sábado, 27 de fevereiro de 2010

II Seminário de Direito Militar



10 A 12 DE MARÇO DE 2010

CURITIBA-PR

PROGRAMA:

10 DE MARÇO DE 2010 - QUARTA-FEIRA.

13h20min às 14h20min - Credenciamento dos participantes.

14h20min - Solenidade de Abertura.

14h30min - Palestra de Abertura
Tema: “A Justiça Militar da União – sua composição, competência e perspectivas”.
Palestrante: Dr. Carlos Alberto Marques Soares - Ministro Presidente do STM.

15h30min – Palestra
Tema: “Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II – Estrutura e Missão”.
Palestrante: Coronel Aviador Leonidas de Araújo Medeiros Junior – Comandante Interino do CINDACTA II.

15h50min às 16h10min - Intervalo para o Café.

16h10min – Palestra
Tema: “Inquérito Policial Militar – princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – presença de advogado constituído pelo indiciado”.
Palestrante: Dr. Marcelo Weitzel Rabello de Souza - Subprocurador-Geral da Justiça Militar, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar – ANMPM.

16h50min – Debates.

17h10min – Palestra
Tema: “A Atuação da Defensoria Pública da União no âmbito da Justiça Militar da União”.
Palestrante: Dra. Olinda Vicente Moreira – Defensora-Pública-Chefe no Paraná – Substituta.

17h50min – Debates.

11 DE MARÇO DE 2010 - QUINTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: “Crimes Cibernéticos em Organização Militar”.
Palestrante: Dr. Demétrius de Oliveira – Delegado Titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (NUCIBER) da Polícia Civil do Paraná.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: “As demandas das Forças Armadas no Judiciário”.
Palestrante: Dr. Fábio Prieto de Souza – Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra
Tema: “Acidente em Serviço – considerações acerca do Decreto nr 57.272, de 16 de novembro de 1965”.
Palestrante: Tenente Washington Luis da Conceição Carvalho – Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica - COJAER.

11h30min – Debates.

11h50min - Intervalo para o Almoço (livre).

14h00min - Palestra
Tema: “Aspectos Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar Militar”.
Palestrante: Dr. Gustavo Swain Kfouri – Advogado e Professor Universitário.

14h40min - Debates

15h00min - Palestra
Tema: “Responsabilidade Civil dos Agentes da Administração no Âmbito Militar”.
Palestrante: Dr. Flori Antonio Tasca – Advogado e Professor Universitário.

15h40min – Debates.

16h00min às 16h20min – Intervalo para o Café.

16h20min – Palestra
Tema: “Regime Disciplinar dos Servidores Públicos da União - Sindicância e Procedimento Administrativo Disciplinar – Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório – Presença de advogado constituído pelo sindicado”.
Palestrante: Dr. José Marcos Manente – Coordenador do Núcleo de Assessoramento Jurídico da AGU no Paraná.

17h50min – Debates.

12 DE MARÇO DE 2010 - SEXTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: "Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e as Forças Armadas".
Palestrante: Dr. Gabriel Pimenta Alves, Coordenador-Geral de Atividades Jurídicas Descentralizadas, Substituto – Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa – CONJUR/MD.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: "O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz".
Palestrante: Sr. Secretário Breno Hermann - Ministério das Relações Exteriores (MRE).

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra de Encerramento
Tema: “Atuação Especial das Forças Armadas: Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Faixas de Fronteiras e Áreas Indígenas”.
Palestrante: General-de-Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho – indicado para Ministro do Superior Tribunal Militar.

11h50min - Solenidade de Encerramento.

INSCRIÇÕES GRATUITAS:
Através de e-mail contendo Nome, Posto/Graduação, Cargo/Função, Organização Militar/Órgão Público, Entidade de Ensino (se for o caso), número de telefone e endereço de e-mail para
seminariodireitomilitar@gmail .com até 08/03/2010 – vagas limitadas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Trova 118 - Maria Helena Calazans M. Duarte (São Paulo/SP)

Johnny Welch (A Marionete)


(tradução de José Feldman)

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou um boneco de pano
e me desse um sopro de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, definitivamente, pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
sim pelo que significam
Dormiria pouco, sonharia mais,
entendo que por cada minuto
que cerramos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detém,
despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam
e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate.

Se Deus me desse um sopro de vida
vestiria simples, me atiraria de bruços ao
deixando descoberto
não somente meu corpo mas minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração
escreveria meu ódio sobre o gelo
e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
e uma canção de Serrat seria a serenata
que lhes ofereceria à lua.

Regaria con lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um sopro de vida…

Não deixaria passar um só dia
Sem dizer às pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher
um homem de que são meus favoritos
e viveria enamorado do amor.

Aos homens lhes provaria quão equivocados estão,
ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem
sem saber que envelhecem
quando deixam de enamorar-se.
Para uma criança, lhe daria asas
e deixaria que ele sozinho aprendesse a voar.

Aos velhos lhes ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, homens.
Aprendi que todo mundo quer viver
em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir o declive.

Tenho aprendido que quando um recém nascido
aperta com seu punho
pela primeira vez, o dedo de seu pai
o terá agarrado para sempre.

Tenho aprendido que um homem
só tem direito de olhar o outro para baixo,
quando tem que ajuda-lo a levantar-se.
São tantas coisas as que teria podido
aprender de vocês,
mas realmente não vai ajudar muito,
porque quando me guardam dentro desta maleta,
infelizmente estarei morrendo.
------------------

Este poema foi escrito por Johnny Welch, um ventríloquo que trabalha no México, com o seu boneco de nome Mofles.

Fontes:
http://www.desdelalma.net/
Imagem = http://crisrubi.blogspot.com/

Carlos Leite Ribeiro (Revista Recanto da Prosa e do Verso – Ano III - Fevereiro de 2010 )


Nita Ferreira
SONETO A FEVEREIRO

O ano caminhando e é já Fevereiro
Do céu cinzento gotas cristalinas
E um vento agreste, frio e desordeiro
Varre a calma das horas peregrinas

Mascarado de alegre feiticeiro
No Carnaval dos anos a passar
Filho que mata a mãe ao soalheiro
Assim na meninice ouvi contar

Mas deve ser mentira ou balela
Pois que debaixo da minha janela
Vi passar o santinho Valentim

Trazia sorrisos, flores e abraços
Tudo numa caixa embrulhada em laços
E um bilhetinho de amor p'ra mim
G G G G G G G G
Ana Maria Nascimento
EROSÃO

Cingida por imensa solitude,
Busco, afinal, ouvir a tua voz
para extinguir esta tristeza algoz
que limitou a minha plenitude.

Mas, sem sucesso, vejo a finitude
surgindo em seu propósito veloz
acompanhada da tristeza atroz
presente em toda a sua latitude.

Àquele espaço ainda chega o pânico
entrelaçado num grande vazio
dando evasão ao ímpeto vulcânico.

A despertar, em torno, um arrepio,
transformando o aspecto do amor romântico,
numa tela de sonho em desvario.
G G G G G G G G
António Barroso (Tiago)
QUADRO SEM NOME

Era a imagem da degradação,
À porta do grande supermercado,
Apático, dobrado,
Com dois cães atados a um varão
Que suportavam a chuva, encolhidos,
Com olhitos meigos de sacrifício.
Ele amealhava, tostão a tostão,
As dádivas dos passantes mais sentidos,
Para, mais tarde, lá p'ro fim do dia,
Ir, de seringa em punho, matar o vício
Debaixo da ponte da ribeira.
Olhei o quadro e sem ironia,
Não senti pena de qualquer maneira,
Apenas me afastei, angustiado,
Calando fundo os sentimentos meus
Por ver os cães, com ar tão devoto,
Olharem aquele tipo escanzelado,
Porco, barbudo, sujo e todo roto,
Como um Deus!
G G G G G G G G
Cibele Carvalho
SOLIDÃO

Que invade o meu quarto, minha cama,
quando minha alma, por ti, chama.
Que domina meu corpo e pensamento
quando, longe de ti, experimento
o gosto do vazio que ficou
no espaço aberto que você deixou.
Com a solidão converso a cada dia
- ela me faz companhia
em meus momentos de dor
e também me acaricia
nas minhas noites de amor.
Reconheço os passos dela
na ausência dos teus passos
e ela é quem se apresenta
quando busco os teus abraços.
Bem diferente de ti,
ela não sai do meu lado
e, em sua boca, deposito
o meu beijo apaixonado.
(RJ, 22/02/10 )
G G G G G G G G
Dalton Luiz Gandin
NAS FOLHAS DA VIDA

Do ponto,
partida ou morte.
Marco sul,
risco pro norte.
Desenho,
assim, seu nome.
G G G G G G G G
Eugénio de Sá
DESISTÊNCIA

Enquanto outros combatem esforçados
eu trêmulo me atenho, impreciso
afivelado ao rosto patético sorriso
num jeito que me traz desfigurado

Simulação de um homem de verdade
sou parco de vontade, de ambição
Mais me não move o gesto e a razão
que o gosto de qualquer frivolidade

Sei desta vida pouco mais levar
que o atavismo de uma alma breve
Já conformada à negação de amar

Que almo inda me pode tornar leve
a terra que me vai acobertar;
outra expressão que tudo isto releve?

Bogotá, Colombia
26.FEV.2010
G G G G G G G G
Fernando Morais

PORTO

Aqui o silvo do comboio velho
ali o prédio acocorado à tarde

ouvem-se passos no lume do poente
é a mulher de xaile que vem de balde

ouvem-se vozes junto ao rio cinza
que o nevoeiro deixa tremeluzir a luz

mais outros passos esgueiram-se no leve
rodopiar das folhas … soma e segue …

o surdo mundo, pouco a pouco fala
nos rumores do voo de andorinhas

são as minhas mãos frias que apetece
meter nas tuas para matar o tempo

mas o tempo não passa como acontece ao dia
somos nós que passamos pelo tempo

e o Porto ajeita-se e estica as pernas
enquanto o sotaque, lindo, permanece.
G G G G G G G G
Flor de Esperança (Maria Beatriz Silva)
JURO

Nunca brinquei no carnaval
Nem nos sentimentos da poesia
Tenho várias formas de expressar alegria

Do carnaval sempre tive outro conceito
Mas... Para encontrar você lindo amor
Na folia vou entrar, pois esse é o único jeito.

No meu bloco imaginário sempre criei nosso cenário
Princesa, feiticeira, cigana... Para você já desfilei
Dança do ventre, tango, salsa, lambada, valsa já dancei.

Mas hoje eu juro que vou entrar nessa folia
Batuque, frevo, samba, suor e poesia...
Sou seu par, sua magia!

Lindo amor por você eu juro
Que vou dançar até o sol raiar
Olha nos meus olhos com desejos de bailar

Pega-me com sede... Com força...
E jura que não vai mais soltar
E que nesse carnaval você veio para ficar

Permita-me uma dança sensual
Estou pronta... Me vesti de Deusa do Amor
Deixa-me ser seu vendaval

No amor fazemos um temporal
Venha com calor,
meu pássaro verde do amor
Sentir esse sabor!

Olha-me dentro do meu olhar
Agarra na minha cintura e jura
Que comigo vai dançar com ternura
Com desejo, com loucura...

Quero um banho do seu amor
Navegar no seu cheiro, no seu sabor
E no embalo dessa dança
Leva-me por onde você for

Sussurra juras de amor no meu ouvido
Beija minha boca com um beijo atrevido
Hortelã é o sabor

Lindo amor jura, por favor,
Que essa dança
vai selar para sempre o nosso amor

Laje do Muriaé - RJ Em 13/02/2010
G G G G G G G G
José Feldman
UM DIA...

Um dia você pega as suas coisas, faz as malas, se despede de quem ama e sai porta afora, para um mundo novo, buscando a liberdade e a felicidade tão sonhada.

Um dia você aluga um apartamento ou uma casa, aprende que tem que cozinhar para si próprio, se quiser comer. Que tem que limpar sua casa, se quiser um lugar organizado, aprende que independência da casa dos pais não implica em fazer o que bem entende. A sociedade tem regras, e você começa a sentir isto na pele, e deve segui-las.

Um dia você vê que só o seu dinheiro poupado durante tantos anos a fio, já não é o bastante, então tem que procurar um emprego, para poder se sustentar. Sempre achava que a liberdade era uma coisa linda e maravilhosa, e você não precisaria se preocupar com nada. Agora vê, que ela engloba responsabilidades, deveres e direitos.

Um dia você se sente deprimido, pois a vida independente não é um mar de rosas, e se arrepende de ter saído da casa de sua família, e pensa em voltar. Mas, também pensa em tudo o que aconteceu para sair, e fica dividido entre o que fazer.

Um dia você descobre que apesar de estar sendo exatamente igual a seus pais, o seu lar é o seu castelo, e você se sente feliz consigo próprio, e assim como seus pais eram os reis na casa deles, você é o rei na sua.

Um dia você descobre que ser rei de seu castelo envolve deveres, direitos e responsabilidades, e que mesmo assim não é fácil, é uma batalha constante para manter seu pedacinho de chão.

Um dia você descobre que está envelhecendo, que está ficando mais chato, mais turrão, a memória está falhando, se sente mais cansado, se sente meio frustrado, pois seus sonhos eram apenas sonhos, e as lágrimas correm tão facilmente em momentos inesperados.
Um dia você percebe que nos momentos que deveria falar, se calou e em outros, quando deveria ficar calado, falou.

Um dia você descobre que muitas coisas que fez não tinham razão de ser, e que se pudesse voltar atrás, mudaria tudo, entretanto, existem tantas outras que mesmo com algum final desastroso, deixaria como está.

Um dia você descobre que os seus verdadeiros irmãos são aqueles que um dia passaram por sua vida e deram um encontrão em você e seguiram adiante. Outros, que estiveram sempre presentes, mesmo que ausentes.

Um dia você descobre que nunca esteve sozinho, que sua família esteve sempre ligada a você em todos os momentos de sua vida, e você sempre, na verdade, seguiu os passos dela, sem nem mesmo perceber.

Um dia você percebe que aquilo pelo qual você sempre lutou só vai ser reconhecido por você mesmo, pelos que acompanharam sua caminhada e aqueles que realmente te amaram, e sempre estiveram a seu lado torcendo por você e incentivando quando você cambaleava.

Um dia você percebe que os verdadeiros inimigos de sua evolução não estão nas ruas, mas dentro da casa que você abandonou, dizendo-se irmãos, primos, sobrinhos, etc. Percebe que você é infeliz, pois ainda está ligado ao que pensam de si.

Um dia você percebe que é hora de se desvincular disso tudo e seguir os seus próprios passos, caminhar com seus pés, fazer sua própria vida e ser aquilo que você quer ser, não aquilo que os outros querem que você seja.

Um dia você percebe que a felicidade está dentro de você, e você tinha este tempo todo a chave para abrir esta porta e liberta-la.

Um dia você vai ter coragem suficiente para deixar suas coisas de lado, abandonar as malas do passado, carregar dentro de seu coração aqueles a quem ama e quem realmente estiveram a seu lado e sair porta afora, para um mundo novo, livre e feliz...

Um dia você vai perceber que finalmente realizou seu sonho e finalmente é feliz.

(Ubiratã, Paraná, 22/05/08)

G G G G G G G G

Hermoclydes S. Franco

"GUERREIRA"

Pelos sonhos de mulher,
guardados no coração,
sonhados a vida inteira...
Pela visão da existência,
pelo calor da emoção,
tu foste, sempre, a primeira...

Nos dons da emotividade,
das intenções mais sutís,
tu és frondosa roseira
que dás perfume e dás flor,
espinhos tornas ternura,
do orvalho fazes goteira...

Pela graça do sorriso,
pelo calor dos abraços
e pelo ser companheira...
Pelo brilho dos olhares
- uma lágrima a esconder -
quanta vez te vi faceira...

Pelo enfrentar dissabores
sem blasfêmias, sempre altiva,
alma quase feiticeira,
que, na fé inquebrantável,
tua força espiritual
forjou-te a Grande Guerreira!...
G G G G G G G G
Humberto Rodrigues Neto
A ÚLTIMA NAMORADA

Já vem descendo sobre mim o outono
desta existência de gentis primores,
quando fui presa e ao mesmo tempo dono
de inesquecíveis e sutis amores!

Quantas premi de encontro aos lábios loucos
num fervilhar de anseios e arrepios,
paixões que agora vão tornando, aos poucos,
meus dias de sol cinzentos e vazios!

Mas neste inverno de uma vida finda,
que me aproxima da eternal morada,
no anonimato eu sei que me ama ainda
a minha derradeira namorada!

O amor que me dedica é uma benesse,
pois nunca teve algo em comum comigo;
dela só espero o mimo de uma prece
e o ramo de uma rosa em meu jazigo!
G G G G G G G G
Regina Bertoccelli
VENTOS E TEMPESTADES

Não temo os ventos fortes,
nem as tempestades violentas
que chegam varrendo tudo,
escancarando minhas janelas,
roubando meu sossego...

Não me importa que raios e trovões
gritem em meus ouvidos,
emudeçam minha voz,
tumultuem meus pensamentos...

Sei que isso é passageiro,
que a bonança virá e me trará de volta
o sol e a revoada de pássaros
farão festa em minha janela...

Mas temo os ventos e as tempestades
de teu coração que atingem o meu
num ímpeto de raiva e fúria descomunal

Chegam de repente, escurecem o meu dia
e me aprisionam no calabouço sórdido
de tua mente perversa e insana

Ah, quanta insensatez há em ti...
Do amor nunca saberás enquanto
viver em teu ser tanta estupidez...
G G G G G G G G
Tchello d'Barros
“M” E “H” NO 609

São Paulo é uma cidade grande, muito grande. M e H conheceram-se numa dessas situações inesperadas, que talvez por comodidade convencionamos chamar de acaso. M, há tempos que estava acostumada com a rotina do metrô, meia hora para ir e outra longa meia hora para voltar. Para suportar melhor esse limbo de tempo inútil, lia revistas de fotonovelas, que adquiria numa loja de livros usados, próxima à estação da Praça da Sé. A monotonia desse trajeto só era quebrada lá de vez em quando, com alguma paquera, pelo fuzuê com algum trombadinha ou algum ator fazendo sua performance e passando o chapéu.

Aquela manhã de sábado com garoa não prometia muito. Vagão cheio, M incomodou-se um pouco por ter que ficar em pé, e cavalheirismo, como se sabe, não anda muito na moda. Incomodou-se um pouco mais quando, no frenesi das pessoas que apressadamente entravam e saíam do vagão, um sujeito passou por trás dela, encostando-se, inevitavelmente. Este momento deve ter durado apenas um segundo, mas foi o suficiente para ela sentir um hálito de hortelã, e ele percebeu a fragrância de alfazema nos cabelos dela. Quando ele se afastou, ela olhou de soslaio, para identificar o atrevido, ao tempo que H, também discretamente, observava sua silhueta bem desenhada pelo reflexo da janela. Ato seguinte, um assento que ficou vago permitiu que a vida voltasse ao normal no escapismo de mais algumas páginas da fotonovela.

Desceu na estação de sempre e depois de mais uma manhã rotineira, ao meio-dia em ponto estava livre, seu fim-de-semana começou com o fim da garoa. Logo ela estava zanzando pelas barracas da feirinha da Liberdade, onde adquiriu umas bonequinhas de origami. O almoço se resumiu à alguns camarões no palito, assim, almoçava caminhando, observando os artesanatos e antigüidades espalhados pelas banquinhas. Naquele vai-e-vem de tanta gente, julgou ter visto o sujeito do metrô, próximo à uns quadros de paisagens japonesas que um pintor apresentava no chão de uma pracinha. Tímida do tipo ousada, aproximou-se para ter certeza, mas não viu mais o vulto, certamente era outra pessoa.

Lembrou-se que precisava renovar o estoque de suas revistas antigas de fotonovelas, e lá foi ela em direção ao sebo. Ao chegar foi diretamente à sala das tais revistas, onde levou um susto, pois ninguém menos que H estava ali, escolhendo alguns exemplares de bolsi-livros de faroeste, sua única distração literária. M imaginou inicialmente que H estivesse lhe seguindo, mas logo concluiu que isso não poderia ser, pois quando ela chegou ele já se encontrava no local. Depois pensou em coincidência, em destino, essas coisas que não entendemos muito bem, e logo já estava fantasiando que fosse algum investigador contratado, um tipo de detetive. Saiu de tais devaneios quando percebeu que ele já não estava mais naquela sala, então tratou de escolher alguns exemplares de revistas para sua coleção. O segundo susto foi na hora de pagar, pois ambos chegaram juntos ao balcão, o que fez com que o balconista perguntasse o típico 'quem está na vez?', o que inicialmente causou um certo constrangimento para ambos, mas foi a ocasião para uma breve troca de olhares e o esboço de um sorriso. O fato de H ter permitido que M pagasse primeiro, foi a senha para continuarem conversando e o manuseio do pagamento permitiu que ambos vissem que nenhum dos dois estava usando aliança.

As recentes aquisições permitiram que a conversa se prolongasse num café próximo dali. Esgotado o assunto das preferências literárias, trataram de puxar outros temas corriqueiros, amenidades bem triviais, apenas umas desculpas para poderem continuar se olhando, um adentrando o semblante do outro, tentando desvendar camadas de personalidades e nuances dessa atração inusitada. Esse mesmo ardente encontro de olhares, sequer permitiu que falassem sobre relacionamentos, fossem anteriores ou atuais, profissões ou endereços, esses itens que definem tanta gente. Eram apenas dois intensos olhares cruzados, que em seguida receberam a cumplicidade de duas mãos que se tocavam de leve, no início, e assim não demorou para que um certo par de lábios ávidos também se encontrassem. A vida naquele momento era apenas um sabor de hortelã e um suave aroma de alfazema, naquela esquina da megalópole.

Não se conheciam, não queriam se conhecer, mas desejavam se entregar. Talvez essa substância abstrata que chamamos de natureza humana, explique o fato de que dentro de poucas horas, já no número 609 de um hotel da rua Ipiranga, o par estivesse resfolegando num faiscante entrelaçamento com fusão de corpo e alma. O caos e o céu ao mesmo tempo. Depois, quando os corações foram desacelerando, o suor foi secando e os instintos permitiram que alguma lucidez se instalasse no recinto, começaram a conversar e, conversaram demoradamente, outro prazer que descobriram assim, sem querer. Concluíram que esse enigma, que as pessoas chamam de amor, pode acontecer assim, de repente, numa nublada tarde de sábado, no labirinto da gigantesca cidade. Ao saírem do hotel, ninguém sabia nome, idade, telefone, e-mail ou o que quer que fosse sobre o outro, esses ítens que identificam muita gente, o que não impediu de combinarem se encontrar no saguão do mesmo hotel, no mesmo horário, uma semana depois.

E passados sete dias, na tarde paulistana, desta vez ensolarada, lá estavam M e H novamente, tentando ser discretos na recepção do hotel, mas mal disfarçando a gana de avançar um sobre o outro, o que aconteceu de fato, logo que fecharam a porta do mesmo quarto 609. Pura selvageria. Frisson e êxtase. Volúpia e lascívia. Concupiscência e atração. Luxúria e lúbricas intimidades. Umidade e fricção. Ou o que muitos preferem resumir como tesão. Apagado o primeiro de muitos incêndios, M percebeu então que H havia trazido champanhe com morangos, e H pode enfim também notar os detalhes da lingerie provocante que M escolheu para o novo encontro. Algumas labaredas mais tarde, fruíram daquele prazer de conversar, de poder falar das sensações, dos sentimentos e das percepções desses momentos incandescentes. E falavam da saudade, e dos desejos, e dos medos, e das vontades, e das fantasias, e de todo um outro labirinto, o das afetividades que se entrelaçavam nas relações e no relacionamento. Antes de se despedir, H notou entre os pertences de M uma pequena réplica de espada japonesa, dessas para abrir envelopes, sinal de que ela devia ter passado novamente pela feirinha oriental. Já M, percebeu que H havia adquirido mais alguns livrinhos com histórias de bang-bang. Mas ninguém quis comentar nada, nada de observações, nada de perguntas. Manter algum mistério era muito mais excitante.

E assim se despediram, e assim se reencontraram, e assim foram repetindo seus encontros semanais, pontuados pela entrega total em suas experiências, preservadas por segredos mútuos, quase como se suas vidas particulares nem existissem, como se a vida real acontecesse apenas naquele idílico quarto 609. E mais não precisava. E como é próprio dessas raras uniões onde o casal se completa, se complementa e se funde, chegaram à um nível de cumplicidade e simbiose onde era possível sentir plenamente o estado emocional do outro, apenas pelo olhar, pela voz, pelo toque. Não raro, depois do descanso, abriam os olhos ao mesmo tempo, sonhavam um com o outro, e muitas vezes um ía dizer uma coisa e o outro completava. Ao final de um ano a sintonia era tanta que de vez em quando já se conseguia até mesmo ler o pensamento.

Foi mais ou menos por essa época que M começou a pensar na possibilidade de investigá-lo, de tentar saber mais sobre esse homem misterioso, que lhe fazia tão feliz. Talvez desvendar o cotidiano desse íntimo desconhecido, saber o que ele fazia durante a semana, onde morava, se era casado, no que trabalhava, essas coisas. Mas refletiu bem e escolheu deixar de lado a curiosidade, preferiu não quebrar a magia que os unia, não queria desconfianças, não queria que ele fizesse o mesmo, que descobrisse tudo sobre ela. E assim continuaram, já que toda a felicidade do mundo cabia naquele singelo quarto. Ali era o endereço do amor, da paixão, do romance e do desejo. O resto, era apenas o mundo. E pequenas mudanças naquele quarto eram quase um acontecimento. O dia em que trocaram as cortinas. Uma pequena gravura que apareceu em uma das paredes. Os desenhos florais na estampa de um lençol. E um dia as paredes receberam uma nova tonalidade, o salmão suave passou para um rosa pálido. Isso foi uma grande novidade.

E o tempo foi passando. As fronhas dos travesseiros foram naturalmente se gastando, perdendo a cor, a textura. As conversas agora tinham diminuído um pouco, entremeadas de breves silêncios, que aos poucos foram se prolongando e muitas vezes a falta de assunto era compensada com a leitura de fotonovelas e os livrinhos de bolso. Num dos encontros sequer fizeram amor, apenas trocaram carícias. Depois, uma viagem impediu o próximo encontro, e uma desculpa aqui e outra ali fizeram rarear os sábados dos amantes. Até que numa dessas tardes de muito calor, as paredes do 609 sequer viram o casal se despir, apenas conversaram, olharam-se demoradamente, choraram, abraçaram-se e então convenceram-se de que poderiam parar de se encontrar. O rio da vida que seguisse seu fluxo. Sem culpa, ou rancor, deram-se ainda um longo e afetuoso último beijo.

Na saída para a rua, nenhuma palavra, apenas dois semblantes que se encontravam quem sabe pela última vez e cada um seguiu para um lado. H dobrou a próxima esquina, refletindo sobre isso que as pessoas chamam de amor. Se isso existe mesmo, dura pouco, uns dois anos, concluiu. De seu destino nada sabemos, apenas que deixou de freqüentar uma certa loja de livros usados daquele lado da cidade. M, que tomou o metrô mais próximo, olhava demoradamente as fotografias da revista, mas nada via, apenas pensava em como era possível conhecer alguém com tal profundidade e sintonia sem sequer saber seu nome. Dela também pouco sabemos, apenas que continua usando xampu com perfume de alfazema e adquiriu o hábito de comprar pastilhas de hortelã.

Dizem que aquele sebo fechou. Dizem também que vai reabrir em outro ponto da cidade, mas não se sabe bem onde, pois como sabemos, São Paulo é uma cidade grande, muito grande.
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Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Trova 117 - Sylvio Ricciardi (Ribeirão Preto/SP)

Aparecido Raimundo de Souza (Estranho num Lugar Esquisito)


Durante meses, Panetôncio freqüentou um consultório psiquiátrico com a reclamação de que havia um imenso jacaré debaixo de sua cama.

— E toda noite ele me mostra uma boca cheia de dentes...

— Não são dentes, são presas. E não se diz “boca”. Jacarés não têm boca, e sim mandíbulas.

— Não importa, doutor, o caso é que não agüento mais.

O médico tentava persuadir o paciente de todas as formas possíveis:

— Panetôncio, você não reside num prédio de apartamentos em plena Barra da Tijuca com segurança, circuito interno de televisão e alarmes por todas os cantos?

— Perfeito, mas o jacaré me amedronta apesar de toda essa tecnologia de ponta.

— Não existe nenhum jacaré.

— Claro que existe, doutor. E a cada dia parece mais furioso.

— Só na sua imaginação.

— Não é imaginação, doutor, é real.

— Sua esposa viu esse suposto jacaré?

— Não.

— Nem seus filhos?...

— É verdade!

— Seu sogro chegou a dormir uma noite no quarto e também nada viu, ou ouviu?

— Meu sogro dorme mais que a cama. É só recostar a cabeça e no minuto seguinte está contando carneirinhos.

— Sua sogra?

— Uma besta quadrada. Não enxerga um palmo adiante do nariz. A única coisa que sabe fazer, e cá entre nós, muito bem, é ver defeitos em mim e maquinar intrigas do arco da velha com minha mulher.

— Seu irmão dormiu lá com a esposa dele, na semana passada, não dormiu?

— Dormiu.

— E não viu nem ouviu absolutamente nada?

— Meu irmão, doutor, só pensa naquilo 24 horas por dia. Não tem uma noite que deixe a mulher descansar em paz. Esteja em casa ou na casa dos outros, o negócio dele é furunfar. Nem os dias sagrados da companheira -, o senhor compreende -, aqueles do famoso “lacinho vermelho”, ele respeita.

— Fazer amor faz um bem danado à saúde, Panetôncio. Alivia o estresse do dia-a-dia. A alma se liberta das tensões e fica mais leve e solta. Concorda?

— Concordo, doutor, concordo plenamente. Mas o senhor precisa entender o seguinte: balançando o esqueleto, ele não vai ver nada, como, aliás, não viu. E o jacaré continua embaixo da minha cama, tranqüilo, sem problemas, me enchendo o raio do saco.

— Insisto, Panetôncio, que não há nenhum jacaré debaixo da sua cama. Volte para seu quarto e procure ficar em paz. Sua esposa, da última vez que falou comigo, reclamou que, por causa desse bendito jacaré, você não só mudou de quarto, como abandonou a cama. Esse negócio está me cheirando a outra coisa...

— Que outra coisa, doutor?

— Amante. Você arranjou uma namoradinha e está engabelando dona Líliam com essa história sem pé nem cabeça.

— Não trairia minha cara metade por nada deste mundo. Ainda que encontrasse a Bruna Lombardi peladinha, dos pés a cabeça.

— Escute o que vou dizer: sua esposa, com essa conversa toda, está abalada. Muito abalada. Sem contar que também está necessitada. Mulher necessitada é perigosa. Começa a subir pelas paredes. Se você não dá conta, não comparece...

— Sei disso tudo doutor. Mas como posso me concentrar?

— Você pode. Você é um homem ou é um rato?

— Depois que o jacaré apareceu comecei a ter dúvidas sobre minha masculinidade. Acho que sou um coelho assustado. E coelho tem medo de jacaré. Li algo a respeito numa revista especializada em animais. O doutor seguia na sua linha de conduta e perseverava com acirrada veemência na ânsia de demover a idéia fixa da cabeça de seu paciente.

— O jacaré -, Panetôncio, ou melhor, esse famigerado jacaré é apenas uma alucinação passageira -, fruto da sua estafa, da sua debilidade. Resumindo, meu amigo, coisa provocada pelo excesso de trabalho e pela fadiga. Você tem se desgastado muito, ultimamente. Sua ocupação, na Bolsa de Valores -, compreendo -, é muito pesada e irritante. Deixa os nervos a flor da pele, a cabeça a mil, os neurônios em frangalhos. Sei que não é fácil passar o dia inteiro com três telefones no ouvido...

— Quatro, doutor, quatro.

— Que seja! Três, quatro ou apenas um, não importa. O que conta, o que faz diferença, é você estar o tempo todo gritando, berrando e gesticulando feito um desmiolado e despirocado das idéias. Preste atenção no conselho que vou lhe dar, e vou fazê-lo como seu amigo, não como médico. Tire uns dias e saia com a família em férias. Coloquei, inclusive, meu sítio, em Pedra de Guaratiba, à sua disposição. Está lembrado?

— Estou, doutor. Mas o jacaré está cada vez mais esfomeado. Se o senhor, que é um especialista, que estudou anos a fio para procurar dar uma solução plausível para o meu caso e, no final das contas, não puder, ou não conseguir me ajudar, quem poderá me levar à cura dessa merda, ou à merda dessa cura?

O rapaz continuou a freqüentar, ainda por um bom tempo, as seções no consultório, como sempre fazia, todas as quartas-feiras, na parte da tarde. Com isso, o médico estava quase convencendo a criatura de que tudo não passava, realmente, de fantasias e devaneios oriundos de um desgaste físico e mental acima da linha do ponderável, e que, em decorrência disso, se levasse os próximos encontros mais a sério, logo sairia completamente restabelecido.

Entretanto, por três quartas-feiras seguidas, Panetôncio não compareceu ao consultório, nem comunicou à secretária o motivo de sua ausência. Apreensivo e visivelmente preocupado, o psiquiatra ligou para a residência de seu cliente.

— Gostaria de falar com seu Panetôncio — disse o doutor à mulher com a voz chorosa que o atendeu.

— O Pane morreu... Quero dizer, o Panetôncio faleceu... — respondeu a pessoa, em soluços.

— Com quem falo?

— Líliam, a esposa.

— Dona Líliam, sou eu, o médico psiquiatra do seu marido.

— Doutor, desculpe não tê-lo avisado antes. Sabe como são essas coisas. Uma correria: liberar corpo no IML, correr atrás de funerária, avisar todos os parentes e amigos, cuidar do enterro, fretar ônibus, comprar flores, coroas, escolher cemitério, ver jazigo, colocar anuncio em obituário de jornal, marcar com antecedência a missa de sétimo dia, uma loucura!

— Estou pasmo, dona Líliam. Fiquei realmente sem saber o que lhe dizer...

— Pois é. O senhor que é médico ficou assim, assombrado, praticamente sem saída. Imagina como estamos nós que convivíamos diariamente com ele. E todo o resto da família. Completam sete dias, amanhã. A propósito, gostaria que o senhor viesse para a missa. Vai ser na Igreja de Nossa Senhora das Cabeças, na Rua Belizário Pena, ali na Penha.

— Farei o possível. De qualquer forma, minhas sinceras condolências.

— Obrigada, doutor.

— Por favor, esclareça uma dúvida, dona Líliam. Panetôncio morreu... Morreu de quê?

— Foi devorado por um jacaré que estava escondido debaixo da cama dentro do nosso próprio quarto.
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Sobre o Autor
Aparecido Raimundo de Souza, 56 anos, jornalista. Natural de Andirá, Paraná. Free-lancer das revistas "Textos Inteligentes" e "Isto é gente". Publicou: Quem Se Abilita? (prefácio de Paulo Coelho); Com Os Chifres À Flor Da Cabeça (25 cronicas); Tudo o que eu Gostaria de Ter Dito (livro com 365 frases dos mais diversos autores, frases essas publicadas durante três anos numa coluna que manteve na Revista Class, em Vitória, no Espírito Santo); As Mentiras Que As Mulheres Gostam De Ouvir (25 cronicas); A Outra Perna Do Saci, Refúgio para Cornos Avariados (25 cronicas), Mulheres em Estado de Coma; Travessuras de Mindinho e Fura Bolos; Talvez Eu Volte para Casa na Primavera.
Os textos de Aparecido Raimundo de Souza retratam o cotidiano das pessoas. São escritos leves e soltos, alguns cheios de intransigências, outros salpicados de ironia e muita picardia e irreverência. Seu estilo lembra o escritor gaúcho Luiz Fernando Veríssimo, embora tenha criado uma grafia própria e inconfundível.

Fontes:
Colaboração do autor
wikipedia

Airton Monte (O Escritor em Xeque)

entrevista realizada em janeiro de 2007

O Jornal cearense O Povo, em uma conversa franca e bem humorada com Airton Monte, cronista de uma Fortaleza boêmia, solidária e fraterna que propõe o hedonismo e o anarquismo educado como utopia para a humanidade

O mundo é grande e cabe no breve instante da crônica de Airton Monte. Espelho de si mesmo, o cronista contempla sua própria persona e espreita a humanidade pelo prisma de sua aldeia. Traduz para o espírito de Fortaleza as paixões, os desejos e os abismos da alma humana. O fascínio pelo inconsciente lhe levou à psiquiatria, onde o profissional austero toma a frente do poeta galhofeiro, arrebatado e espirituoso que se deita no divã da literatura. Pela cidade (real ou rememorada), Airton circula desvendando o universal nos bares mais simples da Gentilândia e fazendo explodir o particular de cada flagrante em arroubos universais de inspiração poética.

Em uma manhã de conversa franca e bem humorada com quatro repórteres do O POVO, regada a muita cerveja e a uma dezena de cigarros, o cronista se revela. É o torcedor fiel, o teórico da literatura, o marido apaixonado, o amigo saudoso e o cidadão desolado com a cidade que “enselvageceu”. Sem amarras, sem pautas específicas, a conversa segue fluida por mais de duas horas. Do riso generoso aos dramas mais tocantes e deles à piada mais escatológica. Literatura, Praia de Iracema, Clube do Bode, drogas, anarquismo e gentileza. O mundo é grande e cabe no breve trago que acende o fio da inspiração e da memória.

O medo que eu tenho da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao tempo presente”, revela o artista que, cronista, agarrado às amenidades e às urgências do dia-a-dia, soube se inscrever na posteridade pelo talento da palavra. O mundo é grande e cabe na breve (e encantadora) Fortaleza de Airton Monte.

O POVO - Quando a gente ligou pra você para convidá-lo para a entrevista, você ficou feliz mas brincou com a história do tempo, brincou com o agouro ou o mau agouro de dar uma entrevista como essa nessa altura da vida. Você tem medo do tempo?

Airton Monte - Se eu disser que não tenho medo do tempo eu estaria mentindo. O meu medo do tempo não é o medo de morrer, não é o medo de envelhecer. O medo da palavra tempo é o de me tornar obsoleto em relação ao presente. A minha briga toda é essa. Não posso me desligar das raízes do meu passado. Aquilo que eu aprendi está aprendido. Mas tanto na medicina quanto na literatura, meu medo é o de ficar obsoleto. De ficar um velho gagá. Aqueles antigões, parados no tempo, sem diálogo com ninguém, que passam a vida num tempo ilusório, um tempo passado.

OP - E como você tenta superar isso?

Airton Monte - Estudando, lendo. Tanto de um lado quanto de outro, eu tenho de estar antenado. Na medicina, minha vantagem é que não preciso gastar rios de dinheiro para ir aos congressos. Eu ligo o computador e recebo os anais, entro nos sites da Sociedade Médica Brasileira, da Associação de Psiquiatria. Estou o tempo todo atualizado.

OP - Você tem livros que estão sendo utilizados no vestibular. Quando você conversa com esse público do vestibular, esse público mais novo, esse medo da obsolescência aumenta?

Airton Monte - Eu nunca tive dificuldade de me relacionar com esse público mais jovem do que eu. Nem muito mais jovem nem muito mais velho. Eu tenho vários grupos de convivência. Eu tenho a turma da Gentilândia, que é a turma da minha infância, da minha idade. Tenho a turma do papai, que é uma turma mais velha, da idade do papai, de 80 anos, 90. Tem a turma do Clube do Bode. E nesse vestibular, a partir de 2004, 2005, o que me deu mais surpresa foi que de repente aquela garotada chegou e disse: “olha, a gente está te lendo porque a gente está gostando”. E eu conseguia me comunicar com eles no mesmo nível. Brincando, rindo. Não me sinto deslocado entre os jovens. Eu sou como aquele velho jogador, o Romário, que ainda está ali rondando a área, sobrou a bola pedindo para eu chutar, eu chuto.

OP - E fisicamente, você se cuida?

Airton Monte - Decididamente, eu nunca fui exemplo para ninguém. Não vou a médico, não sei a quantas vai meu colesterol, minha glicemia. A única coisa que me incomoda, fisicamente, de vez em quando, é a asma, que o cigarrinho corrige, não tem problema. Eu bebo do mesmo jeito que bebia quando era jovem. Como as mesmas coisas que comia. Eu quero ficar velho. Se puder até ver meus netos crescerem eu queria. Agora, do meu jeito. Não me interessa viver uma vida sem poder sair, sem poder fazer as coisas de que gosto. De clínico geral eu tenho pavor porque você entra lá saudável e sai doente (risos). Tenho muitos amigos médicos, sou da máfia, mas reconheço que não sou exemplo pra ninguém. Se alguém quer viver muito, não siga meu exemplo. Comigo está dando certo. Estou praticamente com 58 anos, com corpo de bailarino espanhol e um fígado de 20 que nunca me deu problema.

OP - A Fortaleza que você começou a descrever em tuas crônicas era uma cidade bem menor, mais pacata. Nossa cidade hoje é um monstrengo que cresce desordenadamente, sem respeito pelo passado e sem respeito pelo próprio fortalezense. Como você se relaciona com essa Fortaleza mais jovem?

Airton Monte - Eu cresci em Fortaleza. Nasci aqui. Tenho 57 anos, nunca saí daqui. Nasci na Rua Dom Jerônimo, de parto normal, filho do primeiro amor, do primeiro “descuido”, como dizia a minha mãe. E fui criado naquele território mágico ali da Gentilândia, do Benfica, do Jardim América. Mas Fortaleza foi mudando de uma maneira que me fez ter que mudar também. E a mudança foi brutal. Hoje eu caminho em alguns lugares - com exceção da Gentilândia, por exemplo, que permanece mais ou menos como era antes -, e perco as referências que tinha. A Praia de Iracema morreu. Eu tive de aprender a conviver com essa Fortaleza. Uma cidade em que vivo com medo, medo por mim, por meus filhos; uma cidade em que não posso me arriscar muito e ir numa esquina, a caminhar pela cidade, coisa que adorava fazer. De dez anos pra cá, passei a viver nessa Fortaleza que ensandeceu, enselvageceu, onde nós perdemos aquilo que era a democracia da gentileza, a democracia do lirismo. Hoje não somos mais próximos, nós somos ilhas. Ilhas de solidão, de desconfiança.

OP - E o que a nossa cidade ainda tem de positivo? O que ainda te inspira na Cidade?

Airton Monte - As coisas boas de Fortaleza. O subúrbio. Alguns subúrbios. O domingo no subúrbio, ainda tem isso. Eu vejo na rua do meu pai, na Dom Jerônimo; vejo na Gentilândia também. Ano Novo e Natal as pessoas entram nas casas umas das outras e uma leva uma torta, outra leva não sei o quê.

OP - Mas você ainda circula?

Airton Monte - Circulo na Gentilândia, nos bairros do Benfica. Na Praia de Iracema jamais. Todos os sábados vou ao Clube do Bode, que é a livraria do Sérgio Braga. E nós bebemos no Florida Bar, que é o braço armado do Clube do Bode (risos). É o Hezbollah do Clube do Bode, tem aquele tira-gosto letal, só come quem está acostumado. Depois de 25 anos de tira-gosto de botequim você fica imunizado contra qualquer vírus. O Clube do Bode é esculhambação, é uma instituição anárquica, lírica, etílica, musical. Lá, o Nonato Luis dá um show num violão velho daquele do Falcão. Lá só quem não pode cantar é o Falcão. Apesar de ser o cantor oficial do grupo. Mas ele é proibido de cantar, por uma questão de higiene pública (risos).

OP - Há assuntos que você considera proibidos nessas rodas? Assuntos que, quando vêm à tona, você se retira?

Airton Monte - A única coisa que eu me retiro é quando começam a falar mal de amigo meu. Porque dos meus amigos só quem pode falar mal sou eu. E em tom de galhofa. Então, nós temos essa certa fidelidade. Quando está todo mundo junto, a gente fala mal mesmo. Mas não há coisas proibidas. Onde ando, há católicos, crentes, ateus, políticos de esquerda, de direita. Eu não sei mais nem se existe isso de esquerda ou de direita. Eu mesmo, esse ser anárquico, sou ateu e está aqui (pegando no escapulário pendurado no pescoço) o escapulário do meu beque central contra os maus olhados que é São Francisco, o “Chiquinho”. Ele é o sujeito que eu mais admiro, que foi revolucionário e mais cristão do que Cristo. Um sujeito que ia dar muito trabalho para a Igreja Católica hoje se fosse vivo.

OP - Que histórias engraçadas ou curiosas você recorda do convívio com essas turmas do Clube do Bode, da Gentilândia, etc?

Airton Monte - São várias. Eu andava muito com o Rogaciano (Leite Filho, jornalista) e o Paulo Mamede (jornalista). Tem uma história que é uma sacanagem que não se deve fazer com ninguém. Estávamos os três no Cais Bar. Uma noite, entra um mulherão daqueles de arrasar. Todo mundo dando em cima. A mulher acha de se engraçar do Paulo Mamede, um sujeito altamente periculoso (risos). E a gente só com inveja, aquela inveja mortal. Aí o Paulo Mamede começou bem com a menina, já começou com os beijos, etc. Lá pelas tantas, ele teve uma espécie de incômodo intestinal (risos) e teve de ir ao banheiro. E lá demorou-se. Quando ele demorou a gente inventou a seguinte história, de improviso. O Rogaciano se apresentou, eu disse quem era e a moça disse: “ai, você é psiquiatra?”. Eu disse: “sou’. “Inclusive, ele é primo do Paulo Mamede, esse rapaz aqui”, eu apontando para o Rogaciano. “E eu sou médico do Paulo Mamede”. “Ai, o senhor é médico dele?”. “Sou, sou psiquiatra, mas ele está bem” (risos). “Ele sai aos fins de semana e eu estou aqui acompanhando ele. Minha única preocupação é que ele está tomando um remédio forte e está misturando com bebida como você está vendo. As reações ninguém pode prever. Geralmente, ele fica muito violento” (risos). O Paulo Mamede chega feliz da vida do banheiro e ela já estava meio esquisita. O Paulo Mamede não entendia nada. Eu disse: “rapaz, tu não tem papo pra segurar a mulher”. Nós só fomos confessar isso pra ele, lá pelas quatro da manhã, no Estoril. E ele em vez de ficar com raiva começou foi a rir. E assim tem várias. O Augusto Pontes, tem umas frases que são terríveis. Ele diz assim: “Eu tenho uma boa e uma má notícia pra vocês. Qual vocês querem ouvir primeiro?”. “A notícia boa”. E ele: “O Fausto Nilo vem pra cá”. “E a notícia ruim?”. E o Augusto: “Ele vai cantar” (risos).

OP - O João Cabral de Melo Neto costumava dizer que não acreditava em inspiração, que o ofício de poeta era um ofício que exigia muito trabalho. Você acredita em inspiração?

Airton Monte - Aí tem uma diferença. O texto de ficção eu não tenho nenhum prazo para entregar. Então, é uma coisa que eu vou maturando, posso passar três anos refazendo, cortando. Já a crônica é diária. E é um gênero literário - apesar de alguns babacas dizerem que não é, eu digo que depende do cronista. Uma crônica do Rubem Braga é um texto literário, já um texto do Paulo Coelho não é nada, é uma mágica (risos). É um feitiço. Ele faz até chover e levita (risos). Mas a crônica, eu tenho que entregar o texto. O POVO já me paga pouco, se eu não entregar... (risos). Apesar de toda essa anarquia, eu sou muito profissional nas coisas. Então, eu tenho que chegar e escrever. Em termos de inspiração, os textos que você escreve ou saem de parto natural, quando você escreve um conto em dois minutos, ou saem de parto a fórceps, quando você tem que dar uma forçada. E tem dia que só sai na porrada, só vai na cesariana (risos).

OP - Você sempre escreve seus textos à mão?

Airton Monte - Porque à mão eu escrevo mais rápido. Mesmo se eu tivesse um notebook, eu não levaria um notebook, que custa uma fortuna, para a beira da praia, para o pessoal entupir de farofa... (risos). Se você leva para o bar ou para a praia, vão derramar cerveja em cima. O cabra vai dar palpite, outro quer mexer. Escrever, então, é um ato muito solitário. Não é como o cinema, que é uma arte coletiva.

OP - Algumas vezes, você coloca algumas coisas bem pessoais em suas crônicas. Você chega a se arrepender de alguma maneira das coisas que você expôs ao público?

Airton Monte - Nunca me arrependi. Não dá para me arrepender porque tudo foi consciente. Eu não sou aquele sujeito que escreve com raiva. O texto que me deu mais polêmica foi o Tratado Geral da Maconha, que quase vou em cana porque o Moroni (Bing Torgan) me acusou de incentivo e apologia ao uso e ao tráfico de drogas. Mas se você vai ler, você vai ver que era um tratado geral da maconha mesmo, baseado em toda a literatura que eu tinha sobre drogas, toda a minha experiência pessoal e clínica. Isso foi publicado no tablóide de literatura do jornal O POVO. Nos anos 80. O Moroni era diretor ou era delegado da Polícia Federal. Eu tive que ir depor, dei um depoimento farmacológico e o pobre do escrivão quase fica louco lá (risos). Mas o Moroni deu azar porque uma semana depois eu peguei ele num debate na UFC sobre drogas. Acho que, só de sacanagem, me botaram lá. E o Moroni disse: “meu sonho é viver num país que não precisasse de polícia”. Eu disse: “comunista, o senhor é um comunista radical” (risos). Aí ele ficou maluco. E eu disse: “O senhor é um comunista radical. O senhor é mais comunista que o Karl Marx e o Engels juntos. O senhor é um revolucionário maior que o Che Guevara. O senhor quer a guerrilha”. E ele não entendeu e eu fui explicar. “O senhor quer viver numa sociedade sem crime. Isto é, só há crime porque há a propriedade privada. Então, para não haver mais crime tem que abolir a propriedade privada. O senhor está pregando a abolição da propriedade privada, isso é comunismo do brabo”. Rapaz, esse homem ficou louco, engasgou-se, foi se embora. Acho que ele não me prendeu de novo porque não podia. Então, essa coisa de você escrever com raiva eu aprendi. Quando eu tenho alguma raiva, eu espero uma semana a coisa amornar para me tornar racional porque depois desse tempo todo de jornal a gente começa a ter noção da responsabilidade que a gente tem diante do leitor.

OP - Há um texto seu que foi muito marcante que foi publicado na época em que sua mãe faleceu...

Airton Monte - Não foi só um texto, foram uns três textos. Eu acompanhei a agonia da minha mãe na UTI, me envolvi muito. Minha mãe estava na UTI pela vigésima vez, não era mais gente. E aquilo me dava uma dor imensa. Eu ia lá desligar os aparelhos na marra, não queria saber o que é que ia acontecer. Médico sabe fazer isso. Eu até já tenho meus planos traçados com dois ou três amigos que é para ter uma margem de segurança. Se um de nós cair nessa situação de vegetal, o outro vai lá e dá um jeito. O ser humano tem direito. Já que ele não pode escolher como nascer, ele tem o direito de escolher como morrer. Na hora em que souber que estou com uma pereba dessas grandes, e que não puder mais fazer o que faço e que vou ficar numa cama feito abestado e tal, ou na cadeira de roda naquela base de bota o velho no sol, tira o velho do sol pro velho não mofar... (risos). Ah, a boca do véi tem mosca entrando (risos). É de lascar, bicho. Então, escrevi na emoção. Eu tava no consultório, ela (dona Sônia) me telefonou dizendo “tua mãe morreu”. Atendi todos os pacientes com a mesma calma que podia aparentar e fui para o velório. Fiquei lá até meia noite, pedi para me deixarem em casa, escrevi a crônica numa máquina de escrever, avisei para a empregada que de manhã o motoqueiro vinha pegar. Nem dormi. Enchi a cara de uísque, fui para o funeral e fiquei lá até minha mãe se enterrar. Só não assisti à missa. E voltei para escrever, escrevi umas três vezes. Então, esses textos mais pessoais, escritos, como dizem os advogados de bandido, sob forte emoção, esses saem. Mas mesmo assim eu tenho que ter cuidado.

OP - Você falou que não anda mais em estádio, mas é um torcedor apaixonado do Fortaleza. Como é a tua relação com o futebol hoje?

Airton Monte - Eu sou essencialmente torcedor de três times. Fortaleza, Seleção Brasileira e o Botafogo, que é minha paixão realmente. Eu fui torcedor que nunca fui de brigar, eu sou de chorar, de assistir aos jogos da seleção de camisa amarela, de ter o time do Botafogo na minha parede, de ser fã do Garrincha mais do que do Pelé. Eu amo o futebol, então gosto do futebol bem jogado. Torcia Botafogo, mas vibrava com o time do Santos, com o time do Palmeiras. Eu vibrava com o Fortaleza que tinha Mozarzinho, Croinha. Como é que não ia vibrar? Ou com o Ceará que tinha Gildo, Lucena, Zé Eduardo. Então, o futebol para mim é expressão artística. O futebol continua sendo uma das paixões da minha vida. Não consigo viver sem futebol, eu gosto da bola bem jogada. Eu não quero ver malabarismo, o cara colocar a bola no ombro e sair fazendo que nem o Ronaldo. Eu quero ver é jogar que nem o Zidane, dar um passe de 40 metros, isso é o futebol que estou acostumado a ver.

OP - O Estoril foi um lugar importante para tua geração. Como é para você ter se afastado da Praia de Iracema? Como você entende o fato de Fortaleza ter perdido o Estoril, a Praia de Iracema?

Airton Monte - Praticamente o Estoril caiu na minha cabeça. A gente sabia que mais cedo ou mais tarde ia cair porque toda vida que chovia havia um problema. Eu estava em casa, com uma ressaca lascada, mas a rapaziada ligou dizendo que o Estoril tinha caído. Quando cheguei lá, eu vi o Estoril demolido e aquela mesa fúnebre ao lado, umas cinco ou seis pessoas. E aquilo foi terrível pra gente. Todo mundo ficou revoltado, triste. Ali, eu comecei a perceber que a Praia de Iracema começava a morrer, definitivamente. A Praia de Iracema perdeu a alma dela, deixou de ser um território lírico, poético e engraçado. Na nossa geração, não era de bom tom, diziam os colunistas sociais, ir a Praia de Iracema porque eram onde os maus moços das boas famílias se encontravam com as meninas boas das más famílias. O Estoril era um valhacouto de comunistas, maconheiros e desocupados. Ser poeta naquele tempo era meio complicado. Ninguém queria ser poeta, nem os médicos. Era meio complicado, ser músico, ser poeta, se dizer boêmio. Eu sofri muito na minha carreira, eu e outros colegas. A gente era malhado, “porra o cara é médico e vive no Estoril, bebendo cerveja”. De vez em quando a polícia federal batia lá atrás da maconha. Cansei de ficar em pé na parede, todos nós, sendo revistados, a polícia atrás da maconha, só que a maconha a negada já tinha escondido há muito tempo que ninguém era besta (risos). Outras vezes, eles fechavam a Ponte Metálica. A gente ia para ver o pôr do sol e de repente nos avisavam que tinham uns policiais lá embaixo para cheirar as mãos de quem descia pra ver se tinha maresia. Eu disse: “não tem problema, todo mundo mete a mão no fundo, remexe um pouquinho”. E a negada sentia o nosso fiofó (risos). Nunca mais ficaram lá.

OP - Você falou que já não sabe dizer o que é esquerda ou direita em nossos dias. Ainda há alguma utopia, algum horizonte político que você persegue, que você imagina que a gente possa alcançar?

Airton Monte - Eu fui católico fiel até os 15 anos, depois me tornei ateu, fui comunista, com todos os defeitos que a gente teve. Mas a gente fez uma coisa legal em nossa geração. Hoje, posso me definir como um anarquista utópico. Anarquismo no sentido filosófico da palavra. O homem bem educado ou suficientemente bem educado, conhecendo seus limites, não precisa de leis para dizer o que se pode ou não fazer. Sabendo muito bem onde termina minha liberdade e onde começa a do outro, não precisa de nenhuma lei do silêncio para me dizer que não posso levantar o som alto depois das onze para não incomodar meu vizinho. O importante, o caminho para o Brasil e para o mundo seria primeiro a educação. É formando inteligência que a gente vive. Democracia é você dar oportunidades iguais. Tanto faz ser um filho de carroceiro ou de um milionário. O importante é você dar oportunidades iguais, o mesmo nível de estudo, os mesmos professores. Eu sei que isso nunca vai acontecer. Mas o estudo público já foi bom no tempo do Liceu do Ceará. Educação é fundamental.

OP - A tua geração sempre lutou por muitas dessas bandeiras. Em que você acha que a tua geração errou para que nós chegássemos aos problemas que estamos vivendo hoje?

Airton Monte - Nós erramos pelo simples fato de querer fazer a revolução sem o povo. Nós não vimos que o segredo da revolução não estava no campo, nós não éramos uma ilha. Depois de tanto tempo pensando, eu vejo que nosso caminho tinha de ser diferente. Não era o interior, eram as favelas. E achávamos que o povo era burro. Ou infantilizamos o povo, sendo o pai dele, ou imbecilizamos ou glorificamos. Essa entidade mágica que eu não sei quem é, o povo. Porque eu também sou o povo. O povo também é sem vergonha. É vilão e vítima.

Fonte:
Jornal de Poesia. janeiro de 2007

Aprendendo sobre Poesia (Parte II)

Pintura de Martins de Barros
POESIA E PROSA

Em primeiro lugar, cumpre observar, que segundo René Wellek (Teoria da Literatura), "na sua maioria, a moderna teoria literária mostra-se inclinada a pôr de parte a distinção entre prosa e poesia", muito embora tal distinção venha sendo objeto de discussão que, provavelmente, perdurarão sempre. Observe-se ainda que não se trata aqui de estabelecer distinção entre prosa e verso, facilmente notada. De fato, prosa e verso "são formas tecnicamente diferentes da obra literária" (Wilson Martins). Não se confundiria, formalmente, um poema épico com um romance, embora sejam, tanto um quanto o outro, obras literárias e, mais que isso, participem ambos da mesma natureza, isto é, sejam obras essencialmente narrativas.

O mesmo não se observa quando se trata de fazer distinção entre prosa e poesia. A dificuldade começa com a terminologia, pois se temos as palavras verso (forma técnica) e poesia (essência) diferentes entre si e designando coisas diferentes, o mesmo não se dá com a prosa. Temos um único termo para designar tanto um certo tipo de forma técnica quanto certa essência. Observe-se ainda que "prosa" é o oposto de "verso", mas não é, necessariamente, oposto de poesia.

Para compreensão do assunto, estabeleçamos o seguinte, tomando por base o aspecto formal:

a- Prosa (na sua essência) é o que está escrito em prosa (forma técnica).

b- Poesia (na sua essência) é o que está escrito em verso (forma técnica).

Como se vê, tal disposição faria, na realidade, distinção apenas entre prosa e verso, além de identificar poesia e verso, quando a poesia pode aparecer em verso ou em prosa.

Por isso, na distinção entre prose e poesia deve-se tomar por base o "conteúdo que as palavras transmitem e a postura assumida por que pretende transmiti-lo" (Massaud Moisés).

Note-se, entretanto que, participando - tanto a prosa quanto a poesia - da mesma natureza, utilizando-se dos mesmos signos, sendo deformações da realidade, é claro que poesia e prosa se assemelharão em vários pontos. Entretanto, à poesia interessa apenas o mundo interior, o "eu" do poeta, "seu objetivo verdadeiro é o reino infinito do espírito". O poeta volta-se para dentro de si mesmo, para as camadas interiores de seu ser, de sua alma, buscando nelas seus sentimentos, suas emoções. Pode-se dizer, portanto, que

Poesia é a emoção (pessoal) através da palavra.

A paisagem exterior só interessa ao poeta como projeção de seu próprio "eu", ou quando aparece interiorizada, ou ainda quando desperta certos ecos na alma do poeta, fazendo com que ele saia de dentro de si mesmo, projete-se na Natureza e retorne à sua própria alma, como nos versos abaixo:

Já o Sol se encobria
a este tempo, mais
ficando a terra sombria,
e o gado nos currais
já então se recolhia;
ouvi cães longe ladrar,
]e os chocalhos do gado
com um som tão concertado,
que me fizeram lembrar
de quanto tinha passado.
(Bernardim Ribeiro)

Ou ainda nesses, de Fernando Pessoa:

Contemplo o lago mudo
Que a brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Quando aparece na poesia a paisagem a realidade exterior, "o mundo subjetivo e objetivo aderem-se, embrincam-se formando uma só entidade, subjetivo-objetiva, com a forçosa predominância do primeiro".

Além dessa distinção, podemos observar que se a linguagem da poesia conserva, até certo ponto, a ordem lógica necessária à inteligibilidade - mesmo que esta não seja essencial - essa ordem lógica é muito mais necessária na prosa, já que ao prosador interessa antes a realidade objetiva, a realidade que o cerca, do que seu mundo interior, caótico e vago. Daí a razão de o prosador lançar mão da lógica ao produzir sua obra literária, lógica que não existe, necessariamente, na obra poética. Embora tanto o prosador quanto o poeta usem a metáfora, ela é menos vaga, menos ambígua na prosa do que na poesia, pois "a linguagem da prosa retrata, descreve, fixa, narra os aspectos históricos, visíveis, que estão à mercê da observação de todos" (Massaud Moisés).

Feita a distinção entre prosa e poesia pelo tom interior de uma e outra, e pela linguagem que as caracteriza, resta dizer que a poesia manifesta-se, geralmente, através do verso, ou seja, num ritmo mais acentuado que o da fala habitual, caracterizando-se na representação gráfica por linhas cortadas com certa regularidade, como no exemplo abaixo:

"Oh, quem me dera não sonhar mais nunca.
Nada ter de tristeza nem saudades
Ser apenas Moraes sem ser Vinícius!
Ah, pudesse eu jamais, me levantando
Espiar a janela sem paisagem.
O céu sem tempo e o tempo sem memória!
Que hei de fazer de mim que sofro tudo
Anjo e demônio, angústias e alegrias
Que peco contra mim e contra Deus!
Às vezes me parece que me olhando
Ele dirá, do seu celeste abrigo:
Fui cruel por demais com esse menino..."
(Vinícius de Moraes, "Elegia, quase uma ode", Op. cit., pág. 72)

Pode aparecer, ainda, de modo contínuo, num ritmo mais natural, mais identificado com o da fala habitual; graficamente se representará preenchendo linhas inteiras da página, como no seguinte exemplo:

SOM

"Trago todas as vibrações da rua, por um dia de sol, quando uma elétrica corrente de movimento circula no ar...
Mas, de todas a vibrações recolhidas, só me ficou, vivendo a música do som no ouvido deliciado, a canção da tua voz, que eu no ouvido guardo, para sempre conservo, como um diamante dentro de um relicário de ouro.
Cá está, cá a sinto harmonizar, alastrar em som o meu corpo todo, como flexuosa serpente ideal, a tua clara voz de filtro luminoso, magnética, dormente como um ópio...
Muitas vezes, por noite em que as estrelas marchetam o céu, tenho pulsado à sensação de notas errantes, de vagos sons que as aragens trazem.
As fundas melancolias que as estrelas e a noite fazem descer pelo mar ser, da amplidão silenciosa do firmamento, dão-me à alma abstratas suavidades, vaporosos fluidos, sinfonias solenes, misticismos, ondas imensas de inauditas sonoridades.
E, calado, na majestade sombria da Natureza, como num religioso recolhimento de cela, vou ouvindo, esparsos na vastidão, esmorzando nos longes, entre redondos tufos escuros de folhagem, onde se oculta alguma luxuosa existência de mulher, inebriantes sons de peregrinas vozes ou de invisíveis instrumentos.
E os sons chegam, vêm até mim, na estrelada tranqüilidade da noite, frescos e finos, como através de rios claros que nevassem ou de vagas embaladoras que o frio luar prateasse.
E eu penso, então, nessas simpáticas, corretas atitudes e expressão da música.
Vejo, na nitidez de cristal do pensamento, a harpa, sonora asa de ouro, com as cordas tensas, dedilhada por brancas mãos aristocráticas que arrancam dela frêmitos, soluçantes dolências, plangências incomparáveis."
(Cruz e Sousa, Missal, Obra Completa, Rio, Aguilar, 1961, pág. 424)

A prosa, por sua vez, aparece normalmente de modo contínuo, formando linhas inteiras, o que não impede que apareçam páginas de prosa em verso, como no seguinte exemplo:

"Em tanto que se ordena a brutal festa,
Nada sabiam na marinha gruta
Os habitantes da prisão funesta,
Que, ardilosa, lho esconde a gente bruta;
E enquanto a feral pompa já se apresta,
Toda a pena em favor se lhe comuta.
Nem parecem ter dado a menor ordem,
Senão que comam e, comendo, engordam.

Mimosas carnes mandam, doces frutos -
O araçá, o caju, coco e mangaba;
Do bom maracujá lhe enchem as grutas,
Sobre rimas e rimas de goiaba;
Vazilhas põem de vinho nunca enxutas
E a imunda catimpoeira, que da baba
Fazer costuma a bárbara patrulha,
Que só de ouvi-lo o estômago se embrulha."
(Frei José de Santa Rita Durão, Caramuru, Rio, Agir, 1957, pág. 28)

Às vezes a poesia faz interferência na prosa, isto é, encontramos passagens poéticas em obras que classificaríamos seguramente de prosa. Está neste caso o trecho do romance Mar Morto transcrito abaixo:

"Lívia olha o mar morto de águas de chumbo. Mar sem ondas, pesado, mar de óleo. Onde estão os navios, os marinheiros e os náufragos? Mar morto de soluços, quedê as mulheres que não vêm chorar os maridos perdidos? Onde estão as crianças que morreram na noite do temporal? Onde está a vela do saveiro que o mar engoliu?E o corpo de Guma que boiava com longos cabelos morenos na água que era azul? Na água plúmbea e pesada do mar morto de óleo corre como uma assombração a luz de uma vela à procura de um afogado. É o mar que morreu, é o mar que está morto, que virou óleo, ficou parado, sem uma onda. Mar morto que não reflete as estrelas nas sua águas pesadas.
Se a Lua vier, se a Lua vier com sua luz amarela, correrá por cima do mar morto e procurará como aquela vela o corpo de Guma, o de longos cabelos morenos, o que marchou pela estrada do mar para o caminho das Terras do Sem Fim, das costas da Arocá."

O trecho que sucede a esta marca um retorno à prosa, à narrativa:

"Lívia olha de sua janela o mar morto sem Lua. Aponta a Madrugada. Os homens que rondavam a sua porta, o seu corpo sem dono, voltaram para as suas casas. Agora tudo é mistério. A música acabou. Aos poucos as coisas se animam, os cenários se movem, os homens se alegra. A madrugada rompe sobre o mar morto."
(Jorge Amado, Mar Morto, 16ª edição, pág. 262)

Nestas condições, tendo em vista a teoria e os textos apresentados, observamos que a distinção entre prosa e verso, no seu aspecto formal, não oferece nenhum problema. Os textos de Bernardim Ribeiro, Vinícius de Moraes e de Santa Rita Durão são escritos em verso, ou seja, em linha regulares cortadas, ao passo que os textos de Jorge Amado e de Cruz e Sousa o são em prosa, isto é, em linhas inteiras, que ocupam toda a página.

Quanto à distinção entre poesia e prosa, ou seja, prescrutando-se a essência dos textos, é de se notar que as composições de Bernardim Ribeiro, Vinícius de Moraes, Cruz e Sousa e a primeira parte do texto de Jorge Amado estão vazados numa linguagem que caracteriza a emoção pessoal, o modo de ver particular de cada autor, sendo, portanto, exemplos de pura poesia.

De outra sorte, o texto de Santa Rita Durão e a segunda parte do texto de Jorge Amado mostram uma ordem lógica, caracterizadora da realidade objetiva que cerca o autor, sendo, portanto, exemplos de prosa.

Resumindo:
1- Texto de Bernardim Ribeiro
a - quanto à forma: verso
b - quanto à essência: poesia

2- Texto de Vinícius de Moraes
a - quanto à forma: verso
b - quanto à essência: poesia

3- Texto de Cruz e Sousa
a - quanto à forma: prosa
b - quanto à essência: poesia

4- Texto de Santa Rita Durão
a - quanto à forma: verso
b - quanto à essência: prosa

5- Texto de Jorge Amado (primeira parte)
a - quanto à forma: prosa
b - quanto à essência: poesia

6- Texto de Jorge Amado (segunda parte)
a - quanto à forma: prosa
b - quanto à essência: prosa

Finalizando, diremos que o texto de Cruz e Sousa e a primeira parte do texto de Jorge Amado identificam-se como Prosa Poética, e o texto de Santa Rita Durão identifica-se como Poema em Prosa ou Prosa em Verso.
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continua...
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Fonte:
Colégio Terra Nova.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Aloisio Alves da Costa (1935 - 2010) "In Memoriam"

Aloisio Alves da Costa (20 Novembro 1935 – 24 Fevereiro 2010)



Aloísio Alves da Costa, o "Velho Marujo" como gostava de ser chamado faleceu na data de hoje, 24 de fevereiro de 2010.

Aloísio nasceu a 20 novembro de 1935 em Umari/CE, filho de Vicente Alves da Costa e Vicência Alves Aranha. Ex militar da Marinha brasileira. Residiu bom tempo em Nova Friburgo, onde iniciou suas atividades poéticas obteve o honroso título de "Magnífico Trovador". Publicou "Cantigas um sonhador" e "Cantigas de três”.
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Trovas que Deixam Saudades

Quem não aprende em menino,
tem que aprender na velhice,
que ter pai pobre é destino,
mas sogro pobre é burrice!...

Minha irmã conta as topadas,
que já deu pelos caminhos,
pelas pedras arrancadas...
- E eu conto, pelos sobrinhos!...

Sambando quase pelada,
no 'No bloco do vai sem medo",
Paulete foi mais cantada
que o refrão do samba enredo..

Quando a noiva viu a cama
que a esperava pra dormir,
mandou sustar o proclama
e desistiu do faquir!...

Na farmácia, ao ver o busto
da balconista, hesitante,
em vez de xarope, o Augusto
pediu mesmo foi calmante!...

O que faz eu ter ciúme
da Rosinha - diz o Freire:
- É que a Rosa tem perfume
mas não é flor que se cheire...

Sendo orador de alta escala,
é tão profundo e erudito,
que a gente, quando ele fala,
só entende o... "tenho dito".

Partiste, chorando tanto,
no teu rumo oposto ao meu,
que, solidário ao teu pranto,
o céu fechou-se... e choveu...

Na tua ausência, a meu lado,
em cima de nossa mesa,
o candelabro apagado
mantém a saudade acesa!...

Teimei no amor... e errei tanto
na teimosia de amar,
que eu mesmo não sei mais quanto
errei tentando acertar!...

Partiste, cigana errante,
e de uma noite em teu leito,
restou-me um sonho distante
e esta saudade em meu peito'...

Meu sonho em mágoa desfeito,
tão grande fez meu desgosto,
que não cabendo em meu peito
se fez pranto em meu rosto!...

Feito de essência divina
e fluídos de eternidade,
um grande amor não termina,
mas se transforma em saudade!

Dando na alma embevecida,
laços de amor e amizade,
fui, na jangada da vida
um pescador de saudade!...

Sempre que a vida me nega
segurança nos meus passos,
minha esperança me pega
e me carrega nos braços!

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!

Quando a vida se complica
nas horas de solidão,
amigo é aquele que fica
depois que os outros se vão.

Não busques falso tesouro
se bens duráveis garimpas...
Nem sempre as mãos que têm ouro
e pedras raras, são limpas...

Castigado desde cedo,
tanto apanhei do destino,
que nunca tendo um brinquedo,
nem lembro que fui menino.

Dói a saudade em meu peito
e eu canto, não silencio...
Quando mais pedras no leito,
mais alto o canto do rio!...

Nem ouro, nem pedra rara,
nada que vem do garimpo,
vale um fio de água clara
no leito de um rio limpo...

Quando a voz de um pai ressoa
e a de um filho abaixa o tom,
conselho é semente boa,
plantada em terreno bom!

Sou de onde o vento trabalha,
lá onde a brisa fagueira
embala de leve a palha,
beijando a carnaubeira! ...

Era uma vez uma dona
que andava a pé, sem ninguém;
e tanto pediu carona,
que ganhou carro também! ...

Teu olhar... a voz macia...
tuas promessas de amor...
- são notas de fantasia
na pauta da minha dor.

Dos jogos o mais nocivo,
até hoje, em meu caminho,
tem sido o rebolativo da mulher
do meu vizinho!

Dos ideais o maior
é viver, lutar, e, após,
deixar um mundo melhor
aos que vêm depois de nós.

Enquanto o Zé Liberato
sai em busca da gatinha,
pela janela entra um gato
que janta a sua sardinha!

Creio em Deus, unicamente
não ando rezando à-toa...
- tenho uma alma que sente
e um coração que perdoa!

Somente um bem acontece
quando a gente cai doente:
doente é que se conhece
quem é amigo da gente.

Vejo em ti, coroa rica,
dois males que não têm cura:
- capa de pura pelica,
- cara de pelanca pura!

De olhos baços, pelas ruas,
vi, distante de Belém,
que sem a chuva das duas,
saudade molha também!

Já diz o velho ditado,
que lenha verde e viúva,
com paciência e cuidado
pegam fogo até na chuva!...

Quando a lei se faz omissa
e a impunidade se solta,
do silêncio da justiça
surgem gritos de revolta...

Não condeno o revoltado
que defende seu direito...
-revolta de injustiçado,
merece todo respeito!

Quando instantes de carinho,
trazem saudades depois,
lembrança é viver sozinho
de um sonho vivido a dois.

Quando não vens, na ansiedade
desses momentos perversos,
vem a musa da saudade
pôr mais saudade em meus versos.

Agora que tu partiste
e a saudade está chegando,
desculpe o meu verso triste,
minha musa está chorando!...

Volátil, discreta e doce,
no instante certo, presente,
a musa é como se fosse
o anjo-da-guarda da gente...

As musas, não posso vê-las...
vivem num mundo distante...
mas posso além das estrelas
ouvi-las a todo instante

No momento doce e breve
que a inspiração nos invade,
dos versos que a gente escreve,
a musa escreve metade!...

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!

Preguiçoso, o "ZÉ PIJAMA",
Tanta preguiça agasalha,
Que a mulher só não reclama
Porque o vizinho trabalha.

Mensagem de amor profundo,
nos deu o Mestre Divino...
O maior homem do mundo
antes foi pobre menino!...

Esta saudade infinita
do amor que a gente viveu,
é a mensagem mais bonita
que o meu passado viveu!...

Vencendo o tempo e a distância,
mensagens da mocidade,
sempre nos trazem da infância,
saudade ... muita saudade...

Mensagem que se recebe
e nos enche de quimeras,
é aquela em que se percebe
que as palavras são sinceras

Ante o medo que angustia,
talvez a grande mensagem,
fosse a que Deus nos diria ...
- Coragem, filho, coragem ...

Dói a saudade em meu peito
e eu canto, não silencio...
Quanto mais pedras no leito
mais alto o canto do rio!

Na tua ausência, ao meu lado
em cima da nossa mesa,
o candelabro apagado
mantém a saudade acesa.

Dentro da noite inclemente
De frio intenso e garoa,
o agrado de um beijo quente
garante que a noite é boa!...

- Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas!

- Quando o amor se faz lembrança
e a solidão nos invade,
ou se vive de esperança
ou se morre de saudade...

- Quando Deus fez da Trindade
a divina aventurança,
entre a fé e a caridade,
pôs em destaque a esperança...

- Na carta que ela me fez,
nas reticências sem fim,
a incerteza de um "talvez"
dá-me esperanças de um "sim"...

Na linha desta saudade,
que é tua e também é minha,
nós somos nós de verdade
nas duas pontas da linha!

Passa o tempo, a idade avança...
e na velhice inclemente,
a velha, numa cobrança
mata o velho... inadimplente...

Toda noite na gandaia,
vai muito mal a Loló...
Pois perdeu além da saia
outras coisas no forró.
______________
Fonte:
UBT Juiz de Fora

Batista de Lima (Navegando num Mar de Poesias)


Pródigo

Sempre retorno para casa
não para a casa
para onde sempre retorno

Retorno para uma outra casa
que carrego aos ombros
para outra casa
que me carrega aos ombros

Sempre carrego essa casa do retorno
que cabe em qualquer casa
e não cabe em casa alguma

Não adiante a casa onde nasci
nem a casa onde todo dia nasço

A casa que carrego
não tem portas nem paredes
nem ocupa terreno algum

A casa que carrego
é apenas uma casa
uma profunda e vasta casa

A Casa de meu Avô

A casa de meu avô
tem histórias que o vento
esqueceu nas cumeeiras

Traços traçam
amarelo de tempo
nas pessoas dos retratos
No chapéu de meu avô
o peso do esperar
pendurou-se nas abas

O último cachorro
deixou seu jeito no canto da porta
seu grito no longe da serra
e no susto dos bichos

Nos varais as marcas dos panos
se envergonham de nudez
Nos baús o cheiro dos lençóis
espera a vida
que se esvaiu pelas frechas

A casa de meu avô
é uma dor sem jeito



O que faz mais dura a solidão
é tirar de mim o que me falta

O que faz doer a solidão
é sua sede
é ter que arrancar
destas entranhas
um oceano de podridade
de quem freqüentou a escola das facas
onde o que corta não é o gume
mas a falta da lâmina

O que fere não é a dor
é sua ausência assassina
pendurada nos cabides da alma

O que dói na solidão
é ter que amar
e amar é perder uma banda
é extrair um bonde de um homem
é extrair um bosque de uma mulher

O que mais fere na solidão
é sua inscrição cravada em brasa
no braço inútil do verso
uma família em torno da mesa
comendo pratos de silêncio

O que mais dói na solidão
é perder de mim
os outros que carrego
o segundo contra o primeiro
o terceiro que instiga
o quarto que dorme
o quinto que inicia
uma infinidade de outros

O que dói na solidão
é essa batalha que não acaba mais
entre guerreiros invisíveis
enquanto um boi passeia nas nuvens
e uma bicicleta muge
já que os verdes anos foram nulos
para quem nasceu maduro
para quem perdeu o ciso
na primeira dentição
e o cordão umbilical
nos bicos de um galo cego
Ia prás bandas da Cipaúba

Quanto dói
ver a velha mangueira se desfazendo
velha velha mangueira
por quanto tempo roerei
teus nós
por quanto tempo aguardarei
a manga que os passarinhos
bicam
no último dos galhos

O que dói na solidão
é o vira-lata sozinho
revirando o deserto
da cidade esquecida nas ruas
é ter um pai com muitas capas
todas com seus mistérios
se desfazendo em barro
por um caminho que m’espera

O que mais dói na solidão
é ter na mão uma chave
que nada abre
que nada abre
O que mais dói na solidão
é não se poderem conter
os fantasmas que teimam
em saltar das sombras
de cada canto
São essas cobras
passeando em nossa cabeça
serpentário infindável

Difícil conviver
com a inesgotável solidão
mais difícil mesmo
é compor o verso
sem a vaca no divã
triste luna
rodonoite
áspera/mente

Só mesmo a roda grande
s’escondendo em menor roda
Só mesmo a bicicleta
pendurada no trem noturno
Só mesmo a melancia
no rio em cheia
boiando
E os carneiros na mesa grande boiando
os teus olhos boiando na bandeja
os teus seios boiando no cuscus
os teus sais boiando nas iguarias
os teus ais boiando na rememória

O que mais dói
não é tua ausência
mas tua presença
estando longe
Lembra-te pois do açude
onde as águas ainda nos guardam
e os peixes nos carpem
em lágrimas de cumplicidade

Lembra-te da porta marcada
pelos mistérios de estar fechada
da casa retendo a mesa onde
saboreávamos os silêncios familiares
e escrevíamos a história da solidão
no livro branco do cotidiano

A solidão mora lá e é manca
e usa bengala preta
e óculos no nariz
e se veste de uma veste que nunca muda
e tem na mão fechada a chave da
nossa libertação

Solidão solidão
meu coração é uma cidade
entre muralhas
esperando tuas chaves

Solidão solidão
certa vez em Mombaça
pedia esmolas p'ra São Sebastião
e desenhei teu corpo num surrão de mangas
e em bandas de coité de brejo
Desenhei teu corpo
num portão de vidro
éramos dois
que não eram dois
Éramos dois e só um sol
a claridade e seu dorso
a clara idade e sua dor

Solidão solidão
estamos em pleno mar e não
há mar nenhum
Estamos em pleno sono
e não há qualquer sonho
só minha mão como um rosto
cortando em muitos
o luar de agosto

O que dói na solidão é ter
Ter é estar preso
pesar pesadamente fixo
Não ter
é poder voar
Leve
levo-me às alturas
lavo-me candura
com o vôo esculpido
no azul azul
o azul está no prato
servido e sorvido
seres vivos
estamos nele
e ele em nós
pasto de pasto
repasto
solitariamente circular
rodando em torno da roda
A solidão eixa e deseixa
em roda
quanto mais vemos
menos vivemos
coração coração

Tenho ossos e mais ossos
a rodear
Que tenho feito senão rodear
nunca quebrei o fêmur do que está posto
nem a tíbia das situações sem jeito
Rodear é fugir
Solidade
quando chegamos ao trem
não havia trilho
No açude não havia água
só a dor do pescador
dois meninos
engolindo uma duna
e uma duna engolindo um astro
uma foto de uma foto partida
onde o instante enterrou-se
A solidão é uma foto em que
se retorce
um inconformado instante

Solidão é desencontrar-se nos próprios passos
nos próprios ossos
perder o azul do firmamento
deixar de extrair gerânios
das pedras e de suas raízes
deixar de pentear os raios do sol
desarredondar a lua em luares
atravessados

Uma casa é uma caixa
de apenas portas
e abertas todas
uma casa é um avesso
um delírio espesso
vasto berro de barro
vagido e gozo
vôo espargido
de sonho e suspiro

Minha solidão é nódoa grudada
no ombro esquerdo do corpo
onde jaz a mala
das minhas desventuras

Minha mãe é a terra
e cumpro seu estatuto
em retomar ao seu ventre
meus filhos todos me seguirão
vastíssimos sonhos
de/verão

Tarde tarde
a solidão me salga as horas
a mulher que retém o homem
suas asas e águas
rio seco
areia de leito
íngua cortada
ferida tratada a urina
caborge
no meu pescoço levo teu pescoço
teus passos laçados
teu poder de vôo
teu grito guardado

Solidão é Laura de costas
Laura láurea loura
minha querida Laura
chorarei lágrimas douradas
quando tua nudez
se esculpir no relâmpago

Querida Laura
recupera aquele instante
em que nossos dedos se
tocaram
e nos perdemos

Recupera o instante anterior ao toque
quando a correnteza era mais forte em mim
o despencar mais vertical
retendo aqui esse abismo
que me engole

Recupera teu pai
e a cuia
que enchamos de esperanças
antes do leite

Recupera tua mãe
e a chuva fina
no telhado

Recupera as águas
que nos levaram
e lavaram
nossos sais
o céu azul
o curto mundo
onde só o coração era vasto

Recupera as curvas
dos caminhos

Recupera o fogo de
monturo em nós

Se não me queimo
não posso iluminar
se não te firo
não extraio de ti o coração
"rosa vermelha
do meu bem querer"

Na noite tarde
o que resta é meu corpo lá
e eu daqui
olhando sua/minha posição fetal
e essa angústia de perdê-lo de vista
Não sei quando perderei
essa dor
de perder a casca
a casa do ser não importa tanto
se tantas se erguem
Só o ser é uno
solitariamente nu
e eu molusco
a vida inteira tenho construído essa casca
que me expele e me retém
escravo da construção
construir é viver
terminar a casa é terminar-me
é expulsar-me da casca construída

Foi fácil colocar a flor
atrás da flor
e ficar de uma só flor
reinventando pomares

Foi fácil reverter a manhã
colocando alvoreceres
de sol a pino
Foi fácil engatinhar
pelas galáxias
semeando brancas nuvens

Houve no entanto
um difícil momento
mudar o destino da tarde

Solidão solidade
quando procurarei no bolso
o poema
encontrei aberta uma artéria
e teu rosto de fada
tua avó morrente
uma floresta escura

Quando procurei no bolso
o poema
encontrei um mistério esculpido
algumas lavadeiras
oito bicicletas
e uma tia puxando um terço
solitária

Quando procurei no bolso
o poema
te vi mais uma vez
prima/vera/ndo
Vi também uma dor sangrando
solitária

Nos nossos bolsos pulsam
os meninos que enxotam o demônio
escondido num cupim
e uma mulher de tarrafa
tentando pescar o mar
nas entranhas de um peixe

Nos nossos bolsos
pulsa o destino do poetar o
revirar cada coisa para
desvendar seus mistérios
enquanto meus mistérios
para trás vão ficando
cada vez mais distantes
cada vez mais distantes
-------------

Fonte:
Soares Feitosa. Jornal de Poesia.