcusso, imóvel, fito,
Escurece os horizontes
O gigante de granito.
Com soberba indiferença
Sente extinta a antiga crença
Dos Tamoios, dos Pajés;
Nem vê que duras desgraças,
Que lutas de novas raças
Se lhe atropelam aos pés!

III
E lá na montanha deitado dormido
Campeia o gigante! — nem pode acordar!
Cruzados os braços de ferro fundido,
A fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar!...

IV
Viu primeiro os íncolas
Robustos, das florestas,
Batendo os arcos rígidos,
Traçando homéreas festas,
À luz dos fogos rútilos,
Aos sons do murmuré!
E em Guanabara esplêndida
As danças dos guerreiros,
E o guau cadente e vário
Dos moços prazenteiros,
E os cantos da vitória
Tangidos no boré.

E das igaras côncavas
A frota aparelhada,
Vistosa e formosíssima
Cortando a undosa estrada,
Sabendo, mas que frágeis,
Os ventos contrastar:
E a caça leda e rápida

Por serras, por devesas,
E os cantos da janúbia
Junto às lenhas acesas,
Quando o tapuia mísero
Seus feitos vai narrar!

E o germe da discórdia
Crescendo em duras brigas,
Ceifando os brios rústicos
Das tribos sempre amigas,
— Tamoi a raça antígua,
Feroz Tupinambá.
Lá vai a gente impróvida,
Nação vencida, imbele,
Buscando as matas ínvias,
Donde outra tribo a expele;
Jaz o pajé sem glória,
Sem glória o maracá.

Depois em naus flamívomas
Um troço ardido e forte,
Cobrindo os campos úmidos
De fumo, e sangue, e morte,
Traz dos reparos hórridos
D'altíssimo pavês:
E do sangrento pélago
Em míseras ruínas
Surgir galhardas, límpidas
As portuguesas quinas,
Murchos os lises cândidos
Do impróvido gaulês!

V
Mudaram-se os tempos e a face da terra,
Cidades alastram o antigo paul;
Mas inda o gigante, que dorme na serra,
Se abraça ao imenso cruzeiro do sul.

Nas duras montanhas os membros gelados,
Talhados a golpes de ignoto buril,
Descansa, ó gigante, que encerras os fados,
Que os términos guardas do vasto Brasil.

Porém se algum dia fortuna inconstante
Puder-nos a crença e a pátria acabar,
Arroja-te às ondas, o duro gigante,
Inunda estes montes, desloca este mar!
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Liane Niremberg (Teia de Poesias)


Instantes

Eu queria voltar no tempo.
No instante do teu olhar intenso
Das tuas loucas fantasias quando me fitavas
Eu percebia
Lembras como eu te queria?
Não apenas nos beijos
Nas carícias plenas
Mas no teu todo estar
Queria encontrar teu sorriso
Beijar-te as palavras
Espiar teu sono
Te dar minha alegria, te roubando a tristeza.
Ser-te amiga constante
Companheira leal
A amante intensa
Alma na paralela, uma paz sem igual
Só que não é mais possível
Pois o instante do tempo passou

Mas tu lembras como eu te queria
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O Momento...
Há esse momento quase bruma
nunca esquecimento.
Quando tudo parece finalmente
se aquietado distante sereno...
Um prepotente segundo se faz.
Há então um quase tormento
de lembranças que atormentam...
São instantes vícios antigos
retornando pra ficar.
Permanecem tão constantes
tão risonhos...
Ah quem dera fossem sonhos!
Mas não.
São segundos... Intenção.
Tudo se agita trocando de lugar
lágrimas risos tristezas alegrias...
Ao comando da saudade
que não encontra seu lugar.
Há sim esse momento...!
E por mais suspirado seja o grito
no vazio se desfaz...
Então aos poucos o pensar toma razão.
Cantando melodia fim de dia
sorri olhar tímido apaixonado...!
E pra esperança estende a mão...
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Último Pensamento

esse vazio
que me fita agora
deixa-me trêmula
pois percebo nele
um sentimento estranho
transformação de perda
tento alcançá-lo
ainda uma vez
mas ele se queda
assim paralelo
seus olhos fixados
insistentemente penetrantes
não conseguem me fazer par
desvio o olhar
respiro profundamente
mas meu pensamento
coloca-o em mim
novamente
então fecho os olhos
e me deixo encarar
não sem tristeza
pois que à mim
é assim que acontece
uma mágoa sentida
tão fácil seria
não deixá-la entrar
mas me deixei levar
confundindo
momentos
espaços
ternura
talvez provocada
apenas desejos
foi esse meu erro
confiei demais
em mim mesma
esquecendo
não se pode brincar
fingir faz de conta
sentimento maior
nunca se descuida
ele sempre acaba
por nos machucar
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QUASE...

Sentires e pensamentos
de mim destoam
Numa busca quase ilógica
do tanto que já me sei
Por vezes fito meu próprio espanto
pois não pareço ser mais puro encanto
dos sonhos que já sonhei
Realidade doce até mesmo crua
atinge-me imprevisível
Mostrando-me sempre a cada instante
atitudes insanas, desnecessárias
Revestem-se apenas por segundos
da minha outra metade
Talvez tão escondida
nem a mim reconheceu
Agora ambas encontram-se
Triste me é perceber
mais uma vez fui vencida
Teimosia perversa amiga
veio à mim receber
Prepotente
em gesto sarcástico
fitou-me olhar triunfante
Eu
simplesmente ousada
sorrindo lhe agradeci
Sensação de aconchego envolveu-me
novamente esperança
Enfim por sentir-me encantos
dessa feita feliz parti
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A Autora por ela mesma
Nasci em Porto Alegre. Tenho concluído apenas o segundo grau, já que a faculdade de psicologia não pude concluir. Queria muito fazer formação psicanalítica pois sou fascinada pelo pensar do outro. Sou freudiana por excelência... Estou sempre percebendo o outro, tentando me colocar no seu lugar para tentar compreendê-lo e quem sabe então ajudá-lo.
A música entrou na minha vida através de meu pai, que cantava com uma voz linda para mim, fazia-me adormecer em seu colo cantando músicas em Inglês e em Português, nunca cantigas de ninar, sempre músicas diferentes, mas belas...
Minha mãe sempre me ensinava tudo com versinhos, como se portar à mesa e por aí adiante. Então os versinhos entraram na minha vida através dela. E aí eu decorava versos e declamava, meu pai os gravava... Eu já havia entrado para o maravilhoso mundo dos sonhos através da música e dos versos e nem sabia…
Membro Construtor do Armazém Literário desde 07 de junho de 2001.

Fontes:
http://www.lunaeamigos.com.br/liane/liane.htm
Dados = http://www.armazem.literario.nom.br/

Lucilene Machado (Van Gogh, eu e algumas reflexões)

Aniversário outra vez. E já foram tantos os “abris” que me repito por condicionamento. Esboço o mesmo sorriso diante dos gestos carinhosos e dos cumprimentos efusivos, respondo mensagens de amigos distantes e até dos que não são tão amigos, mas se dão ao trabalho de me enviar um cartão online, uma frase pronta... como diz o poeta, tudo vale a pena se a alma não é pequena. E a alma cresce nesse período, corre atrás de um colo para se deitar. Quer se aquietar. Talvez seja para se renovar. A alma sempre necessita um renovo. Precisa se aliviar do passado, desprender-se dos fardos antigos para recomeçar. É a hora em que nos deparamos com escolhas cruciantes: “o que devo guardar e o que devo refugar?” é o famoso balanço existencial. Não sei se alguém é capaz de passar por esse período sem essas reflexões. Para mim é impossível. Sempre sou surpreendia pela voz da consciência a interrogar: “o que fez de relevante no ano que passou?”

A contabilidade é inevitável. A princípio, tento evitar as comparações com anos anteriores e suprimir do balancete, a coluna de saldos. Nada de contabilizar ganhos ou perdas. A vida além de cumulativa sempre parecerá mal resolvida. Um ano de vida cabe em uma gaveta. Textos, fotos de viagens, bilhetes, uma rosa seca, CDs, poesias que escrevi num exercício de libertação, um frasco de perfume vazio, um anel torto, um sabonete que ganhei de uma amiga, um dente-de-leite de minha sobrinha, uma declaração de carinho, um amor que ainda não dei nome e saudades, muitas saudades. Remexo no fundo da gaveta e encontro uma madeixa de meus cabelos que eram longos em abril passado, como mudamos no decorrer de um ano! Tecemos a vida com um fio tão frágil e aí vem o tempo, implacável, e rompe tudo. O tempo é assim, cruel. Faz-nos sentir perdedores neste balanço. Que importa? O mundo está cheio de perdedores que eu admiro. Há coisa mais elegante que saber perder? Nessas ocasiões recordo Van Gogh e sua loucura amarela. Como alguém tão torturado pôde usar o amarelo daquele jeito? Como alguém tão detonado pela vida pôde pintar quadros tão alegres? Um suposto perdedor sem a mínima idéia de dimensão da própria obra.

Eu queria um quadro de Van Gogh pendurado na parede interna da minha sala para não esquecer que a loucura tem uma beleza glamourosa. Mas não sei como reagiria se ao invés disso olhasse para o retrato do autor faltando parte da orelha. A realidade choca, mas não é o que conta hoje. O que ficou foi a sensibilidade e suas variantes. A ótica da racionalidade põe limites concretos e ásperos. Admiro os racionais, mas não é a lógica que administra as atitudes humanas. A lógica se flexiona mediante a força da intuição. A intuição é automática, não precisa justificar seus mecanismos. E os artistas se permitem gerenciar pela intuição. Abstratos. A abstração do raciocínio é o que nos liberta da realidade. O que não vemos, é o que de fato está à nossa frente. E é melhor que não vejamos. As coisas se limitam a ser o que são quando as olhamos de frente. Nunca olho uma questão pela frente e, na hora amarela do dia entro no meu quarto como se entrasse no mar e respondo, intuitivamente, ao vendaval de perguntas que se enroscam nos meus cabelos, já não tão longos. Mas tenho ainda as orelhas perfeitas e ouço os rumores do universo desafiando-me com o vazio da eternidade. A vida é muito mais do que colocamos em balanço. Lembro-me do amor que se manifestou, de várias formas e intensidade, durante o ano; das boas conversas, dos rostos que encheram minhas noites, das palavras que me visitaram. Tive tanto, nem sei se tenho o direito de pedir mais. Se tivesse, pediria como Salomão, sabedoria. Sabedoria simples que me permita chorar assistindo ao filme “A bela e a fera” por já ter concluído que os olhos são enganosos, o coração também.

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Sobre a autora

Lucilene Machado (1965), é cronista no jornal Correio do Estado - MS, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e da UBE-MS, Tem dois livros publicados, um de poesia, outro de literatura infantil. Possui artigos publicados na Itália, Espanha e Venezuela. Professora do Departamento de Letras da Universidade do Estado do Mato Grosso.

Fonte:
Crônica enviada por e-mail.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Carlos Frydman (Asfalto)


Quando andares cabisbaixo
com a carga de um dia... de dois dias...
de não sei quantos dias...
ou com a carga de uma vida,
vê o asfalto como fala
e compartilha...

Fala claro seu negrume
calado, mas premente,
de ecléticos vestígios
passados e presentes,
civilizados e degradantes,
rolando ao vento,
deleitando os fatalistas,
os retardatários e fatigados,
os impelidos, os submissos e os contrafeitos
pelo impacto compacto;
enquanto,
ao mesmo compasso
descompassado do tempo,
nas mesmas ruas
com itinerários diferentes,
marcham seres em seus caminhos,
amando, acreditando,
na escolha emaranhada
de seus destinos,
embora para todos
o asfalto é negro,
submisso e prestadio.
Quando tiveres sede de paisagens
e te faltar a gênese do horizonte,
especialmente num dia chuvoso,
vê como o asfalto apanha e enriquece
os sensacionalistas clarões dos fosforescentes,
e faz numa só sequência
um guache trêmulo, refletido,
deixando as lágrimas da chuva
arrastarem a lama;
e a vida prevalece
em seu elaborado destino.

Solidão... vazio...
quanta esperança... quanto estio
em teu negrume
— asfalto amigo,
que Mário soube tragar
da "Paulicéia Desvairada"
e onde muito me apaixonei.

(...)

Minha Paulicéia novaiorquina, moscovita,
plagiadora londrina,
colmeia universal,
expressão nítida do advento,
rosário de alegria e de luto,
que me fizeste amante
e companheiro consequente.

Asfalto,
amo tua noite onde rondam
desolações e aconchegos
em teu negro seio.

Incansavelmente te perpassam
mágoas na agitação afogadas,
multidões nostálgicas,
alegrias ilusórias em correntezas diluídas,
homens cavalgando semelhantes
e calafetados contra a verdade;
e homens destemidos no prisma da esperança,
mesmo quando a bruma
parece fechar o caminho em cada esquina.

(...)
-------------------

Carlos Frydman (1924)


Carlos Frydman, nascido em Varsóvia, Polônia, em 15 de novembro de 1924. Fez curso de Contabilidade, como ouvinte, na Fundação Álvares Penteado, no início dos anos 1950 mas não chegou a concluí-lo. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro entre 1942 e 1958, o que lhe custou prisão política.

Em 1956 viajou pela Europa (passando por países como: Polônia, França, Itália, Checoslováquia e Hungria) com o Teatro Popular Brasileiro, dirigido pelo poeta Solano Trindade.

Nas décadas de 1950 e 1960 publicou poemas nos jornais Notícias de Hoje (SP) e Imprensa Popular (RJ).

Entre 1968 e 1994 foi diretor do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, em São Paulo (SP).

Participou, em 1990, do “Terceiro Encontro de Escritores Judeus Latino-Americanos”, realizado na cidade de São Paulo .

No período de 1992 a 1994 foi segundo Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores.

Atualmente é diretor da União Brasileira de Escritores. Idealizador e coordenador do Mutirão Cultural da UBE. Publicou Trilogia das Buscas, pela Editora Perspectiva. Fazem parte de sua obra poética os livros Os Caminhos da Memória (1965) e Sintonia (1990).

Influência da poesia de Augusto de Campos, Baudelaire, Bertolt Brecht, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Cesar Vallejo, Cláudio Manoel da Costa, Cruz e Sousa, Fernando Pessoa, Gabriela Mistral, Gregório de Matos, Haroldo de Campos, Henriqueta Lisboa, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, Maiakovski, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Pablo Neruda, Raul Gonzales, Thiago de Mello, Tomás Antônio Gonzaga, Vinicius de Moraes

Convivência com Afonso Schmidt, Astrogildo Pereira, Caio Prado Júnior, Carlos Burlamaqui Kopke, Fábio Lucas, Graciliano Ramos, Henrique L. Alves, Ibiapaba Martins, Lourdes Bernardes, Mário Schenberg, Solano Trindade

ATIVIDADES LITERÁRIAS/CULTURAIS

1956 - Polônia, França, Itália, Checoslováquia e Hungria - Viagem com o Teatro Popular Brasileiro, dirigido pelo poeta Solano Trindade
1956c./1964 - São Paulo SP - Publicação de poemas nos jornais Notícias de Hoje (SP) e Imprensa Popular (RJ)
1968/1994 - São Paulo SP - Diretor do Instituto Cultural Israelita Brasileiro
1979/1994 - São Paulo SP - Colaborador esporádico em O Artista, jornal da UBE
1990/1994 - Piracicaba SP - Publicação de poemas e artigos no jornal Linguagem Viva
1990 - São Paulo SP - Participação no Terceiro Encontro de Escritores Judeus Latino-Americanos
1992/1994 - São Paulo SP - Segundo Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores
2000/2007 - São Paulo SP - Diretor da União Brasileira de Escritores

LEITURAS CRÍTICAS
"Carlos Frydman propõe, em seus poemas, um fluxo de confissões íntimas ajustado a um vasto apelo à solidariedade humana. Daí a oscilação que seus versos apresentam entre o tom menor do lirismo amoroso, da expressão confidencial, e a proclamação sonora ou eloqüente dos grandes valores sociais. Os temas oceânicos inspiram-lhe viagens que são, por sua vez, sintomas de uma busca infinita das razões mais profundas do ser. Quando acolhe temas urbanos, os seus olhos se voltam mais para os deserdados. Daí a invocação dos transeuntes do Viaduto do Chá ou dos habitantes das vilas, com seu carnaval revestido de pobreza e misticismo (...). Dotado de veia lírica, não poderia escapar a Carlos Frydman a celebração de duas forças da alma que potenciam a perfeita comunicação: o amor e a amizade. Ambas instauram tal intercâmbio entre os homens que sempre as duas partes intervenientes se enriquecem na troca, locupletam-se. O proveito recíproco marca o amor e a amizade." Lucas, Fábio, pref. [1990]. In: Frydman, Carlos. Sintonia: poesia.

Fonte:
http://www.ube.org.br/

Otz Friedman (Caldo Poético de Sorocaba)


Ser

Abdico à arte de sofismar
que embora arte escória
é arte de ganhar

Não. Ainda prefiro perder
a esquecer que:

O que é, é
Sempre foi
e sempre será
–––––––––––––––

Suave

veio de leve
parecia me espreitar
desde sempre
inconstante, incolor
silenciosa como um gato
traiçoeira como um gato

veio,
e foi,
e voltou como uma louca
uma dor que não passa,
ressaca
e deitou os negros cabelos
de seda em meu travesseiro
e embalou meu sono

veio de leve
passava as noites
a me sussurar mentiras

veio de leve e fria como um alemão
bela como uma borboleta
embutida em raiva de cão

veio do vão, do oco
do início do tempo
veio pra não mais ir
veio pra sempre, pétrea, dura
como um amor que foi embora
chegou a loucura.
––––––––––––––––––-

Flor II

Querida, hoje sonhei-te dourada
e tuas asas embalaram meu sono
e tua pele de pétala me despertou

Querida, hoje sonhei-te minha.
–––––––––––––––––––––––––––

POETRIX

Eu Natureza

acordo rio
vivo vento
e durmo verbo
=======================

Singelo amor puro

Tudo levou, a sacana
Fiquei sem amor
e sem cabana.
===========================


Fotomontagem = José Feldman

domingo, 12 de abril de 2009

Marcos Losnak (Caminho de Sonhos)


MÚSICA DAS FOLHAS

Vento
é aquilo que retira a imobilidade das folhas

Dor
é o que recheia o corpo de vazios

Amor
é algo que não aparece quando estamos mortos

Brisa
é a sutil compreensão de que nada é imóvel
––––––––––––––––––––-

A NUTRIÇÃO DO SILÊNCIO
para Sabrina

Os olhos não são as únicas vozes do silêncio
Existem muitas outras
na verdade um punhado delas
que flutuam sobre a medula da imaginação
e se esfregam no estranho como um dom
que toca a simplicidade de maneira iluminada

Pensar é um golpe de sorte
quando estamos sob o império do acaso
e a multidão não é o que aparece diante dos olhos
mas aquilo que as sombras vomitam
quando quase tudo parece calmo e claro

A culpa é uma extensão do medo
onde os fracos se curvam
onde os fortes se comovem
e nessa parca sorte
a idéia de que a vida
pode ser algo menor do que parece ser
é aplicável somente quando a consciência
abandona o próprio ninho
para se nutrir de outros ninhos que acreditam na idéia
de que a vida pode ser maior do que ela já é

Os olhos não são as únicas vozes do medo
são pedra que se aquecem sob o sol
e se esfriam sob as pálpebras do silêncio
––––––––––––––––––––––––––

A LEVITAÇÃO DAS PEDRAS

para Cynthia

A manhã são seus olhos
navegando pelo sorriso
contando a história das marés
e silenciando a música dos pássaros

Imantada pela luz do sol
transpassa os acordos do tempo
deixando a memória da pele
nas imagens do paraíso

As dores voam pela janela
levadas pelas abelhas
flutuam no calmo aceno
de um semiótico adeus

A manhã são seus olhos
gravitando em minha alma
deslocando a brisa úmida
para o sacrifício dos astros

O instinto recolhido na caverna
balbucia palavras em conchas
dizendo que o enigma da felicidade
é um sonho brincando no quintal

Nem sempre permanecerá assim
manhã soldada à vida como ouro
mas fatalmente levitará as pedras
enquanto inspirar o destino
––––––––––––––––––––––––––––––-

UM PEIXE SEM LAGO

Um homem sozinho
é um lago sem peixes

Uma tristeza quase alegre
procurando um campo de papoulas
para alimentar suas dores

Muito pequeno para o que sente
mastiga os insetos mais venenosos
como se acendesse uma vela aos pés de deus

Uma cabeça lançada ao desvario
que extrai de si mesma longos membros
para sobreviver no breu das margens

É o mais feliz dos animais
vive onde o álcool purifica as feridas
onde o amor é uma febre
que se cura com drogas e delírios

Um homem sozinho
não precisa falsificar suas dores
elas já nascem com ele
como capim onde há terra
como merda onde há gente

Ele sabe que é tarde
quando cachorros lambem seus pés
quando os cabelos tornam-se espessos
besuntados pelo óleo do absurdo

Sabe quando deve morrer
retirar-se de onde nunca esteve
e nunca desejou pensar
e mesmo assim
manteve os olhos florescidos de sinceridade

Seu coração deseja o deserto
sua felicidade não é a felicidade de todos
é a simples felicidade impossível
de um único um

Um homem sozinho
é um peixe sem lagos
–––––––––––––––––––––––-

UNHAS SUJAS DE TERRA

No fundo do olho do pássaro
um resto de nuvem
acena um melancólico adeus

Enquanto brincamos na floresta
o lobo afia seus dentes
nos seios de nossa mãe

Escolhemos ser alguma coisa
e não conseguimos suportar
aquilo que escolhemos

Escolhemos ser algo mais
e nem ao menos sabemos
o que é algo que é mais

O céu se despede das penas
entoa um vento quase cinza
e agora somos nós os coveiros
––––––––––––––––––––––

CONTANDO OS DEDOS

Todos os acordos entre minhas mãos fracassaram.
Os dedos romperam os limites,
foram onde não deviam,
tocaram aquilo que não podiam.
As falanges esfolaram suas dobras,
afogaram suas fendas,
deixaram para os ossos o trabalho sujo.
A guerra brotou como sorriso,
desbotou como riso,
deixou pássaros sem pena,
cavalos sem couro.

Tudo sob uma chuva de sal e vinagre.
As guelras dos braços decepados
foram atiradas em riachos aquarelados.
Precisaram aprender a nadar antes de engatinhar
sugando os seios dos ciscos das chuvas.
Os acordos foram rompidos como fita de inauguração.
Neste ponto a falsidade se sentiu em casa,
invadiu a piscina da honra,
belos pratos para gordos ratos.
Nenhum órgão disse nada,
nenhuma célula abriu a boca.
Os olhos se fecharam da manhã ao entardecer.
Tudo foi perdido.
Lágrimas e lamentos se tornaram um álbum de retrato.
Lâmpadas e sol,
coisas do passado.
–––––––––––––––––––––––

ACENDENDO O PAVIO

Tornei-me um especialista na genérica arte do caos.
A arte de transformar cada hora do dia
num poço de possibilidades nunca alcançadas.
Coisas invisíveis sujando o chão da mente
e nenhuma limpeza capaz de eliminar anos de poeira e
erros,
Vermes desfilando suas obras com a elegância de deuses,
Todos desfilando em carros alegóricos entre multidões de
desocupados.

A chuva não faz barulho em meu telhado,
Os sinos não vibram meus tímpanos.
Um sonho estéril enterrado a cada manhã,
Um pesadelo cultivado entre falsos sorrisos.

Tudo bem se a casa desabasse,
Tudo bem se os filhos morressem,
Mas nada indicaria uma nova salvação para o que já foi
destruído.
A ilusão coroando o amor com flores e jóias,
Inventando palavras singelas entre pedras de gelo.

Nesta existência nenhuma pedra foi lapidada,
Tudo foi perdido num lento e doloroso ritmo.
Uma montanha enlouquecida sepultando os mais belos detalhes
da vida.

As caminhadas tornaram-se enfadonhas e cansativas,
A casa deixou de mudar de lugar,
Os animais tornaram-se insuportáveis,
Os pensamentos tornaram-se azedos.
Tudo muito estranho para um self conservado em álcool.

Os cegos desta praça são felizes,
Nunca vêem o que sentem.

–––––––––––––––––––––––-


Sobre o autor
Nasceu em Bauru-SP em 1964 e reside em Londrina-PR há 17 anos. De 1988 a 1991 foi editor da revista de arte Kan. Formado em jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina, desde 1991 escreve semanalmente resenhas para o jornal Folha de Londrina/Folha do Paraná. Teve poemas publicados em revistas e suplementos culturais como Nicolau, Kan, Medusa, Cão - Magazine dos Signos e na antologia "Pindorama - 30 poetas de Brasil", organizada por Reynaldo Jiménez para a revista Tsé-Tsé n.° 7/8 (Buenos Aires, outono/2000). Atualmente edita a revista Coyote, com Ademir Assunção e Rodrigo Garcia Lopes.

Fontes:
http://www.revistazunai.com/
http://www.antoniomiranda.com.br/

Mauro Faccioni Filho (Primeiro Princípio da Dualidade)

sentei para escrever um poema e escrevi outro
sob os lençóis se mexeram seus pés nus

num livro - entre duas folhas - faltou a palavra
que na manhã seguinte estampou os jornais

a gota de sêmen - a peregrina lenta
enquanto aviões cruzaram o céu azul

a mesma rua que guardava em uma lembrança
surgiu numa manhã - bem longe da sua origem

e as placas estavam nos mesmos lugares marcados
mas vieram escritas numa língua estranha

sofrendo pela avalanche de perguntas sem respostas
você veio tocar-me a nuca sussurrando

e o que começou de um jeito acabou de outro
queimando verdades e véus e se apagando
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Mauro Faccioni Filho, nascido em Maringá, PR, em 1962, publicou os livros de poemas Helenos (1998) e Duplo Dublê (2002), ambos pela Editora Letras Contemporâneas. Dirigiu e produziu os filmes Bruxas (1989) e Loba (1987). Tem publicados diversos artigos e palestras em congressos e revistas nacionais e internacionais. Foi um dos fundadores da revista de poesia Babel.
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Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://www.germinaliteratura.com.br/

Airo Zamoner (Alô! Quem Fala?)



O sobressalto despeja adrenalina no sangue e o coração acelera. Ele pula do casulo tênue do descanso forçado. As fibras do corpo extenuado se retesam. A voz ameaça um salto da garganta trêmula. Pigarreia. Disfarça. Ameaça relaxar. A excitação impede. Os ouvidos tentam espasmos inúteis para estenosar entradas. O som digital rompe as barreiras e vibra no cérebro suplantado.

Atender é voltar ao mundo. Ouvir pessoas e seus disfarces malditos é abrir novamente os canais apodrecidos de líquidos imundos. É ter a morte a seu lado. Se ela ao menos tivesse a comiseração de o levar para sempre! Mas não! Fica ali para mostrar a supremacia pervertida.

Não atender é enlouquecer a cada segundo. Perder a consciência do inferno.
O ruído metálico insiste. As mãos apertam as têmporas. Levantá-lo do gancho é deixar fluir os demônios liquefeitos a escorrer pelas orelhas, promiscuindo sua pureza.

Olha as janelas encortinadas de cobertores escuros, tapando o Sol fingido. Pensa! Valeu a pena o trabalho para esconder esse traidor que agora ilumina e alegra, mas depois desaparece e impõe a perfídia da noite.

E ela se junta com outras tantas irmãs, planejando mortes. E os corpos imploram alarmes estridentes como o som deste maldito aparelho.

Não quer mais o Sol, nem a primavera, nem as flores. Amostras mentirosas da verdade escondida nos axiomas que ele flagrou imperfeitos.

Não quer o dia fraudulento que só existe para trazer a noite. É nela que o sangue jorra em cascatas mornas e desliza pelos esgotos civilizados.

Relâmpagos fluem por sinapses assustadas, gerando idéias de fugas.

Para escapar terá que transpor a porta. Transpondo-a entrará novamente no engodo que o dilacera.

Lá fora o transeunte admira o detalhe da abelha que esvoaça sobre as margaridas. Olha o céu e lê as novidades desenhadas por nuvens aleatórias.

Cumprimenta a vizinha que rebola na calçada, provocando desejos adolescentes.
Vê o casarão antigo.

Estranha as janelas tapadas com mantas corrompidas. Plantas secas choram nos parapeitos. Vidros quebrados trincam o passado. E o som digital a escorrer fendas afora.

O contraste segura os passos. O abandono apodrecido cá fora e o tilintar digital lá dentro o intriga. Pára. Espera. Examina.

Procura a campainha da entrada. Acha o botão de cobre antigo. Aperta-o e surpreende-se. Funciona!

Ninguém atende. Cola o ouvido em busca de sinais. O silêncio se aglomera em torno do som metálico da chamada insistente.

Tenta abrir a porta. O rangido tétrico desarmoniza o ritmo do sinal. Afasta-se com asco. O cheiro liberto foge pela fresta. Ele recua e grita por socorro. A ambulância sem pressa recolhe o corpo. Escorrega da maca a mão retesada que agarra o telefone, agora mudo.

Fontes:
http://www.protexto.com.br/
Imagem =
http://volneyf.blogspot.com

Bernardo Carvalho (Estante de Livros)



Os Bebados e os Sonâmbulos
Ao descobrir que tem um tumor no cérebro, que mudará progressivamente sua personalidade, fazendo-o perder a identidade e a memória, um militar homossexual decide sair em busca de sua origem. Sobrevivente, ainda criança, de um acidente aéreo em que morreram o pai e o irmão, ele parte à procura da mulher que o teria salvado e, conforme avança nessa viagem, correndo contra o tempo e também contra o avanço do tumor em sua cabeça, vai se embrenhando cada vez mais num intrigante mistério, uma história de traições e imposturas, para acabar diante de uma revelação para ele inimaginável.

Ao dar voz a um narrador cuja identidade é mutante, esse livro transforma a investigação e a busca de si mesmo num enigma policial, perseguindo, numa prosa perturbada e inquieta, sempre a um passo de perder a cabeça, uma brecha, um outro caminho para a narrativa hoje: uma prosa que se arrisca até os limites onde possam se esboçar as centelhas de um novo texto de ficção.

As Iniciais
Doze pessoas que sofreram (ou estão para sofrer) uma experiência muito próxima da morte se reúnem para jantar no antigo mosteiro abandonado de uma ilha, durante as férias de verão. Ao longo da noite cada um conta a sua história. A certa altura, o narrador recebe de outro convidado uma caixinha de madeira com quatro letras entalhadas na tampa, como um código, e dali em diante passa a viver a obsessão de decifrá-las.

Dez anos depois, do outro lado do Atlântico, durante um almoço na sede de uma fazenda, ele encontra um misterioso pintor ali exilado para se recuperar de uma crise psíquica. Esse homem, em quem ele supõe reconhecer um dos convidados do jantar no mosteiro, teria a chave do significado das iniciais. Ao tentar descobrir se o pintor é de fato quem ele imagina, o narrador se vê enredado num jogo labiríntico de identidades, no qual a própria realidade do mundo que o cerca será posta à prova.

Narrada em primeira pessoa por um escritor que é também jornalista, essa história ganha desde o início um ritmo intenso, o que se deve em parte à estranha congruência das situações descritas. Elas têm a verossimilhança do que chamamos de inacreditável na vida real (por oposição à vida representada literariamente) e com isso abrem no leitor uma curiosidade irresistível sobre os efeitos que produziram. Lemos essa história pelo mais simples dos motivos: o desejo de saber o que aconteceu.

Com sua oralidade culta, o narrador dissemina pelo texto traços de personalidade e estados de espírito. Sou ingênuo, ele nos diz, sou crédulo, não vejo o óbvio, me espanto com o mundo, me sinto desamparado, fico perplexo, não sei como agir. Mas ele diz também: não tenho mais ilusões. (Embora conte com a escrita para pôr um ponto final no tempo que passou.)

Nove Noites
Na noite de 2 de agosto de 1939, um jovem e promissor antropólogo americano, Buell Quain, se matou, aos 27 anos, de forma violenta, enquanto tentava voltar para a civilização, vindo de uma aldeia indígena no interior do Brasil. O caso se tornou um tabu para a antropologia brasileira, foi logo esquecido e permaneceu em grande parte desconhecido do público.

Sessenta e dois anos depois, ao tomar conhecimento da história por acaso, num artigo de jornal, o narrador deste livro é levado a investigar de maneira obsessiva e inexplicada as razões do suicídio do antropólogo. Em sua busca obstinada pelas cartas do morto ou pelo testamento de um engenheiro que ficara amigo do antropólogo nos seus últimos meses de vida, o narrador é guiado por razões pessoais que não serão reveladas até o final do romance, mas que dizem respeito à sua experiência de criança na selva, à história e à morte de seu próprio pai.

Nove noites narra a descida ao coração das trevas empreendida pelo jovem expoente da antropologia americana, colega de Lévi-Strauss e aluno dileto de Ruth Benedict, às vésperas da Segunda Guerra. A história é contada em dois tempos, na tribo dos índios krahô (interior do sertão brasileiro) e na combinação progressiva entre a busca pelo testamento do engenheiro e a pesquisa que o narrador vai fazendo em arquivos, atrás das cartas do antropólogo e dos que o conheceram na época.

Para escrever o livro, Bernardo Carvalho travou contato com os Krahô, no Estado do Tocantins, e foi aos Estados Unidos em busca de documentos e pessoas que pudessem saber algo sobre o antropólogo.

A história de Buell Quain revela as contradições e os desejos de um homem sozinho numa terra estranha, confrontado com os seus próprios limites e com a alteridade mais absoluta, numa narrativa que faz referências aos romances de Joseph Conrad e aos relatos do escritor inglês Bruce Chatwin.

O Sol se Põe em São Paulo
No Japão da Segunda Guerra, um triângulo amoroso envolve Michiyo, Jokichi e Masukichi - uma moça de boa família, um filho de industrial e um ator de kyogen, o teatro cômico japonês. À primeira vista, isso é tudo que Setsuko, a dona do restaurante japonês, tem a contar ao narrador de O sol se põe em São Paulo, novo romance de Bernardo Carvalho. Mas logo a trama se complica e se desdobra em outras mais, passadas e presentes, que desnorteiam o narrador involuntário, agora compelido a um verdadeiro trabalho de detetive para completar a história em que se viu enredado.

Pois o relato de Setsuko aponta para além do desejo, da humilhação e do ressentimento amorosos, e se vincula aos momentos mais terríveis da História contemporânea - tanto do Japão como do Brasil. Romance sem fronteiras, que une a Osaka de outrora à São Paulo de hoje, e esta à Tóquio do século XXI, o romance de Bernardo Carvalho entrelaça tempos e espaços que o leitor julgaria essencialmente separados - e nos quais a prosa de ficção brasileira não costuma se arriscar.

Caberá ao narrador de O sol se põe em São Paulo transitar de um pavilhão japonês no bairro do Paraíso a um cybercafé na Tóquio pós-moderna, das fazendas do interior de São Paulo aos campos de batalha da guerra no Pacífico. Tudo a fim de deslindar uma trama tortuosa, que envolve ainda um soldado raso, um primo do imperador e um escritor famoso (o romancista Junichiro Tanizaki) - também sua própria pessoa, sua própria identidade: pária ou escritor?

Fonte:
http://www.companhiadasletras.com.br/

Kathryn VanSpanckeren (Panorama da Literatura dos Estados Unidos – Parte I)



Esta publicação apresenta uma visão geral histórica da literatura americana até o início do século 21, bem como breves perfis dos principais escritores — de ficção, não-ficção, teatro e poesia.

Produzida para professores e estudantes de Inglês e Literatura e leitores interessados nesse tema, esta publicação baseia-se em outra mais ampla, Perfil da Literatura Americana. Para mais informações sobre esse tema, consulte: http://www.america.gov/publications/books/outline-of-american-literature.html.

Primórdios e Período Colonial

A base da literatura americana tem início com a transmissão oral de mitos, lendas, contos e letras (sempre de canções) das culturas indígenas. A tradição oral do indígena americano é bastante diversificada. As histórias indígenas fazem uma brilhante reverência à natureza como mãe espiritual e também física. A natureza é viva e dotada de forças espirituais; os principais personagens podem ser animais ou plantas, geralmente totens associados a uma tribo, um grupo ou indivíduo.

A contribuição do índio americano para os Estados Unidos é maior do que se pensa. Centenas de palavras indígenas são usadas no inglês americano do dia-a-dia, entre elas “canoe” (canoa), “tobacco” (tabaco), “potato” (batata), “moccasin” (mocassim), “moose” (alce), “persimmon” (caqui), “raccoon” (guaximim), “tomahawk” (machadinha indígena) e “totem” (totem). A produção literária ameríndia contemporânea, da qual trata o capítulo 7, também contém obras de grande beleza.

O primeiro registro europeu sobre a exploração da América é em um idioma escandinavo. A Velha Saga Norueguesa de Vinland conta como o aventureiro Leif Eriksson e um bando de noruegueses errantes se instalaram por um breve período na costa nordeste da América — provavelmente na Nova Escócia, no Canadá — na primeira década do século 11.

O primeiro contato conhecido e comprovado entre os americanos e o resto do mundo, contudo, começou com a famosa viagem de um explorador italiano, Cristóvão Colombo, financiada por Izabel, rainha da Espanha. O diário de Colombo em sua “Epístola”, impresso em 1493, conta o drama da viagem.

As primeiras tentativas de colonização pelos ingleses foram desastrosas. A primeira colônia foi fundada em 1585 em Roanoke, na costa da Carolina do Norte; todos os seus colonizadores desapareceram. A segunda colônia foi mais duradoura: Jamestown, fundada em 1607. Ela resistiu à fome, à brutalidade e ao desgoverno. No entanto, a literatura desse período pinta a América com cores brilhantes como uma terra de fartura e oportunidades. Relatos sobre as colonizações tornaram-se famosos no mundo todo.

No século 17, piratas, aventureiros e exploradores abriram caminho para uma segunda onda de colonizadores permanentes, que levou esposas, filhos, implementos agrícolas e ferramentas artesanais. As primeiras produções literárias da época da exploração consistiam de diários, cartas, diários de viagem, registros de bordo e relatórios dirigidos aos financiadores dos exploradores. Como a Inglaterra acabou tomando posse das colônias da América do Norte, a literatura colonial mais conhecida e antologizada era inglesa.

Na história do mundo, provavelmente, não houve outros colonizadores tão intelectualizados quanto os puritanos, a maioria dos quais de origem inglesa ou holandesa. Entre 1630 e 1690, havia tantos bacharéis na região nordeste dos Estados Unidos, conhecida como Nova Inglaterra, quanto na Inglaterra. Os puritanos, que sempre venceram pelo próprio esforço e foram geralmente autodidatas, queriam educação para entender e realizar a vontade divina ao fundarem suas colônias por toda a Nova Inglaterra.

O estilo puritano apresentava grande variedade — da complexa poesia metafísica aos diários domésticos, passando pela história religiosa com fortes toques de pedantismo. Seja qual for o estilo ou o gênero, certos temas eram constantes. A vida vista como um teste; o fracasso que leva à maldição eterna e ao fogo do inferno; e o sucesso que leva à felicidade eterna. Esse mundo era uma arena de embates constantes entre as forças de Deus e as forças do Diabo, um inimigo terrível com muitos disfarces.

Há muito tempo os acadêmicos enfatizam essa ligação entre o puritanismo e o capitalismo: ambos têm como base a ambição, o trabalho árduo e a luta intensa pelo sucesso. Embora individualmente os puritanos não pudessem saber, em termos estritamente teológicos, se estavam “salvos” e entre os eleitos que iriam para o céu, eles viam em geral o sucesso terreno como um sinal de terem sido os escolhidos. Buscavam riqueza e status não só para eles próprios, mas como uma sempre bem-vinda garantia de saúde espiritual e promessas de vida eterna.

Além disso, o conceito de administração estimulava o sucesso. Os puritanos achavam que ao aumentar seu próprio lucro e o bem-estar da comunidade, estavam também promovendo os planos de Deus. O grande modelo de literatura, crença e conduta era a Bíblia, em uma tradução inglesa autorizada. A grande antiguidade da Bíblia assegurava autoridade aos olhos dos puritanos.

Com o fim do século 17 e início do século 18, o dogmatismo religioso diminuiu gradualmente, apesar dos grandes esforços esporádicos dos puritanos para impedir a onda de tolerância. O espírito de tolerância e liberdade religiosa que cresceu aos poucos nas colônias americanas foi plantado inicialmente em Rhode Island e na Pensilvânia, terra dos quakers. Os humanos e tolerantes quakers, ou “Amigos”, como eram conhecidos, acreditavam no caráter sagrado da consciência individual como origem da ordem social e da moralidade. A crença fundamental dos quakers no amor universal e na fraternidade os tornou profundamente democráticos e contrários à autoridade religiosa dogmática. Expulsos do rígido estado de Massachusetts, que temia sua influência, estabeleceram uma colônia muito bem-sucedida, a Pensilvânia, sob o comando de William Penn, em 1681.

Origens Democráticas e Escritores Pós-Revolucionários

A Revolução Americana de duras batalhas contra a Grã-Bretanha (1775-1783) foi a primeira guerra moderna de libertação contra uma potência colonialista. O triunfo da independência americana era visto por muitos na época como um sinal divino de que os Estados Unidos e seu povo estavam destinados à grandeza. A vitória militar alimentou esperanças nacionalistas por uma literatura nova e importante. No entanto, com exceção de escritos políticos de destaque, poucas obras dignas de nota apareceram durante ou logo após a Revolução.

Os americanos estavam desgostosamente conscientes de sua excessiva dependência dos modelos literários ingleses. A busca por uma literatura nativa tornou-se obsessão nacional. A independência literária dos Estados Unidos foi retardada por uma identificação persistente com a Inglaterra, pela imitação exagerada dos modelos literários ingleses ou clássicos e por difíceis condições econômicas e políticas que prejudicavam as publicações.

James Fenimore Cooper (1789-1851)

James Fenimore Cooper, como Washington Irving, foi um dos primeiros grandes escritores americanos. Assim como outros autores românticos da época, Cooper evocava uma sensação de passado (naqueles dias, a vida selvagem americana que precedeu as primeiras colonizações européias e coincidiu com elas). Em Cooper, encontra-se o poderoso mito de uma “era de ouro” e a dor de sua perda.

Se, por um lado, Washington Irving e outros escritores americanos antes e depois dele esquadrinhavam a Europa em busca de suas lendas, seus castelos e seus grandes temas, Cooper ajudava a criar o mito essencial dos Estados Unidos: a história européia em terras americanas foi uma reencenação da Queda no Jardim do Éden. O reino cíclico da natureza só foi percebido no ato de destruí-lo: a vida selvagem desapareceu diante dos olhos americanos, sumindo como uma miragem diante dos pioneiros que chegavam. Essa é basicamente a visão trágica de Cooper da irônica destruição da vida selvagem — o “novo Éden” que primeiro atraiu os colonizadores.

Filho de uma família quaker, cresceu na propriedade rural distante de seu pai em Otsego Lake (atualmente Cooperstown), na região central do estado de Nova York. Embora essa área fosse relativamente pacífica durante a infância de Cooper, certa vez foi cenário de um massacre de índios. O jovem Fenimore Cooper viu homens da fronteira e índios em Otsego Lake quando menino; mais tarde audaciosos colonos brancos invadiram suas terras.

Natty Bumppo, famoso personagem literário de Cooper, incorpora sua visão do homem da fronteira como um cavalheiro, um “aristocrata natural” à maneira de Jefferson. No início de 1823, em Os Pioneiros, Cooper começou a imaginar Bumppo. Natty é o primeiro homem da fronteira famoso na literatura americana e predecessor literário de inúmeros caubóis e heróis de distantes rincões ficcionais. É o individualista idealizado e honrado, que é melhor do que a sociedade que protege. Pobre e isolado, e no entanto puro, Natty é um exemplo de valores éticos e antecede Billy Budd, de Herman Melville, e Huck Finn, de Mark Twain.

Baseado em parte na vida real do pioneiro americano Daniel Boone — que era um quaker como Cooper — Natty Bumppo, homem da floresta excepcional como Boone, era uma pessoa pacífica adotada por uma tribo indígena. Tanto Boone quanto o personagem Bumppo amavam a natureza e a liberdade. Eles se deslocavam constantemente para o Oeste para escapar dos novos colonos a quem haviam servido de guia por terras ainda não desbravadas e se tornaram lendas ainda em vida.

A vida de Natty Bumppo é o fio unificador dos cinco romances conhecidos em seu conjunto como Leather-Stocking Tales [Contos dos Caçadores de Peles]. Como maior realização de Cooper, esses romances constituem um grande épico em prosa tendo o continente norte-americano como cenário, tribos indígenas como atores principais e grandes guerras e a migração para o Oeste como fundo social. Eles dão vida à fronteira dos Estados Unidos de 1740 a 1804. A obra de Cooper retrata as sucessivas ondas de colonização na fronteira: a terra original habitada pelos índios; a chegada dos primeiros brancos como batedores, soldados, comerciantes e desbravadores; a chegada das famílias de colonos pobres e rudes; e a chegada final da classe média, trazendo os primeiros profissionais liberais — o juiz, o médico e o banqueiro. Cada nova onda deslocava a anterior: os brancos deslocaram os índios, que se retiraram para o Oeste; a classe média “civilizada”, que construiu escolas, igrejas e cadeias, deslocou a gente individualista e mais simples da fronteira que, por sua vez, avançou ainda mais para o Oeste, deslocando os índios que os precederam. Cooper evoca a infindável e inevitável onda de colonos, vendo não apenas os ganhos, mas também as perdas.

Assim como Rudyard Kipling, E.M. Forster, Herman Melville e outros observadores sensíveis de uma ampla gama de culturas interagindo entre si, Cooper foi um relativista cultural. Ele entendeu que nenhuma cultura detinha o monopólio sobre a virtude e o requinte.

O Período Romântico, Ensaístas e Poetas

O movimento romântico, que surgiu na Alemanha e logo se espalhou, chegou aos Estados Unidos por volta de 1820. O ideário romântico era permeado pela dimensão estética e espiritual da natureza e pela importância da mente e do espírito individuais. Os românticos destacavam a importância da arte da auto-expressão para o indivíduo e para a sociedade.

O desenvolvimento do eu tornou-se o tema central; a autoconsciência, o método mais importante. Se, segundo a teoria romântica, o eu e a natureza eram uma coisa só, a autoconsciência não era um caminho egoísta, sem saída, mas uma forma de conhecimento que ampliava o universo. Se o próprio eu vibrava em harmonia com toda a humanidade, então o indivíduo tinha a obrigação moral de reverter as desigualdades sociais e aliviar o sofrimento humano. A idéia do “eu”, que as gerações anteriores viam como egoísmo, foi redefinida. Surgiram novas palavras compostas com significados positivos: “auto-realização”, “auto-expressão” e “auto-suficiência”.

À medida que o eu único, subjetivo ganhava importância, verificava-se o mesmo no âmbito da psicologia. Técnicas e efeitos artísticos excepcionais foram criados para evocar estados psicológicos elevados. O “sublime” — efeito da beleza na grandiosidade (por exemplo, vista do alto da montanha) — produzia sentimentos de assombro respeitoso, reverência, imensidão e uma força além da compreensão humana.

O romantismo era afirmativo e apropriado para a maioria dos poetas e ensaístas criativos americanos. As grandes montanhas, os desertos e os trópicos dos Estados Unidos expressavam o sublime. O espírito romântico parecia especialmente apropriado para a democracia americana: ele enfatizava o individualismo, afirmava o valor da pessoa comum e buscava na imaginação inspirada seus valores éticos e estéticos.

Transcendentalismo

O movimento transcendentalista, representado pelos ensaístas Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, foi uma reação contra o racionalismo do século 18 e estava intimamente ligado ao movimento romântico. Está bastante associado à Concord, no estado de Massachusetts, cidade perto de Boston, onde viveram Emerson, Thoreau e um grupo de outros escritores.

Em geral, o transcendentalismo foi uma filosofia liberal que privilegiou a natureza em lugar da estrutura religiosa formal, a percepção individual em lugar do dogma e o instinto humano em lugar da convenção social. Os românticos transcendentalistas americanos levaram o individualismo radical ao extremo. Os escritores americanos — de então ou que vieram depois — viam-se com freqüência como exploradores solitários fora da sociedade e das convenções. O herói americano — como o capitão Ahab, de Herman Melville, ou Huck Finn, de Mark Twain — tipicamente enfrentava riscos ou mesmo certa destruição em busca da autodescoberta metafísica. Para o escritor romântico americano, nada era dado. As convenções literárias e sociais, longe de serem úteis, eram perigosas. Havia grande pressão para encontrar uma forma, voz e conteúdo literários autênticos.

Ralph Waldo Emerson (1803-1882)
Ralph Waldo Emerson, a figura eminente de sua época, tinha um sentido de missão religiosa. Embora muitos o tenham acusado de subverter o cristianismo, ele explicou que, para ele, “era necessário deixar a igreja para ser um bom pastor”. O discurso que proferiu em 1838 em sua alma mater, a Faculdade de Estudos Religiosos de Harvard, fez com que ele não fosse bem-vindo em Harvard por 30 anos. Nele, Emerson acusou a igreja de enfatizar o dogma enquanto sufocava o espírito.

Emerson é extraordinariamente consistente em seu apelo pelo nascimento do individualismo americano inspirado pela natureza. O ensaio “A Natureza” (1836), sua primeira publicação, começa assim:

Our age is retrospective. It builds the sepulchers of the fathers. It writes biographies, histories, criticism. The foregoing generations beheld God and nature face to face; we [merely] through their eyes. Why should not we also enjoy an original relation to the universe? Why should not we have a poetry of insight and not of tradition, and a religion by revelation to us, and not the history of theirs. Embosomed for a season in nature, whose floods of life stream around and through us, and invite us by the powers they supply, to action proportioned to nature, why should we grope among the dry bones of the past ...?

Muito deste insight espiritual vem de leituras em Hinduismo, Confucionismo e Sufismo Islâmico.

Henry David Thoreau (1817-1862)

Henry David Thoreau nasceu em Concord e fez da cidade sua residência permanente. Vindo de uma família pobre como Emerson, construiu seu caminho para Harvard. A obra-prima de Thoreau, Walden ou a Vida nos Bosques (1854), é fruto de dois anos, dois meses e dois dias (de 1845 a 1847) passados em uma cabana de madeira construída por ele no Lago Walden, perto de Concord. Esse longo ensaio poético desafia o leitor a olhar para a sua vida e vivê-la de forma autêntica.

O ensaio de Thoreau “A Desobediência Civil”, com sua teoria de resistência passiva baseada na necessidade do indivíduo justo de desobedecer a leis injustas, serviu de inspiração para o movimento de independência da Índia de Mahatma Gandhi e para a luta de Martin Luther King pelos direitos civis dos negros americanos no século 20.

Walt Whitman (1819-1892)
Nascido em Long Island, Nova York, Walt Whitman foi carpinteiro em tempo parcial e homem do povo, cujo trabalho brilhante e inovador traduziu o espírito democrático do país. Whitman foi em grande parte autodidata; aos 11 anos abandonou a escola para trabalhar, não freqüentando o tipo de educação tradicional que fez com que a maioria dos autores americanos se tornasse respeitáveis imitadores dos ingleses. Suas Folhas de Relva (1855), que ele reescreveu e revisou por toda a vida, contém “Canção de Mim Mesmo”, o poema mais original e formidável já escrito por um americano.

A forma inovadora, sem rima e com verso livre do poema, a franca celebração da sexualidade, a sensibilidade democrática vibrante e a declaração romântica extremada que o eu do poeta era um só com o universo e o leitor alteraram para sempre o curso da poesia americana.

Emily Dickinson (1830-1886)
Emily Dickinson é, de certa forma, elo de ligação entre sua época e as sensibilidades literárias do século 20. Individualista radical, ela nasceu e passou sua vida em Amherst, pequeno povoado no estado de Massachusetts. Nunca se casou e levou uma vida não convencional sem grandes acontecimentos externos, mas cheia de intensidade interior. Ela amava a natureza e encontrou inspiração profunda nos pássaros, nos animais, nas plantas e nas mudanças de estação na zona rural da Nova Inglaterra. Emily Dickinson viveu a última parte da sua vida em reclusão devido a uma psique extremamente sensível e possivelmente para conseguir tempo para escrever.

O estilo conciso, normalmente imagístico da poeta é ainda mais moderno e inovador do que o de Whitman. Há ocasiões em que ela mostra uma consciência existencial terrível. Sua poesia limpa, clara e bem delineada, redescoberta nos anos 1950, traz alguns dos mais fascinantes e desafiadores poemas da literatura americana.

Fonte:
http://embaixadaamericana.org.br/HTML/literatureinbrief/chapter03.htm

Tennesse Williams (1911 – 1983)



Thomas Lanier "Tennesse" Williams nasceu no Columbus, Mississippi, em 26 de Março de 1911, o primeiro filho e segunda criança de Cornelius Coffin e Edwina Dakin Williams. Sua mãe, filha de um pastor, seu pai, um vendedor de sapato.
A família viveu por vários anos no Clarksdale, Mississippi, antes de mudar para St. Louis em 1918. A família de Tennessee Williams era muito problemática, o que lhe serviu de inspiração para muitos de seus textos

Ainda criança ele teve difteria e ficou um ano fora da escola, tornando-se um menino introspectivo e que passava todo o tempo só em volta dos livros. Segundo ele mesmo declarou em uma entrevista concedida na década de 70: "Descobri na escrita uma fuga de um mundo real no qual me sentia profundamente desconfortável".

Em 1929, ele entrou a Universidade de Missouri.

Em 1931 ele começou a trabalhar para uma Companhia de sapato em St. Louis.

Aos 26 anos ele escolheu o nome de Tennessee em função dos dois anos felizes que passou em Nashville.

Seu primeiro conto publicado saiu em uma revista de histórias fantásticas quando ele terminava o segundo grau. Sua primeira peça teatral foi "Cairo! Xangai! Bombaim!", uma comédia sobre dois marinheiros, montada em um pequeno teatro de Memphis.

Em 1938 ele ganhou um concurso de teatro na Califórnia e embolsou o prêmio de 100 dólares. A parti daí conseguiu uma bolsa de mil dólares e se mudou para Nova Iorque. Acabou indo parar em Hollywood como roteirista da MGM, mas a companhia não gostou do seu trabalho.

O drama The Glass Menagerie, no Brasil intitulado À Margem da Vida, uma de suas obras mais importantes, é lançado em 1944, em Chicago, às vésperas do Natal, tornando-se imediatamente um grande sucesso e lhe garantindo a conquista de dois prêmios.

A peça seguinte, em 1947, foi "Um Bonde Chamado Desejo" que o consagrou e com a qual ele ganhou o Prêmio Pulitzer.

Como dramaturgo, foi uma das figuras mais representativas no teatro contemporâneo de seu país. O teatro de Williams é sólido, muito localizado dentro de seu tempo. Para os americanos, o trabalho deste autor representa uma projeção da consciência " americana"; é uma mistura de estilos literários e teatrais, de teorias que de alguma maneira configuraram seu país.

Um dos dramaturgos que levaram a cena as perguntas de repressão sexual, racial e social nos Estados Unidos de um modo mais fundo e mais violento. Foi o autor teatral mais influente no pós-guerra.

Seus dramas transmitem sempre uma impressão pessimista, sendo freqüente a presença de personagens psicopatas, incapazes de encontrar o seu lugar na sociedade. Muitos dos enredos situam-se nos estados do sul dos EUA, numa atmosfera dominada pela violência e pelos instintos primários. De um ponto de vista formal, o seu teatro encontra-se vinculado ao realismo psicológico. Partindo do equilíbrio entre teatro plástico e teatro para ver e sentir, Williams acompanhava a ação com elementos sensitivos, como a música, a luz e toda uma simbologia da cor.

Tennessee Williams começou a escrever nos anos em que começou a fluir a psicanálise de acordo com o estilo americano; até então, as teorias de Freud se expandiam maciçamente. Agora os criminosos e vilões desapareceram para dar lugar ao neurótico e perverso.

Tennessee Williams foi revelado para o grande público do teatro americano (leia-se Broadway) a 31 de março de 1945, quando estreou com imenso sucesso de público e crítica a sua (The Glass Menagerie) À Margem da Vida. Estava com 34 anos, o que para ele significava sucesso tardio e arduamente conquistado.

Procurando enredos nas violências e nas atmosferas do americano, ele escreveu muitos textos, entre esses se destacam:
Um Bonde Chamado Desejo, de 1947,
A Rosa Tatuada de 1950
e Gata em Teto de Zinco Quente, de 1955.

Muito dos seus trabalhos foram levados ao cinema , Williams tinha muitas diferenças com as produtoras, com a tendência clara aos fins felizes de Hollywood,enormidades contrastaram com os fracassos e derrotas que o autor reservou para os seus personagens.

Tennesse Williams morreu em um hotel de Nova Iorque, próximo a completar os 73 anos, em 24 de fevereiro de 1983.

Tennessee Williams no Cinema

Depois de Shakespeare, Williams foi o dramaturgo mais adaptado para o cinema. Apesar de muitas dessas adaptações não terem correspondido à expressividade das peças de Williams, o clima psicológico dos temas foi o suficiente para a valorização dos filmes.

Filmografia:
The Glass Menagerie (“À Margem da Vida”/ “Algemas de Cristal”). Foi dirigido por Irving Rapper, em 1950, tendo no elenco Gertrude Lawrence, Kirk Douglas e Jane Wyman, é considerado um filme autobiográfico e foi o primeiro grande sucesso de Williams no cinema.

A Streetcar Named Desire (“Uma Rua Chamada Pecado”, cuja tradução em livro, no Brasil, seguiu o original inglês, “Um Bonde Chamado Desejo”), dirigido por Elia Kazan, em 1951. Kazan já dirigira a peça na Broadway, em 1947, e a seu pedido Williams escreveu o roteiro do filme. Ambos escolheram Marlon Brando para o papel principal. Vivien Leigh, que interpretara a peça em Londres, sob a direção de Laurence Olivier, substituiu Jessica Tandy, que interpretara Blanche Dubois na peça da Broadway. O filme enfrentou problemas com a censura, em especial da igreja católica, na época, devido à cena em que Brando está com a camisa rasgada, sob as escadas, gritando pela esposa. Vivien Leigh recebeu o Oscar de atriz por esse filme, assim como Karl Malden e Kim Hunter receberam o Oscar de coadjuvantes. Brando foi indicado ao Oscar de ator, mas perdeu para Humphrey Bogart em The African Queen (“Uma Aventura na África”). Foi indicado ao Oscar de filme de 1951, perdendo para An American in Paris (“Sinfonia em Paris”), e Elia Kazan, indicado ao Oscar de direção, perdeu para George Stevens, com o filme A Place in the Sun (“Um Lugar ao Sol”).

The Rose Tattoo (“A Rosa Tatuada”) foi dirigido por Daniel Mann, em 1955, e teve Anna Magnani e Burt Lancaster como intérpretes. William, arrebatado pelo talento de Magnani, escreveu a peça para ela, e vendeu seus direitos a preço irrisório para Hal Nallis, apenas para exigir duas coisas: ele mesmo escreveria o roteiro e Magnani seria a intérprete. A atriz ganhou o Oscar de 1955 com tal interpretação. Marisa Pavan foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo mesmo filme, perdendo para Jo

Van Fleet em East of Eden (“Vidas Amargas”), e o filme foi indicado ao Oscar, perdendo para Marty (“Marty”).

Baby Doll (“Boneca de Carne”) foi dirigido por Elia Kazan, em 1956. A obra nasceu da união de duas peças curtas que Kazan encomendara a Williams, The Unsatisfactory Supper e Twenty-Seven Wagons Loads of Cotton. Com Carrol Baker, Karl Malden e Eli Wallach, o filme causou escândalo na época. Carrol Baker foi indicada ao Oscar de atriz, perdendo para Ingrid Bergman em Anastasia (“Anastácia, a Princesa Esquecida”), e Mildred Dunnock ao de atriz coadjuvante, tendo perdido para Dorothy Malone em Written on the Wind (“Palavras ao Vento”).

Cat on a Hot Tin Roof (“Gata em Teto de Zinco Quente”), dirigido por Richard Brooks, em 1958, com Elizabeth Taylor, Paul Newman e Burl Ives. Foi indicado ao Oscar de filme e diretor, mas os ganhadores foram Gigi (“Gigi”) e Vincente Minnelli. Newman e Taylor também foram indicados ao Oscar, mas foram derrotados por David Niven, em
Separate Tables (“Vidas Separadas”) e Susan Hayward, em I Want to Live (“Quero Viver”).

Suddenly, Last Summer (“De Repente, no Último Verão”) foi dirigido por Joseph L. Mankiewicz, em 1959. O roteiro foi desenvolvido por Williams e Gore Vidal, e no elenco estão Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn e Montgomery Clift. Taylor foi indicada ao Oscar de atriz, o qual foi ganho por Simone Signoret em Room at the Top (“Almas em Leilão”).

The Fugitive Kind (“Vidas em Fuga”), dirigido por Sidney Lumet, em 1960, foi na verdade a sua primeira peça, Orpheus Descending, um fracasso que fora apresentada em 1940. Williams queria Brando e Magnani com intérpretes, mas assim que se viram, os dois atores se odiaram instantaneamente[3].

The Roman Spring of Mrs. Stone (“Em Roma, na Primavera”) foi dirigido por José Quintero, em 1961, tendo Vivien Leigh e Warren Beatty como intérpretes.

Summer and Smoke (“Anjo de Pedra”), dirigido por Peter Glenville, em 1961, com Geraldine Page, numa versão bastante criticada e discutida[4]. Geraldine Page e Una Merkel foram indicadas ao Oscar de atriz e atriz coadjuvante, respectivamente, porém as ganhadoras foram Sophia Loren, em La Ciociara (“Duas Mulheres”), como atriz, e Rita Moreno em West Side Story (“Amor, Sublime Amor”), como coadjuvante.

Sweet Bird of Youth (“Doce Pássaro da Juventude”), dirigido por Richard Brooks, em 1962, teve Paul Newman, Geraldine Page, Shirley Knight e Ed Begley como intérpretes, este último agraciado com o Oscar de ator coadjuvante de 1962. Page e Shirley Knight foram indicadas como atriz e coadjuvante, mas as ganhadoras foram Anne Bancroft e Patty Duke, ambas em The Miracle Worker (“O Milagre de Anne Sullivan”).

Períod of Adjustement (“Marcha Nupcial”) foi dirigido por George Roy Hill em 1962.

The Night of the Iguana (“A Noite do Iguana”), dirigido por John Huston, em 1964, com Elizabeth Taylor, Ava Gardner, Deborah Kerr, Sue Lyon, foi filmado no México, a 100 quilômetros de Acapulco. Já tinha sido um sucesso na Broadway, com Bette Davis.
This Property is Condemned (“Esta Mulher é Proibida”) foi dirigido por Sidney Pollack em 1966, e tinha Robert Redford no elenco.

Boom (“O Homem que veio de Longe”) foi dirigido por Joseph Losey, em 1968, com Elizabeth Taylor e Richard Burton.

Last of the Mobile Hots-shots foi dirigido por Sidney Lumet em 1970, com Lynn Redgrave e James Coburn.

Noir et Blanc foi dirigido por Claire Denis em 1985.

The Glass Menagerie (“À Margem da Vida”) foi a refilmagem dirigida por Paul Newman, em 1987, com Joanne Woodward, John Malkovich e Karen Allen.

Fontes:
http://www.geocities.com/aylacave/biotw.html
http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_1176.html
http://www.infoescola.com/biografias/tennessee-williams/
http://pt.wikipedia.org/

sábado, 11 de abril de 2009

Aniversário do Falecimento de Joaquim Manuel de Macedo

Joaquim Manuel de Macedo (A Harpa Quebrada)



I
"Minha harpa, saudemos o instante da morte,
Que é lúcida aurora de eterna vitória;
O túmulo pra os vates é trono de glória,
E a vida é o jugo do inferno e da sorte.
O jugo quebremos, ao trono subamos;
E belo o triunfo, min´harpa morramos!"
E, como pelo canto enternecida,
Da harpa dedilhada uma das cordas
Rebentando soou como um gemido.

II
"O vate é proscrito que vaga na terra,
Bem poucos lhe entendem o estranho falar;
Qual rocha batida das vagas do mar,
Suporta dos homens tormentos e guerra;
Dos vates a pátria no céu achar vamos,
Deixemos o exílio, minh´arpa morramos!"
E a nova corda estala; outro gemido
Que sai dos seios da harpa, e é dado às brisas.

III
"A morte é o sono que a dor sucedeu,
Do qual se desperta no Éden do Senhor;
E d'alma um arroubo em ânsias de amor,
E o túmulo é a porta dos átrios do céu.
A morte é o sono, minh'harpa durmamos
O céu nos espera, minh'harpa morramos!"
E outra corda rebenta, e sobre as ondas
Longo soa também outro gemido,
Que triste esvaecendo aos poucos morre.

IV
"Min´harpa, não gemas, que o mundo é traidor,
Asila a perfídia do grêmio fatal.
Não vale as saudades de um peito leal,
Nem ternos suspiros de uma harpa de amor;
Não gemas, exulta, que ao céu subir vamos;
Ávida é sinistra. Min´harpa, morramos!"
Inda uma corda estala, e geme ainda,
Como profunda queixa, que exalada
Do lúgubre cantor responde ao hino.

V
"Esposa querida, minh´arpa, vem cá!
A hora enfim soa no nosso himeneu;
A pira é a lua, que fulge no céu;
O tálamo virgem nas ondas será;
A pira flameja! Esposa, corramos!
Aos gozos! a glória! miin´harpa, morramos!
----------------]

Joaquim Manuel de Macedo (O Passeio Público)



(Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, 2 vols., 1852-1853.)

Fazei de conta que vos achais agora comigo no aprazível terraço do Passeio Público do Rio de Janeiro.

O dia foi calmoso. Em compensação, porém, a tarde é bela e fresca. O sol derrama sobre a terra seus últimos raios. Anuncia-se a hora do crepúsculo. A viração festeja docemente as verdes folhas das árvores que sussurram com um leve ruído.

Imaginai tudo isso. Embalar-vos-ei com uma ficção que já tem sido e será mil vezes uma verdade.

Sentemo-nos nestes bancos de mármore e de azulejos. Voltemos as costas para o mar. O espetáculo dessa natureza opulenta, grandiosa, sublime, absorver-nos-ia em uma contemplação insaciável. Cerremos por algum tempo os olhos à majestade das obras de Deus. A hora do crepúsculo é suave, melancólica e propícia aos sonhos do futuro e às recordações do passado.

Deixemos o futuro a Deus no céu e aos poetas na terra.

Lembremos antes o passado, e, ligados pelo mesmo pensamento, vamos buscar no último quartel do século décimo oitavo o princípio da história deste jardim público.

Suponhamos ainda e finalmente que por unanimidade de votos me escolhestes para vosso orador: foi uma eleição inteiramente livre, sem cabala, sem fósforos, sem intervenção da polícia, sem duplicatas, sem anulações de votos fatais, um verdadeiro milagre constitucional. Tenho consciência da pureza do meu mandato.

Falo em nome de todos vós.

O célebre Luís de Vasconcelos e Sousa, que no dia 5 de abril de 1779 substituíra o marquês de Lavradio no governo do Brasil, via com a mais profunda mágoa começar o seu vice-reinado debaixo de maus auspícios.

Moço ainda e, portanto, ainda sem aquele prestígio de uma longa experiência que se assinala nas rugas da fronte e nos cabelos grisalhos, que aliás nem sempre são companheiros da sabedoria e da prudência, viera suceder a um administrador provecto, hábil e feliz, que deixava o seu nome recomendado à memória do povo pelos serviços que prestara à agricultura, pela proteção que dera às letras nascentes no Rio de Janeiro, e pelos cuidados com que se empenhara em prover às despesas, à polícia e ao desenvolvimento e asseio da cidade capital da grande colônia portuguesa da América.

A lembrança do marquês de Lavradio fazia já não pouco difícil a posição do novo vice-rei, e ainda como para torná-la mais embaraçada, sobrevieram logo dois lamentáveis sucessos, uma calamidade e um flagelo inesperados, que encheram de desgosto a população.

Alguns meses apenas tinham passado da chegada de Luís de Vasconcelos ao Rio de Janeiro, quando, em conseqüência de chuvas aturadas e violentas, romperam-se aquedutos das fontes públicas, deixando os habitantes da cidade em luta com a carestia d’água, que somente de longe se podia trazer.

Então o pretinho que passava pela rua gritando - Ii! - fazia pagar por um preço relativamente fabuloso o pote d’água que levava à cabeça, e isso era um tormento para os pobres e um motivo de lamentações para os ricos. Se não compreendeis bem a significação desse grito dos vendedores d’água, que ainda se ouvia no Rio de janeiro em uma época muito recente, eu vô-lo explico. Logo depois da fundação da cidade de São Sebastião, eram os índios ou gentios que vendiam água aos colonos e a anunciavam na sua língua, bradando: - Ig! Ig! - palavra que foi corrompida mais tarde pelos africanos escravos.

Mas, ainda pior do que a ruína dos aquedutos, aconteceu imediatamente que se desenvolvesse uma terrível epidemia que espalhou o terror e o luto no seio da bela Sebastianópolis. Era uma febre de caráter maligno, acompanhada de afecções cerebrais e da medula, e que, quando não terminava com a morte dos doentes, deixava a estes um legado cruel de paralisias e de deformidade.

Chamou-se então a essa epidemia - zamperini ou zamparina, como dizia o povo, que foi quem assim a denominou.
[...]

Assim, em 1779, chamou à epidemia que ceifava a população zamperini porque então se penteavam os cabelos e se usavam diversos objetos e vestidos à Zamperini, que foi aquela célebre cantora veneziana que chegou a Lisboa em 1770, levada pelo notário apostólico da nunciatura, e a quem no teatro na rua dos Condes iam todos aplaudir, notavelmente o padre Macedo, que lhe dirigiu sonetos e odes como quaisquer outro pecador inspirado o faria.
[...]

A cidade do Rio de Janeiro estava, pois, em uma situação duplamente dolorosa. Mas, se alguém então desanimou não foi por certo Luís de Vasconcelos, que deu prontas e enérgicas providências para o abastecimento d’água, assim como tomou medidas higiênicas para combater a zamperini, mandou socorrer os enfermos pobres, e ainda teve tempo e força para ordenar o começo dessa série de obras importantes que perpetuaram o seu nome.

Luís de Vasconcelos reunia a grandes qualidades de administrador maneiras tão afáveis, tanta cortesia e bondade, que soube depressa conquistar as simpatias do povo. Em breve estas simpatias se transformaram em mais bem fundada estima e consideração; porque o ativo e infatigável vice-rei empreendeu grandes trabalhos em proveito da cidade, e para levá-los a cabo soube cercar-se de todos os homens esclarecidos e capazes de coadjuvá-lo que encontrou no Rio de Janeiro.

Um de seus prediletos era o mestre Valentim.

Observar-me-eis que eu não disse ainda quem era o mestre Valentim. Tendes razão.

Valentim da Fonseca e Silva era filho de um fidalgo português e de uma rapariga do Brasil, e teve o seu berço ou no Rio de Janeiro ou mais provavelmente na província de Minas Gerais, onde seu pai era contratador de diamantes. Foi levado por ele para Portugal, donde voltou órfão e ainda jovem, repelido pelos parentes, e trazendo por herança única o vício minhoto que sempre conservou na fala. Aprendeu no Rio de Janeiro a arte torêutica, e foi um arquiteto e um entalhador de primeira ordem. As igrejas do Carmo e da Cruz, a capela-mor de São Francisco de Paula e o chafariz do largo do Paço documentam o seu merecimento ainda hoje.

Devemos agradecer aos parentes do pai de Valentim o ímpeto de vaidade com que empurraram para o Brasil aquele pobre menino, que entre nós se fez um grande homem e que honrou a pátria com seu imenso talento.

O mestre Valentim queixava-se de que Luís de Vasconcelos, que se dizia tão seu amigo e que tantos tributos pedia à sua capacidade artística, desse-lhe sempre mais elogios do que dinheiro; parece, porém, que não há muito fundamento nas queixas do artista, a quem jamais sobrava o ouro; amando muito o belo sexo e tendo especial predileção por estrangeiras, pagava uma fingida e interesseira gratidão por preço tanto mais elevado quanto era maior a impressão que causava o seu rosto feio e exterior pouco simpático.

Mas Luís de Vasconcelos tinha em grande estima o mestre Valentim; aprazia-se com as suas originalidades e com a sua fraqueza de artista e confiava muito na sua probidade e inteligência, fazendo-se até às vezes acompanhar por ele, quando saía a examinar o andamento das obras que estava mandando executar.

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Imagem = http://www.vitruvius.com.br

Joaquim Manuel de Macedo (O Sarau)



(A Moreninha, capítulo 16, 1844)

Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de telhados abaixo. Em um sarau todo mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de champanha na mão, os mais intrincados negócios; todos murmuram, e não há quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das cantigas de seu tempo, e o moço goza de todo os regalos de sua época; as moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento: aqui uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopidado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar a sua partida no écarté, mesmo na ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um sustenido; daí a pouco vão as outras, pelos braços de seus pares, se deslizando pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que veio para o chá, e que ela levava aos pequenos que, diz, lhe ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dandy que dirige mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns, é regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.

E o mais é que nós estamos num sarau. Inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de ... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidades; alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda parte borbulhar o prazer e o bom gosto.

Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam para ver qual delas vence em graça, encantos e donaires, certo sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.

Hábil menina é ela! nunca seu amor-próprio presidiu com tanto estudo tributo seu toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da Rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas jóias, D. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pelas costas: não quis ornar o pescoço com seu adereço de brilhantes, nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. E vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções.

Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura do seu vestido branco, para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseia, e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se pode imaginar.

Sobre ela estão conversando agora mesmo Fabrício e Leopoldo. Terminam sem dúvida a sua prática. Não importa; vamos ouvi-los.

- Está na verdade encantadora!... repetiu pela quarta vez aquele.

- Dança com ela? perguntou Leopoldo.

- Não, já estava engajada para doze quadrilhas.

- Oh! la vai ter com ela o nosso Augusto. Vamos apreciá-lo.

Os dois estudantes aproximaram-se de Augusto, que acabava de rogar à linda Moreninha a mercê da terceira quadrilha.

- Leva de tábua, disse Fabrício ao ouvido de Leopoldo... é a mesma que eu lhe havia pedido.

Mas a jovenzinha pensou um momento antes de responder ao pretendente; olhou para Fabrício e com particular mover de lábios pareceu mostrar-se descontente; depois riu-se e respondeu a Augusto:

- Com muito prazer.

- Mas, minha senhora, disse Fabrício, vermelho de despeito e aturdido com um beliscão que lhe dera Leopoldo; há cinco minutos já estava engajada até a duodécima.

- É verdade, tornou D. Carolina; e agora só acabo de ratificar uma promessa: o Sr. Augusto poderá dizer se ontem pediu-me ou não a terceira contradança?

- Juro... balbuciou Augusto.

- Basta! acudiu Fabrício interrompendo-o; é inútil qualquer juramento de homem, depois das palavras de uma senhora.

Fabrício e Leopoldo retiraram-se; D. Carolina, que tinha iludido o primeiro, vendo brilhar o prazer na face de Augusto, e temendo que daquela ocorrência tirasse este alguma explicação lisonjeira demais, quis aplicar um corretivo e, erguendo-se, tomou o braço de Augusto. Aproveitando o passeio, disse:

- Agradeço-lhe a condescendência com que ia tomar parte na minha mentira... foi necessário que eu praticasse assim; quero antes dançar com alguém, do que com aquele seu amigo.

- Ofendeu-lhe, minha senhora?

- Certo que não, mas... diz-me coisas que não quero saber.

- Então... que diz ele?...

- Fala tantas vezes em amor...

- Meu Deus! é um crime que eu tenho estado bem perto de cometer!

- Pois bem, foi esta a única razão.

- Mas eu temo perder a minha contradança... alguns momentos mais e eu serei réu como Fabrício.

- A culpa será de seus lábios.

- Antes dos seus olhos, minha senhora.

- Cuidado, Sr. Augusto! lembre-se da contradança!

- Pois será preciso dizer que a detesto?...

- Basta não dizer que me ama.

- É não dizer o que sinto, eu... não sei mentir.

- Ainda há pouco ia jurar falso...

- Nas palavras de um anjo ou de uma...

- Acabe.

- Tentaçãozinha.

- Perdeu a terceira contradança.

- Misericórdia! eu não falei em amor!...

Neste momento a orquestra assinalou o começo do sarau. É preciso antecipar que nos não vamos dar ao trabalho de descrever este; é um sarau, como todos os outros, basta dizer o seguinte:

Os velhos lembraram-se do passado, os moços aproveitaram o presente, ninguém cuidou do futuro. Os solteiros fizeram por lembrar-se do casamento, os casados trabalharam por esquecer-se dele. Os homens jogaram, falaram em política e reqüestaram as moças; as senhoras ouviram finezas, trataram de modas e criticaram desapiedadamente umas das outras. As filhas deram carreirinhas ao som da música, as mães, já idosas, receberam cumprimentos por amor daquelas, as avós, por não ter que fazer nem que ouvir, levaram todo o tempo a endireitar as toucas e a comer doces. Tudo esteve debaixo destas regras gerais, só resta dar conta das seguintes particularidades:

D. Carolina sempre dançou a terceira contradança com Augusto, mas, para isso, foi preciso que a Sra. D. Ana empenhasse todo o seu valimento; a tirana princezinha da festa esteve realmente desapiedada; não quis passear com o estudante.

A interessante D. Violante fez o diabo a quatro: tomou doze sorvetes, comeu pão-de-ló, como nenhuma, tocou em todos os doces, obrigou alguns moços a tomá-la por par e até dançou uma valsa de corrupio.

Augusto apaixonou-se por seis senhoras com quem dançou; o rapaz é incorrigível. E assim tudo o mais.

Agora são quatro horas da manhã; o sarau está terminado, os convidados vão retirando-se e nós, entrando na toilette, vamos ouvir quatro belas conhecidas nossas, que conversam com ardor e fogo.
[...]

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Imagem = http://saraupontoorg.blogspot.com