quarta-feira, 17 de março de 2010

Helena Límia (No Limiar da Poesia)



O que deseja o poeta?

Viver de poesia ou viver a poesia?

A página da poesia está tão imensa que dá voltas e voltas no mundo e o que resta ao poeta de hoje?.

Qual a motivação do poeta além da expressão do seu ser com plenitude? o papel do poeta na sociedade sempre foi ambíguo assim como o papel da arte em si; porém "ser poeta" sempre foi um caso a ser discutido. A palavra é uma forma absoluta de expressão, um meio que justifica um fim fora da sua atuação poética por isso um ato além do ato de escrever versos.

Nesse sentido, cabe ao poeta dialogar com o mundo ou apenas consigo mesmo o que também é justo em todos os aspectos, mas é isso queremos realmente? Fechar-nos numa porta "de" dentro da poética? Trancafiar-nos num "conhecimento" específico que na prática sem prática é tão banal quanto qualquer outro por quê?

O poeta é um ser específico por natureza, alguém de alcance incalculável - todos os artistas o são alguém diria - mas eles abusam de algo que é de propriedade de ninguém mas onde a vida entregou ao poeta a bandeira. Mas do que uma razão íntima em sua essência o poeta tem a razão de trazer a poesia à luz mesmo que essa seja escura. O poeta é a poesia?

O poeta é o ato

A poesia é a razão desse ato.

Nessa declaração traiçoeiramente poética não basta afirmar que a poesia está em tudo e em todos
se nossa poesia não está em tudo nem para todos. Não basta escrever? diriam... Basta apenas sonhar?

A poesia só encontra a razão de ser depois que mostrada, lida, gostada ou odiada, ela não é um ato isolado num subsolo imaginário do poeta ela é nossa carta dizendo...

SOMOS TODOS POETAS!

Fonte:
Poetas de Marituba.

Pedro Du Bois (Ao Poeta)


AO POETA

Talvez ao poeta baste o ritmo das palavras
em desafios murmurantes e os gritos explosivos;
o desafio do andor carregado e a luz introduzida
sob o manto; ser o ocorrido e a versão descontrolada
do início: indícios não bastam ao poeta
que continua e termina e recomeça.

Talvez ao poeta baste a incompreensão
dos ares satisfeitos dos bonecos alçados
à condição de estetas; profetas
em voz alta ensaiam temas preferidos
aos tontos espíritos desnecessários.

Talvez baste ao poeta a sensação de antes
de a matéria ser solidificada e flutue em asas
descobertas aos ventos de solidário espaço.

Talvez ao poeta baste o atentar sereno
das noites antagônicas e os dizeres gravados
nos panfletos que são entregues anônimos.

Talvez baste ao poeta o fruir da fruta ao gosto
menos azedo das notícias participando mortes
antes do tempo (todo o tempo é antes) previsto
na antecipação frígida das esperas.

Talvez ao poeta baste levantar a mão e pedir
ao garçom a bebida de sempre, a comida
deixada sobre o prato, o distrato entre amigos
após a ceia: cada um em seus afazeres.

Talvez ao poeta baste saber-se nu diante da hora
acertada para a volta; ser da revolta o ânimo
e da crueldade explicitada em nomes o anônimo
revoar das aves; sobre as aves ao poeta cabe
recriminar a mão que oferece o pouco.

Talvez baste ao poeta ser poeta. Adivinhar no texto
a descoloração do átimo, o pátio de desertadas árvores
infrutíferas; o desfolhar do outono, o renascer
primaveril das flores em pétalas abertas.

Talvez ao poeta baste discorrer em mãos agitadas
ao vazio sobre a perdição, a contrição, a educação
adulterada em números e cientificamente expor
ao todo o menos; ao menos cabe o protesto.

Talvez ao poeta baste a consecução do plano
invertido em sonhos de descidas aos infernos
particularizados no extrato do infortúnio;
ser seu próprio oposto de reescritas notas
no esforço desconcentrado ao nada.

Talvez baste ao poeta o anúncio do amor distanciado
em dias, meses, anos e décadas: o reencontro
no aperto sentido – o grafite quebrando a ponta –
como lâmpada queimada: a tortura acompanhada
à porta pelo degredo do segredo sendo revelado.

Talvez ao poeta baste o reconhecimento da presença
e a indiferença rente ao caminho não percorrido;
o banco da praça ocupado pelo corpo despreparado
em ocorrências e a decorrente história mal contada.

Talvez ao poeta baste olhar o perto e retirar o longe
desconhecido em físicos acidentes: a geografia
estanque do planeta; o lento deslocar das placas.

Talvez baste ao poeta a necessidade da urgência
intercalada ao langor do isolamento. Saber ficar
estático e revolver as cinzas em busca do acidente.

Talvez ao poeta baste alisar o pelo do animal
sobre o colo deslocado, descobrir ensinamentos
simiescos ensimesmados aos ensinamentos.

Talvez ao poeta baste possuir a chave enferrujada
da porta secundária por onde entram minotauros
instalados nas peças lendárias dos amantes.

Talvez ao poeta baste realizar o sonho da criança
perdida em crescimento: recuar ao tempo anímico
das paredes sendo preenchidas em riscos
produzindo imagens do dia acondicionado.

Talvez baste ao poeta se desvencilhar da hora
categórica dos negócios, perder o prumo, o rumo,
desviar das pedras rolantes dos embustes; salvar
a pele do desconsolo e o tédio dos amantes.

Talvez ao poeta baste se dizer distante o tanto
permitido, perto o quanto possuir de forças
para se entranhar nas notícias repetidas.

Talvez ao poeta não baste o descobrimento
de novas terras, exija reconhecer a profundeza
espacial dos mares e o executar da sinfonia
dos cometas: em suas caudas, sabe o poeta,
trafegam poeiras estelares.
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Fonte:
Colaboração do Autor

Elizabeth Fonseca (Ser Poeta)


Quem quiser no pensamento
De um poeta viajar,
Conhecerá a serenidade da lua.
Conhecerá do mundo os verdores,
Terá sai alma hipnotizada de amores.

Ser poeta é ter um realejo na alma,
Marcando presença por onde passar.
É cantar o amor em poemas e versos.
É verter sentimentos latentes a um altar,
Onde Deus é amor, a paz do universo.

O amor que o poeta suplica e chora
É um lindo e rubro botão de rosa,
Que em lágrimas se abre purpúreo,
Embelezando a tristeza, a dor que aflora,
Carregando, no peito, a paixão vida afora.

Ser poeta é ver num embrião
O doce sabor que a vida tece.
É reverdecer o coração de esperança,
Quando as flores emurchecidas fenecem.
É acreditar na utopia, tendo o coração em prece.

Ser poeta é justificar a dor.
É ser dono da Terra e do Céu.
É bordar as letras em louvor,
Sentindo na alma um alento.
Ser poeta é somente ser dono do Amor!
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Fonte:

União Brasileira dos Escritores - Mato Grosso do Sul

terça-feira, 16 de março de 2010

III Concurso Literário Internacional Letras Premiadas



Autora homenageada:
Professora e Escritora Ilda Maria Costa Brasil

Prêmio de incentivo à leitura e produção textual
Poesia: 1º lugar – R$1.000,00
Crônica: 1º lugar - R$ 1.000,00
Conto: 1º lugar - R$ 1.000,00

Contribuição para cada texto:
( ) Máster: poesias, Contos e Crônicas - R$ 10,00
( ) Estudantes até 21 anos: Somente Poesia - R$ 5,00

Tema Livre – Textos inéditos

Participam deste Concurso textos em português, espanhol e italiano
enviados por autores residentes em diversos países.

1. Endereço: Envie uma cópia do texto(s), uma fotografia e teu currículo para:
gaya.rasia@hotmail.com ou alpasxxi@hotmail.com
Ou: ALPASXXI - Rua Benjamin Constant, 71 – Centro
Cruz Alta – RS – 98025-110

2. Prazo até : Até 30.04.09

3. Contribuição: Cheque nominal a Rozelia Scheifler Rasia ou depósito CC 35 0242960-0 Ag. 0190 – Banrisul ou Banco Itaú - Ag 0335 - Cc 30022- 4.

3.1 Os bancos estaduais fazem remessa para o Banrisul.

3.2 Remessa do exterior: MoneyGran ou Western Union.

4. Diplomas: Diploma de Destaque Literário para os dez primeiros textos classificados.

5. Resultados Os resultados serão divulgados no BLOG da ALPAS XXI em maio de 2009 e em vários jornais de grande circulação.

6. Premiação: 1º lugar em cada categoria: R$1.000,00

7. Evento de Premiação dos classificados com Certificado de Destaque Literário

8 Os textos classificados poderão participar da Coletânea Cooperativada ‘Olhos andarilhos’
Data: 23 de outubro de 2009 em Cruz Alta – RS.

9 Características: Tema Livre - Textos inéditos.

10 Limite de textos: 4 textos por categoria.

Obs: Estão isentos de contribuição os autores e alunos que não puderem pagar.

Instruções:
I – Sugerimos aos autores que registrem seus textos na Biblioteca Nacional.

II - Formatação do texto em A4; fonte 12, arial ou times.

III - Solicitamos criteriosa correção gramatical: ortografia, concordância e sintaxe.

IV - Os textos participantes do BLOG são expressamente excluídos dos Concursos.

V – Estudantes – Somente poesia: Indique a série, o grau, a escola ou universidade (nome e endereço).

Vamos imprimir uma cópia de cada texto concorrente para o Memorial da Cultura ALPAS XXI com os dados do autor e três cópias para os jurados sem identificação.

O Currículo e a fotografia irão para o Memorial da Cultura ALPAS XXI e Galeria de autores, posteriormente serão usados para a divulgação dos vencedores. O envio da fotografia não é obrigatório.

Fonte:
Movimento de Poetas e Trovadores

segunda-feira, 15 de março de 2010

Rodrigo Leste (Quero Estar em Suas Mãos)


Já faz uns cinco ou seis anos que não saio desta estante; às vezes perco a conta. Ou seriam seis ou sete anos?... Você que começa a ler esta minha pequena história talvez nunca tenha parado para pensar na dura realidade dos livros sem leitor. Não quero aborrecê-lo com queixas inócuas, mas é da natureza dos seres da minha espécie, os livros, a vontade, o incontido desejo de servir a vocês, os humanos. Esta é a nossa razão de ser, de existir. Ser esquecido em uma estante por anos a fio é a maior frustração que pode ocorrer na vida de um livro. E olhe que não devia estar me lamentando tanto: meu vizinho, “O Corcunda de Notre Dame”, comentou outro dia que já deve ter bem uns quinze anos que ninguém o retira da estante. Melhor sorte tem outro vizinho, o Senhor Brás Cubas: suas Memórias Póstumas foram solicitadas nas listas de leituras obrigatórias de alguns vestibulares e ele não para mais no lugar, sempre é retirado por jovens leitores.

— As traças me apavoram! É terrível, à noite, quando as luzes são apagadas e ouvimos, aterrorizados, o monótono e contínuo ruído do movimento de suas mandíbulas mastigando indefesas páginas. A monotonia de viver confinado às estantes produz melancolia, enfado. Não poucas vezes, quando consigo mergulhar em um sono mais profundo, sonho que fui tomado por empréstimo por algum leitor e saio outra vez para o mundo exterior, vendo-me livre dos muros desta masmorra em que se converte a biblioteca para os que são abandonados nas estantes. Que alegria ver de novo a luz do sol! Que prazer compartilhar a vida, o intenso e caloroso pulsar do mundo nas mãos de um leitor ou de uma leitora. Que delícia percorrer ruas, praças, parques, entrar na casa dele, ir aos lugares aonde vai e ser manuseado por ele ou por ela. Nada é melhor para um livro do que a sensação de ter na pele de suas páginas os olhos atentos de uma leitora. Nestes mágicos momentos, desfruto da grata satisfação de sentir que me torno um manancial de sonhos e desejos, indagações e dúvidas, divagações e certezas. Delicio-me quando cismo com ele à beira do abismo da existência e depois voamos juntos com as asas da imaginação das histórias que carrego no meu corpo.

Mas pior ainda do que as traças (posso afirmar que este medo aflige também aos meus semelhantes) é ser degradado à condição de um reles xerox ou ser aviltado pelos nefastos resumos que pululam na internet e se arvoram a traduzir em umas poucas e mal construídas linhas toda a complexidade de uma obra que algum escritor levou, às vezes, anos para elaborar. Estes dois sujeitos, xerox e resumo, são inimigos mortais nossos, os livros. É a danação da nossa espécie, é a traição maior que pode ser cometida contra os livros verdadeiros que devem ser lidos de forma integral em suas versões originais. Não quero me meter a herói, mas em nome de todos os livros, declaro guerra aos clones! E creio poder falar também em nome de todos os escritores, poetas, ilustradores e por que não, dos leitores conscientes que sabem que é preciso preservar os livros originais! Para encerrar, gostaria de pensar que em um futuro próximo não venha ser só um sonho voltar a ter leitores em profusão. Quero acreditar que voltaremos a fazer parte da vida de pessoas de todos os tipos e idades que vão encontrar neste “admirável mundo novo” dos dias de hoje, com toda a sua complicada modernagem, a paz, o sossego, na simples companhia de um bom livro.

— Humanos: somos seus cúmplices eternos, sempre solidários; nossa missão é estar prontos e dispostos para ser abertos e nos oferecer inteiramente aos que nos queiram. Nossa entrega é completa, sem restrições. Querida amiga, querido amigo, quero estar em suas mãos!
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RODRIGO LESTE foi co-editor de jornais alternativos que na década de 70 fizeram história em Minas como “Gol-a-Gol”, “Vapor” e “Circus” e é poeta, ator e produtor cultural, atuando no teatro desde 1974.

Fonte:
Suplemento Literário de Minas Gerais. Novembro de 2009. n. 1326.

Baptista Nunes (100 Trovas)


1
As dores e os desencantos
têm dois destinos diversos:
- ou se dissolvem nos prantos,
- ou se desfazem nos versos.
2
Minha mágoa, quando é grande,
faz da trova confidente.
- Uma angústia que se expande
não sufoca a alma da gente.
3
As saudades nunca morrem,
tê-las sempre, é nosso fado;
- são farrapos de nossa alma
que ficaram no passado.
4
Das horas sempre ditosas,
muitas o tédio nos furta ...
A glória maior das rosas
é terem vida tão curta.
5
Olha o céu, contempla o mar,
mira a campina florida,
fita a estrela, goza o luar...
Por que só vês tua vida?
6
Não sei que mágoa mais funda
destas tristezas decorre:
- se da saudade que vive,
- se da esperança que morre.
7
Ao sonhar contigo, eu sinto
amor mais puro e profundo!
No sonho, as almas se encontram
fora da carne e do mundo...
8
Reparaste quanto é fácil
desculparmos os defeitos,
se a criatura, além de grácil,
tem seus dezoito já feitos?
9
Olhando a vida vivida,
esta pergunta passou:
- fui eu que fiz minha vida,
ou fez-me a vida o que sou?
10
Quão larga seria a messe
de surpresas, de tormentos,
se o simples olhar pudesse
devassar os pensamentos ...
11
O luar é tão triste e doce,
tem tal encanto e magia,
que acredito que assim fosse
o olhar da Virgem Maria.
12
No inicio da vida, o mundo
parece um reino encantado!
Não há erro mais profundo,
nem logro mais bem pregado.
13
É milagre dos mais puros,
como só os faz Jesus,
- pôr em teus olhos escuros
tanta treva e tanta luz!
14
A nossa alma se reparte
pelos filhos que nos vêm;
temos sempre nossa parte
nos destinos que eles têm.
15
E preciso pôr um cobro
ao lamento que enfraquece;
quem se queixa sofre o dobro
do tormento que padece.
16
O amor um milionário,
gaste os beijos que gastar,
tantos mais, o perdulário,
terá sempre para dar!
17
Nossa casa é qual um ninho
escondido num pomar;
dentro dela há um bercinho.
Que mais posso desejar?
18
Mais do que o próprio desdém,
nada nos deixa tão sós,
como saber que ninguém
sente saudades de nós...
19
Volta o sol... a chuva é mansa
sol e chuva, faz lembrar
o sorriso da criança
quando acaba de chorar.
20
Mãe não precisa de rima.
Nome de tal esplendor,
diz tudo, para que exprima,
sozinho, um poema de amor!
21
Música! Enlevo sublime,
sua magia dimana
do que existe de divino
no mistério da alma humana!
22
Coração, bate baixinho,
pois, a ouvir-te, ó desventura,
conto os passos do caminho
que conduz à sepultura ...
23
Há no mundo muita gente
que só maldades proclama;
é que os sapos, certamente,
só são felizes na lama.
24
Tesouro que, dividido,
vai crescendo, vai subindo,
- é amor de Mãe, repartido
pelos filhos que vêm vindo!
25
Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal:
ao beijá-lo, fui punido
por "avançar o sinal"...
26
Solidão que não tem par,
ausência cruel, atroz,
é viverem dois num lar
como se estivessem sós.
27
Não queiras muito da vida;
vê bem que a felicidade
muita vez é percebida
só depois de ser saudade...
28
Canta, canta as tuas mágoas,
que a trova nos traz conforto,
quando morre um sonho, a trova,
guarda a alma do sonho morto.
29
Senhor! Que sorte mesquinha
e digna de compaixão:
- termos o espírito livre
e os pés chumbados ao chão!
30
Mãe ... Olhando o teu retrato,
meus olhos fitos nos teus,
penso que estás a meu lado
por uma Graça de Deus!
31
Meus anseios ... tristes frades,
numa angústia indefinida,
vivem presos entre as grades
das clausuras desta vida ...
32
Velhos, distantes, embora,
não nos sentimos tão sós,
quando os amigos de outrora
inda se lembram de nós.
33
Mistérios de enternecer
a lei da vida contém:
- quanta vez nosso prazer
não custou a dor de alguém?
34
Se uma fada perguntasse
qual a ventura que almejo,
eu diria: - a que consiste
em não ter nenhum desejo.
35
Construímos nosso ninho,
mas é justo assinalar:
- fiz, apenas, uma casa
e dela fizeste um lar.
36
Teu sorriso é uma alvorada
que acende na tua face
o rubor que a madrugada
põe no céu, quando o Sol nasce!
37
Magoada flor da quaresma,
tens das saudades a cor;
- meu passado é todo um bosque
de quaresmeiras em flor.
38
Velhice não é tristeza
quando somos venerados;
o que dói é a certeza
de só sermos tolerados.
39
Águas de um rio não lavam
nem um pecado, somente;
lágrimas puras, sentidas,
lavam toda a alma da gente.
40
Há belas trovas ... mas creio,
nenhuma pode igualar
às lindas trovas que leio
no fundo do teu olhar!
41
Quando a ilusão me conduz
ao desengano tristonho,
faço da trova uma cruz
na sepultura do sonho.
42
Águas do lago, tão calmas ...
Olhando-as, fico a cismar:
- por quê, Senhor, há nas almas
essa inquietude do mar?
43
A árvore eterna da Fé,
no mundo a plantou Jesus;
foi regada com seu sangue,
teve a forma de uma cruz.
44
Quando a injustiça te doer,
ou quando alguém te magoar,
esquece, pois esquecer
é bem mais do que perdoar.
45
Da esperança malograda,
da ventura que findou,
guarda a trova, desolada,
a lembrança que ficou.
46
Quanto és bela, que grandeza,
cidade vista do alto!
Quanta dor, quanta baixeza,
ao nível do teu asfalto...
47
Gratidão, no ser humano,
em geral é raridade,
pois, sendo o orgulho um tirano,
não tolera essa humildade.
48
-Quem casa não se governa,
tenho, até, vergonha às vezes,
pois quem manda em minha casa
é um pirralho de três meses!
49
Essa figura risonha
que pouco tem de nascida,
é uma vida que inda sonha,
e sonho que se fez vida!
50
Quando parte um velho amigo
rumo às paragens sem fim,
sinto que um pouco da vida
morreu, também, dentro em mim.
51
Pode ser pura ilusão,
mas nunca a gente se cansa
de plantar no coração
a semente da esperança.
52
O mundo é um só, quem duvida?
Mas para as almas, no fundo,
há tantos mundos na vida,
quantas vidas há no mundo.
53
O orvalho frio das noites
vem do pranto de saudade
das tristes mães que deixaram
seus filhinhos na orfandade.
54
Teu amor é tão sincero,
que adivinhas o que almejo,
pois nunca te disse "eu quero
para ter o que desejo.
55
Desde que a sorte, Querida,
este lar nos concedeu,
vivo mais a tua vida
que a vida que Deus me deu.
56
Creio em alma feminina
- quem assim pensa, não peca -
quando vejo uma menina
a ninar uma boneca.
57
Homens egoístas, ouvi
este conceito fecundo:
- quem vive só para si,
vive sozinho no mundo.
58
Quando a aurora se incendeia,
toda a passarada, em festa,
ergue um hino à Natureza
na catedral da floresta!
59
Os detentos nos comovem ...
Há suplício parecido:
- ter-se uma alma sempre jovem
presa a um corpo envelhecido.
60
Deus, que uniu as nossas almas,
mais bondoso foi depois,
quando, para unir-nos mais,
pôs um filho entre nós dois.
61
Só as mães, ao filho enfermo,
embalam numa canção,
tendo o sorriso nos lábios
e um punhal no coração.
62
Para evitar, precavida,
qualquer infidelidade,
quando ela vai de partida,
deixa comigo a saudade.
63
A luz que o Sol irradia
é feita de sete cores.
- A alma de luz de Maria
formou-se de Sete Dores!
64
Nem sempre meu mal existe.
Querida, não te desoles,
às vezes finjo de triste
só para que me consoles.
65
Se em teu rosto resplandece
a aurora do teu sorriso,
é como se eu estivesse
pertinho do Paraíso!
66
Vida ... Perene esperança
de que, não se sabe bem...
Feliz de quem não se cansa
de esperar o que não vem.
67
Se mais na vida se avança,
maior angústia é sentida,
por ser tão longa a esperança
e ser tão curta esta vida.
68
Veio na noiva ditosa,
aos pés do altar, a sorrir,
uma esperança radiosa
interrogando o porvir. .
69
Não só o aroma, também
o gosto lembra o que é bom:
- estou saudoso, meu bem,
do "gosto do teu batom"
70
Saudade e rio corrente
ligam dois pontos distantes:
- o rio leva à nascente,
a saudade, ao que era dantes. .
71
Agora, não sei por quê,
meu relógio faz maldades.
Numa hora sem você,
marca sessenta saudades!
72
Desta feliz ignorância
decorre grande ventura:
- não sabermos que distância
vai do berço à sepultura.
73
Bem pouca gente procura
aceitar esta verdade:
- antes ser bom sem ventura,
que ser feliz sem bondade.
74
Feliz daquele que alcança
o lenitivo que quer,
- num sorriso de criança
- num carinho de mulher,
75
O beijo é moeda de amor
que tem um câmbio engraçado:
- dado só, baixa o valor,
vale mais, se for trocado!
76
Tem qualquer coisa de heróico
quem, pela vida a lutar,
sabe, com ânimo estóico,
sofrer, sorrir... e calar.
77
Que se diga afortunado
aquele que não tiver,
como nuvem, no passado,
uma sombra de mulher.
78
Guardo esta amarga impressão:
depois de tanto viver,
só hoje sinto a extensão
do que deixei de fazer...
79
Mãe feliz! É tão novinho,
e teu seio já reclama!
Dois corações tens agora:
um que pulsa, outro que mama
80
Nós vogamos, coração,
numa perene ansiedade,
entre a esperança e a ilusão,
entre a ventura e a saudade
81
Tuas cartas... que saudade!
Quando as tenho em minha mão,
olho as linhas... e em verdade,
quem as lê é o coração.
82
Como dói a gente ver,
sem conseguir consolar,
uma criança a sofrer,
uma velhinha a chorar...
83
Foi um dia, o Beneficio,
se casou co'a Precisão;
por diabólico artifício,
quem nasceu? A Ingratidão!
84
Já vivemos outras vidas,
e, se digo isto é porque
às vezes tenho sentidas
saudades ... não sei de que !
85
Há saudades que nos falam
de maneiras desiguais:
umas dizem: "pode ser" ...
muitas outras: "nunca mais"
86
Quando me fitas, morena,
com teus olhares maganos,
tenho pena, imensa pena,
de não ter vinte e dois anos.
87
Eu te explico o acontecido:
- se roubei teu beijo, amada,
foi por ter-me parecido
que querias ser roubada...
88
Dar aquilo que nos sobra,
não tem grande validade;
repartir o que mal chega,
isto, sim, é caridade.
89
Na tua face entrevejo
transformação milagrosa:
- da semente do meu beijo,
nasce o rubor de uma rosa!
90
Creio que o poeta é tristonho
porque sua alma se encerra,
perenemente, num sonho
que não se vive na terra.
91
A trova parece espelho
miraculoso, porque
reflete as coisas do mundo,
e mais o que não se vê.
92
Costureirinha adorável,
sem que tua alma degrades,
tens virtude mais louvável
que a da freira, atrás das grades.
93
Guardo um remorso comigo,
que mortifica minha alma:
- quando estive a sós contigo,
fui duma calma ... uma calma
94
Muita gente é infeliz
mas será por culpa alheia?
Cada qual, como se diz,
colhe aquilo que semeia.
95
Dizes que gostas de mim,
se gostas, nunca senti;
teu gosto é outro, isto sim,
gostas que eu goste de ti.
96
Dá adeus quem parte e se vai ...
- que expressiva afinidade! -
com estas letras se escreve
o que nos fica: saudade!
97
A trova é canto dorido?
A trova é prece de amor;
reflete o mundo sentido
pela alma do trovador.
98
Faz-me temer a partida
esta ironia da sorte:
- teus olhos, que me dão vida,
chorarem por minha morte.
99
O prazer que a gente goza
guarda, em si, melancolia,
pois a hora que é ditosa,
há de ser saudade um dia.
100
Vida ... mistério celeste
que acorrenta uma alma escrava...
Nada pedi, mas me deste
muito mais do que esperava!
G G G G G G G G

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge e Luiz Otávio. 100 trovas de Baptista Nunes. Coleção Trovadores Brasileiros vol. 3. RJ: Editora Vecchi – 1959.

Andrade Jorge (Poesias Escolhidas)


DESENCANTO

“Entre pedras e solo árido
a flor luta pra sobreviver...”

Enquanto cantas
e pelas ruas encantas,
sigo a correnteza
desse rio promessa de (in) certeza.

Enquanto refugias em si,
silenciosamente abri
a alma expondo-a nua
aos olhos da lua.

Enquanto procuras as verdades
em bocas loucas que soam maldades,
não busco texto,
nem palavra sem contexto.

Enquanto escutas vãs cantigas
de tristes atrizes antigas,
o dia findou o tempo passou
a noite se fez e nosso encanto cessou.

MORTE DA REALIDADE

Quatro velas velam a nua realidade
no fundo espaço frio,
cova do fruto da desilusão,
aonde jaz
no eterno vazio.
A vida traz
noite sem luz,
noite sem lua,
a carpideira contrita chora,
a mão crispada ordenadamente
encena o sinal da cruz,
depois levanta, olha e vai embora,
afinal a vida continua!

E a morte?
Ah! Quem quer saber
da morte?

ENCONTRO

Conheço-Te Há Pouco Tempo
mas parece uma eternidade,
são sonhos deslizando
pelas paredes do coração,
ora acendendo, ora apagando,
a emoção no contraponto da razão;
Conheço-te há pouco tempo
porém parece eternidade,
a efemêra felicidade
ronda, baila com leveza
apresenta-se decidida
para em seguida
mostrar o caminho da incerteza;
Conheço-te há pouco tempo,
todavia parece eternidade,
pela intensidade, densidade,
contido nesse projeto de amor,
arquitetado sem muito desvelo,
motivo de duros dizeres,
seccionando friamente
muitas horas de prazeres,
assim crescemos sabiamente;
Conheço-te há pouco tempo
entretanto parece uma eternidade,
que nos remete na infinita imensidão
mapeando rumos, tateando encantos
driblando a desilusão,
suspiro no vento
e na sua boca busco alento
pra alimentar minh’alma
que estava ao relento.
assim foi nosso encontro,
seres tão diversos
que se encontraram
nos rabiscos dos versos.

ANJO MENINO

Anjo, anjo,
luz estelar
flutua nesse espaço,
corre nesse chão colorido,
encanta o mundo
num segundo
com seu sorriso florido;
Anjo, anjo,
pequeno sol aqui na terra
futuro que se anuncia,
no brilho daqueles olhinhos;
De repente
a realidade diz presente,
a besta apocalíptica, demonios do mal
nefasta visão à sua frente
prenunciam o final,
e o anjo menino
cai vítima da sanha maldita
daqueles amaldiçoados,
a mãe desdita
chora, grita,
o povo agita,
e o céu chorou
quando o anjo voou
mais além...
Pouco tempo pra viver
uma eternidade pra não esquecer.

João Helio menino anjo vitimado por bandidos no Rio de Janeiro.
Andrade Jorge

HIATO

O tempo passa,
remontam momentos,
repassam fatos,
juntam atos,
a vida indo,
inexoravelmente seguindo,
outras surgirão, é verdade,
mas e eu e você?
Ficamos assim constrangidos
da alegria despidos?
O tempo passa,
você surgindo,
a vida indo,
eu seguindo,
aonde vamos?
Assim infelizes,
nos tropeços, nos deslizes.
O tempo passa,
a vida indo,
você seguindo,
eu perseguindo,
juntando atos,
explicando fatos,
como?
Deve haver um hiato
um parêntese,
onde possamos parar
e aprender querer, gostar, amar.

RESOLUÇÃO

Então está resolvido,
o sonho não tem hora
prá ser vivido
nem prá ir embora;
Está explicado,
então
somos resultado da trama
da invisível mão
que faz os roteiros
e os capítulos
do nosso drama.
G G G G G G G G G

Alexandra Dias Ribeiro (O Tempo e os Olhos que Falam por Si)


Sou uma mulher como outra qualquer. Como conseqüência adoro um espelho! Em algumas ocasiões fujo deles, temo a resposta à fatal pergunta: “Espelho, espelho meu...”.

Nesta noite foi diferente de todas as passadas. Após rever antigas fotografias, resolvi tirar a prova dos nove. Busquei por mim mesma vestígios daquela menina de quinze anos com a atual.

Em uma mão a foto antiga, amarelada pelo tempo. Parada em frente ao espelho tudo o que vi foi uma estranha, que assim como a foto trazia marcas do tempo. Apenas uma coisa aquelas duas pessoas tinham em comum... Os olhos. Não é por menos que dizem que nossos olhos são o espelho da alma.

O fato é que pela primeira vez em muitos anos enxerguei-me. Aquele rosto pareciam pertencer a outra pessoa, no fundo eu ainda era aquela menina de outrora.

A foto acabou esquecida em minha mão. Os olhos da estranha me olhavam profundamente desvendando segredos que eu achava que estavam esquecidos. Que bobagem a minha, quando acreditei por tanto tempo que era imutável ao tempo! Gozado, os anos deixaram marcas profundas em minha pele, mas não afetaram aqueles olhos.

Passou-se algum tempo e continuei olhando aquele fantasma diante de mim. Agora percebia que durante muito tempo procurara o espelho, mas apenas via o que deseja ver, não a realidade. Naquele momento surge do nada uma borboleta, bela por sinal, dessas coloridas que enfeitam o jardim, havendo uma coincidência. Logo atrás de mim havia pendurado um quadro. Não fora pintado por ninguém famoso, e a imagem era muito clara para se ter interpretações. Era simplesmente uma borboleta. Pintada de maneira tão realista que mais parecia uma que realmente estivesse pousado ali. Suas asas eram de um colorido vibrante, como o arco íris, contornado de um grafite. Nunca soube ao certo o porquê de minha fascinação por aquele quadro. Passei a mão na figura sentindo sua textura, acompanhando seu relevo. Difícil dizer quanto tempo fiquei ali, talvez minutos ou horas. Mas independente do tempo, foi o suficiente para eu entender o motivo daquela fascinação pelo o quadro. Sem perceber comparei-me com ela. Primeiro é simplesmente uma lagarta, depois se recolhe em seu casulo e quando volta para ver o sol o milagre aconteceu... É uma borboleta. Eu também apesar de que por pontos diferentes também já estive em um casulo, ou melhor, ainda estava.

Voltei àquela estranha no espelho... Ela continuava lá. Espreitando-me, como se perguntasse “E aí chegou alguma conclusão?”. Só que havia algo naquele olhar que eu não havia reparado antes, estavam risonhos.

Diante disso sorri, mostrando para aqueles notáveis olhos que compreendia e eles pareciam concordar... Somos como um saboroso vinho... quanto mais tempo tem a safra, se é melhor. Já dizia alguém: Mais vale a experiência, do que quantos aniversários se comemorou.

Adeus casulo.
G G G G G G G

Fonte:
Colaboração da Autora.

Caldeirão Literário do Mato Grosso do Sul (2)



Vanda Ferreira
Árvores

Braços múltiplos,
Mãos e dedos adornados
Com preciosos anéis;

Pés de confetes
Cipós, Flores,
Pernas vestidas
Com pele de musgo;

Corpo perfumado
Seiva de cheiro matuto;

Singra em mim
Acolhimento para poesias.
==================

Ileides Muller
Amor Concluído

Julgamento a revelia
no tribunal da razão.
A sentença:
“Amor concluído”.
“ARQUIVE-SE.”
==================

Ruberval Cunha
Corpos meditando

A solitude invade o universo.
Todo mundo tão sozinho, tão disperso,
Um em cada canto do universo.

Mas eu sou um sonhador
E ainda acredito,
Na extinção da solidão,
Pelo amor.

Almas se unindo
Corpos meditando.
O fim será o começo
E o começo está chegando.

O homem quer companhia,
Mas constrói a solidão
E sobrevive a cada dia,
No iceberg da razão.

Mas eu sou um sonhador
E ainda acredito,
Na extinção da solidão,
Pelo amor.

O fim será o começo
E o começo está chegando.
Almas se unindo,
Corpos meditando.
====================

Nena Sarti
Imagens

Toda virgem
Deveria pousar
Para fotografias
Antes de serem flechadas
Pelo senhor desejo
Esse transformador de sentimentos.

Nos retratos
Eternamente sem toques:
Os sorrisos puros,
Olhares cândidos,
Saudoso deleite.
=============================

Luzia Ozarias
Flor de outono

Feito flor de outono
Tempo árido, manhãs frias
No alforge d’alma o que traria
Envolta em tão excelsa luz?

Doce essência, servindo a Divina ciência
No sutil aroma perfumando os ares
Envolvente, inebriante...ah, quem me dera!
Ter-te em meu jardim, e permanente.

Trouxe beleza que abraça e contagia
Nos olhos quase negros e brilhantes
Transformando a íris torturante
Em sereno aconchego. Quem diria!

Trouxe a esperança da bondade incansável
Refletindo o Doador imensurável
No viver de eterna bonança.

Trouxe fé inquebrantável e perene
Flor de outono, coração cálido
Seu nome é Luciene.
=============================

Elias Borges
Mar e Fé

(para Maria Rejane Fernandes Borges)

Outorgou-me
esperança.
O fogo lambendo
seus olhos.
Troando em
minhas retinas
águas profundas.
==========================

Toninho do Arapuá
Por Ti Amar

De mim já não precisa mais, meus sentimentos tanto faz,
Esquece que tirei as pedras do seu caminho,
Ofereci-lhe tanto carinho, sem nada lhe cobrar.
Na hora do seu desespero, fui eu o seu parceiro,
Aquele que lhe tirou do sufoco, hoje recebi um troco,
Sua atitude a nada posso comparar.

O que me deixou mais triste, foi à maldade que em você existe,
Quando consegue o que quer, é um salve-se quem puder,
Não importa a quem vai machucar.
Preocupa somente com seus direitos, esse é o seu pior defeito,
E ainda se faz de vítima, mas nada justifica,
Minha pessoa querer julgar.

Lamento com tristeza porque lhe conheci,
Por te amar muitas vezes não percebi,
Um sonho vivido pela metade, esta é a triste verdade,
Que demorei para aceitar
Porém, já esqueci minha magoa, na minha vida você é água passada,
O destino comigo foi caprichoso, mas o meu diário amoroso,
Seu nome consegui apagar.
=====================================

Tânia Gauto
Taperas

Não há cultura!
Ajudem! Rabisquem histórias.
Ergam costumes deliciosos.
plantem pés Mbaiá,
colham ritos Guarani,
encham o mar Xarayé.

Salguem carnes moças,
Temperem almas pobres.
Cantem noites vazantes,
Debrucem ais Paiaguá.
Vistam manhãs bonitas,
Namorem Maracajús.

Nas prateleiras de Barros
guardem bugras Conceições,
soldem nas calhas do tempo
Ferreiras, florais e Baís,
abram Mirandas estradas
salvem lendas Terena.

Proseiem Helenas horas
em dez cordas afinadas
e marquem de céu a chão
com as sementes, sangue porã,
que não há cultura nas águas,
mas, taperas escondidas nos Homens,
a serem catalogadas.
===========================

Delasnieve Daspet
Sombras de Mulher!

Sou uma menina.
De meia idade.
De acordar preguiçoso.
Da tardes ensolaradas,
Dos beija-flores coloridos!
Sou uma menina levada
Que se fez mulher
Que se fez sombra
Para viver.
Uma sombra nas nuvens.
Uma avezinha canora,
Que dentro da gaiola
Morre de saudades!
Sou uma sombra
Que não teve poder
Para gerar o que
Foi gerado.
Que queria apenas amar,
Mas que amor busquei?
Será este argamassado
Em lágrimas?
Uma sombra bela.
Que martela na pedra.
Que corta o barro.
Para dar seu produto:
A inspiração!
Sou sombra.
Que se desespera.
Que errou por lugares longínquos.
Sou hera.
Colada na tristeza dos edifícios!
Sou desespero,
Que emerge do fundo dos ser.
Sou paixão.
Não posso repetir façanhas
Do passado,
Reincidir.
Sou sombra.
Apenas uma sombra de mulher.
Em busca de luz.
As liberdade desse amor que
foi
E é minha expiação!
==================
Fonte:
União Brasileira dos Escritores do Mato Grosso do Sul

domingo, 14 de março de 2010

Trova 126 - Izo Goldman (Sao Paulo)

Hoje, excepcionalmente não é uma trova humoristica que coloco. Vim a saber que o Magnifico Trovador Izo Goldman não está bem de saúde já há alguns meses. Grande amigo, mestre e inspirador quero deixar aqui minha homenagem (pequena é verdade, mas nunca será grande o suficiente para este grande trovador) pelo quadro da vida que me ajudou a pintar. Foi ele que me deu a palheta de cores. Nada mais justo do que colocar uma trova dele mesmo.

Oremos pela sua rápida recuperação.

14 de Março (Dia Nacional da Poesia)

A poesia ganhou um dia específico, sendo este criado em homenagem ao poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), no dia de seu nascimento, 14 de março.

Castro Alves ficou conhecido como o “poeta dos escravos”, pois lutou grandemente pela abolição da escravidão

Justamente por conta das ideias do escritor, que morreu com apenas 24 anos, o Brasil elegeu seu aniversário para comemorar a poesia.

Quando surgiu, a apresentação dos textos era acompanhada por um instrumento musical chamado lira, por isso a inclusão da poesia no chamado gênero lírico, independentemente do texto retratar tragédias.

Poesia é uma arte literária e, como arte, recria a realidade. O poeta Ferreira Gullar diz que o artista cria um outro mundo “mais bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais ordenado – por cima da realidade imediata”.

Para outros, a arte literária nem sempre recria. É o caso de Aristóteles, filósofo grego que afirmava que “a arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra”.

Declamando ou escrevendo, fazer poesia é expressar-se de forma a combinar palavras, mexer com o seu significado, utilizar a estrutura da mensagem. Isto é a função poética.

A poesia sempre se encontra dentro de um contexto cultural e histórico. Os vários estilos poéticos, as fases de cada autor, os acontecimentos da época e tantas outras interferências muitas vezes se misturam à obra e lhe dão novos significados.

Aos quatorze dias do mês de março, no ano de 1847, nasceu António Frederico de Castro Alves, na fazenda Cabaceiras, a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade da Bahia. Era filho do Dr. António José Castro Alves e D. Clélia Brasília de Castro Alves.

Passou a infância no sertão natal, e em 54 iniciou os estudos na capital baiana.

Aos dezesseis anos foi mandado para o Recife. Ia completar os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito. A liberdade aos 16 anos é coisa perigosa. O poeta achou a cidade insípida. Como ocupava os seus dias? Disse-o em carta a um amigo da Bahia: "Minha vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando muito. O meu ‘cinismo passa a misantropia. Acho-me bastante afctado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando vou à Soledade." Que era a Soledade? Um bairro do Recife, onde o poeta tinha uma namorada. O resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exame de geometria. Mas em 64 consegue o adolescente matricular-se no Curso Jurídico. Se era tido por mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em 62 escrevera o poema "A Destruição de Jerusalém", em 63 "Pesadelo", "Meu Segredo", já inspirado pela atriz Eugénia Câmara, "Cansaço", "Noite de Amor", "A Canção do Africano" e outros. Tudo isso era, verdade seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava alto. "A poesia", dizia, "é um sacerdócio — seu Deus, o belo — seu tributário, o Poeta."

O Poeta derramando sempre uma lágrima sobre as dores do mundo. "É que", acrescentava, "para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar a humanidade — a poesia." Mas, no dia 9 de Novembro de 1864, ao toque da meia-noite, onde morava, o poeta, que sem dúvida se balançava na rede, fumando muito, sentiu doer-lhe o peito, e um pressentimento sinistro passou-lhe na alma.

Pela primeira vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia: essa a importância do poema "Mocidade e Morte". Uma dor individual, dessas para as quais "Deus criou a afeição", despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá estender às dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros escravos (O Navio Negreiro), ao martírio de todo um continente (Vozes d'África).

Não era mais o menino que brincava de poesia, era já o poeta-condor, que iniciava os seus voos nos céus da verdadeira poesia. Naquela mesma noite escreve o poema, tema pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a mocidade borbulhante de gênio, sedenta de justiça, de amor e de glória, dolorosamente frustrada pela morte sete anos depois.

A versão primitiva do Poema foi conservada em autógrafo, documento precioso porque revela duas coisas: o poeta não se contentava com a forma em que lhe saíam os versos no primeiro momento da inspiração; na tarefa de os corrigir e completar procedia com segura intuição e fino gosto. Cotejada a primeira versão com a que foi publicada pelo poeta em São Paulo, por volta de 68-69, verifica-se que todas as emendas foram para melhor. Baste um exemplo: o sexto verso da segunda oitava era na primeira versão "Adornada" com os prantos do arrebol, substituído na definitiva por "Que" banharam de prantos as alvoradas, verso que forma com o anterior um dístico de raro sortilégio verbal.

"vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas".

Quase a meio do curso, em 67, o poeta, apaixonado pela portuguesa Eugénia Câmara, parte com ela para a Bahia, onde faz representar um mau drama em prosa — "Gonzaga" ou a "Revolução de Minas". Era sua intenção concluir o bacharelado em São Paulo, aonde chegou no ano seguinte. A sua passagem pelo Rio assinalou-se pelos mesmos triunfos já alcançados em Pernambuco.

Em São Paulo, nos fins de 68, feriu-se num pé com um tiro acidental por ocasião de uma caçada, do que resultou longa enfermidade, em que teve o poeta que se submeter a várias intervenções cirúrgicas e finalmente à amputação do pé. O depauperamento das forças conduziu-o à tuberculose pulmonar, a que sucumbiu em 71 no sertão de sua província natal.

Antes de regressar a ela, publicara, em 70, o livro "Espumas Flutuantes", cantos por ele definidos como rebentando por vezes, ao estalar fatídico do látego da desgraça", refletindo por vezes "o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo".

No "O Navio Negreiro" evocava o poeta os sofrimentos dos negros na travessia da África para o Brasil. Sabe-se que os infelizes vinham amontoados no porão e só subiam ao convés uma vez ao dia para o exercício higiênico, a dança forçada sob o chicote dos capatazes.

Em 70 cumpre distinguir o lírico amoroso, que se exprimia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, como no formoso quadro do poema "Adormecida", o poeta descritivo, pintando com admirável verdade e poesia a nossa paisagem, tal em "O Crepúsculo Sertanejo", cumpre distingui-lo do épico social desmedindo-se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopeias. A este último aspecto há que levar em conta a intenção pragmática dos seus cantos, escritos para serem declamados na praça pública, em teatros ou grandes salas —, verdadeiros discursos de poeta-tribuno. E há que reconhecer nele, mau grado os excessos e o mau-gosto ocasional, a maior força verbal e a inspiração mais generosa de toda a poesia brasileira.

Em fevereiro de 1870 seguiu para Curralinho para melhorar a tuberculose que se agravara, viveu na fazenda Santa Isabel, em Itaberaba. Em setembro, voltou para Salvador. Ainda leria, em outubro, «A cachoeira de Paulo Afonso» para um grupo de amigos, e lançou «Espumas flutuantes». Mas pouco durou. Sua última aparição em púbico foi em 10 de fevereiro de 1871 numa recita beneficente. Morreu às três e meia da tarde, no solar da família no Sodré, Salvador, Bahia, em 6 de Julho de 1871.

Seus escritos póstumos incluem apenas um volume de versos: A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883) e, mais tarde, Hinos do Equador (1921). É um dos patronos da Academia Brasileira de Letras (cadeira número 7).

Fonte:
Portal CEN.

Castor Alves (Folhas Avulsas II)

Navio negreiro
A CACHOEIRA

Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas...
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!...
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!...

Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr'ruiúba o cheiro imundo...
Mas já tarde... silvando o monstro voa...
E o novilho preado os ares troa!

Então doido de dor, sânie babando,
Co'a serpente no dorso parte o touro...
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro...
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro...
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.

Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co'as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!...
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito...
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!...

Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto...
Atropela-se, empina, espuma o bando...
E em massa rui no precipício aberto...
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto...
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas...

A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.

Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!...
Do sacerdote o punho e a roxa fronte...
E as serpentes de Tênedos em sanha!...
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!!!...

A SENZALA

Qual o veado, que buscou o aprisco,
Balindo arisco, para a cerva corre...
ou como o pombo, que os arrulos solta,
Se ao ninho volta, quando a tarde morre...,

Assim, cantando a pastoril balada,
Já na esplanada o lenhador chegou.
Para a cabana da gentil Maria
Com que alegria a suspirar marchou!

Ei-la a casinha... tão pequena e bela!
Como é singela com seus brancos muros!
Que liso teto de sapé doirado!
Que ar engraçado! que perfumes puros!

Abre a janela para o campo verde,
Que além se perde pelos cerros nus...
A testa enfeita da infantil choupana
Verde liana de festões azuis.

É este o galho da rolinha brava,
Aonde a escrava seu viver abriga...
Canta a jandaia sobre a curva rama
E alegre chama sua dona amiga.

Aqui n'aurora, abandonando os ninhos,
Os passarinhos vêm pedir-lhe pão;
Pousam-lhe alegres nos cabelos bastos,
Nos seios castos, na pequena mão.

Eis o painel encantado,
Que eu quis pintar, mas não pude...
Lucas melhor o traçara
Na canção suave e rude...
Vede que olhar, que sorriso
S'expande no brônzeo rosto,
Vendo o lar do seu amor...
Ai! Da luz do Paraíso
Bate-lhe em cheio o fulgor.

A MÃE DO CATIVO

Le Christ à Nazareth, atix jours de son enfance
Jouait avec Ia croix, symbole de sa mort;
Mère du Polonais! qu'il apprene d'avance
A combattre et braver les outrages du Sort.

Qu'il couve dans son sein sa colère et sa joie
Qu’il ses discours prudents distillent le venin,
Comme un aime obscur que son coeur se reploie
À terre, à deux genoux, qu'il rampe comme un nain
(Mickiewicz - A Mãe Polaca)

Ó mãe do cativo! que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

Ó mãe do cativo! que fias à noite
As roupas do filho na choça da palha!
Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Tecesses o pano da branca mortalha.

Misérrima! E ensinas ao triste menino
Que existem virtudes e crimes no mundo
E ensinas ao filho que seja brioso,
Que evite dos vícios o abismo profundo ...

E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
O raio da espr'ança... Cruel ironia!
E ao pássaro mandas voar no infinito,
Enquanto que o prende cadeia sombria! ...

II

Ó Mãe! não despertes est'alma que dorme,
Com o verbo sublime do Mártir da Cruz!
O pobre que rola no abismo sem termo
Pra qu'há de sondá-lo... Que morra sem luz.

Não vês no futuro seu negro fadário,
Ó cega divina que cegas de amor?!
Ensina a teu filho - desonra, misérias,
A vida nos crimes - a morte na dor.

Que seja covarde... que marche encurvado...
Que de homem se torne sombrio reptíl.
Nem core de pejo, nem trema de raiva
Se a face lhe cortam com o látego vil.

Arranca-o do leito... seu corpo habitue-se
Ao frio das noites, aos raios do sol.
Na vida - só cabe-lhe a tanga rasgada!
Na morte - só cabe-lhe o roto lençol.

Ensina-o que morda... mas pérfido oculte-se
Bem como a serpente por baixo da chã
Que impávido veja seus pais desonrados,
Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.

Ensina-lhe as dores de um fero trabalho...
Trabalho que pagam com pútrido pão.
Depois que os amigos açoite no tronco...
Depois que adormeça co'o sono de um cão.

Criança - não trema dos transes de um mártir!
Mancebo - não sonhe delírios de amor!
Marido - que a esposa conduza sorrindo
Ao leito devasso do próprio senhor! ...

São estes os cantos que deves na terra
Ao mísero escravo somente ensinar.
Ó Mãe que balanças a rede selvagem
Que ataste nos troncos do vasto palmar.

III

Ó Mãe do cativo, que fias à noite
À luz da candeia na choça de palha!
Embala teu filho com essas cantigas...
Ou tece-lhe o pano da branca mortalha.
(de Os Escravos)

NO BARCO

— Lucas! — Maria! murmuraram juntos...
E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto...

Eram-lhe as tranças a cair no busto
Os esparsos festões da granadilha...
Tépido aljofar o seu pranto brilha,
Depois resvala no moreno seio...

Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
Como o casal da rola sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.

Cantai, ó brisas, mas cantai baixinho!
Passai, ó vagas..., mais passai de manso!
Não perturbeis-lhe o plácido remanso,
Vozes do ar! emanações do rio!

"Maria, fala!" — "Que acordar sombrio",
Murmura a triste com um sorriso louco,
"No Paraíso eu descansava um pouco...
Tu me fizeste despertar na vida ...

"Por que não me deixaste assim pendida
Morrer co'a fronte oculta no teu peito?
Lembrei-me os sonhos do materno leito
Nesse momento divinal... Qu'importa?...

"Toda esperança para mim 'sta morta...
Sou flor manchada por cruel serpente...
Só de encontro nas rochas pode a enchente
Lavar-me as nódoas, m'esfolhando a vida.

"Deixa-me! Deixa-me a vagar perdida...
Tu! — Parte! Volve para os lares teus.
Nada perguntes... é um segredo horrível...
Eu te amo ainda... mas agora — adeus!"

O FANTASMA E A CANÇÃO

Orgulho! desce os olhos dos céus
sobre ti mesmo, e vê como os nomes
mais poderosos vão se refugiar numa canção.
BYRON

— Quem bate? — "A noite é sombrio!"
— Quem bate?-"É rijo o tufão!...

Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão.
" — Quem bate?-"O nome qu'importa?
Chamo-me dor... abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!

Necessidade é o meu nome!"
— Mendigo! podes passar!
"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?"-Talvez.
— "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis

Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado — já foi cetro!
Meus trapos — manto real!"

— Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
— "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,

Os pajens e as cortesãs
Cantavam!... Reinava a orgia!...

Festa' Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!"
— Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
— "Silêncio! De longe eu venho...
Também meu túmulo morreu.
O séc'lo-traça que medra
Nos livros feitos de pedra —
Rói o mármore, cruel.

O tempo, Átila terrível
Quebra cota pata invisível
Sarcófago e capitel.
"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Sólon,
Se, medindo a treva imensa

Vai bater ao Panteon...
O motim — Nero profano—
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos

E o morto morre outra vez!
'Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,

Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!
"Bati a todas as portas

Nem uma só me acolheu!...
— "Entra!: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
— "Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.

A estrofe: é a púrpura extrema,
Último trono: é o poema!
Último asilo: a Canção!..."
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sábado, 13 de março de 2010

Trova 125 - Vanda Fagundes Queiros (Curitiba/PR)

Truman Capote (A Pechincha)


Várias coisas no marido irritavam a sra. Chase. Por exemplo, a voz: ele sempre falava como se estivesse apostando num jogo de pôquer. Ouvir aquela fala arrastada e indiferente era exasperador, sobretudo agora, que, conversando com ele por telefone, ela própria falava de forma estridente de tanta empolgação. "Claro que eu já tenho um, sei disso. Mas você não entende, querido — é uma pechincha", explicou, enfatizando a última palavra, depois fazendo uma pausa para deixar a magia dela crescer. Só ouviu silêncio. "Puxa, você podia dizer alguma coisa. Não, não estou numa loja, estou em casa. Alice Severn vem para o almoço. É sobre o casaco de Alice que estou tentando lhe falar. Você deve se lembrar dela." A memória esburacada do marido era outra fonte de irritação, e, embora ela lhe lembrasse que lá em Greenwich Village eles tinham visto com freqüência Arthur e Alice Severn, chegaram até a receber o casal em sua casa, ele fingiu não conhecer aquele nome. "Não importa", ela suspirou. "Só vou dar uma olhada no casaco. Tenha um bom almoço, querido."

Mais tarde, ao se aborrecer com as ondas precisas de seu cabelo retocado, a sra. Chase admitiu que realmente não havia motivo para o marido se lembrar dos Severn com tanta clareza. Deu-se conta disso quando, com sucesso parcial, tentou evocar uma imagem de Alice Severn. Pois bem, quase conseguiu: uma mulher rosada e desengonçada, com menos de trinta anos, que sempre dirigia uma caminhonete, acompanhada por um setter irlandês e por duas bonitas crianças de cabelos louros avermelhados. Dizia-se que o marido dela bebia; ou seria o contrário? Além disso, eles eram considerados maus pagadores, ao menos a sra. Chase lembrou de certa vez ter ouvido falar de dívidas incríveis, e alguém, teria sido ela própria?, descrevera Alice Severn como simplesmente boêmia demais.

Antes de se mudarem para a cidade, os Chase mantiveram uma casa em Greenwich Village, que era um tédio para a sra. Chase, porque ela detestava os sinais de natureza dali e preferia o divertimento das vitrines de Nova York. Em Greenwich Village, em algum coquetel, na estação de trem, vez por outra encontravam os Severn, e não passou disso. Nem éramos amigos, ela concluiu, um tanto surpresa. Como costuma acontecer quando de súbito se ouve falar de uma pessoa do passado, e alguém conhecido num contexto diferente, ela fora induzida a uma sensação de intimidade. Mas, pensando melhor, parecia extraordinário que Alice Severn, a quem ela não via fazia mais de um ano, tivesse telefonado oferecendo à venda um casaco de vison.

A sra. Chase parou na cozinha a fim de pedir sopa e salada para o almoço: jamais lhe ocorria que nem todo mundo estava de dieta. Encheu um decantador de xerez e o levou consigo até a sala de estar. Uma sala verde-esmeralda, o mesmo gosto excessivamente juvenil das roupas dela. O vento fustigava as janelas, pois o apartamento ficava num andar alto, com uma vista de avião do centro de Manhattan. Colocou um disco do Linguaphone na vitrola e sentou-se em posição não relaxada, ouvindo a voz forçada pronunciar frases francesas. Em abril, os Chase planejavam comemorar o vigésimo aniversário de casamento com uma viagem a Paris; por essa razão, ela começara as aulas do Linguaphone, e, por essa razão também, cogitou no casaco de Alice Severn: seria mais prático, achou, viajar com um vison de segunda mão; mais tarde, poderia mandar transformá-lo numa estola.

Alice Severn chegou alguns minutos mais cedo, uma casualidade decerto, pois não era uma pessoa ansiosa, pelo menos a julgar por seus modos contidos e cautelosos. Usava sapatos comuns, um casaco de tweed que já vira dias melhores, e carregava uma caixa amarrada com um barbante puído.

"Fiquei encantada quando você telefonou esta manhã. Deus sabe, faz um tempão que não nos vemos, mas, claro, não vamos mais a Greenwich Village."

Embora sorrindo, sua visita permaneceu calada, e a sra. Chase, que assumira um tom efusivo, ficou um tanto sem graça. Quando as duas sentaram, os olhos dela apreenderam a mulher mais jovem, e ocorreu-lhe que, se tivessem se encontrado por acaso, poderia não tê-la reconhecido, não porque sua aparência tivesse se alterado tanto, mas porque a sra. Chase se deu conta de que nunca antes olhara atentamente para ela, o que parecia estranho, pois Alice Severn era alguém que chamava a atenção. Se fosse menos comprida, mais compacta, as pessoas poderiam ignorá-la, talvez reparando que era atraente. Mas, do jeito que era, com seus cabelos vermelhos, a impressão de distância nos olhos, o rosto sardento, outonal, e as mãos magras e fortes, havia nela certa peculiaridade difícil de ignorar.

"Xerez?"

Alice Severn assentiu com a cabeça, que, equilibrada precariamente sobre o pescoço fino, parecia um crisântemo pesado demais para seu talo.

"Cream-cracker?", ofereceu a sra. Chase, observando que alguém tão esguio e alongado devia comer feito um cavalo. Sua frugalidade de sopa e salada despertou-lhe um súbito receio, e ela contou a seguinte mentira: "Não sei o que Martha está preparando para o almoço. Sabe como é difícil, em cima da hora. Mas conte, querida, o que está acontecendo em Greenwich Village?".

"Em Greenwich Village?", ela disse, entrecerrando as pálpebras, como se uma luz inesperada refulgisse na sala. "Não tenho a menor idéia. Não moramos mais lá faz algum tempo, seis meses ou mais."

"Oh?", fez a sra. Chase. "Veja como estou desatualizada. Mas onde você está morando, querida?"

Alice Severn ergueu uma das mãos ossudas e desajeitadas e apontou para a janela. "Lá fora", respondeu, de forma estranha. Sua voz era clara, mas tinha um tom de esgotamento, como se ela estivesse pegando um resfriado. "Quer dizer, no centro. Não gostamos muito, sobretudo Fred."

Com a mínima inflexão, a sra. Chase perguntou: "Fred?", pois lembrava perfeitamente que Arthur era o nome do marido da visita.

"Sim, Fred, meu cachorro, um setter irlandês, você deve tê-lo visto. Está acostumado com espaço, e o apartamento é tão pequeno, só um quarto."

Dias difíceis deviam ter sobrevindo para que todos os Severn estivessem morando num único quarto. Por mais curiosa que fosse, a sra. Chase se controlou e não indagou a respeito do assunto. Provou seu xerez e disse: "Claro que me lembro do seu cachorro; e das crianças: todas as três cabecinhas vermelhas espiando pela janela da caminhonete".

"As crianças não têm cabelos vermelhos. São louras, como Arthur."

A correção, com tão pouco senso de humor, provocou na sra. Chase uma risadinha intrigada. "E Arthur, como vai?", perguntou ela, preparando-se para se levantar e conduzir a visita até o almoço. Mas a resposta levou-a a sentar-se de novo. Sem mudança alguma na expressão placidamente desornada de Alice Severn, consistiu apenas em: "Mais gordo".

"Mais gordo", ela repetiu após um momento. "A última vez que o vi, acho que só uma semana atrás, estava atravessando uma rua feito um pato. Se ele tivesse me visto, eu teria de rir: ele sempre foi tão preocupado com a aparência."

A sra. Chase pôs as mãos na cintura. ''Você e Arthur. Separados? É simplesmente incrível."

"Nós não estamos separados." Ela esfregou as mãos no ar como que para remover teias de aranha. "Eu o conheço desde criança, desde que nós dois éramos crianças: você acha", disse tranqüilamente, "que poderíamos algum dia estar separados um do outro, sra. Chase?"

O uso exato de seu nome pareceu afastar a sra. Chase; por um momento, ela se sentiu isolada, e, ao caminharem juntas até a sala de jantar, imaginou uma hostilidade circulando entre elas. Possivelmente foi a visão das mãos desajeitadas de Alice Severn tentando abrir um guardanapo que a persuadiu de que aquilo não era verdade. Exceto por algumas palavras corteses, elas comeram em silêncio, e ela começava a temer que não haveria nenhuma história.

Enfim Alice Severn disse abruptamente: "Na verdade, nos divorciamos em agosto passado".

A sra. Chase esperou; depois, entre a descida e a subida de sua colher de sopa, disse: "Que horrível. Por causa da bebedeira dele?".

"Arthur nunca bebeu", ela respondeu com um sorriso agradável mas espantado. "Ou melhor, nós dois bebíamos. Por prazer, não por vício. Era gostoso no verão. Costumávamos descer até o riacho, colher hortelã e preparar um coquetel de uísque com hortelã em enormes potes de frutas. Às vezes, nas noites quentes em que não conseguíamos dormir, enchíamos de cerveja gelada as garrafas térmicas e acordávamos as crianças, depois íamos de carro até a praia; é divertido beber cerveja e nadar e dormir na areia. Bons tempos; lembro que uma vez ficamos lá até o sol raiar. Não", disse, alguma idéia séria retesando sua face. "eu vou lhe contar. Sou quase uma cabeça mais alta que Arthur, e acho que isso o preocupava. Quando éramos crianças, ele sempre achou que me ultrapassaria, mas isso nunca aconteceu. Ele detestava dançar comigo, e olha que ele adora dançar. E gostava de um monte de gente ao redor, gente baixinha de voz alta. Não sou assim, preferia que ficássemos só os dois. Nesse aspecto eu não era agradável para ele. Pois bem, lembra de ]eannie Bjorkman? Aquela de rosto redondo e cabelo encaracolado, mais ou menos da sua altura".

"Lembro, sim", respondeu a sra. Chase. "Esteve no comitê da Cruz Vermelha. Horrorosa."

"Não", replicou Alice Severn, refletindo. "Jeannie não é horrorosa. Éramos ótimas amigas. O estranho é que Arthur costumava dizer que a odiava, mas tenho a impressão de que sempre foi louco por ela, com certeza agora é, e as crianças também. Eu queria que as crianças não gostassem dela, embora devesse estar feliz por gostarem, já que têm de viver com ela."

"Não acredito: seu marido casado com aquela horrorosa da Bjorkmanl"

"Desde agosto."

A sra. Chase, fazendo primeiro uma pausa para sugerir que fossem tomar o café na sala de estar, disse: "É deprimente você estar vivendo sozinha em Nova York. Pelo menos devia ter ficado com os filhos".

"Arthur quis ficar com eles", respondeu Alice Severn simplesmente. "Mas não estou sozinha. Fred é um de meus melhores amigos."

A sra. Chase gesticulou, impaciente: não gostava de fantasias. "Um cachorro. Loucura. A verdade é que você é uma tola: se algum homem tentasse me passar para trás, eu cortava os pés dele em pedacinhos. Vai ver que você nem exigiu", hesitou, "uma pensão."

"Você não entende, Arthur não tem dinheiro algum", disse Alice Severn com o desânimo de uma criança que descobriu que os adultos, afinal, não são muito lógicos. "Teve até de vender o carro, e vai e volta a pé da estação. Mas, sabe, acho que está feliz."

"O que você precisa é de um bom beliscão", disse a sra. Chase como se estivesse pronta para realizar o serviço.

"É Fred que me preocupa. Está acostumado com espaço, e, com uma única pessoa, não sobram muitos ossos. Você acha que, quando terminar meu curso, consigo arrumar um emprego na Califórnia? Estou estudando administração, mas não sou muito rápida, sobretudo na máquina de escrever, meus dedos parecem detestar aquilo. Deve ser como tocar piano, você tem de aprender quando é jovem." Ela olhou curiosa para suas mãos, suspirando: "Tenho aula às três; importa-se se lhe mostrar o casaco agora?".

A festividade de coisas saindo de uma caixa em geral alegrava a sra. Chase, mas, quando ela viu a tampa ser retirada, um mal-estar melancólico dominou-a.

"Pertenceu à minha mãe."

Que deve ter usado essa tralha durante sessenta anos, pensou a sra. Chase, encarando um espelho. O casaco dava nos seus tornozelos. Ela passou a mão pela pelagem opaca, quase sem pêlos: estava mofada, fedida, como se tivesse permanecido num sótão à beira-mar. Fazia frio dentro do casaco, ela estremeceu, ao mesmo tempo um rubor aqueceu-lhe o rosto, pois foi aí que notou que Alice Severn olhava sobre seus ombros e na expressão dela havia uma expectativa tensa, humilhante, antes inexistente. Quanto à solidariedade, a sra. Chase praticava a parcimônia: antes de oferecê-la, tomava a precaução de amarrar um barbante nela para, em caso de necessidade, pegá-la de volta. Quando ela fitou Alice Severn, porém, foi como se o barbante tivesse sido cortado, e dessa vez ela se confrontou com as obrigações da solidariedade. Hesitou mesmo assim, procurando uma escapatória, mas seus olhos colidiram com aqueles outros olhos, e ela percebeu que não havia nenhuma. A lembrança de uma palavra das aulas do Linguaphone facilitaram uma pergunta: "Combien?".

"Isso não vale nada, não é?" Havia confusão na pergunta, não franqueza.

"Não, não vale", ela respondeu, cansada, quase irritada. "Mas pode ter alguma utilidade." Não repetiu a pergunta; estava claro que estipular o preço fazia parte de sua obrigação.

Ainda arrastando o incômodo casaco, dirigiu-se a um canto da sala onde havia uma escrivaninha e, com movimentos nervosos e ressentidos, preencheu um cheque da sua conta pessoal: preferia que o marido não soubesse. Mais que a maioria, a sra. Chase detestava o sentimento de perda; uma chave fora do lugar, uma moeda caída, despertavam sua consciência do roubo e das trapaças da vida. Sensação semelhante acompanhou-a quando entregou o cheque a Alice Severn. Esta, dobrando-o sem olhar para ele, enfiou-o no bolso do traje. Era um cheque de cinqüenta dólares,

"Querida", disse a sra. Chase, carrancuda com a falsa preocupação, "você tem de telefonar e contar como andam as coisas. Não deve se sentir solitária."

Alice Severn nem agradeceu, e na porta não disse "tchau". Em vez disso, segurou uma das mãos da sra. Chase e deu um tapinha nela, como se estivesse delicadamente recompensando um animal, um cachorro. Fechando a porta, a sra. Chase fitou sua mão, aproximou-a dos lábios. A sensação da outra mão ainda perdurava, e ela continuou ali, esperando que passasse: logo sua mão ficou bem fria de novo.

Fonte
CAPOTE, Truman. 20 contos de Truman Capote SP: Cia. das Letras, 2006.

Truman Capote (1924 – 1984)



Truman Streckfus Persons Capote nasceu no ano de 1924 na cidade de Nova Orleans, Luisiana - EUA.

Convivendo, na infância, com diversos problemas familiares — prisão do pai, divórcio do casal, briga por sua guarda — o autor acabou indo morar em Nova York na companhia de sua mãe e seu padrasto. Foi dele, cubano, que Truman adotou o sobrenome.

No início dos anos 40, foi admitido como contínuo na New Yorker. Durou pouco o emprego, do qual foi demitido por brigas internas.

Suas primeiras histórias foram publicadas na Harper's Bazaar, quando tinha vinte e poucos anos. Muito bem recebidas, com o romance "Other voices, other rooms" (1948) e a novela "The grass harp" (1951), consolidaram sua fama precoce.

Com uma ampla gama de escritores e artistas, figuras da alta sociedade e uma constante presença na mídia, passou a dedicar suas forças ao palco — adaptou The grass harp e escreveu o musical House of flowers — ao jornalismo e, também ao cinema.

O assassinato de uma família no Kansas fez com que Capote se interessasse pelo assunto e, após, muita investigação, escreveu o famoso "A sangue frio" (1966), seu livro mais aclamado e de maior sucesso.

Truman Capote faleceu no dia 25 de agosto de 1984.

Outros livros do autor:

- Travessia de verão
- Música para camaleões
- Bonequinha de luxo
- Os cães ladram — Pessoas públicas e lugares privados

Baptista Nunes (1883 – ?)



Renato BAPTISTA NUNES nasceu em Vassouras (Estado do Rio), a 2 de março de 1883. Foram seus pais o poeta e jornalista João Baptista Nunes e Inésia de Oliveira Nunes, professora que lhe ensinou as primeiras letras. Em 1893 veio para a cidade do Rio de Janeiro, onde continuou seus estudos e seguiu a carreira militar. Formou-se em engenharia militar na Escola de Artilharia e Engenharia de Realengo. Foi comandante da Escola de Estado-Maior do Exército.

Para muitos dos seus conhecidos será uma surpresa a descoberta desta outra face da personalidade de Baptista Nunes: a de poeta, ou melhor ainda - a de trovador. Autor de dezenas de trovas, nunca publicadas em livro, é possuidor de alta sensibilidade e de grande inclinação para o gênero.

Vizinho de lado de Gilson de Castro, somente após sete anos soube que este era "Luiz Otávio" . Começou então, em 1951, a dirigir-lhe algumas trovas que eram colocadas na caixa de cartas, e que da mesma maneira, eram respondidas ... Esta correspondência durou alguns meses antes de se falarem. Animado pelo trovador vizinho, continuou a compor trovas corri freqüência e aperfeiçoamento. Foram Publicadas pela primeira vez na imprensa Pelo "Diário de Notícias,, do Rio, em 1952 e, depois, em vários jornais do Interior.

Desconfiado de que os elogios feitos às suas trovas pelo seu vizinho eram reflexos de simpatia e amizade, resolveu enviar a Adelmar Tavares urnas trovas de sua autoria, a fim de que fossem julgadas Por quem não o conhecia.

Do querido trovador brasileiro recebeu afetuosa carta' na qual, entre outras coisas, Ihe dizia: seu livro com muito prazer. Deparei com trovas verdadeiramente admiráveis.. . " E mais adiante., "...V. é um verdadeiro trovador. Suas cantigas têm música e simplicidade. Muitas são lindíssimas, e eu, trovador velho, as assinaria com alegria."

Sim, muitas são lindíssimas, repetimos nós. Baptista Nunes possui o dom do trovador. Sua quadras têm o verdadeiro espírito da trova. E qual será esse espírito da trova?! - É algo sutil, indefinível e inexplicável... Talvez um conjunto de virtudes encontradas nas grandes trovas e nos legítimos troveiros. Quem sabe se é a poeticidade aliada a um grande poder de síntese, apresentada de forma espontânea, melodiosa e diferente?! ... Seja como for, quando se lê uma boa trova sente-se nela esse espírito que é corno um misterioso perfume percebido pelas almas sensíveis que apreciam, compreendem e amam esse delicado gênero poético.

Tendo essa capacidade de captar o espírito da trova, tendo longa experiência da vida e dos homens, sendo um poeta em estado latente, não foi difícil para Baptista Nunes percorrer com êxito os vários matizes que a trova oferece. Lírico, delicadamente lírico muitas vezes, escreve trovas repletas de espiritualidade e de beleza como esta:

"Velhinha diante do altar,
nada dizia e chorava ...
Mas aquela prece muda,
Nossa Senhora escutava..


ou esta:

"Uma esperança a morrer,
uma ventura a findar...
e vai na trova nascer
uma saudade a cantar!"

Seu fino espírito de ironista é colocado em várias de suas quadras. Neste livro não encontraremos muitas. Mas podem ser notadas algumas. Esta, por exemplo não está entre as cem:

"A mulher nunca nos mente,
e disso muito se ufana;
diz, talvez, coisa por outra...
Mas quem é que não se engana?"

O conceito, o pensamento, também podem ser observados no seu trovar. Vejam esta, por exemplo, tão expressiva e profunda:

"Um só gesto que conforte
vale, em vida, muito mais
que chorar, depois da morte,
pela ausência de seus pais."

Muitas e muitas outras quadras, que os leitores não encontrarão nas páginas a seguir, são também de grande valia e mereceriam aqui figurar. Para terminar as citações transcrevo uma delicada e lírica imagem sobre a saudade:

"Saudade, bendita sejas,
alma do bem que morreu;
saudade, só tu me ensejas
rever o bem que foi meu! ...

Ao iniciarmos a publicação da Coleção "Trovadores Brasileiros", obedecendo ao esquema de trazer ao público três livros de cada vez: de um trovador falecido, de um grande trovador vivo e o de um estreante, acreditamos que fizemos justa e boa escolha, lembrando os nomes de Belmiro Braga, Lilinha Fernandes e de Baptista Nunes.

Quem recebeu de Adelmar Tavares tão expressivas e elogiosas palavras não precisaria de outras justificativas para explicar a sua presença como estreante, em livros de trovas, nesta Coleção. Temos quase a certeza de que os apreciadores do gênero, ao terminarem a leitura deste livrinho, terão a mesma impressão que tivemos. E hão de sentir toda a beleza dessas trovas espontâneas e harmoniosas, bem feitas e sentidas, guardadas num coração emotivo há tantos anos e que, em momento feliz, desabrocharam magnífica e exuberantemente, para a alegria de nossas almas e o encantamento dos leitores.
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continua...as 100 trovas
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Fonte:
J.G. de Araujo Jorge e Luiz Otavio. 100 Trovas de Baptista Nunes. vol.3. Prefacio de Luiz Otávio.

Mário Carneiro Junior (O Lençol)



Aviso aos leitores desavisados: Este é um conto de terror.
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Boa noite, minha querida. Já está confortável debaixo de suas cobertas? Bom, então vou contar a história que prometi.

Aconteceu quando eu tinha mais ou menos sua idade, uns doze anos, quase treze. Eu dormia exatamente como você, sabia? De barriga pra cima e coberto da cabeça aos pés. Meu pai dizia que eu ficava parecendo um morto no necrotério. Ah, papai... Foi por causa dele que tivemos que sair de Curitiba e nos mudar pro interior. Motivos profissionais.

Bom, a cidadezinha era legal até, muito bonita e arborizada, tinha bastante espaço pra andar de bicicleta e tudo mais. Mas também tinha lá seus problemas, tipo, no começo as pessoas olhavam pra mim como se eu fosse um alienígena. Nada pessoal, qualquer um que vinha de fora recebia o mesmo tratamento caloroso. Demorei pra fazer amigos e... Ah, eu já contei isso antes, né? Esquece, vamos voltar ao principal.

O maior problema daquele lugar era o clima, muito mais quente do que eu estava acostumado. As noites abafadas não traziam alívio. Eu queria deixar o ventilador ligado no máximo em minha direção, mas mamãe não deixava. Dizia que eu ficaria doente, então me obrigava a mantê-lo virado pro outro lado, apenas para circular o ar. Estávamos sem dinheiro para comprar um ar condicionado, e ficar com a janela aberta estava fora de questão. Mania de cidade grande, deixar tudo fechado.

Continuei dormindo do mesmo jeito, todo encoberto. Eu já não acreditava que algo agarraria meu tornozelo se ele ficasse para fora, porém o hábito de infância estava enraizado. Pra não morrer cozido, tive que substituir os cobertores por um lençol. Mesmo assim ainda esquentava bastante, eu dormia mal e acordava encharcado de suor.

Então, numa noite que fazia a gente acreditar em coisas como combustão humana espontânea, resolvi largar aquele hábito idiota de uma vez por todas. Porém, ficar com o corpo inteiro descoberto seria um passo muito grande, então deixei apenas a cabeça e os braços para fora. Aliviou o calor um pouquinho. Já era alguma coisa, mas por outro lado, comecei a me sentir incomodado, vulnerável. Como não precisaria acordar cedo na manhã seguinte – era noite de sábado pra domingo – resolvi insistir naquilo, até que finalmente consegui.

Consegui perder o sono.

Fiquei deitado de olhos abertos, pensando em como a vida podia ser um chute no saco de vez em quando. E assim fiquei durante um tempão, até perceber um movimento vindo do armário. Parecia que uma das portas estava se abrindo.

De início, achei que era um vento mais forte passando entre as frestas da janela, mas as cortinas estavam paradas. Fiquei olhando na direção da porta como se estivesse hipnotizado, a abertura ficando cada vez maior. Comecei a ficar com medo, e me cobri inteiro com o lençol.

Não é nada, pensei, isso acontece de vez em quando. Portas que não estão bem fechadas acabam se movimentando sozinhas. Sim, eu repetia esse pensamento sem parar, mas não conseguia afastar aquela impressão cada vez mais forte.

A sensação de que alguém havia saído de dentro do guarda-roupa, e agora estava parado ao meu lado.

Fiquei imóvel, tentando não respirar ou emitir qualquer som, o coração batendo tão forte que chegava a ser doloroso. Assim permaneci durante um bom tempo, até a sensação acabar.

Não tive coragem de conferir se aquilo havia ido embora. Só quando a luz da manhã atravessou as fissuras da janela, consegui adormecer.

Acordei com minha mãe chamando para almoçar. Tirei o lençol do rosto e olhei pra porta que havia visto se abrir durante a noite. Estava fechada. Puxei-a após um momento de hesitação, e como você deve imaginar, não havia nada ali dentro. Minto, havia camisetas e calças penduradas, nada que me deixasse propenso a fugir gritando. À luz do dia, foi muito fácil concluir que havia imaginado tudo.

Quando a noite chegou, eu já não tinha tanta certeza.

Mas não podia falar nada pros meus pais. Papai me daria uma bronca, afinal eu estava velho demais pra ter medo do bicho-papão, e mamãe confiscaria todos os meus gibis de terror. Aqueles antigos, sabe, tipo “Histórias Reais de Drácula” ou “de Lobisomem”... Mais uma vez revistei o armário inteiro, à procura de qualquer coisa estranha. Não encontrei nada, e pra mim estava ok.

Apaguei a luz e fui pra cama, me cobrindo todo. Tá, não havia nada para me preocupar, mas já havia perdido a vontade de abandonar o costume. Além disso, aquela noite estava menos quente, dava pra dormir numa boa. Dormi mesmo, só que acordei com sede durante a madrugada. Sempre deixava um copo de água no criado mudo, mas agora estava meio receoso de estender o braço para pegar. Fiquei nessa dúvida até a secura em minha garganta se tornar insuportável, então tirei o lençol do rosto e olhei pro armário, só pra me certificar que estaria fechado.

Não estava.

Fiquei imóvel, olhando para a porta até meus olhos se acostumarem com a escuridão. Sim, não havia dúvida, estava entreaberta, mas e daí? Dessa vez eu não estava assustado! Bom, não muito. Sentei na beirada da cama e fiquei parado por alguns momentos, tomando coragem para ficar em pé e fechar aquele maldito guarda-roupa. Isso acabaria com meu medo de uma vez por todas. Respirei fundo e levantei, caminhando rápido até o móvel aberto.

Quando comecei a empurrar a porta, uma mão pálida saiu lá de dentro e tentou agarrar meu pulso.

O que aconteceu no instante seguinte eu não lembro. Lembro apenas de estar novamente em minha cama, escondido embaixo do lençol. Sim, teria sido mais inteligente correr até o quarto dos meus pais, mas naquela hora não pensei em mais nada, estava aterrorizado. De maneira frenética, testei com os pés se o lençol ainda estava bem preso embaixo do colchão, e cerrei os punhos sobre a beirada que cobria minha cabeça. Antes que tivesse tempo de negar o que havia visto, senti que o fantasma vinha em minha direção. Não, não estava vendo ele, mas sua presença era tão intensa que dava no mesmo. Eu queria gritar, mas estava paralisado.

Aquilo estava chegando cada vez mais perto, com os braços estendidos.

Minha bexiga se soltou, acrescentando vergonha ao terror absoluto. Cerrei os dentes, esperando o momento em que aquelas mãos de cadáver iriam me arrastar pra fora da cama. Elas já estavam a centímetros do meu pescoço...

E então pararam.

A coisa ficou imóvel durante um longo tempo, depois afastou os braços e começou a caminhar ao redor da minha cama.

Procurava alguma coisa, talvez uma parte desprotegida.

Isso me deu esperanças, achei que se estivesse totalmente coberto, a assombração não conseguiria me pegar. E assim esperei, na expectativa, a garganta tão seca que chegava a doer. Eu tremia e soluçava baixinho, rezando para aquilo ir embora. Se funcionou eu não sei, pois em algum momento perdi os sentidos.

Acordei na manhã seguinte, com meu pai chamando para ir à escola. Pulei da cama e o abracei, chorando, sem me importar se levaria bronca ou não. Criança é tão boba... É óbvio que meu pai não brigou comigo, apenas me abraçou bem forte e perguntou o que havia acontecido. Mamãe também despertou e fomos todos pra cozinha, onde contei tudo. Nossa, eles foram tão legais, me acalmaram e disseram que havia sido um pesadelo, essa coisa básica, mas em compensação não me trataram como aqueles pais idiotas dos filmes de terror, que negam tudo até ser tarde demais. Deus, como sinto saudades deles...

Revistaram o quarto junto comigo, e nem falaram nada sobre o cheiro de urina em minha cama e pijama. Claro, não encontramos nada de anormal, mas eu ainda estava alarmado. Mamãe disse que eu poderia dormir com eles até meu medo passar. Adivinha se não aceitei?

Como não compartilhavam da minha mania de dormir coberto, tive que me enrolar inteiro no meu lençol. Papai disse que eu já não era mais um morto no necrotério, e sim uma múmia. Bom, você pode achar que tudo ficou bem, agora que eu estava no meio de dois adultos, certo? Quem me dera.

Naquela mesma noite, o fantasma retornou.

Saiu do guarda-roupa dos meus pais, provocando um rangido abafado na dobradiça, depois ficou me rondando com avidez. Aterrorizado, comecei a dar cotoveladas na minha mãe, tomando cuidado para não sair do meu casulo. No momento que ela acordou, senti aquilo indo embora. Mamãe acendeu o abajur, olhou pelo quarto – o armário estava fechado de novo - e me garantiu que não havia nada ali.

Assim que ela voltou a dormir, escutei aquele rangido de novo. Acordei-a de novo e tudo se repetiu, com a diferença de que agora havia uma leve impaciência em sua voz. Tentei despertar meu pai na outra vez, mas ele tinha um sono pesado demais. Resignei-me e esperei quietinho, até a aparição desistir.

Aquilo se repetiu por muitas noites. Meus pais insistiam que eu estava sonhando, ou então era o medo me fazendo ver coisas que não existiam. O medo podia fazer a manga de uma camisa ficar parecida com um braço, que tentava puxar a gente para um lugar escuro. Fazia sentido pra eles, e eu me desesperava por não poder provar que estavam errados.

Comecei a sofrer de insônia, queria que a luz ficasse acesa, me recusava a voltar ao meu quarto. Meus pais foram ficando cada vez mais preocupados, achando que aquela fase não era tão passageira quanto supunham. Fizeram minha vontade e tiraram o guarda-roupa do quarto deles. Eu lembro bem dessa noite, porque fiquei mais relaxado e até me arrisquei a dar uma espiada fora do lençol. O abajur estava aceso e fiquei passando os olhos por todo o recinto, na expectativa. Estava quase me cobrindo de novo, quando percebi alguém escondido atrás da cortina.

Ah, dessa vez eu consegui gritar. E como.

É óbvio que não havia nada lá quando meus pais acordaram, e no dia seguinte, me levaram a um psicólogo. Ele disse umas coisas interessantes, que eu estava estressado com a mudança de ambiente e com a solidão, além disso era normal ter medo naquela idade. À medida que fosse crescendo, meu temor iria diminuir de forma gradativa. Nisso ele estava certo, mas demorou algum tempo.

Todas as noites antes de deitar, eu precisava conferir obsessivamente se meu cobertor estava bem preso embaixo do colchão, com medo que se soltasse durante a noite. Nos mudamos de casa e eu ganhei um quarto sem móveis ou cortina, apenas minha cama. Desolado, descobri que o visitante noturno não precisava de nada disso para me encontrar, embora tivesse uma estranha preferência por guarda-roupas.

As noites de terror só acabaram quando comecei a tomar remédios para dormir. Coisa forte mesmo, tarja preta. Logo que eu engolia os comprimidos, corria pra cama e me enrolava em meu escudo de tecido, então esperava aquele doce torpor me envolver.

Os meses foram passando e arranjei alguns amigos. Aquela história de “medo pregando peças” parecia cada vez mais verossímil. Os anos vieram sem eu perceber, minha voz engrossou e comecei a me interessar pelas garotas.

O fantasma era apenas uma lembrança distante quando comecei a diminuir a medicação.

Ainda acordei algumas madrugadas com a impressão de não estar sozinho, porém era bem mais tênue dessa vez. Bastava pensar em outra coisa, e aquilo acabava. Meu temor foi enfraquecendo aos poucos, então um dia, sem mais nem menos, a sensação acabou para sempre.

Eu havia crescido.

Continuei dormindo todo encoberto, mas isso era novamente um hábito, não uma compulsão. Entrei na faculdade e fui morar numa república de estudantes. Agora, eu só lembrava das minhas aventuras de infância quando alguém da roda começava a contar histórias de terror. Eu contava minhas experiências - sempre omitindo o fato de ter mijado na cama - e meus relatos faziam bastante sucesso. Mas eu acho que a Carol nem prestou atenção. Ela era minha namorada na época, e foi ela que levantou meu lençol na primeira noite que passávamos juntos. Lembro de acordar meio sonolento com ela perguntando “por que está dormindo desse jeito, seu bobo?”.

O fantasma agarrou meu pescoço antes que eu tivesse tempo de responder.

Puxou-me pra fora da cama e começou a me arrastar em direção à porta do armário, num pesadelo cego de luzes apagadas. Minha namorada berrava de forma histérica, sem entender o que estava acontecendo. Eu esperneava e lutava em pânico, sem conseguir me livrar dos dedos gelados que esmagavam minha traquéia. Ainda tentei me segurar na beirada do guarda-roupa. Farpas entraram na minha mão e duas ou três unhas se quebraram, sendo arrancadas da minha carne. Nem me importei com a dor, só queria escapar.

Não adiantou.

Quando senti o tecido das roupas deslizando por meu rosto, desmaiei.

Desmaiei ou morri.

Não sei quanto tempo fiquei inconsciente, só lembro que quando abri os olhos, havia apenas escuridão. No instante seguinte, escutei o grito da assombração que me trouxera até ali. Estava me procurando. Fugi para bem longe, até os urros de frustração se tornarem meros sussurros ecoando nas trevas.

Vaguei durante muito tempo sozinho, gritando por socorro. Muitas vezes ouvi outros pedidos de ajuda, na maioria com vozes de crianças. Em outras ocasiões, escutei apenas berros insanos. Nunca encontrei ninguém. A solidão se tornou desesperadora e já estava quase enlouquecendo, quando bati em algo. Parecia a porta de um guarda-roupa.

Empurrei e cheguei aqui, no seu quarto.

Desde então, volto todas as noites. Sei que não pode me escutar, mesmo assim eu converso com você para espantar minha própria solidão. Vejo pelas fotos que está crescendo rápido. Não cometi o erro de ser visto, então logo você não sentirá mais minha presença. Vai concluir que eu não existo, aí será só questão de tempo para que abaixe o cobertor, deixando seu pescoço ou braço desprotegido.

Serei mais inteligente do que a coisa que me raptou.

Quando eu te puxar para dentro do armário, nunca mais vou te soltar.
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Sobre o Autor
Nascido em Curitiba, já publicou contos nos livros Draculea, Invasão, Alterego e Galeria do Sobrenatural, na revista Scarium Megazine, em fanzines impressos (Astaroth e Juvenatrix antigos), fanzines eletrônicos (Astaroth e Juvenatrix novos, no TerrorZine) e diversos sites (como o Boca do Inferno). Acredita que a publicação de seu livro solo não demora muito. Tomara
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Fonte:
A Lua Mortal. /