sexta-feira, 22 de maio de 2009

Os Jogos Florais



Os Jogos Florais são concursos de Trovas realizados sob a égide da União Brasileira de Trovadores.

O primeiro concurso do gênero foi instituído na cidade fluminense de Nova Friburgo em 1960, considerada hoje o berço dos Jogos Florais

O período entre 28 de Abril e 13 de Maio do calendário romano marcava a celebração dos Jogos Florais (ou Florálias - do latim floralia, ium), assim denominados por se tratarem das festividades em honra de Flora, deusa da Primavera, das flores, dos cereais, das vinhas e das árvores frutíferas. A lenda diz que Flora é uma das divindades sabinas introduzidas em Roma por Tito Tácio e adorada pela populações itálicas, em geral. Desde então, associa-se o mel à deusa, como um dos presentes que esta terá concedido ao Homem, o mesmo acontecendo com todas as flores que conhecemos.

Segundo Junito de Sousa Brandão (1993), nesta data as cortesãs reuniam-se e dançavam ao som de trombetas, num concurso em que as vencedoras eram coroadas de flores, tal como era hábito fazer-se nas cerimônias de adoração da própria divindade. Por influência desta tradição romana, em toda a Península Ibérica, embora com especial incidência na zona do Algarve, ficou até aos nossos dias o costume de colocar nas portas e janelas das casas flores de giestas, também designadas por Maias (nome que provém do fato de florescerem em maior abundância do quinto mês do ano). Mais ainda, no início do século era habitual escolher-se nas aldeias uma jovem que, vestida de branco, era coroada de flores tal como a deusa.

Um pouco mais tarde, a partir do século XIII, esta celebração passou a abranger uma esfera mais alargada, agora enquanto concurso literário: os poetas e amantes da escrita, em geral, tinham nesta data a possibilidade de apresentar as suas produções num concurso, cujos procedimentos se regem por um regulamento que conforme o local que são realizados possuem características específicas: os participantes podem optar por várias modalidades de escrita, sendo as mais comuns o poema lírico ou as quadra populares de tema livre, o soneto (tomando como inspiração um determinado assunto), poesia obrigada à utilização de um mote específico ou alegórica à própria cidade onde se realizam os Jogos e, finalmente, o tratamento de um adágio popular. Seus autores são obrigados a apresentar-se sob pseudônimo, para que os jurados não sofram qualquer tipo de influência durante a avaliação. Aos melhores trabalhos são oferecidos prêmios, habitualmente três por modalidade. Por vezes, são ainda concedidas menções honrosas aos candidatos, cujos trabalhos, embora não sejam vencedores, são considerados dignos de destaque.

Com a criação dos Jogos Florais de Nova Friburgo surgiu o Baile das Musas para que fosse escolhida a Musa daquele ano, evento que acompanha a história dos Jogos Florais, não só de Nova Friburgo mas de vários concursos nacionais.

Surgiram da união de Zeus com Mnemósine, tendo como berço as proximidades do monte Olimpo. Elas cantavam acompanhadas da lira do deus Apolo.

São NOVE as MUSAS criadas pela mitologia grega .
• Calíope (bela voz), a primeira entre as irmãs, era a musa da eloqüência.
• Clio (a quem confere fama) - musa da História, sendo símbolos seus o clarim heróico e a clepsidra. Jovem coroada de louros, tendo na mão direita uma trombeta e na esquerda um livro intitulado "Tucídide". Aos seus atributos acrescentam-se ainda o globo terrestre.
• Érato (a que desperta desejo) - musa do verso erótico. Ninfa coroada de mirto e rosas. Tinha na mão direita uma lira e na mão esquerda um arco.
• Euterpe (a que dá júbilo) - musa da poesia lírica, tinha como símbolo a flauta e aparece coroada de flores.
• Polímnia (a de muitos hinos) - musa dos hinos sagrados e da narração de histórias. Usava um véu e, por ser meditativa estava sempre com o dedo na boca.
• Melpômene (a cantora) - musa da tragédia; usava máscara trágica e folhas de videira.
• Terpsícore (a que adorva dançar) - musa da dança, tocava a cítara ou lira. Regia o canto coral.
• Tália (a festiva) - musa da comédia que vestia uma máscara cômica e portava ramos de hera.
• Urânia (celeste) - musa da astronomia, tendo por símbolos um globo celeste e um compasso.

Fontes:
http://www.jogosflorais.com.br/
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/J/jogos_florais.htm
Imagem = http:// http://www.angela.bispo.nom.br/

L Jogos Florais de Nova Friburgo 2009 (Resultado Final)




VENCEDORES 2009

CONCURSO NACIONAL
TEMA: SAUDADE (Lírica/Filosófica)

1º Lugar - Troféu Aloisio de Moura
Entre os véus da noite, imerso,
insone em meu travesseiro,
escrevo apenas um verso
e a saudade... um livro inteiro!
Maria Lucia Daloce
Bandeirantes - PR

2º Lugar
Saudade, lembrança acesa,
não de um amor que passou,
mas, sim, com toda certeza,
daquele amor que ficou! ...
Antônio Vanzella-
S. Bernardo do Campo - SP

3º Lugar
Se o meu tempo está marcado
e da saudade eu disponho,
invento alguém ao meu lado,
cerro meus olhos e sonho...
Milton Nunes Loureiro
Niterói- RJ

4° Lugar
Saudade é um velho barquinho
que vence o tempo e a distância
e recolhe, no caminho,
os pedacinhos da infância ...
Ercy Mª Marques de Faria-
Bauru- SP

5º Lugar
No rosto, um leve sorriso
disfarça a dor da saudade...
- Há vezes em que é preciso
fingir a felicidade .
Olga Agulhon-
Maringá - PR


MENÇÃO HONROSA

Passa o tempo... e, enquanto corre,
a lembrança vai sumindo...
Mas a saudade não morre:
- Apenas fica dormindo...
Pedro Mello
São Paulo- SP

Quem diz que não tem saudade
e se é verdade o que diz,
não teve a felicidade
de já ter sido feliz.
Orlando Woczikosky
Curitiba- PR

Praça da minha cidade
onde hoje volto tristonho,
vim, nos rastros da saudade,
matar saudades de um sonho !...
Tereza Costa Val
Belo Horizonte – MG

Ó Saudade, hoje me provas
que és a melhor das amigas,
porque fazes sempre novas
minhas saudades antigas...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru- SP

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
- A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez C. Moura
Pindamonhangaba – SP

MENÇÃO ESPECIAL

Na saudade eu julgo ver
uma inversão de caminhos:
á gua passada a mover
os meus internos moinhos ...
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa- PR

Entre nós não há mais nada,
mas ante a prova de fogo,
saudade é carta marcada
que acaba ganhando o jogo !
Alba Cristina Campos Netto
São Paulo- SP

Saudade, mágoa sentida,
barco distante do cais;
pedaço da própria vida
que a gente não vive mais ...
Marta Mªa O. Paes de Barros
São Paulo – SP

Ah , saudade do passado !
tão presente e tão intensa,
que penso ouvir teu chamado,
buscando a minha presença.
Sônia Mª Sobreira da Silva
Rio de Janeiro- RJ

Saudade é luz matutina
no crepúsculo da gente.
Sol que o passado ilumina
quando escurece o presente.
Orlando Woczikosky
Curitiba- PR


CONCURSO NACIONAL
TEMA : CINQUENTÃO (Humorística
)

1º Lugar
Diz o cinquentão vaidoso:
- “Eu sou madeira de lei!”
E, a mulher, em tom jocoso:
- “Então deu cupim...que eu sei !”
Marta Mª O. Paes de Barros
São Paulo – SP

2º Lugar
Na sinuca, ela afobada
num jogo de sedução,
acertou uma tacada
no taco do cinqüentão !
Adilson Maia
Niterói – RJ

3º Lugar
- Por não ser mais “cinquentão”
- quase beirando os setenta –
já não vivo de ilusão,
mas que a gente tenta... tenta ! ! !
Eduardo A. O. Toledo
Pouso Alegre – MG

4º Lugar
Ante a noiva bem nutrida,
o cinqüentão fica louco :
- Ela só pensa em comida
e cinquentão come pouco...
Milton Nunes Loureiro
Niterói-RJ

5º Lugar
Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas... o cabelo acabou.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba – PR

MENÇÃO HONROSA

Faxina pra lá de boa
ela faz por cinquentão:
limpa a casa da patroa
e a carteira do patrão.
Maurício Pindamonhangaba-
São Paulo- SP

O cinquentão se arruinou
negócios, TUDO caído ...
é que a mulata o deixou
zerado em todo sentido
Mª de Fátima S. de Oliveira
Juiz de Fora – MG

O cinquentão não se aguenta:
é calculista bebum,
e tão logo fez cinquenta,
já que ter “ Cinquenta e Um” !!!
Marisa Rodrigues Fontalva
São Paulo – SP

Freguês quer jornal inteiro !
Quem viu a folha de esporte ?
- E o cinquentão no banheiro :
foi alguém de muita sorte !
Wanda Horilda Freesz de Lima
Juiz de Fora – MG

Rico cinquentão? Coitado!
Quisera que fosse assim!
Ele anda mais apertado
que pasta dental no fim!
Renata Paccola
São Paulo –SP

MENÇÃO ESPECIAL

Quis dar o golpe na sorte
se encostou no cinquentão
um ricaço esperto e forte
que lhe deu tanque e fogão !
Alfredo Barbieri
Taubaté – SP

Fez plástica o setentão
e mudou seu visual...
Mostra um rosto cinquentão,
mas no “resto”... tudo igual !
Tereza Costa Val
Belo Horizonte – MG

O botox em profusão
na cinquentona foi erro,
porque causou a impressão
de sorrir durante o enterro...
Pedro Mello
São Paulo- SP


Eu me dei bem... Ela aponta
para um rico solteirão.
Dei um desfalque sem conta
na conta do cinqüentão !
Adilson Maia
Niterói – RJ

O leito ficou quebrado
pela dupla pesadona:
um cinquentão assanhado
nos braços da cinquentona .
Gilson Faustino Maia
Petrópolis- RJ

CONCURSO PARA OS TROVADORES DE NOVA FRIBURGO

TEMA- CIÚME (Líricas)

1º Lugar
Nosso amor é tão intenso
e a confiança entre nós
fala tanto que o bom senso
deixa o ciúme sem voz.
Joana D´arc

2º Lugar
Se abusas das tuas saias,
dos decotes, dos perfumes,
não posso impedir que saias,
mas eu morro de ciúmes!
Elisabeth Souza Cruz

3º Lugar
O ciúme é vento frio,
lança cravada no peito,
sentimento de vazio,
ao ver vazio o meu leito!
Paulo Sergio Pinheiro de Carvalho

4º Lugar
Ciúmes...brigas...saudade...
Da angústia à supremacia,
eu chego à triste verdade:
- O amor é droga e...vicia!
Elisabeth Souza Cruz

5º Lugar
Ultrapassando as fronteiras
do sim, do não, do talvez,
nosso amor vence barreiras
e o ciúme não tem vez!
Dirce Montechiari

MENÇÃO HONROSA

Surgem de todos os cantos,
mas não demonstro em meu rosto...
Os meus ciúmes são tantos
que sufocam meu desgosto.
Cyrléa Neves

Eu abraço a solidão
dos lençóis, e o meu queixume
é ter perdido a razão,
na cegueira do ciúme!
Ivone Marques Moreira

Se falas do amor em nós,
não ouço...duvido sim!
Há ciúme em viva voz
gritando dentro de mim.
Therezinha Tavares

O teu ciúme insensato,
não te fez ver a verdade;
levou contigo um “Retrato”,
deixou comigo a saudade.
Sérgio Martins

Teu ciúme muito louco,
sem limite, sem medida,
vai minando, pouco a pouco,
os dias da minha vida...
José Moreira Monteiro

MENÇÃO ESPECIAL

Por favor, não desarrume
este encanto verdadeiro
só porque tenho ciúme
até... do seu travesseiro!
Ana Maria Motta

Seu olhar que perde o lume
ao piscar quando me quer,
contém amor e ciúme
de apaixonada mulher.
Adilson Calvão

Quando o ciúme me abraça
eu quase morro de dor;
mas, quando você me enlaça,
sempre sufoco de amo
Dirce Montechiari

Não se explica o nosso encanto
pois teu ciúme...(que horror!)
que nos causa dor e pranto
alimenta o nosso amor!
Hermelina Schuenck

Nosso amor se eleva ao cume,
naquela poesia infinda
da pontinha de ciúme
que você conserva ainda!
Rodolpho Abbud

CONCURSO PARA OS TROVADORES DE NOVA FRIBURGO

TEMA: SUSPIRO (Humorísticas)

1º Lugar
O suspiro está perfeito,
mas é tão pequenininho
que deve ter sido feito
com ovos...de passarinho!
Ana Maria Motta
2º Lugar
Doceiro que sai do apuro
com suspiro e rocambole
sabe o quanto já foi duro
vender só maria-mole!
Ailto Rodrigues

3º Lugar
A vovó, nos seus oitenta,
não pode comer chouriço;
olha, suspira e comenta:
- já fui muito boa nisso...
Denise Cataldi

4º Lugar
Vê passar o seu vizinho,
e a mulher sente revolta
do suspiro, bem fininho,
que o marido dela solta.
Therezinha Tavares

5º Lugar
- Suspira o velho...sonhando,
e a velhinha, já nervosa:
-Você sempre me acordando
com propaganda enganosa!
Ivone Marques Moreira

MENÇÃO HONROSA

Na praça da cavalgada,
suspira o velho azarão
vendo a mocinha montada
num baita de um alazão!
Ivone Moreira Marques

Lá na praça do Suspiro,
o vovô, todo em genérico:
-Eu tento, assanho e transpiro,
mas quem sobe é o Teleférico!
Elisabeth Souza Cruz

Ele lambe até a panela,
suspirando sem canseira,
na pensão onde a costela
mais gostosa é da caseira!
Ailto Rodrigues

Ela cozinha. Ele, em torno.
Preparam suspiros novos:
enquanto ela aquece o forno,
ele vai batendo os ovos!
Ana Maria Motta

Sob um arbusto na praça,
o casal fez seu retiro,
mas, quando a polícia passa,
não se ouve nem um suspiro!
Rodolpho Abbud

MENÇÃO ESPECIAL

Trabalha em banco privado
da praça e, quando há sol quente,
ele suspira cansado
se fatura outra cliente.
Joana D’Arc da Veiga

Ao comprar um sapatão,
o marido reprovou!
E, ao vê-lo com um gatão,
ela suspira: - Empatou!
Dilva Moraes

Cinquentão, gordo, gabola,
suspirando, num sussurro,
pergunta pra jovem: - Rola?
E ela: - Deita que eu empurro!
Pedro Cleto

Morreu!...Duvido e confiro.
Oh!...que eu confio na sogra...
Até o último suspiro
ela é fingida e me logra.
Dirce Montechiari

Quando requebra me mata,
diz o luso: Eu quase piro
mas dou por esta mulata
o meu último suspiro!
Clenir Neves Ribeiro

MAGNÍFICOS TROVADORES

CONJUNTO TEMA: AMOR

1º Lugar - Troféu Anis Murad
Teu ciúme, cortando os laços
do nosso amor, me magoa...
Mas meu amor abre os braços
e, por amor, te perdoa
João Freire Filho

2º Lugar
Porque te dei muito amor
fiquei só...Pois não sabia
que vai perdendo o valor,
o que é dado em demasia!...
José Tavares de Lima

3º Lugar
Quando, à noite, a chuva canta
e as lembranças tomam cor,
a saudade se levanta
e acorda o meu velho amor !
Octávio Venturelli

TROVA ISOLADA - TEMA AMOR

1º Lugar-Troféu Colbert R. Coelho
Escrito de próprio punho,
mas na gaveta guardado,
o meu amor é um rascunho
que nunca foi publicado!
Sérgio Ferreira da Silva- São Paulo - SP

2º Lugar
A voz do perdão ressoa
quando o amor é quem nos chama:
quem ama sempre perdoa,
se não perdoa... não ama! Trova isolada - tema: Amor
Octávio Venturelli - Rio de Janeiro- RJ

3º Lugar
Nosso amor, desde o começo,
tem tal alcance e medida,
que, quanto mais envelheço,
mais o sinto...além da vida
João Freire Filho - Rio de Janeiro- RJ-
.
CONJUNTO - TEMA: CIÚME

1º Lugar - Troféu Annis Murad
Eis a feia envaidecida :
João tem ciúmes de mim
- Mas ele é cego, querida?
- Como tu sabes!... É sim.
José Tavares de Lima - J. de Fora- MG

2º Lugar
Fato estranho e repetido
deixa a madame cismada:
sempre que beija o marido
a babá fica emburrada !
Pedro Ornellas - São Paulo - SP

3º Lugar
É quando o ciúme bate
da mulher, em seus serões,
que a gente escuta o alfaiate
“ falando com seus botões” !
Edmar Japiassú Maia

TROVA ISOLADAS - HUMOR TEMA: CIÚME

1º Lugar
Tomou medida extremada
por ciúmes e ‘entrou bem!...
mandou embora a empregada
-e o marido foi também!
Pedro Ornellas - São Paulo-SP

2º Lugar
Deixa, vó de ciumeira,
que o vô só pensa em rezar...
-Diz a velhinha, cabreira:
e se a reza funcionar?...
José Tavares de Lima- J. de Fora – MG

3º Lugar
Fato estranho e repetido
deixa a madame cismada:
sempre que beija o marido
a babá fica emburrada!
Pedro Ornellas - São Paulo- SP
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Gérard de Nerval (Poesias)



DÉLFICA

Conheces tu, Dafné, este cantar de outrora
que junto do sicômoro ou sob os loureiros,
ou mirtos, oliveiras, trémulos salgueiros,
este cantar de amor... que volta sempre e agora?

Reconheces o Templo - peristilo imenso -
e os ácidos limões que teus dentes mordiam,
é a gruta onde imprudentes ébrios se perdiam
e do dragão vencido dorme o semen denso?

Hão-de voltar os deuses que saudosa choras!
O tempo há-de trazer da antiguidade as horas;
a terra estremeceu de um ar de profecia...

Todavia a sibila de rosto latino
adormecida à sombra está de Constantino
e nada perturbou a severa arcaria.

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VERSOS DE OURO

Pensando livre, julgas que nenhum outro ente
Pensa num mundo em que tudo jorra a vida?
És livre de dispor da força em ti contida,
Mas do que tu decides é o Universo ausente.

Respeita no animal um espírito agente.
Em cada flor uma alma espera ser sentida.
Um mistério de amor tem nos metais guarida.
Tudo é sensível. Tudo sobre ti potente.

Teme, no muro cego, um olhar que te fita.
A tudo o que é matéria um Verbo está ligado.
Não faças dela nunca uma coisa perjura.

Num ser obscuro às vezes há um deus que habita.
E, como um olho nasce em pálpebras fechado,
Sob as rugas das pedras uma alma se apura.
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A PRIMA

Tem seus prazeres o Inverno; e, ao domingo, às vezes,
se o sol pousa na neve dos jardins burgueses,
a gente sai com a prima para passear...
- E não se esqueçam lá da hora do jantar -

- é o que a mãe diz. E quando nós já vimos todos
os vestidos em flor passando entre o arvoredo,
a menina tem frio... e lembra com bons modos
como a névoa da tarde vem chegando cedo.

Voltamos para casa, recordando o dia
que tão rápido foi... e que tão pouco ardia...
E do fundo da escada cheira-se esfomeado
o perfume, lá em cima, do peru assado.
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O Desditado

Eu sou o tenebroso, - o viúvo, - o inconsolado
Príncipe d'Aquitânia, em triste rebeldia:
É morta a minha estrela, - e no meu constelado
Ataúde há o negror, sol da melancolia.
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Duas vezes o Aqueronte, - é o grande feito meu, -
Transpus a modular, nesta lira de Orfeu,
Os suspiros da santa e os clamores da fada...
Gerard de Nerval.
––––––––

A vida pulsa em cada tom, e ouço
palpitando-te o peito a dor e o luto
alaúde lilás. O clarim soa
enquanto o verso, livre, te machuca.

Viúvo obscuro tanges tua corda
na vaza deste verso, casa oca,
e plange o bandolim, perícia louca,
poeta dos silentes que não dormem.

Mas és o desditado, és o bastardo.
Cavaleiro do tempo em espaço vivo
invades, berro bárbaro na boca

o que não abandonas, deserdado,
mesmo se vendavais te varram a vida,
e o grito da tua chaga purgue e lave

a tua voz extrema de cantor.
Se lá chegares! É que jamais chegas,
jogo de júbilo face ao tormento.
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Gérard de Nerval (22 de Maio 1808 – 25 Janeiro 1855)


Gérard de Nerval (Paris, 22 de Maio de 1808 - 25 de Janeiro de 1855) foi um notório poeta do século XIX, considerado um expoente da poesia francesa.

Seu nome verdadeiro era Gérard Labrunie. Foi educado pelo pai, uma vez que sua mãe teve morte prematura.

Gérard de Nerval, cujo nome verdadeiro era Gerard Labruni, nasceu em Paris 22 de maio de 1808. Órfão de mãe, filho dum médico do exército de Napoleão, o jovem Gerard foi criado em Mortefontaine, na propriedade de seu tio-avô, no país Valois, região de florestas e lagos, tudo embuído de poesia e mistério, onde ele se inspira na poesia rústica e popular.

Ao longo de seus estudos parisienses, no colégio Carlos Magno, ele foi sócio do célebre Théophile Gautier, na elaboração de um folhetim dramático que era publicado regularmente na imprensa.

Ele refuta seus estudos de medicina, apaixona-se pela literatura alemã e em particular por Goethe, do qual ele seria mais tarde um grande tradutor e se fez conhecer por uma tradução de Fausto(1828) e depois de Hoffmann. Fausto, de Goethe, tradução na qual Berlioz se baseou para criar a sinfonia A Danação de Fausto.

No dia seguinte à batalha de Hernani(1830)da qual participou, ele frequenta a boemia da margem esquerda e o “Cenário” romântico e se vê numa louca paixão pela atriz Jennny Colon em 1836, que encarna todos seus sonhos, mas que o abandona para se casar com um músico. Ela se constituirá em seguida como uma das figuras femininas ideais, como em Aurélia (1855). Esta paixão infeliz determinará um traço característico de sua obra: a expansão do sonho na vida real, o fantástico e o amor platônico servindo para ele como fonte de inspiração.

Em 1841, começou a apresentar sinais de esquizofrenia, sendo internado por um tempo. Viajou pela Alemanha em companhia de Alexandre Dumas, e depois sozinho, pelo restante da Europa. Jenny Colon, sua” única estrela”, morre em 1842.

Ele se engaja, então, em 1843 numa viagem ao Oriente que o leva ao Egito, Síria, Turquia, Malta e Nápoles. A narrativa Viagem ao Oriente publicada em 1851 retrata essa experiência, toda impregnada da cultura antiga e de mitologia. Após a viagem, sua readaptação à França fica difícil e ele vive durante dez anos de pequenos trabalhos em edição e jornalismo.

Em 1851 sofreu nova crise de esquizofrenia, sendo internado por diversas vezes repetidas na clínica do Dr. Blanche, em Passy. Sua” loucura” lhe deixa mesmo assim alguns momentos de lucidez, donde nascem suas obras-primas e obras-mestras, Sylvie, Os filhos do Fogo e principalmente As Quimeras, seguida de doze sonetos repletos de alusões às revelações que o poeta crê ter recebido do Além, e logo tingidos dum hermetismo ligado à diversidade dos símbolos que ali funcionam simultaneamente. Nos últimos tempos de sua vida, ele leva uma existência errante e de miséria, até a manhã de 26 de janeiro de 1855, quando é encontrado dependurado sob a grade de uma escada, na rua da Velha-Lanterna, perto do Châtelet. É publicada Aurélia.

Características literárias

Desde cedo foi atraído pela literatura alemã, em especial "Contos Fantásticos", de Hoffmann, e "Fausto", de Goethe, que começou a traduzir em 1828.

Sua viagem ao oriente, que despertara o interesse pelo esoterismo e ocultismo, a esquizofrenia que o acompanhava, e a forte influência alemã foram fatores que o tornaram pouco alinhado com o romantismo francês de seu tempo.

Há uma certa melancolia em sua obra que o marginaliza ou, segundo pensam alguns críticos, o aproxima de um pré-simbolismo.

Obras principais
Elégies et Odelettes (1830) (Elegias e Odes Pequenas)
Fragments de Nicolas Flamel (1831)
Les filles du feu (1854) (As Filhas do Fogo), onde figuram os sonetos das Chimères (Quimeras)
Les amours de Vienne: La Pandora (1854) (Os Amores de Viena: A Pandora)
Aurélia ou le rève et la vie (1855) (Aurélia ou o Sonho e a Vida)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
www.clicfolio.com/clicfolio/arquivos.php?arq=33644&id=8924

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Trova VI

XXII Jogos Florais de Ribeirão Preto 2009 (Resultado Final)


TEMA NACIONAL: CIGANO (LIRISMO)

Categoria Vencedores


1º lugar – Carolina Ramos - Santos – SP
2º lugar – Hermoclydes Siqueira Franco – Nova Friburgo – RJ
3º lugar – Ederson Cardoso da Silva- Niterói – RJ
4º lugar – Olympio da Cruz Simões Coutinho – Belo Horizonte – MG
5º lugar – Izo Goldman –São Paulo – SP

Categoria Menção Honrosa

1º lugar – Renato Alves – Rio de Janeiro – RJ
2º lugar – José Ouverney – Pindamonhangaba – SP
3º lugar – Antônio Augusto de Assis – Maringá – PR
4º lugar – Maria Apparecida S.Coquemala – Itararé – SP
5º lugar – Ébea Priscila de Sousa e Silva – Caçapava – SP

Categoria Menção Especial

1º Lugar – Marilucia Resende – São Paulo – SP
2º Lugar – Marina Bruna – São Paulo – SP
3º Lugar – Ercy Maria Marques de Faria - Bauru – SP
4º Lugar – Miguel Russowsky – Joaçaba – SC
5º Lugar - Hermoclydes Siqueira Franco – Nova Friburgo – RJ

TEMA NACIONAL: EREMITA (humor)

Categoria Vencedores

1º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo -SP
2º lugar – Renata Paccola – São Paulo – SP
3º lugar – Eduardo Domingos Bottallo – São Paulo – SP
4º lugar – Izo Goldman – São Paulo – SP
5º lugar – Marina Bruna – São Paulo – SP

Categoria Menção Honrosa

1º lugar – Ademar Macedo –Natal – RN
2º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla - São Paulo – SP
3º lugar – Ruth Farah Nacif Lutterback – Cantagalo – RJ
4º lugar – Argemira Fernandes Marcondes – Taubaté-SP
5º lugar – Vanda Fagundes Queirós – Curitiba – PR

Categoria Menção Especial

1º lugar – Ébea Priscila de Sousa e Silva – Caçapava – SP
2º lugar – Therezinha Dieguez Brisolla – São Paulo -SP
3º lugar – Antonio Barradas Barroso – Parede, – Portugal
4º lugar – Olympio da Cruz Simões Coutinho – Belo Horizonte – MG
5º lugar – Maria Lúcia Daloce – Bandeirantes – PR

Fonte:
A.A. de Assis

Amadeu Amaral (O Elogio da Mediocridade)



Carta a um crítico

Meu amigo:

Está V. a ensaiar os seus pendores para a crítica, no que faz muito bem, porque é tempo de se ir criando por aqui essa coisa proveitosa; mas a ensaiá-los a custa de pobres poetas enfermiços e de prosadores claudicantes, no que faz muito mal. Permita que lhe represente, em brevesos linhas, os equívocos fundamentais e as incongruências desta sua atitude heróica.

O crítico, meu caro, que ferozmente agride as obras medíocres, procede como o sujeito que pretendesse deitar abaixo o pavimento inferior de uma casa de vários andares, para só conservar o resto. A mediocridade é necessária, absolutamente necessária que no sentido de coisa inevitável, quer no sentido de coisa útil. É, porque tem de ser; além disso, é benéfica.

A turba imensa dos medíocres constitui uma como nebulosa informe, sementeira protoplasmática de estrelas. A maioria dos grandes de lá saiu, e felizes daqueles que saíram de vez, para não mais tornar ao rebanho depois de um esforço máximo e prodigioso. Em regra, a obra total de um escritor de fama é uma série de livros que vai da mediocridade ao esplendor de um pináculo de ouro, e esse pináculo, como o de uma pirâmide, é justamente a porção que ocupa o menor lugar no espaço. A glória de Cervantes está inteira na cúpula de um enorme edifício literário Dom Quixote; o resto ficou para sempre mergulhado na sombra, como o corpo colossal de um casarão que só conserva iluminado, no seio da noite, a torre mais alta e mais esguia.

Certo, escritores há que, em rigor, nunca foram medíocres, cujas primeiras tentativas podem comparar-se aos primeiros vôos, mas aos primeiros vôos das águias jovens. São poucos. Esses mesmos, porém, não existiriam se não houvesse a vasta mediocridade que os cerca, que lhes serve de ponto de apoio, que lhes alimenta o espírito nos primeiros tempos, e que os impele para cima com todos os estímulos contraditórios da rivalidade e do aplauso.

Toda literatura pressupõe uma multidão de medíocres, e não só de medíocres, senão também de inferiores, de rudimentares, de falhados e de decadentes. Tanto mais pujante e luminosa ela é, tanto mais grossa a multidão rasteira. Esse mato baixo sustenta a indispensável camada de humus, resguarda e entretém a vida incipiente das árvores destinadas à máxima expansão. Foi esse mato que permitiu, na Inglaterra, o crescimento fabuloso de Shakespeare, a cuja volta trabalhava e produzia uma plêiade de dramaturgos fortes e uma turba-multa obscura de escribas irrequietos.

Por que, pois, essa fúria sinistra de demolição, de que o meu jovem amigo se mostra dominado, a exemplo de outros cavalheiros que conscienciosamente manejam o cacete correcional da crítica impiedosa?

[...]

No seu entender, quem publica um livro está por força na atitude de quem constrói um pagode monumental, e nele se remira, e lá dentro se instala, como um Buda, à espera da romaria dos pósteros. Ora, o livro, depois que se inventou a imprensa, deixou rapidamente de ser um luxo, uma alfaia, um segredo, um adorno, qualquer coisa que avaramente se guardava a um canto da casa, entre a arca pregueada e o oratório esculpido, como uma relíquia ou um manipanço, para ser algo que já não corresponde a qualquer imagem antiga, algo de imprevisto e de original, uma característica flagrante de tempos renovados: um instrumento de comércio transitório entre as almas, prolongamento da conversação adstrito à troca universal das idéias.

O livro tem de ser considerado, não mais como um repositório de coisas concebidas e filtradas “para a eternidade”, mas sim como uma rede de pesca a sair do seio imenso das águas, trazendo de envolta com o peixe a alga, o marisco e a salsugem. Instrumento, utensil, aparelho, o livro tem a sua função naturalmente limitada: o seu fim primacial não é durar, é prestar serviço. Cumprida a sua missão, embotado, enferrujado, substituiu-se pelo mais novo e mais interessante e põe-se fora. Nem por isso deixou de haver um momento em que foi bem-vindo. Era um elo, passou; mas teve a virtude de arrastar um outro, que também passa, e a circulação continua...

Deixe em paz, meu bom amigo, os literatelhos em que V. gosta de saciar o seu rancor ao pedantismo e à pretensão. Ou bem que faz moral, ou bem que faz crítica.

Como crítico, o seu dever é respeitá-los: estão desempenhando a alta função de preparar o terreno para o surto das grandezas futuras.

Lembre-se de que o nosso amigo Shakespeare não fez, nas sua grandes peças, senão apoderar-se tranqüilamente de produtos medíocres para os transformar a seu jeito, insuflando-lhes aquilo que os predecessores não haviam podido dar-lhes, apesar de toda a boa vontade: gênio. Lembre-se de que a lenda dos gigantes que fazem línguas e literaturas por si sós está definitivamente morta. Dante não teria feito a Divina comédia, nem Camões os Os lusíadas, nem você estaria aí escrevendo críticas, se não fosse a enorme legião dos pigmeus sem nome nem lustre, cujo esforço apagado e tenaz, inumerável e ininterrupto, lavrando subterraneamente, aumenta pouco a pouco o tesouro coletivo da língua, lhe dá variedade, elasticidade e energia, e a conduz ao ponto de poder ser manejada com fragor por um punho poderoso.

Não se impressione com as pretensões da mediocridade, com a troca de doçuras ditirâmbicas em que ela se compraz. O louvor excessivo só perverte e inutiliza, em regra, os que nasceram talhados para coisa nenhuma. Há, em compensação, muito cavalheiro de grande valor que a canalha deixa na sombra? A isso, meu amigo, nem, Você nem ninguém dará remédio. Molière, numa época de florescência literária, que V. não quererá comparar com a nossa, passava por um hábil comediógrafo, em quem a crítica justiceira do tempo nem por isso lobrigava grandes méritos. Em compensação, Delille foi aclamado gênio pelos contemporâneos. E, sempre há de ser assim.

O caminho que V. deve tomar é outro. Deixe os medíocres em paz, e vá direito aos grandes. Com eles é que o meu amigo deve medir forças. Trate de ser alto e forte com eles, e renuncie a esse trabalho infrutífero e triste de remexer miçangas e alfinetes, acocorado numa esteira.

Lá é que eu desejo ver aplicadas as excelentes disposições que V. revela para a crítica, e que nos hão de dar daqui a pouco o nosso respeitável Brandes, ou o nosso compendioso Faguet.

Ex-corde...

Fonte:
- AMARAL, Amadeu.O elogio da mediocridade. SP: Hucitec, 1976.

Agostinho Neto (Teia de Poesias)



Antigamente Era

Antigamente era o eu-proscrito
Antigamente era a pele escura-noite do mundo
Antigamente era o canto rindo lamentos
Antigamente era o espírito simples e bom

Outrora tudo era tristeza
Antigamente era tudo sonho de criança

A pele o espírito o canto o choro
eram como a papaia refrescante
para aquele viajante
cujo nome vem nos livros para meninos

Mas dei um passo
ergui os olhos e soltei um grito
que foi ecoar nas mais distantes terras do mundo

Harlem
Pekim
Barcelona
Paris
Nas florestas escondidas do Novo Mundo

E a pele
o espírito
o canto
o choro
brilham como gumes prateados

Crescem
belos e irresistíveis
como o mais belo sol do mais belo dia da Vida.
=================================

Confiança

O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente/
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso

Enquanto o sorriso brilhava
no canto de dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos

john foi linchado/o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante

E do drama intenso
duma vida imensa e útil
resultou a certeza

As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
mereço o meu pedaço de chão.
============================

Civilização ocidental

Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa

Os farrapos completam
a paisagem íntima

O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante

Depois as doze horas de trabalho
Escravo

Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra

A velhice vem cedo

Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.
=================================

kinaxixi

Gostava de estar sentado
num banco do kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...
Alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado
E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no kimbundu mestiço
das conversas
Veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriagues em cada álcool
Nem felicidade nem ódio
Depois do sol posto
acenderiam as luzes
e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar
==============================

Poesia Africana

Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas

Poesia africana

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha dos olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marimbas

Poesia africana

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.
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Honoré de Balzac (20 Maio 1799 – 18 Agosto 1850)


Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um romancista francês.

Nasceu no departamento francês de Indre-et-Loire e em 1849, com a saúde debilitada, viajou para a Polônia para visitar Eveline Hanska, uma rica dama polaca com quem se correspondeu mais de 15 anos. Em 1850, três meses antes da morte de Balzac, eles casaram-se.

Tendo-se tornado num dos maiores nomes do realismo na literatura, as suas obras são, no entanto, cunhadas sobre a tradição literária do romantismo francês. Sua A Comédia Humana (La comédie humaine), que reúne oitenta e oito obras, procura retratar a realidade da vida burguesa da França na sua época.

Os hábitos de trabalho de Balzac tornaram-se lendários - escrever cerca de quinze horas por dia, impulsionado por um sem-número de chávenas de café. Com uma produção volumosa, é frequente que se apontem pequenas imperfeições em sua obra - o que, no entanto, não é suficiente para retirar de muitas delas o epíteto de obras-primas.

Biografia

Filho de Bernard François Balssa, administrador do hospício de Tours, e de Anna Charlotte Sallambier, Honoré de Balzac foi o primeiro de três crianças (Laure, Laurence e Henry). Henry-François era, de longe, seu favorito.

O pai de Balzac, Bernard François, foi nomeado diretor da Primeira Divisão militar em Paris e a família se instalou na rua do Templo, no Marais; bairro de origem da família. Em 04 de novembro de 1816, começa a cursar Direito e obtém o diploma de bacharel três anos mais tarde. Ao mesmo tempo, tem aulas particulares teóricas na Sorbonne. Passou este período na casa do procurador Jean-Baptiste Guillonnet-Merville, um amigo da família e amante das letras.

Estilo

A prosa realista de Balzac e seu fôlego como um retratista quase enciclopédico de sua época sobrepujam eventuais características menos invejáveis de seu estilo e o posicionam como um bastião da literatura francesa.

Balzac foi sepultado no cemitério do Père Lachaise, em Paris, e seu jazigo conta com uma estátua realizada por Auguste Rodin. O discurso foi feito por Victor Hugo.

A Comédia Humana

A obra de Balzac encontra-se em domínio público e um razoável número delas está disponível digitalmente através do Projeto Gutenberg. No Brasil, a obra foi editada pela Editora Globo, em edições que contam com notas introdutórias de Paulo Rónai.

A Comédia Humana, que conta com oitenta e oito obras, a maior parte romances e contos, é um retrato de uma época com seu conjunto de personagens fictícios e reais que chegou a proporcionar o comentário de que "Balzac estaria competindo abertamente com o Registro Civil".

Escritos políticos

Formado advogado, Balzac acreditava em uma monarquia constitucional, e em uma aristocracia de tipo feudal, a qual ele dizia ser o intelecto do sistema social. Escreveu um panfleto em favor da primogenitude, e declarava não acreditar nos "direitos do homem", na igualdade humana, ou na habilidade das massas e do povo de se autogovernarem. Ele afirmava "Um só homem deve ter o poder de fazer leis."

Obras

Ficção
• A Comédia Humana (1829-1848) - contos, novelas e romances
• Contes Drolatiques (1832) - contos
• O Amor Mascarado (L'Amour Masque ou Imprudence et Bonheur - 1911) - romance

Não-Ficção
• Tratado dos Excitantes Modernos (Traité des excitants modernes - 1839) - ensaio
• Pathologie de la Vie Sociale (Traité de la Vie Élégante et Traité de la Démarche - 1839) - ensaios
• Os Jornalistas (Les Journalistes - 1843) - panfleto

Poesia
• Cromwell (1819) - tragédia em versos
• A mulher de trinta anos

Teatro
• L'École des Ménages (1839)
• Vautrin (1839)
• Les Ressources de Quinola (1842)
• Paméla Figaud (1842)
• La Marâtre (1848)
• Mercadet ou le Faiseur (1848)

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

Honoré de Balzac (A Comédia Humana)

(não confundir com "A Comédia Humana", de William Saroyan, de 1942)

A Comédia Humana é o título geral de oitenta e oito obras, em sua maior parte romances, novelas e contos, que retratam principalmente a ascensão da burguesia, ocorrida à época da Restauração. No Brasil, A Comédia Humana foi publicada integralmente em dezessete volumes, entre 1945 e 1953, pela Editora Globo, de Porto Alegre e reeditada entre 1989 e 1993, pela nova Editora Globo, de São Paulo, em ambas as ocasiões com orientação, introduções e notas de Paulo Rónai.

Visão geral

Uma tarefa colossal

Tudo na “A Comédia Humana” é imenso: dezessete volumes (nas edições brasileiras), oitenta e oito obras (mas planejada para ter cento e trinta e sete), mais de dez mil e seiscentas páginas (na edição da nova Editora Globo), mais de dois mil e quinhentos personagens. No entanto, Balzac não se referia a si mesmo como escritor e, sim, como historiador de costumes. Conforme Terezinha de Camargo Viana, "Balzac, ao se propor como "historiador de costumes", tem como perspectiva assinalar o processo de profundas mudanças pelas quais passa a sociedade francesa na primeira metade do século XIX, evidenciando a transição do Antigo Regime à consolidação da moderna sociedade burguesa". Para atingir este objetivo, o autor introduziu na literatura assuntos, profissões e classes que nela nunca tiveram lugar antes: o sistema de transporte interurbano na França, o processo da tipografia, o jornalismo nascente, a rotina dos cartórios e dos escritórios de advocacia, os comerciantes e suas listas de clientes e fornecedores, o sistema de descontos de letras, a confecção de perfumes, atas de concordatas, montagem de processos de falências etc., a nada Balzac se furtou, sem jamais cair no ridículo ou na monotonia. Tratou também da luta de classes (seu romance póstumo Os Camponeses contém, pela primeira vez na literatura, a palavra "comunismo"), do espiritismo, dos meandros da política, do misticismo e de temas espinhosos, como o lesbianismo. Aliás, segundo Otto Maria Carpeaux, o gênero literário romance divide-se em antes e depois de Balzac. Antes, como em Manon Lescaut, do Abade Prévost, A Princesa de Clèves, de Madame de La Fayette ou A Nova Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau, um romance seria "a relação de uma história extraordinária, 'romanesca', fora do comum. Depois, o espelho do nosso mundo, dos nossos países, das nossas cidades e ruas, das nossas casas, dos dramas que se passam em nossos apartamentos e quartos".

Do romance popular à provocação a Dante

O primeiro volume saiu em 1842, mas a essa altura quase todas as obras já haviam sido publicadas, tanto em jornais como em forma de livros. Balzac estreou nas letras na década de 1820, escrevendo subliteratura influenciada pelo romance gótico, com títulos como A Última Fada ou a Nova Lâmpada Maravilhosa, Anette e o Criminoso, João Luís ou a Enjeitada e Clotilde de Lusignan ou o Belo Judeu. Sabia que eram livros sem nenhum valor artístico, por isso assinava-os com pseudônimos como Lord R'hoone e Horace de Sainte-Aubin. Finalmente, em 1829 publicou o primeiro título que assinou com seu nome, o romance histórico A Bretanha em 1799. A partir daí, em um ritmo cada vez mais frenético, saíram até 1833, entre outros, A Pele de Onagro, Luís Lambert, Sobre Catarina de Médicis, Fisiologia do Casamento, O Coronel Chabert, Eugênia Grandet e uma grande quantidade de contos, como Uma Paixão no Deserto, O Romeiral, A Obra-Prima Ignorada, O Ilustre Gaudissart, A Estalagem Vermelha etc. Em 1834, resolve classificar todas as suas obras em três grupos: Estudos de Costumes, Estudos Filosóficos e Estudos Analíticos. Finalmente, em 1842 encontra o título definitivo de todo o conjunto: A Comédia Humana, um evidente contraponto à Divina Comédia de Dante.

A volta sistemática dos personagens

Ainda em 1834, Balzac teve a idéia, inédita na história da literatura, de fazer reaparecer seus personagens em diferentes obras, em diferentes estágios de suas vidas: aqui na juventude, ali velhos e pobres, acolá ministros ou banqueiros; aqui coadjuvantes, ali figuras centrais; felizes em um conto, infelizes em um romance; por vezes ainda ingênuos e cheios de sonhos, uns rematados crápulas em outro momento etc. Essa invenção "originalíssima e de grande alcance, cujo mérito cabe exclusivamente a Balzac", nas palavras de Paulo Rónai, repercutiu não muito favoravelmente à época, mas teve uma enorme influência sobre inúmeros escritores, entre eles Camilo Castelo Branco, Marcel Proust, William Faulkner e José Lins do Rego. Decisão tomada, Balzac pôs-se a refazer muitas de suas obras, trocando nomes e biografias de personagens, ajustando situações, datas, etc. até conseguir um todo coerente. Considerando-se que a galeria dos tipos criados pelo autor chega à casa dos milhares, é surpreendente que ele raras vezes tenha se enganado em algum pormenor físico, psicológico ou biográfico de suas criaturas. Naturalmente, nem todos os personagens participam de mais de uma obra: Oscar Husson, por exemplo, protagoniza e só aparece em Uma Estréia na Vida; César Birotteau está todo em História da Grandeza e da Decadência de César Birotteau; e assim, com inúmeros outros. Entretanto, aproximadamente seiscentos, como Eugênio de Rastignac, a Marquesa d'Espard, o doutor Bianchon, a Condessa de Restaud, arrivistas como Máximo de Trailles e Henrique de Marsay, a corista Florina, o caricaturista Bixiou, o dândi português Marquês Miguel d'Ajuda-Pinto e um longo etc. transitam por diversos livros, às vezes como personagens principais, às vezes (ou sempre) secundários, às vezes apenas entrevistos ou entreouvidos. Só Esplendores e Misérias das Cortesãs, por exemplo, conta com mais de cento e cinquenta reaparições! O fato de essa técnica transformar cada romance, novela ou conto em capítulos de um conjunto maior e único, não significa que eles não possam ser lidos separadamente, com raríssimas exceções.

Pensamento conservador, analista imparcial

Cheio de idéias, com mil planos na cabeça e atormentado por eternas dívidas, Balzac impôs-se uma rotina insana que fazia com que trabalhasse de quatorze a dezoito horas por dia. Apenas em 1834 foram publicados A Procura do Absoluto, O Pai Goriot, A Duquesa de Langeais e Um Drama à Beira-Mar; em 1835, Seráfita, A Menina dos Olhos de Ouro, Melmoth Apaziguado, O Lírio do Vale e O Contrato de Casamento. E assim, todo o conjunto que forma A Comédia Humana foi escrito em menos de vinte anos. E de que tratam todos esses livros? A rigor, Balzac fala de uma única paixão. Porém, ao contrário dos escritores até então, essa paixão não é mais o Amor, e sim o Dinheiro: os personagens se humilham, casam, traem e cometem crimes para escalar posições sociais, para manter as aparências, para adquirir poder. Amor, honra, lealdade, honestidade, tudo se subordina às novas tentações trazidas pela vida moderna pós-Revolução Francesa. Assim, é imperioso acalmar credores, resgatar letras vencidas junto a usurários, amortizar dívidas contraídas nos elegantes magazines erguidos em luxuosas galerias (os shopping centers da época), exibir chapéus, luvas e bengalas incrustadas de diamantes em passeios pelos bulevares ou ainda ser aceito nos exclusivos salões da fervilhante Paris, a capital do mundo. Carpeaux fez a síntese: "A Comédie Humaine é a "Tragédia do Dinheiro"". Balzac, não à toa considerado o criador do romance moderno, intuiu que aparência é tudo e que, dentro em pouco, todos estariam sujeitos à influência avassaladora da imprensa e da publicidade. Por outro lado, apesar de ferrenho monarquista e feroz católico, e apesar de em vários momentos colocar na boca de algum personagem suas idéias conservadoras, até mesmo reacionárias, Balzac disseca com invejável imparcialidade a ascensão da odiada burguesia, e a derrocada final da sempre bajulada nobreza, que se afogou em decadência moral e se deixou corromper por aquela nova classe social. Por isso, Vitor Hugo, em discurso proferido sobre sua tumba, afirmou que, querendo ou não, Balzac pertencia "à forte raça dos escritores revolucionários". Hegel e Marx, fãs confessos, não poderiam concordar mais.

Os grupos e subgrupos

Mesmo depois do início da publicação dos volumes da A Comédia Humana, Balzac continuava a revisar incessantemente suas obras. Além da divisão nos já citados Estudos de Costumes, Filosóficos e Analíticos, criou subdivisões, como Cenas da Vida Privada, Cenas da Vida Provinciana, Cenas da Vida Parisiense etc., num total de seis, todas subordinadas aos Estudos de Costumes. Indeciso, diversos livros foram colocados arbitrariamente pelo autor ora em uma categoria, ora em outra, mesmo porque essas divisões sempre foram muito artificiais. Ilusões Perdidas, por exemplo, apesar de fazer parte das Cenas da Vida Provinciana, caberia tranquilamente nas Cenas da Vida Parisiense; as obras arroladas em Cenas da Vida Rural poderiam perfeitamente ser colocadas entre as Cenas da Vida Provinciana; já as obras que compõem as Cenas da Vida Privada passam-se em Paris, em sua maioria, daí poderem fazer parte das Cenas da Vida Parisiense. Mas, ainda não satisfeito, Balzac criou ainda várias novas subdivisões dentro das Cenas: "Os Primos Pobres", para acomodar A Prima Bette e O Primo Pons, "Os Celibatários", "Os Parisienses na Província", "História dos Treze" etc. Pouco disso era necessário, porém demonstra mais uma vez a vontade do autor de ser o mais racional e analítico possível.

As grandes obras

Parte do que Balzac escreveu é reconhecidamente fraca (o próprio autor concordava com isso) ou ficou datada com o tempo. Entretanto, a grande maioria continua indispensável, pelo que representa de testemunho de uma época e, principalmente, pela relevância das questões levantadas, ainda atuais um século e meio depois de virem à luz. Para uma relação com algumas das narrativas mais importantes, acompanhadas de um breve comentário, bem como um quadro geral, contendo todas as obras que compõem a Comédia , ver Obras de A Comédia Humana de Balzac.

Os grandes personagens

Uma galeria imensa

Balzac povoou suas oitenta e oito obras com mais de dois mil e quinhentos personagens. Muitos são inesquecíveis: Luciano de Rubempré, o poeta ingênuo de Ilusões Perdidas; Eugênio de Rastignac, o provinciano ambicioso, que inicia sua trajetória vitoriosa em O Pai Goriot; o demoníaco e manipulador Vautrin, também apresentado na mesma obra; toda a fauna de Paris, como os dândis Máximo de Trailles e Henrique de Marsay, o caricaturista Bixiou, o doutor Bianchon, as cortesãs Ester e a Sra. Marneffe etc.; a prima Bette e o primo Pons; aristocratas decadentes como a Marquesa d'Espard e a Duquesa de Maufrigneuse; a Cibot; Seráfita, o hermafrodita; o adolescente antipático Oscar Husson; Luís Lambert, gênio atormentado; a conformada Eugênia Grandet e seu pai avarento; o Pai Goriot e o Coronel Chabert; Birotteau e seus perfumes; Gobseck, o usurário filósofo; o juiz Popinot...; a galeria é imensa. Obras foram escritas tentando relacionar todos os personagens, com suas respectivas biografias, os livros onde aparecem etc.: Dictionnaire Biographique des Personnages Fictifs de la Comédie Humaine, de Fernand Lotte (Paris, 1952), Balzac et Son Monde, de Félicien Marceau (Paris, 1955) e Répertoire de la Comédie Humaine, de Anatole Cerfberr e Jules François Christophe (Paris, 1887). A respeito deste último, Paulo Rónai conta que "um dos dois autores, Cerfberr, ficou inteiramente alucinado por essa longa convivência com as personagens saídas do cérebro de Balzac e morreu quase louco imaginando ser ele mesmo uma personagem de A Comédia".

Paris, o maior personagem

No entanto, o maior personagem d'A Comédia Humana é, sem dúvida, a cidade de Paris. Balzac situou suas obras por toda a França (Issoudun, Saché, Tours, Sancerre, Vendôme etc.) ou em outros países (Itália, Espanha, Noruega, Alemanha), contudo nada menos que quarenta e sete (mais da metade, portanto) têm Paris por cenário, total ou parcialmente; várias começam com a descrição de um aspecto da Cidade-Luz: uma rua, uma loja, uma casa, o comportamento dos parisienses etc. Balzac foi, e ainda é, o maior de todos que se aventuraram a cantar Paris. Mas, que Paris seria esta? "A Paris dos dramas escondidos, dos devotamentos desconhecidos, das ignomínias humanas despercebidas...A Paris leprosa do bairro dos estudantes, a prestigiosa do Faubourg Saint-Germain, a barulhenta dos negócios (...), onde mulheres elegantes, belas, aduladas, vão do seu amante ao agiota". Jovens de todos os continentes procuram Paris, em busca de riqueza, de fama, até (por que não?) de amor. A maioria se deixa consumir pelo fogo da cidade e morre em silenciosa solidão; outros sobrevivem de expedientes desonestos e se esquivam por furtivas vielas; outros há que desistem e voltam para suas aldeias, envergonhados e ressentidos; e há os que vencem, brilham intensamente, chegarão a ministros, porém já sem alma, presas de luxúria, ganância e cinismo. Mas essa feérica Paris, que Balzac, ele mesmo parisiense apaixonado, chama de "uma doença e até várias doenças", "deserto sem beduínos", "um instrumento que é preciso saber tocar" etc., é também a capital das idéias, do luxo e da civilização; enfim, como disse um personagem de Modesta Mignon, Paris é "um inferno que se ama".

A Comédia Humana e o Brasil

Continuamente perseguido pelos credores e escravo da monstruosa tarefa a que se propôs, Balzac sonhava com soluções milagrosas, que iriam tirá-lo do atoleiro em que se encontrava, não importa quão absurdas elas fossem. No auge do desespero, chegou a pensar em mudar-se para o Brasil! Em 1840, escreve à Condessa Hanska, sua amante: "Cheguei ao cabo de minha resignação. Creio que deixarei a França e irei levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa da sua loucura...Este é um projeto absolutamente firmado que será posto em execução ainda este inverno". Como era de se esperar, desiste de tudo no mês seguinte. Mas o autor costumava seguir a vida do Brasil pelos jornais, e acabou por colocá-lo em várias obras. Para ele, o Brasil era uma terra exótica, cheia de oportunidades e onde era possível enriquecer rapidamente. Enfim, nada de muito diferente da imagem que a Europa tinha do país e, por extensão, das Américas.

Em O Baile de Sceaux, Maximiliano de Longueville associa-se a um banqueiro e fica rico numa especulação no Brasil; Carlos Grandet, de Eugênia Grandet, parte para o tráfico de escravos, entre outras atividades igualmente recrimináveis, e também enriquece; o Marquês de Aiglemont, personagem de A Mulher de Trinta Anos, conhecia muito bem as costas dos Brasil, depois de muito trabalho e perigosas viagens que o deixaram rico. Os diamantes brasileiros também marcaram sua presença: em Gobseck, o usurário do mesmo nome reclama que a jóia está se desvalorizando porque o Brasil abarrotou a Europa com pedras menos puras que as da Índia; outro usurário, o joalheiro Elias Magus, concorda que o diamante brasileiro é mesmo inferior, em Um Contrato de Casamento. Por outro lado, Rafael de Valentin, o infeliz de A Pele de Onagro, pensou certa vez em se mudar para o Brasil; as "duras cangas do Brasil" são citadas numa frase perdida em Z. Marcas; em Um Caso Tenebroso, o olhar do personagem Michu é em certo momento comparado aos jaguares do país; Ferragus, na novela do mesmo nome, dá-se com o embaixador do Brasil.

Cite-se, ainda, o milionário Barão Henrique Montes de Montejanos, único personagem brasileiro da Comédia Humana (apesar do nome francamente espanhol), que tem papel destacado na trama de A Prima Bette; o barão é moreno, cara fechada, traja-se de acordo com a moda parisiense e usa um grande diamante na gravata...

Devido aos laços históricos e afetivos que unem o Brasil a Portugal, não se pode esquecer do abonado Marquês Miguel d'Ajuda-Pinto, personagem português cuja família possui ligações com os Braganças, e que aparece em várias obras: O Pai Goriot, Esplendores e Misérias das Cortesãs, Os Segredos da Princesa de Cadignan e Beatriz. No princípio um dos dândis mais distintos de Paris, o Marquês tem uma trajetória rica pela Comédia, casando-se, intrigando, apaixonando-se e participando de conspirações.

Presença d'A Comédia Humana

Conquanto o público sempre prestigiasse as obras de Balzac, a quase totalidade da crítica negava seu valor. Com exceção de Victor Hugo e Teófilo Gautier, eram poucas as pessoas do meio literário com quem o autor podia contar, mesmo já próximo de sua morte, em 1850. Entretanto, cem anos depois, a bibliografia balzaquiana contava seis mil títulos! Uma procura na Internet resulta em um milhão e quinhentas mil referências. Balzac é hoje universal. Sua obra começou a ser reconhecida ainda no século XIX: Dostoievski traduziu Eugênia Grandet para o russo e teria sido influenciado pelo autor em obras como o conto O Senhor Prokhártchin (1846) e o romance inacabado Niétotchka Niezvânova (1849); em Portugal, Camilo Castelo Branco escreveu um conjunto de oito narrativas a que deu o nome de Novelas do Minho, (1875-1877), inspiradas em Balzac; já Eça de Queirós idealizou as Cenas da Vida Portuguesa, ciclo de romances destinados a retratar a sociedade portuguesa após o estabelecimento do liberalismo em Portugal, sob D.Pedro IV (D. Pedro I no Brasil), dos quais vieram à luz Os Maias e A Capital; a Comédia é a precursora do chamado roman-fleuve, ou "romance-rio", como Os Rougon-Macquart (1871-1893), de Émile Zola, Jean Christophe (1904-1912), de Romain Rolland, Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927), de Marcel Proust e Os Thibault (1922)-1940), de Roger Martin du Gard. Balzac também está presente, por exemplo, na obra do escritor brasileiro José Lins do Rego, particularmente nos romances do chamado Ciclo da Cana-de-Açúcar e em William Faulkner, ficcionista estadunidense, criador do mítico Condado Yoknapatawpha, por onde circulam gerações de Compsons, Sartoris, McCaslins, Snopes etc.

O Pai Goriot, Pierrette, A Pele de Onagro, Eugênia Grandet, Uma Mulher Abandonada e muitas outras obras já foram adaptadas para o cinema ou televisão. A Prima Bete, inclusive, já foi filmada três vezes, sendo a mais recente em 1998; em 1990, Gérard Depardieu encarnou o autor em uma minissérie francesa do mesmo nome, que conta sua vida; em 2001, outra minissérie francesa, Rastignac ou os Ambiciosos ("Rastignac ou les Ambitieux", no original), trouxe para o presente as vidas de Eugênio de Rastignac, Luciano de Rubempré e outros personagens balzaquianos, conservando todas suas motivações e características psicológicas; já em Balzac e a Costureirinha Chinesa ("Xiao Cai Feng" no original), filme chinês de 2002, dois jovens são enviados a uma vila nos confins da China para serem reeducados. Lá, descobrem uma caixa cheia de livros de Balzac e outros autores e passam a lê-los para a população, enquanto se apaixonam pelos personagens balzaquianos, principalmente Úrsula Mirouet, e pela costureira do título, cujo futuro é determinado pelo comportamento das mulheres criadas por Balzac.

Com a consolidação do capitalismo e, consequentemente, da moral burguesa, para uma quantidade imensa de pessoas o Dinheiro e o que ele proporciona -- poder, ascensão social, bens de consumo -- são o principal, e muitas vezes o único, valor a considerar. Em um cenário assim, Balzac está totalmente à vontade (e discretamente vingado), pois sua obra, iniciada há quase dois séculos, continua mais pertinente que nunca.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/

terça-feira, 19 de maio de 2009

Trova V

Mário de Sá-Carneiro (Dispersão)



I-PARTIDA

Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas aguas certas, eu hesito,
E detenho-me ás vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.

Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam refletir.

A minh'alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.

Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.

É subir, é subir além dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados rezar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.

É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d'irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.

É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d'alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.

Ser coluna de fumo, astro perdido,
Forçar os turbilhões aladamente,
Ser ramo de palmeira, agua nascente
E arco de ouro e chama distendido...

Asa longínqua a sacudir loucura,
Nuvem precoce de sutil vapor,
Anseia revolta de mistério e odor,
Sombra, vertigem, ascensão--Altura!

E eu dou-me todo neste fim de tarde
Á espira aérea que me eleva aos cumes.
Doido de esfinges o horizonte arde,
Mas fico ileso entre clarões e gumes!...

Miragem roxa de nimbado encanto
Sinto os meus olhos a volver-se em espaço!
Alastro, venço, chego e ultrapasso;
Sou labirinto, sou licorne e acanto.

Sei a Distancia, compreendo o Ar;
Sou chuva de ouro e sou espasmo de luz;
Sou taça de cristal lançada ao mar,
Diadema e timbre, elmo rial e cruz...
. . . . . . . . . . . . . . .

O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor--é som e aroma!
Vem-me saudades de ter sido Deus...
* * * * *

Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino é outro--é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois...


II-ESCAVAÇÃO

Numa ânsia de ter alguma coisa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E a minh'alma perdida não repousa.

Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente á força de sonhar...

Mas a vitória fulva esvai-se logo...
E cinzas, cinzas só, em vez do fogo...
--Onde existo que não existo em mim?
. . . . . . . . . . . . . . .

Um cemitério falso sem ossadas,
Noites d'amor sem bocas esmagadas
Tudo outro espasmo que principio ou fim...


III-INTER-SONHO

Numa incerta melodia
Toda a minh'alma se esconde.
Reminiscências de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!
. . . . . . . . . . . . . . .

Tateio... dobro... resvalo...
. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...
. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadelo tão bom...
. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as cores,
Vivo em roxo e morro em som...

IV-ÁLCOOL

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'aureola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra alem...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eteriso?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.


V-VONTADE DE DORMIR

Fios d'ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira-
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...
. . . . . . . . . . . . . . .

--Ai que saudade da morte...
. . . . . . . . . . . . . . .

Quero dormir... ancorar...
. . . . . . . . . . . . . . .

Arranquem-me esta grandeza!
--Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?...


VI-DISPERSÃO

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não tem bem-estar nem família).

O pobre moço das ansias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso tambem
Que te abismaste nas ansias.

A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim,
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo

A sua boca dourada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde dourada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte--
Minha dispersão total--
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu ultimo dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e alem me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...

E tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a, mas permaneço...
. . . . . . . . . . . . . . .

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...


VII-ESTÁTUA FALSA

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minh'alma desceu veladamente.

Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu emano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.

Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!

Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...


VIII-QUASI

Um pouco mais de sol--eu era brasa,
Um pouco mais de azul--eu era alem.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho--ó dor!--quasi vivido...

Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama,
Quasi o principio e o fim--quasi a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
--Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim...--
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ansias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol--vejo-as cerradas;
E mãos d'heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
. . . . . . . . . . . . . . .

Um pouco mais de sol--e fôra brasa,
Um pouco mais de azul--e fora alem.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Paris 1913--maio 13.

IX-COMO EU NÃO POSSUO

Olho em volta de mim. Todos possuem
Um afeto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ansias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse--ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado d'alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
--Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranha-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim--ó ânsia!--eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo d'extases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me rio,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.


X-ALEM-TEDIO

Nada me expira já, nada me vive-
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim d'alma esquecida,
Dormir em paz num leito d'hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
Á força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei á dor,
Pois tudo me ruíu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silencio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tedio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


XI-RODOPIO

Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas torres de marfim.

Ascendem hélices, rastros...
Mais longe coam-me sóis;
Há promontórios, faróis,
Upam-se estátuas d'herói,
Ondeiam lanças e mastros.

Zebram-se armadas de cor,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor...

Cristais retinem de medo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.

Luas d'ouro se embebedam,
Rainhas desfolham lírios;
Contorcionam-se círios,
Enclavinham-se delírios.
Listas de som enveredam...

Virgula-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.

Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos d'anseantes...

(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas--
Um lenço, fitas, dedais...)

Há elmos, troféus, mortalhas,
Emanações fugidias,
Referências, nostalgias,
Ruínas de melodias,
Vertigens, erros e falhas.

Há vislumbres de não-ser,
Rangem, de vago, neblinas;
Fulcram-se poços e minas,
Meandros, pauis, ravinas
Que não ouso percorrer...

Há vácuos, há bolhas d'ar,
Perfumes de longes ilhas,
Amarras, lemes e quilhas--
Tantas, tantas maravilhas
Que se não podem sonhar!...


XII-A QUEDA

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixa-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço d'ouro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesouro,
Morro á mingua, de excesso.

Alteio-me na cor á força de quebranto,
Estendo os braços d'alma--e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra--em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
--Vencer ás vezes é o mesmo que tombar--
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
. . . . . . . . . . . . . . .

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

Paris 1913--maio 8.
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Fonte:
SÁ-CARNEIRO, Mario de. Dispersão. Doze poesias. Lisboa: Tipografia do Comercio, 1914

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trova IV

Fontes:
– Trovas. RJ: Ed. Plaquette, 2001.
– Imagem = http://imagensbiblicas.wordpress.com

Omar Khayyam (Rubayat)

Rubaiyat é o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. O Rubaiyat de Khayaam é composto de 120 quadras.

RUBAYAT
Omar Khayyan
1
Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um homem sincero.

2
O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.

3
Olha com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus defeitos não são menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

4
Que o teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não firas ninguém.

5
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.

6
Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti.

7
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.

8
Há muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava
os ombros lisos da bem amada.

9
Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?

10
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.

11
É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?

12
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

13
Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

14
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?

15
Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.

16
Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.

17
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.

18
Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça
e esquecer a nossa incurável ignorância.

19
Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.

20
É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.

21
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

22
Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?

23
O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.

24
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.

25
Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

26
Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.

27
Olha, um dia a alma deixará o teu corpo
e ficarás por trás do véu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto não chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irás depois?

28
Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.

29
A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criança que expirou ao nascer;
mais feliz quem não veio ao mundo.

30
Na feira que atravessas não procures amigos
ou abrigo seguro. Aceita a dor que não tem remédio
e sorri ao infortúnio; não esperes que te sorriam:
Seria tempo perdido.

31
O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão do teu cadáver.

32
Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?

33
Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro
dos dias e das noites, és o palácio triste onde mil Djenchids
sonharam com a glória e mil Bahrams com o amor,
e a cada manhã acordavam chorando.

34
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.

35
Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,
murchou a bela rosa por causa do vento sul.
Lamentaremos por ela ou por nós?
Quando morrermos, outra rosa desabrochará.

36
Se não tiveste a recompensa que merecias,
não te importes, não esperes nada;
já estava tudo nas páginas daquele livro
que o vento da eternidade vai virando ao acaso.
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Fontes:
KHAYYAM, Omar. Rubaiyat. Tradução de Alfredo Braga.eBookLibris, 2003.
Capa do Livro = http:// http://www.portaldetonando.com.br/