sábado, 5 de junho de 2010

Vicência Jaguarive (Nos Momentos de Lucidez)

Jana = Noel del Rosal Ortiz

Mas os momentos de lucidez são mais frequentes. Ela ainda conserva a consciência de seu papel na família. De vez em quando dá ordens e toma decisões, para depois alienar-se do mundo e de si mesma. A cabeça luta para se manter intacta, embora o corpo esteja fraquejando.

Parece ter a intuição de que continua a ser a mola mestra da família. Por enquanto não pode empreender sua viagem, ainda precisam dela. Chora quando chega um sobrinho ou um amigo que não vê há tempos. Entende que aquela pode ser a última vez. As lágrimas são uma demonstração de que ela ainda tem ciência do que acontece à sua volta. Sabe que se aproxima seu aniversário. Noventa e três anos. Quase um século, mas nem parece. O tempo passou rápido demais.

A avó aproxima-se e leva-a para a lição de bordado. Está de férias do colégio onde estuda, na cidade vizinha. Depois da sessão de bordado, a avó lhe dá dinheiro para uma cocada, seu doce preferido. A avó é autoritária, não admite desobediência, mas é boa... para os netos... para todo mundo. Passa pelo quarto da mãe, que amamenta o bebê chegado há algumas semanas. Entra e a mãe lhe dá um beijo na cabeça. A mãe é doce, carinhosa, paciente. Ela a ama muito. O bebê recebeu o nome de José, e é assim que o chama. Algumas pessoas já começaram a chamá-lo Dedé, mas ela não. Não gosta de apelido.

Alguém aciona a campainha, e ela pergunta à cuidadora quem é. Põe a cabeça para fora da rede. É uma das sobrinhas. Ela casara, não tivera filhos, mas criara quatro sobrinhas que ficaram sem mãe. Na realidade, foi mãe para quase todos os sobrinhos, e eles a amam e preocupam-se com ela. Fica feliz quando sabe que eles vivem bem. Recentemente, soube que vai ganhar um sobrinho-bisneto. Ficou feliz pelo sobrinho que vai ser avô, mas ficou mais feliz por saber que a família continua a crescer.

O pai reconhece seus passos no corredor e a chama. Ele se sente pior do reumatismo, anda com muita dificuldade, e a ferida da perna está mais profunda. Ele quer sempre um filho por perto. Gosta de conversar com ela, porque a acha ajuizada e responsável. Pergunta-lhe se ela vai bem no colégio, se comporta-se bem, se sente saudades de casa. Ele conserva-a perto de si por uma boa meia hora. Ela já está impaciente. Sente o gosto da cocada, que continua na bodega. Quando finalmente ele a libera e ela chega à mercearia, alguém havia comprado o último doce do dia. O semblante de tristeza sensibiliza o bodegueiro, que vai mandar a mulher fazer um outro prato de cocada. Dentro de uma hora ela volte que o doce vai estar pronto.

A cuidadora anuncia a hora do banho. Ela não gosta mais de tomar banho, sente muito frio, apesar da temperatura alta da água. O cheiro do sabonete líquido e do shampoo. Depois, a fragrância da colônia suave, que ganhou no Natal. Como ganha presentes! Os sobrinhos mandam presentes no aniversário, no Dia das Mães e no Natal. E quando vêm passar o fim de semana com ela trazem sempre uma lembrança. Veste um vestido limpo e cheiroso e pede para ouvir música. Levam-na à área coberta, onde se conserva sempre uma rede armada, e ela ouve a voz modulada do Orlando Silva: Lábios que eu beijei / Mãos que eu afaguei / Numa noite de luar assim...

O médico dissera que o pai precisava cortar a perna, para evitar a gangrena. Mas ele não resistiu e morreu horas depois da cirurgia. Ela deixara o colégio para ajudar a tocar os negócios da família. Era a mais velha e tinha jeito para comandar. O irmão mais novo do que ela um ano iria substituir o pai na política. Talvez se candidatasse. Havia também o namorado, que fez pressão para ela deixar os estudos e voltar para casa. Aquele namoro era outro problema que parecia não ter solução. Gostava dele, mas ele era um boêmio. Já havia dito: só se casaria quando ele se cansasse daquela vida. A mãe estava sofrendo com a morte do marido, principalmente porque se sentia desamparada. Era uma mulher fraca, que se apoiava na fortaleza dele. Agora não sabia o que ia ser de sua vida.

Vestida de azul e branco / Trazendo um sorriso franco / No rostinho encantador / Minha linda normalista / Rapidamente conquista / Meu coração se amor. Nélson Gonçalves havia substituído Orlando Silva. Gostava daquela música, que a fazia lembrar-se da sobrinha mais velha, a menina do seu coração. Sempre achara que ela seria professora primária, mas a sobrinha fora além. Fez faculdade e até ensinava na universidade.

Nasceu! É uma menina! E o nome vai ser Vicência Maria, em homenagem à Tatença. O irmão entrara correndo e dera a notícia. Era a primeira filha, a primeira neta, a primeira sobrinha. Ela gostou de ouvir que o nome da menina seria o mesmo da avó deles – Vicência, que os netos chamavam Tatença. Aquela menina seria o xodó da família, ela tinha certeza. Levantou-se da máquina, onde bordava uma colcha para o berço do bebê e apressou-se a ir à casa do irmão. A cunhada já estava pronta na cama, com os belos olhos azuis brilhando de felicidade. A menina tem os olhos azuis? Ela era herdeira do gene dos olhos azuis, havia muito a quem puxar: a mãe tinha os olhos azuis e mais duas irmãs dela também. Ela própria, a tia, e um de seus irmãos ostentavam um par de olhos da cor do céu. Não, ela tem os olhos castanhos, disse a mãe da cunhada.

O irmão fizera um bom casamento. A cunhada era uma esposa perfeita. Ele casara-se antes das eleições. Quando tomou posse, a mulher já estava grávida. Aproximou-se do berço. Quando viu o pacotinho branco, somente com os negros cabelos do lado de fora, sentiu que amaria aquela menina como se fosse sua filha.

O almoço está na mesa. Vamos!? Era a voz da cuidadora. Levou-a para a sala de jantar e aproximou a cadeira de rodas da mesa, onde uma das sobrinhas a esperava. Vovó – era assim que os sobrinhos mais novos a chamavam –, está chegando o seu aniversário. O que a senhora vai querer? Ela sorriu um sorriso maroto: Eu quero uma festa, com bolo confeitado, convite, missa e tudo mais. A sobrinha surpreendeu-se: Outra festa, vovó? A resposta veio em tom de ordem: Sim! Eu não tenho dinheiro? Até morrer vou festejar o aniversário.

O sorriso passou de brincalhão a irônico. O que ela ironizava? A vida, talvez. Será que está lúcida? Perguntou-se a sobrinha. Ela tem momentos de ausência, momentos em que se refugia no passado.

Fonte:
Colaboração da escritora.

26ª Feira do Livro Canoas (Programação)


Histórias chegam, ficam e partem daqui.
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05 a 20 de junho de 2010

Horário:
Segunda a sexta:- visitação 9h às 21h

-Livreiros: Das 9 às 20h.
Sábado: Das 9h às 18h30
Domingo: Das 10h30 às 17h

Calçadão e Praça da Bandeira

Patrona: Nelsi Inês Urnau

Xerife:Inácio Ritter Longui

Escritora Homenageada: Cíntia Moscovich

Cidade Homenageada: São Leopoldo

Tema: 25 anos da Trensurb


Informações e agendamento para escolas:
Secretaria Municipal de Cultura
Rua Ipiranga,105-Centro
Fone(Fax): (51) 34784449

Agendamento para Hora do Conto: 34621622

E-mail: feiradolivrocanoas@gmail.com
Blog: http//www.feiradolivrocanoas.blogspot.com/

Fornecem certificados para os participantes (professores e mediadores)

A Programação Geral está em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/26a-feira-do-livro-canoas-programacao

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Trova 149 - Izo Goldman (SP)

XXIII Jogos Florais de Ribeirão Preto (Resultado Final)


TEMA NACIONAL: VIAGEM

CATEGORIA VENCEDOR
(troféu)

1º lugar
A mais bonita homenagem,
concede-a Deus,qual troféu,
a quem completa a viagem,
sem mancha,do berço ao céu!
Antônio Augusto de Assis
Maringá-PR

2º lugar
Já reservei a passagem
e aguardo sem reclamar...
que a data desta Viagem
é Deus quem vai carimbar!
Carolina Ramos
Santos-SP

3º lugar
A viagem dos meus sonhos,
eu fiz,pensando em você,
e esses dias, tão risonhos,
eu agradeço à UBT!
Gislaine Canales
Balneário Camboriu/SC

4º lugar
Minha primeira viagem
foi num Maria-fumaça.
Guardo até hoje a passagem
na saudade, que não passa...
Antônio Augusto de Assis
Maringá-PR

5º lugar
Se a vida é apenas passagem
quero que me façam jus;
na minha última viagem
deixem que eu veja Jesus!
Ademar Macedo
Natal-RN

VIAGEM
CATEGORIA MENÇÃO HONROSA
(medalha dourada)

1º lugar
Viagem nunca esquecida,
eu fiz de trem, com meu pai,
a lembrança traz-me à vida,
quem da memória não sai!
Delcy Rodrigues Canalles
Porto Alegre-RS

2º lugar
Teu ciúme foi bobagem
e causou minha revolta.
Mas,cancelei a viagem
por amor... e estou de volta!
Therezinha Dieguez Brizolla
São Paulo-SP

3º lugar
A vida faz seu traçado
e ao longo desta viagem,
coloco a sorte ao meu lado
e a esperança na bagagem!...
Marilúcia Resende
São Paulo-SP

4º lugar
De viagem,vem o vento
e beija a flor quando passa...
É um amor só de momento
como tantos que há na praça
Marina Bruna
São Paulo-SP

5º lugar
Numa viagem,sozinho,
vagando entre a luz e o breu,
procuro pelo caminho
um sonho que se perdeu...
Renata Paccola
São Paulo-SP

VIAGEM
CATEGORIA MENÇÃO ESPECIAL
(medalha prateada)

1º lugar
A caminho do infinito,
prossigo a minha viagem...
levo o que é de mais bonito:
o nosso amor na bagagem!
Roberto Tchepelentyky
(São Paulo-SP)

2º lugar
A saudade de um mocambo
nesta viagem matei,
revendo meu pé de jambo
que lá no sertão plantei.
Sebastião Isidro de Araújo
(Angra dos Reis,RJ)

3º lugar
Escrever é uma viagem,
um prêmio de quem tem sorte,
levando o amor, na bagagem
e a trova por passaporte!
Gislaine Canales
Balneário Camboriu/SC

4º lugar
Singrando os mares da vida,
com você por minha escolta,
mais suave torna-se a ida,
nesta viagem sem volta.
Wanda de Paula Mourthê
Belo Horizonte-MG

5º lugar
Viagem ao ninho antigo,
refúgio na mocidade,
voltei,mas meu lar amigo
só vive em minha saudade!
Giva Silva
São Paulo-SP

TEMA NACIONAL: TURISTA

CATEGORIA VENCEDOR
(troféu)

1º lugar
Presença sempre benquista
toda vez que ele aqui vem,
Deus abençoe o turista!
-E os seus dólares também!!!
José Ouverney
Pindamonhangaba-SP

2º lugar
Um turista encapotado,
Indo a campo de nudista,
Diz,ao ser interpelado:
“só vim por causa da vista”.
Eduardo Domingos Bottallo
São Paulo-SP

3º lugar
Um mau negócio o turista
faz no Rio de Janeiro,
pois enquanto vê a vista
fica a prazo sem dinheiro.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte MG

4º lugar
Sem querer fazer fofoca,
disse um turista emergente:
no carnaval carioca
tem mais “gringo”do que gente.
Ademar Macedo
Natal-RN

5º lugar
De uma turista estrangeira,
Vendo as quedas do Iguaçu:
-Será que isso é cachoeira
ou é chuveiro de Itu?...
Antonio Augusto de Assis
Maringá-PR

TURISTA
CATEGORIA MENÇÃO HONROSA
(medalha dourada)

1º lugar
Curtiu férias na cadeia
certo turista abusado:
mexeu com garota alheia...
a filha do delegado.
Giva Rocha
São Paulo-SP

2º lugar
Teve a baiana um chilique,
ao dizer:”Vai vatapá?”
e o turista,num trambique:
“Se eu vou tapa? É pra já!
Marilúcia Rezende
São Paulo-SP

3º lugar
A turista,sem “traseira”,
no seu biquíni de malha,
quando viu a “brasileira”
enrolou-se na toalha!!!
Neide Rocha Portugal
Bandeirantes-PR

4º lugar
Turista pára um momento
com a sua companheira,
enquanto olha o monumento,
deixa roubar a carteira.
Antonio José Barradas Barroso
Parede (Portugal)

5º lugar
Na ortografia refeita,
grande descontentamento:
O turista não aceita
que voo não tenha acento!
Renata Paccola
São Paulo-SP

TURISTA
CATEGORIA MENÇÃO ESPECIAL
(medalha prateada)

1º lugar
Muita gente está no mundo
qual turista parasita:
nada faz e deixa imundo
cada lugar que visita...
Antonio Augusto de Assis
Maringá-PR

2º lugar
Chega ao lugar desejado,
Depois de muitas caronas...
O turista fascinado,
“ama as zonas” do Amazonas!!...
Marilucia Resende
São Paulo

3º lugar
Turista, finda a viagem,
Nota que a esposa se zanga
Porque as fotos da paisagem
Só tem mocinhas de tanga.
Antonio José Barradas Barroso
Parede (Portugal)

4º lugar
Um faquir foi viajar
e,ao ser passado em revista,
mil agulhas a explicar:
-sou um acupun-turista!
Renata Paccola
São Paulo-SP

5º lugar
Meu marido é um “veranista”...
Adora uma “temporada”...
“Comparece”.. igual turista...
uma vez por ano e...”nada”!
Jaime Pina da Silveira
São Paulo

MADURO
(tema municipal)

CATEGORIA VENCEDOR
(troféu)

1º lugar
Ramas de café maduro,
brilhando como rubi,
esparramadas no muro,
beleza igual nunca vi!
Edina Duarte Silva do Prado

2º lugar
Quando o amor maduro,na alma
acende o fogo,a paixão,
faz a poesia que acalma
na forma do coração.
Sueli Tornici

3º lugar
Um beija-flor encantado
fruto maduro bicou,
sugou o néctar dourado
que a natureza gerou.
Wanda Duarte da Silva

4º lugar
Mesmo já sendo maduro
sinto da vida um frescor...
Hoje me julgo seguro,
no Amor de Cristo Senhor!
Roger Rodrigo de Brito

5º lugar
Nos versos que eu bem componho,
ao mundo espalho esplendor,
com as palavras que, em sonho,
faz maduro nosso amor.
Sueli Tornici

MADURO
CATEGORIA MENÇÃO HONROSA
(medalha dourada)

1º lugar
Homem maduro tem força;
firme,enfrenta ondas e ventos.
Por mais que os anos,
jamais perde os bons momentos.
Nilton Manoel

2º lugar
Canteiro todo enfeitado,
céu dourado encantador,
cruto maduro espalhado,
tapete do Redentor.
Wanda Duarte da Silva

3º lugar
Um coração é maduro,
sabendo a escolha fazer,
não caminha no escuro
sabe o bem reconhecer.
Elisa Alderani

4º lugar
O sofrer nos faz maduro,
crescer bastante e sonhar!
torna o coração seguro
depois de tanto apanhar.
Arlete Luiza

5º lugar
Na caminhada, maduro,
ponho fogo na fornalha,
quero deixar ao futuro,
as lições de quem trabalha.
Nilton Manoel

MADURO
CATEGORIA: MENÇÃO ESPECIAL
(medalha prateada)

1º lugar
Nunca pense o homem maduro
que a vida já conheceu...
Só não pode estar seguro
pois nem tudo já viveu!
Edina Duarte Silva do Prado

2º lugar
O tempo me fez maduro
desenhando o meu caminho
já passei por cada apuro...
mas sempre espalhei carinho.
Ziney Santos Moreira

3º lugar
Desvios da juventude...
transtornos nas emoções...
sou maduro de virtude,
mudando nas estações!
Célia Apparecida Silli Barbosa

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VERDE
(tema municipal)

CATEGORIA VENCEDOR
(troféu)

1º lugar
Você é o verde da vida,
eu já não sou tanto assim,
mas nos “juntando”querida
daremos frutos sem fim.
Wilson Clovis de Andrade

2º lugar
Muda o mundo... tudo muda!
Mas no campo do saber,
Há quem todo o tempo estuda,
mas é ‘verde’- de morrer!
Nilton Manoel

3º lugar
Pra ser teu par, sou maduro,
pra mim és verde demais;
mas nosso amor é tão puro
que parecemos iguais.
Wilson Clóvis de Andrade

4º lugar
Com a verde camisola
de detalhes provocantes,
a boazuda Carola
morre de sonhos picantes.
Eliane Aparecida Pereira.

5º lugar
O belo verde do olhar
deixa a sogra piradinha;
que o genro... quer conquistar
essa fogosa velhinha.
Arlete Luiza

VERDE

CATEGORIA MENÇÃO HONROSA
(medalha dourada)

1º lugar
Tendo o seu verde esgotado,
pra muita grana ganhar,
quer esse gringo danado,
nossas matas reservar!
Fátima R.F. Starling

2º lugar
A sua verde calcinha
quase aparece no andar...
preste atenção menininha
vai dar muito o que falar.
Wanda Duarte da Silva

3º lugar
Quando o verde da esperança
vem doce no coração...
Nem sempre há temperança
para regar a emoção.
Arlete Luiza

4º lugar
Quando a peruca caiu,
verdinha... verde, bem chique!
A platéia toda riu!
e Helena? Teve um chilique!
Sueli Tornici

5º lugar
Zé no banheiro trancado!
o que foi que aconteceu?
no pomar, esfomeado,
só manga verde comeu.
J. C. Panazzolo

VERDE

CATEGORIA MENÇÃO ESPECIAL
(medalha prateada)

1º lugar
Matuto sem invernada,
usa sempre a malandragem.
Compra óculos pra boiada
e ela vê verde a pastagem...
J. C. Panazzolo

2º lugar
O matuto sempre diz
que a barriga lhe doeu...
Foi à jaqueira o infeliz,
só jaca verde comeu...
J. C. Panazzolo

3º lugar
Vamos pular a fogueira,
nem pensou, verde menina
que por ser muito gaiteira
nem fogueira a domina.
Wanda Duarte da Silva

Fonte:
Colaboração de Nilton Manoel

David Martins (O Bandido da Serra de Arga)


A Serra de Arga ergue-se rodeada de muitas outras serranias. A Natureza encontra-se aí em estado quase selvagem, tendo sofrido pouco com a acção destruidora dos homens que tudo querem rapidamente Dominar e transformar em seu próprio proveito. Esta zona era, na época a que nos reportamos, já lá vão alguns séculos, escassamente habitada de gentes. As aldeias distavam uma lonjura umas das outras e eram precisas muitas horas a pé ou a cavalo para que alguém se deslocasse à localidade mais próxima.
Naqueles ermos vivia, solitário, talvez abrigando-se nalguma caverna, um homem enorme e possante, um homenzarrão, que se dedicava à única atividade de matar e roubar todos quantos se aventurassem a atravessar aquela região e tivessem o azar de se encontrar frente a frente com ele. O salteador atacava as suas vítimas com um facão de que nunca se separava. As populações temiam-no e evitavam-no, tal como o faziam com os lobos e os ursos.

Certo dia, um fradinho ingênuo e com o coração cheio de bondade, aventurou-se por aqueles íngremes caminhos de montanha, extasiado com a magnífica paisagem a perder de vista. Ele tinha Deus no seu coração e, quando se via confrontado com a maldade humana, sempre arranjava maneira de descobrir o lado bom dos prevaricadores. Ele não acreditava que pudesse existir a maldade pura e simples.
Seguia este homem de Deus por uma vereda, enchendo os pulmões com aquele ar tão leve e ligeiramente embriagador, e sentindo o coração livre como um passarinho, tudo isto por lhe dada a ver toda aquela beleza simples e harmoniosa. Enquanto caminhava ia agradecendo ao Criador por lhe proporcionar tanta felicidade. Ia tão absorto nos seus pensamentos que nem se assustou quando, alguns passos à sua frente surgiu, vindo não se sabe de onde, uma espécie de gigante, um maltrapilho hirsuto, empunhando um facão e que avançava na sua direção:

- Quem és tu meu irmão...? - começou o frade a perguntar mas, antes de ter podido acabar a frase agonizava, caído por terra, profundamente atingido pela lâmina da enorme faca do bandido.

Antes de exalar o seu último suspiro, o frade ainda conseguiu dizer ao seu algoz, sem qualquer vestígio de rancor ou ódio no seu coração:

- Tenho muito pena de ti meu irmão... vejo que és um homem muito infeliz e solitário e que sofres com isso. É esse sofrimento que te leva a cometeres crimes de sangue... matas o teu semelhante porque não sabes amá-lo. Mas eu agradeço-te pelo mal que me fizeste porque, assim, daqui a pouco vou estar perto de Deus e pedir-lhe-ei que Ele te ajude a encontrar o bom caminho que, um dia, te conduzirá, também a ti, até ao Céu. Acredita que vou ajudar-te ...

O santo homem não teve tempo para acabar a frase. A alma abandonou o seu corpo e regressou para junto do Criador.


Estupefato com a atitude do frade, o ladrão sentiu-se como se tivesse sido atingido por um raio e compreendeu, naquele instante, que se tornara num monstro. A partir daquele dia operou-se uma modificação total na sua maneira de agir e, em vez de assaltar e matar os viajantes, passou a ajudar todos quantos por ali passavam e precisavam da sua ajuda: Salvava crianças que se atolavam na neve, ajudava os pastores a encontrarem as ovelhas tresmalhadas, carregava às costas os velhos que queriam atravessar o ribeiro pouco profundo mas que tinha uma corrente rápida e agitada. Enfim, transformara-se num modelo de caridade cristã para com os seus semelhantes.

Mas, muito antes do assassínio do frade e da consequente modificação no seu comportamento, já a sua fama de assassino e ladrão tinha chegado a Lisboa. Os governantes ofereceram, então, uma recompensa de cem moedas de ouro a quem capturasse o homem e o entregasse às autoridades, vivo ou morto.

Um dia, um camponês que se fez àquela estrada de montanha com uma carroça carregada de cereal para vender na feira ficou, de repente, muito aflito ao verificar que uma das rodas se atolara na lama e ele sozinho não era capaz de resolver o problema. A carroça ia-se inclinando para aquele lado e o homem temia que o cereal se derramasse pela encosta abaixo.
No meio da sua aflição, o camponês não viu aproximar-se o gigante que, entretanto, passara a ser um homem de bem. Pondo um joelho em terra e curvando as suas possantes costas, o homem conseguiu equilibrar, sobre os ombros, o peso da carroça antes que o seu conteúdo se perdesse.

Sabedor da recompensa para quem capturasse o antigo salteador e vendo-o ali, desprevenido, numa postura em que não podia defender-se, o camponês agarrou com as duas mãos num machado que levava escondido debaixo do capote e, com dois ou três golpes, esmagou a cabeça de quem lhe prestara ajuda desinteressada, matando-o de imediato. Cobriu o corpo com alguma terra, ramos e folhas secas e foi a correr avisar as autoridades que tinha capturado o bandido, pedindo-lhes que o acompanhassem depressa ao local, pois temia que os lobos entretanto comessem o cadáver.

Quando chegaram ao sítio onde o homem tinha sido abandonado, com a cabeça despedaçada, verificaram que o seu corpo se encontrava deitado sobre um tapete de flores que inexplicavelmente tinham crescido em seu redor. A cabeça não tinha sinais de ferimentos e o corpo estava intacto, parecia alguém que tivesse simplesmente adormecido tranquilamente. Junto dele tinha crescido uma árvore com densa folhagem que projetava uma sombra fresca sobre o corpo que ali jazia. Passarinhos esvoaçavam em todas as direções enchendo o ar de música com o seu chilrear.

A notícia de tão insólito acontecimento correu célere pelas aldeias vizinhas e não tardou que houvesse quem considerasse que Deus, na sua infinita bondade, concedera a sua misericórdia àquele antigo pecador e que, por isso, ele devia ser considerado santo e digno de veneração.
O povo construiu-lhe uma pequena igreja num lugar ermo da Serra de Arga e, passados alguns séculos, ainda hoje ela lá se encontra e é muito visitada pelos devotos.

Fontes:

David Martins. Estórias e Lendas de Encantar. Lisboa: Lyon Multimédia 1998
Imagem = http://azulporcelana.blogspot.com

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 16


15. Sinônimos (I)

Tomemos, por exemplo, a frase “Quem com ferro fere com ferro será ferido”. A esse tipo de frase dá-se o nome de provérbio – palavra cujo significado é “breve sentença que expressa a sabedoria popular”. Poderíamos dizer a mesma coisa, isto é, indicar o mesmo significado, escolhendo, entre outras, uma das seguintes palavras: adágio, aforismo, anexim, apotegma, brocardo, ditado, dito, máxima, preceito, prolóquio, rifão... A isso chamamos sinonímia – vários significantes para o mesmo significado.

Nem sempre, entretanto, a coincidência de significado é perfeita; por isso é importante, em benefício da clareza e da expressividade, escolher o sinônimo que melhor se encaixe no contexto. Em vez de aeroplano, você dirá avião, por ser palavra mais moderna; ou aeronave, para indicar maior intimidade com esse meio de transporte. Alencar não descreveu Iracema como a que tinha beiços açucarados; deu-lhe lábios de mel. Um beijo fica muito melhor no rosto ou na face do que na cara. Seca e enxuta podem ser sinônimos, no entanto é mais prudente chamar uma garota de enxuta do que de seca...

A linguagem, em sua função expressiva, estabelece para os sinônimos uma espécie de hierarquia social, que parte do cerimonioso ou científico, passa pelo afetivo ou familiar e chega até o rústico ou vulgar. Nessa ordem temos, por exemplo, abdome-barriga-pança; urina-xixi-mijo; fezes-cocô-merda; indelicado-grosseiro-cavalo; nádegas-bumbum-bunda; tedioso-enfadonho-chato...

Geram-se os sinônimos mediante processos vários. Veremos alguns dos mais frequentes:

Eufemismo ou disfemismo, que consistem em amenizar ou embrutecer a manifestação de uma ideia. Por exemplo: para substituir morrer, temos, entre outros, os eufemismos descansar, falecer, faltar, partir, dormir nos braços do Senhor; entregar a alma a Deus; ir desta para melhor, ir para a eternidade, mudar-se para o andar de cima... ou disfemismos tais como bater as botas, esticar as canelas, ir para a cidade dos pés juntos... Em vez de velhice, muitos preferem dizer idade avançada, idade da sabedoria, idade madura, idade provecta, outono da vida, terceira idade... E o velho, embora comumente chamado ancião, idoso, vetusto, é dito por outros coroa, gagá... O povo é fértil também na criação de eufemismos “folclóricos”: cachaça = água que passarinho não bebe; defecar = exonerar o ventre; gravidez = estado interessante; menstruação = lua; penico = vaso da noite; urinar = verter água...
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Majela Colares (Poemas Escolhidos)


O SOLDADOR DE PALAVRAS

Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido

sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.

Criado o texto, com idéia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.

A idéia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.

O SILÊNCIO NO AQUÁRIO

em meu silêncio, meu exílio canto
e nele morro e quase sempre habito

se no meu sonho, meu silêncio encanto

é porque nele minha morte evito
guardo a memória desse deuses surdos

transformo em cinzas a feição do mito

e na distância de caminhos tardos
durmo ao relento sobre a terra fria

e nas pupilas desses gatos pardos
vivo mil noites pra sonhar um dia

OS LIMITES DO TEMPO

Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.

Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.

Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.

Nos limites da sombra projetada
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.

AS MARCAS DO TEMPO

O último impulso do segundo antes
ao projetar-se no após segundo

risca no tempo cicatrizes, fendas...
(o largo corte invariável, sempre)
que esculpe a forma virtual do instante

no confundível e abstrato mármore,
imagem sólida do momento único.

O PASTOR E SUA ALDEIA
a Altino Caixeta de Castro

Eu creio que a eternidade nasceu na aldeia
Lucian Blaga

O ladrido infinito de um cão morto
nas vozes de outros cães é repetido

muito além, incessante ao nosso ouvido
mais além, muito além da voz de um cão

trago a lua no bolso e o sol na mão
e um rebanho de cabras e de estrelas

no desejo incomum de sempre tê-las
na distante lembrança de uma aldeia

pervagando a memória das areias
onde estrelas e cabras pastam sonhos

trago à sombra de alpendres breve sono
pressentindo o rangido da tramela

despertado ao contorno da janela
no silêncio imortal da noite fria

canta o galo, outra vez, e denuncia
(seu cantar tem a cor da lua cheia)

o prenúncio de um dia em outro dia
da eterna solidão - eterna aldeia.

BANQUETE PARA UM FANTASMA

numa bandeja foi servida a hora
em um castiçal, meio tempo aceso

um sopro magro vinha porta fora

e porta adentro vinha um sopro obeso
na sala, ao canto, tinha um riso torto

em pé junto à porta um vulto ao revesso

todos falavam, ninguém se entendia
nas mãos um aceno em forma de enfeite

na mesa, à testa, um fantasma comia
cantava e sorria atento ao banquete

TINTA SOBRE TELA

pintaria de azul a cor do vento
de vento pintaria a lua cheia

se pudesse pintar esse momento

pintaria de céu e luz que ondeia
colorido eu faria o tempo, sempre

chocolate, vermelho, creme-areia

na mistura de tempos, fim errante
a cor do pensamento se desfaz

com um resto de tinta e meio instante
vou pintar seu nariz de cor lilás

TRATADO SOBRE UM POEMA

quis um poema sem razão nem fim
um canto surdo de areia e noites
bem mais veloz que ilusão do tempo
que fosse a vida muito além da morte

quis um poema que tivesse o fim
de ser apenas um rascunho torto
entre as lembranças de qualquer rascunho
entre os rascunhos de alguém já morto

quis um poema de tempo e de tempos
regado a vinho – se possível tinto –
do instante imune, que não foi instante
do tempo impuro, do mais puro cisco

quis um poema que fosse um poema
de pele clara, de cabelo ruivo
que fosse a pedra fecundando o húmus
e a luz gestante fecundando a luz

quis um poema... se quis um poema
foi assim quase... meio, fim e meio
sangrei a noite, mas fisguei o verbo
quis um poema lacerado ao meio

VERDE PELÚCIA

A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.

Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,

que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.

Fontes:
– Jornal de Poesia. http://www.revista.agulha.nom.br/
– Revista Para Mamíferos. n.2. Ano 2. Fortaleza,CE: Expressão Gráfica Editora, 2010.
http://www.astormentas.com/

Dimas Macedo (A Poesia de Majela Colares)

Collage à base de Michelangelo e Dali por Marco Aqueiva
Faço uma advertência para lhes dizer do que pretendo falar: das confissões e do outono de Majela Colares, um escritor cearense em ascensão, habitante do imenso País do Jaguaribe e que veio ter em Fortaleza para aqui semear os reclamos e denunciar as muitas incertezas e misérias do ambiente sofrido do sertão.

Majela Colares, em Confissão de Dívida, Fortaleza, Biblioteca “O Curumim Sem Nome”, 1993, é bem o testemunho de um autor que traz e sabe exibir no livro de estréia a força de uma construção poemática já em estágio de maturação, de um escritor que sabe cantar o seu drama e, através do canto, sabe dizer a razão e as contradições do ser da poesia no mundo, questionando assim o poeta o ato de viver e de produzir o milagre que se dissemina nas cordas da canção.

A seara poética de Majela Colares, em “Confissão de Dívida”, reflete a emoção profunda e consciente de uma atividade mental, existencial proveitosa, remarcada nos seus motivos e nos seus apelos pela saga da nordestinidade e do protesto, revelando-nos um universo de “reverberações nordestinas”, segundo a expressão de Luciano Maia, espaço-limite no qual dialoga com as muitas necessidades do humano, buscando atingir o universal com os valores e o modo de pensar e de sofrer de sua região.

Mas não se pense a sua poesia unicamente pela perspectiva da denúncia social e do conflito contigencial e emotivo. Claro que na sua poesia estão também presentes sinais da inquietação metafísica e fragmentos de interrogações, obsessões e perplexidades.

Já em Outono de Pedra, São Paulo, Editora Giordano/Fortaleza, Biblioteca “O Curumim Sem Nome”, 1994, Majela Colares projeta as suas reelaborações e as suas descobertas em busca de uma forma de expressão definitiva, forjando a construção de um estilo que tem muito em comum com as asperezas e os ícones do seu aprendizado e da sua formação.

Utilizando os metros e as muitas facetas da poesia popular nordestina, Majela realiza no seu novo livro, ao lado do conteúdo e da mensagem do texto, muitos experimentos e reinvenções, inclusive na área da décima e do quase-romance de cordel, mas o que vaza da leitura de “Outono de Pedra”, no entanto, é a remarcação das misérias e diásporas do mundo do sertão. É a miséria do sertão e a dor de se descobrir pregoeiro das suas necessidades e dos seus conflitos é aquilo que serve de motivo ao poetar cortante e ao discurso afiado da peixeira poética do autor.

Com ilustrações de Audifax Rios e Socorro Torquato, “Outono de Pedra” tem posfácio de Janilto Andrade, crítico literário e professor da Universidade Católica do Recife. Com ele, Majela Colares obteve menção Honrosa do “Prêmio Ladjane Bandeira de Poesia” – 1994, sendo que do seu texto entre outros elementos, exsurge uma linguagem crua e ao mesmo tempo rica de imagens e simbolizações, principalmente aquelas que têm no universo do homem nordestino o seu casulo e as suas formas de disseminação.

O poema, pois, como construção da linguagem. A palavra como argamassa e cascalho. O fazer a poesia como necessidade de compreender o mundo e de sentir. O sentimento como forma de expressão do pensar coletivo. O arremate do poema como formulação do estilo. O estilo como possibilidade de um modo concreto de dizer e de participar.

Daí, a necessidade do verso, a escritura e a filosofia da composição como justificação e referência de uma maneira muito consciente de pensar e de viver o drama do sertão. Ou não seria o sertão uma invenção e o Jaguaribe um rio que corre sem sair do lugar? Aqui é o lugar, Majela. O texto poético é o lugar da sua bem-sucedida e proveitosa realização.

Fonte:
– Jornal de Poesia.

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 15



14. Polissemia (II)

São, porém, os humoristas os que mais frequentemente se servem dos jogos polissêmicos (trocadilhos etc.) para fazer as suas graças. Algumas amostras, que por certo você já ouviu ou leu em algum lugar:

* Sabe como ele conseguiu colar grau?... Colando...
* Muitas vezes a colação de grau depende do grau de colação.
* Na roça, cana dá pinga. Na cidade, pinga dá cana.
* Ela e ele saíram para fazer um programa. Trabalham juntos na TV.
* A palestra dele me lembrou uma espada: comprida e chata.
* Tem gente que faz na vida pública o mesmo que na privada.
* Já deu muitas voltas no globo. É motociclista de circo.
* O Brasil foi feito por nós. Falta apenas desatá-los.
* Gripe topless: você tosse, tosse, tosse... até botar os peitos pra fora.
* Sabe o que faz o nadador?... Nada!
* A duplicata, ela sim pode afirmar: – Hei de vencer!
* Disse o estudante: – Feliz é o rio, que faz o seu curso sem sair do leito.
* Motorista paciente: se o sinal está verde, ele espera amadurecer.

Por falar em motorista, uma das mais interessantes coleções de jogos polissêmicos é a que circula Brasil afora nos parachoques de caminhões. São frases realmente muito boas. Vale recordar algumas:

* A vida de solteiro é vazia; a de casado enche.
* O mundo é redondo, mas está ficando chato.
* A mata é virgem porque o vento é fresco.
* Melhor um cachorro amigo do que um amigo cachorro.
* Relógio que atrasa não adianta.
* Para não ficar a pé, siga sempre na mão.
* Já estou cheio de me sentir vazio.
* A preguiça é um ócio duro de roer.
* Curta a vida, porque a vida é curta.
* Quem gosta de coroa é rei.
* Não sou sanfoneiro, mas toco a noite inteira.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Carlos Gildemar Pontes (Por Falta de um Adeus)



Aos domingos ele ia à praia. Lambuzava-se com um óleo vermelho e estirava-se de cara para o sol. Rapaz metido a fino esse Alfredo. Anda polido mesmo fora do expediente do banco onde trabalha. Sua paixão pela loirinha começa toda segunda-feira.

Pelas manhãs, depois do café, olha-se demoradamente no espelho, revira o cabelo, tenta novo penteado, mas a imagem da loirinha lhe apressa, dando um friozinho na barriga.

- Tchau Rex!

- Au, au, auauau... au, au!

Às 7:30 ela chega ao ponto do ônibus. No último encontro ele alargou-lhe um sorriso. Tomaram o ônibus juntos.

- Oi – dizia ele costumeiramente.

- Oi – respondia ela saturadamente.

- Hoje você atrasou cinco minutos, eu marquei.

- É, o meu cachorrinho machucou a pata dianteira esquerda, aí eu fiz um curativo nele...

- Ah, mas eu também tenho um cachorro! É o Rex. Ele é de raça, sabe? Tem um bom pedigree. E o seu?

- Também.

Hoje o diálogo cresceu, falaram até em cães. Quem sabe seria o primeiro passo para um encontro!

A loirinha secretariava um advogado amigo da família. Alfredo nada sabia a seu respeito, entanto tencionava namora-la.

Ao chegar em casa, gravata bem posta, pano ainda passado, o jovem desviava-se de Rex para não se sujar. Só depois, de calção, passava-lhe a mão meio enjoado na cabeça e logo corria para lavar as mãos. O cão, pobre amigo coitado, auauava incompreendido.

Sabia Alfredo agora que, pelo fato de ter igualmente um cão, poderia iniciar uma conversa menos monótona. Inventaria um machucado para o seu Rex. Uma cadeira que caiu em sua cabeça, talvez.

Na manhã seguinte, planejou bem a mentira e levitou diante do espelho: vou impressiona-la com meus conhecimentos veterinários. Irei até a sua casa cuidar da pata do seu cachorro.

Na saída para o trabalho, Alfredo esquece porém de acenar para o Rex e de fechar o portão. Já sabia agora que podia iniciar uma conversa sobre a cura pela medicina popular aplicada ao tratamento de animais ou como curar a machucadura de seu cão sem chamar o veterinário ou coisa que o valha.

A loirinha ia entrar de férias e levava uma prima para o seu lugar. Iria explicar o serviço enfadonho que fazia.

- Oi – chega Alfredo o mais polido possível.

- Oi.

- Sua irmã?

- Não... prima.

- Sabe o que aconteceu ontem?

- Ahn!?...

- A cadeira caiu na cabeça do rex e o pobre está meio machucado. Mas está tudo sob controle, ele está sob os meus cuidados.

- Que pena!

De súbito, um freio brusco, seguido de um latido, ecoa na avenida. Eis que surge esbaforido e com um palmo de língua de fora, um temendo vira-latas, empinhado de carrapatos, abanando o rabo e atracando-se quase ereto às pernas do Alfredo. ...Meu Deus, deixei o portão aberto e esse nojento saiu atrás de mim...

- Ah, ah, ah, ah Esse aí é que é o Rex?

- Não é o cachorro do vizinho.

De imediato, Alfredo subiu no primeiro ônibus, no que Rex o acompanhou.

- Espera motorista tem um cachorro aqui dentro. Sai Rex, sai Rex, sai desgraçado.

Fontes:
Jornal do Conto
Imagem = http://afarias.blog.com