segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Antonio Cândido (Literatura e Sociedade: A Literatura na Evolução de uma Comunidade) Parte 6, final


5 — O grupo se desprende da comunidade

Esta incorporação da literatura à comunidade — que noutras partes do Brasil já se havia dado antes — e a maneira por que se processou, explicam muitos aspectos do quinto e, para este estudo, último momento, que agora vamos considerar. Trata-se do Movimento Modernista, que nesta cidade se desenvolveu e teve as suas manifestações mais características de 1922 a 1935. Foi uma profunda renovação literária, estreitamente ligada à constituição de um agrupamento criador, como era o dos estudantes românticos; não mais justaposto à comunidade, todavia, mas formado a partir dela, oriundo da sua própria dinâmica, diferenciando-se de dentro para fora — por assim dizer. No plano funcional, diríamos que corresponde à necessidade de reajustar a expressão literária às novas aspirações intelectuais e às solicitações da mudança artística em todo o Ocidente. No plano da estrutura, diríamos que foi um esforço — em parte vitorioso — para substituir a uma expressão nitidamente de classe (como a dos anos 1890-1920) por uma outra, cuja fonte inspiradora e cujos limites de ação fossem a sociedade total.

Nesta parte, estamos ao alcance da memória de gente viva, e não há necessidade, como para os períodos anteriores, de aduzir documentos e provas. Todos sabem, por exemplo, que este movimento é o único, na literatura em São Paulo, cujo início pode ser precisamente datado: começa na famosa Semana de Arte Moderna, realizada em 1922 no Teatro Municipal. Espanemos mais uma vez a imagem cediça, para dizer que o Brasil teve, ali, a sua "noite do Ernâni"… Com efeito, ali se defrontaram duas facções, uma lutando por renovar a literatura de acordo com o espírito do tempo; outra, defendendo indignada uma tradição que, em São Paulo, correspondia a algo enraizado na sensibilidade. De ambos os lados, boa-fé e energia. Do lado dos conservadores, a aprovação tácita da comunidade; mas os renovadores tinham por si a premonição dos tempos novos e (tocamos no ponto que nos concerne sobretudo) formavam um agrupamento capaz de provocar o seu advento.

No seu estudo clássico sobre SUPERORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO, procurando explicar o motivo pelo qual o tirano — que é um só — pode manter submisso o povo, — que são todos, — argumenta Simmel que todos apenas de passagem se aplicam a pensar ou agir contra a opressão, e ainda assim com uma parte mínima das suas energias, empenhadas nos interesses vários da vida; portanto, exercem uma reação desconexa e parcial. O tirano, pelo contrário, põe no ato de mandar toda a sua personalidade em todos os momentos da sua vida, de tal forma que as reações parciais encontram sempre de volta a ação total da sua energia, expressa na inteireza do sistema repressivo.

Podemos aproveitar esta explicação para dizer que, ao passo que as tendências conservadoras se ocupavam apenas eventualmente em defender o seu ponto de vista, houve em São Paulo, durante anos, um grupo que punha na ação renovadora toda a sua capacidade de criação e agressão. De tal modo, que se as suas opiniões não chegaram a substituir a literatura dominante, elas exerceram atração poderosa sobre as forças criadoras, sobretudo o que havia de vivo e promissor. Com isso, encurralaram a literatura oficial no academismo mais estéril, e abriram caminho para a literatura nova, que dominaria completamente em nossos dias.

A ação de grupo foi, portanto, decisiva. Não só da parte do bloco inicial dos modernistas, que se manteve coeso durante algum tempo, como dos subgrupos que dele se originaram, decantando os vários aspectos contidos no movimento: Verdeamarelismo, Anta, Antropofagia, grupo do Diário Nacional, da Revista Nova etc.

No começo, o referido bloco abrangia os modernistas do Rio, dos quais Graça Aranha desejava passar por chefe. Os principais dentre os paulistas eram Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, A. Couto de Barros, Guilherme de Almeida, Rubens Borba de Morais, Sérgio Milliet — mais tarde Antônio de Alcântara Machado. O grupo desenvolveu uma linguagem própria, e muito do que se tornou expressão oficial do movimento, e pareceu ao público hermetismo voluntariamente perverso, se explica no fundo por certas formas de intercomunicação dos seus membros. Os modismos, o estritamente pessoal de cada um, passaram ao verso e à prosa, suscitando, para os não iniciados, problemas angustiosos de exegese, como certos versos de Mário de Andrade:

E os goianos governados por meu avô,
ou
A Flandres inimaginável
E a decadência dos Almeidas.

Ou ainda certo final de capítulo do Serafim Ponte Grande, jovial e realista, carregado de sentido para os que conheciam os motivos do autor.

Além desse esoterismo que reforça a coesão interna, opondo o grupo aos outros, e à sociedade geral, os modernistas desenvolveram as famosas atitudes "futuristas": interpelações públicas, protestos, intimidação, confusão do adversário. Estabeleceram uma desnorteante mistura de valores, como a citação do Guaraná Zanotta ao lado de referências a Bilac ou Fídias. Organizaram tertúlias famosas, espécies de cerimônias confirmatórias, em fazendas e salões de amigos, em excursões distantes, — a Ouro Preto, à Amazônia.

Passaram no crivo a tradição clássica, afetando total indiferença pelos seus valores. Todavia, este aparato esotérico e exotérico não passava de blindagem do grupo para a luta, cuja finalidade real foi o trabalho aturado e profundo de revisão literária. Pode-se reconhecer a autenticidade de um escritor dessa fase pela sua identificação com a vida aparente e a vida profunda do movimento. Os que dele participaram como quem tem catapora, e os que se realizaram nele, como obra e personalidade.

Na constituição desse, ou desses agrupamentos de campanha literária, deve-se apontar a relação que mantiveram com os salões burgueses, alguns oriundos da fase anterior e que, tendo constituído atmosfera estimulante para os efeitos convencionais do Parnasianismo, forneceram também, em certos casos, ambiente para os modernos. Algumas casas da classe dominante em São Paulo os acolheram, dando-lhes deste modo não apenas amparo e reconhecimento em face da tradição, mas reforçando os vínculos entre eles, confirmando-os na sua sociabilidade própria. Houve mesmo tensões e rupturas na base do apoio ou fidelidade aos vários mecenas. Dentre tais salões deve-se mencionar a famosa Vila Kyrial, onde "Freitas Vale o magnífico", — o poeta simbolista Jacques D'Avray, — congregou sucessivamente, por mais de um quarto de século, simbolistas, parnasianos, modernistas, estabelecendo um elo profundo entre estas diversas tendências. A circunstância dos modernistas se ligarem a formas tradicionais de sociabilidade literária mostra que a estrutura social da cidade, bastante rica a esta altura, já se encontrava aparelhada para assimilar as formações divergentes, originadas pela dinâmica do seu desenvolvimento.

Esta observação nos leva a outra, de natureza comparativa. Enquanto na São Paulo romântica a literatura surgiu e encorpou como expressão de um grupo, que não encontrava manifestação possível da sua integridade no quadro das atividades sociais disponíveis; na São Paulo pós-parnasiana o grupo modernista surgiu (isto é, constituiu-se enquanto grupo) como veículo de tendências intelectuais que não podiam manifestar-se através dos grupos literários (efetivos ou virtuais) então existentes.

Prossigamos na linha comparativa. Em 1922, como em 1845, o grupo literário se constituiu em oposição consciente à comunidade, na afirmação de uma existência própria. Em 1845, porém, a oposição era entre duas visões do mundo, e por assim dizer entre duas idades — adolescência e maturidade. Em 1922, era, além disso, de uma literatura a outra — pois o que se desejava era destruir um sistema literário solidamente constituído, coisa inexistente em São Paulo ao tempo do Romantismo.

Daí o estabelecimento, no plano literário, de uma competição com os grupos que representavam o sistema oficial: jornais, salões, academias, correntes de opinião. Foi nitidamente (e isto é o seu caráter diferencial do ponto de vista sociológico) uma porfia em torno da liderança intelectual em São Paulo. Foi uma concorrência em que se empenharam os defensores de uma literatura ajustada à ordem burguesa tradicional, implicando um "gosto de classe" (dominante), fielmente servido por escritores providos de beneplácito, difundindo-se pelo exemplo por toda a pirâmide social; e os renovadores, procurando exprimir valores mais profundos, aspirações e estilos recalcados na literatura popular pelo oficialismo burguês.

Por isso, embora os escritores de 1922 não manifestassem a princípio nenhum caráter revolucionário, no sentido político, e não pusessem em dúvida os fundamentos da ordem vigente, a sua atitude, analisada em profundidade, representa um esforço para retirar à literatura o caráter de classe, transformando-a em bem comum a todos. Daí o seu populismo — que foi a maneira por que retomaram o nacionalismo dos românticos. Mergulharam no folclore, na herança africana e ameríndia, na arte popular, no caboclo, no proletário. Um veemente desrecalque, por meio do qual as componentes cuidadosamente abafadas, ou laboriosamente deformadas (é o caso de "literatura sertaneja") pela ideologia tradicional, foram trazidas à tona da consciência artística. O admirável TUPI OR NOT TUPI, do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade — mestre incomparável das fórmulas lapidares —, resume todo este processo, de decidida incorporação da riqueza profunda do povo, da herança total do país, na estilização erudita da literatura. Sob este ponto de vista, as intuições da Antropofagia, a ele devidas, representam o momento mais denso da dialética modernista, em contraposição ao superficial "dinamismo cósmico" de Graça Aranha.

Outro traço, que reforça a semelhança geral do Romantismo com o Modernismo, é a atitude de negação, que lá foi satanismo e aqui troça, piada. O humor e a chacota pertencem também à atitude romântica, e uma das suas manifestações mais típicas, A ORGIA DOS DUENDES, de Bernardo Guimarães, é um xadrez de brincadeira, melancolia e perversidade, com predomínio das duas últimas. Já o Modernismo é o movimento mais alegre e jovial da nossa literatura, — manifestado no próprio comportamento dos seus protagonistas, na sua furiosa ânsia de diversão. Lembremos O CLARO RISO DOS MODERNOS, de Ronald de Carvalho, para sugerir que a alegria foi dogma equivalente à tristeza romântica e, por isso mesmo, não raro artificial, como esta. Ambas foram norma e expressão de grupo, a que se conformavam os seus membros respectivos. Macunaíma, de Mário de Andrade, a maior obra do movimento, reflete bem esta condição; mas termina num quebranto de melancolia, que revela as correntes profundas da atitude modernista.

E agora, terminando, lembremos a analogia derradeira: como o Romantismo, o Modernismo é, de todas as nossas correntes literárias, a que adquiriu tonalidades especificamente paulistanas. Se em São Paulo não tivesse havido os escritores que houve no período clássico, no Naturalismo, no Parnasianismo e no Simbolismo, a literatura brasileira teria perdido um ou outro bom escritor, mas nada de irremediável. Se tal acontecesse no Romantismo e no Modernismo, o Brasil ficaria mutilado de algumas das suas mais altas realizações artísticas, como são a tonalidade noturna do Macário e a explosão rabelaisiana de Macunaíma, com tudo o que se organizou de fecundo em volta dessas obras culminantes. Dois momentos paulistanos, portanto; dois momentos em que a cidade se projeta sobre o país e procura dar estilo às aspirações do país todo:

Dançamos juntos no Carnaval das gentes,
Bloco pachola do "Custa mas vai!"
Mário de Andrade

* * *

Se as considerações anteriores alcançaram o objetivo, o leitor terá obtido uma rápida visão da literatura nas suas relações com a comunidade paulistana. Terá visto que ambas se explicam e se complementam, se as quisermos ver solidariamente.

Com efeito, os cinco momentos mostram cinco maneiras diversas de associação dos escritores, de participação dos mesmos na vida social, de ajuste da expressão à dinâmica dessas relações e sua influência nelas.

A princípio, uma cidade em que não há condições para a vida organizada da inteligência, mas onde há alguns indivíduos animados do desejo de exprimir os valores locais. É o primeiro e vago esboço de uma literatura paulistana, definida pelo encontro de poucos intelectuais com os valores tradicionais da comunidade, já socialmente amadurecidos, mas ainda não simbólica e intelectualmente elaborados.

Decênios mais tarde, vemos desenvolver-se um agrupamento que permite a atividade literária permanente. Ele pertence à cidade, está demograficamente integrado nela, mas lhe é espiritualmente alheio. Não possui forças para elaborar uma expressão original, mas dá lugar a certas tendências que floresceriam mais tarde.

Em seguida, encontramos o corpo estudantino já estruturado e solidamente justaposto à cidade. A sua duração, a evolução das formas de sociabilidade, que lhe são próprias, deram lugar a uma atmosfera espiritual altamente condutora, que o segrega da comunidade. Os aspectos satânicos do Romantismo se casam admiravelmente a estas condições, e surge pela primeira vez uma literatura de tonalidade paulistana — expressão de um grupo que é corpo estranho na pequena cidade.

Mas esta cresce, e a moda romântica passa. O aumento de densidade demográfica e social abre novas possibilidades de ajuste dos moços, e deste modo rompe a sua sociabilidade hermética. As novas tendências literárias acentuam o caráter comunicativo da palavra, surgem escritores que não dependem da Faculdade de Direito. A literatura e os escritores se integram na comunidade. Como a sociedade é de classes, constitui-se uma literatura convencional, ajustada aos padrões de refinamento e inteligibilidade da classe dominante, cujo prestígio garante a sua difusão pelas outras camadas.

Ora, nessas condições, a literatura passa de tal modo a ser um elemento da ordem social, que não se sente nela a vibração e a receptividade em face das novas sugestões da vida, em constante fluxo. Daí um novo movimento, para lhe dar amplitude ainda maior, fundando-a, não no gosto e no interesse de um limitado setor da sociedade, mas na vida profunda de toda esta, na sua totalidade. O Modernismo completa o processo iniciado na segunda metade do século XVIII, quando os seus grupos revolucionários procuram alargar o âmbito da criação artística, englobando os aspectos recalcados da sociedade e da cultura nacional. É o segundo momento em que a cidade de São Paulo contribui com algo próprio ao patrimônio comum do país.

Um grupo virtual, bruxuleando na cidade indiferente; um grupo ordenado, estabelecendo a tradição literária; um grupo ordenado e vivo, criando uma expressão à margem da cidade; a cidade absorvendo este grupo e chamando a si a atividade literária, que se ordena pelos padrões eruditos da burguesia culta; da cidade surgindo um grupo que rompe esta dependência de classe e, quebrando as barreiras acadêmicas, faz da literatura um bem de todos. Há uma história da literatura que se projeta na cidade de São Paulo; e há uma história da cidade de São Paulo que se projeta na literatura.
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Fonte:
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9. ed. RJ: Ouro Sobre Azul, 2006.

domingo, 22 de agosto de 2010

22 de Agosto (Dia do Folclore)

O Folclore Brasileiro

Imagem = Neli Neto
O folclore brasileiro é um conjunto de mitos, lendas, usos e costumes transmitidos em geral oralmente através das gerações com a finalidade de ensinar algo, ou meramente nascido da imaginação do povo. Por ser o Brasil um país de dimensões continentais, possui um folclore bastante rico e diversificado e suas histórias enaltecem o conhecimento popular e encantam os que as escutam.

O folclore brasileiro, apesar de ter raízes imemoriais, só começou a receber a atenção da elite nacional em meados do século XIX, durante o Romantismo. Naquele momento, acompanhando uma onda de interesse pela cultura popular que crescia na Europa e nos Estados Unidos, alguns estudiosos brasileiros como Celso de Magalhães e Sílvio Romero passaram a pesquisar as manifestações folclóricas nativas e publicar estudos sistemáticos [1]. Ao mesmo tempo, diversos artistas cultos passaram a empregar elementos da cultura popular na criação de obras destinadas aos círculos ilustrados, como parte de um projeto, estimulado e desenvolvido pelo governo de Dom Pedro II, de construção de um corpo de símbolos nacionalistas que poderia contribuir para a afirmação do Brasil entre as nações civilizadas. As classes superiores nunca foram inteiramente livres da influência da cultura popular, mas obras como por exemplo I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, e a música de Luciano Gallet e Alexandre Levy deram a temas do folclore brasileiro um papel de destaque na arte culta, e desde então o interesse pelo assunto só cresceu, e em várias frentes, dando origem a numerosas obras de arte, estudos literários e pesquisas científicas, com vasta bibliografia local e atraindo também a atenção internacional.

O resultado disso é que atualmente o folclore brasileiro se encontra em uma posição privilegiada. Além de ser a base alimentadora de boa parte do turismo cultural do país, se tornou instrumento de educação nas escolas e está protegido por lei, sendo considerado um bem do patrimônio histórico e cultural do Brasil. A Constituição protege o folclore através dos artigos 215 e 216, que tratam da proteção do patrimônio cultural brasileiro, ou seja, "os bens materiais e imateriais, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira". Os órgãos estatais responsáveis pelo estudo, proteção e divulgação do folclore nacional são a Comissão Nacional de Folclore, ligada à UNESCO e ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, e responsável pela elaboração da Carta do Folclore Brasileiro, e o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, ligado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Por outro lado, como se observa em outras partes do mundo, o folclore brasileiro está experimentando modificações importantes em virtude do apelo turístico, e da influência dos novos meios de comunicação de massa e das novas tecnologias de registro e difusão de informações, ocasionando a descaracterização de muitos fatos folclóricos e sua transformação em espetáculos de massa. Essa transformação cultural está obrigando os pesquisadores a rever seus conceitos e métodos de estudo dentro de uma perspectiva interdisciplinar mais ampla e mais livre de preconceitos etnocêntricos, incorporando os avanços recentes da ciência e da tecnologia.

Enlogação folclórica

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Música

Caracteriza-se pela simplicidade, monotonia e lentidão. Sua origem pode estar ligada a uma música popular cujo autor foi esquecido ou pode ter sido criada espontaneamente pelo povo. Observa-se a música folclórica sobretudo em brincadeiras infantis, cantos religiosos, ritos, danças e festas.

São exemplos:

cantigas de roda;
acalantos;
modinhas;
cantigas de trabalho;
serenatas;
cantos de velório;
cantos de cemitério.

Danças e festas

As danças acompanham as músicas em vários rituais folclóricos, sendo as principais danças folclóricas brasileiras samba, baião, frevo, xaxado, maracatu, tirana, catira, quadrilha.

As principais festas são Carnaval, Festas juninas, Festa do Rosário, Festa do Divino, Congado e as Cavalhadas.

Linguagem

As principais manifestações do folclore na linguagem popular são as seguintes:

Adivinhações: também chamados de adivinhas. Consistem em perguntas com conteúdo dúbio ou desafiador.
Exemplo:

O que é o que é?

Está no meio do começo, está no começo do meio, estando em ambos assim, está na ponta do fim?

Branquinho, brancão, não tem porta, nem portão?

Uma árvore com doze galhos, cada galho com trinta frutas, cada fruta com vinte e quatro sementes?

Uma casa tem quatro cantos, cada canto tem um gato, cada gato vê três gatos, quantos gatos têm na casa?

Altas varandas, formosas janelas, que abrem e fecham, sem ninguém tocar nelas?

Respostas:
A letra M
Ovo
Ano, mês, dia, hora
Quatro
Olhos

Parlenda: são palavras ordenadas de forma a ritmar, com ou sem rima.

Provérbios: ditos que contém ensinamentos.
"Dinheiro compra pão, mas não compra gratidão."
"A fome é o melhor tempero."
"Ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão."
"Pagar e morrer é a última coisa a fazer."

Quadrinhas: estrofes de quatro versos sobre o amor, um desafio ou saudação.

Piadas: Piada ou Anedota é uma história curta de final geralmente surpreendente e engraçado com o objetivo de causar risos ou gargalhadas (ou sensação de) no leitor ou ouvinte. É um tipo específico de humor que, apesar de diversos estilos, possui características que a diferenciam de outras formas de comédia.

Literatura de Cordel: livrinhos escritos em versos, no nordeste brasileiro, e pendurados num barbante (daí a origem de cordel), sobre assuntos que vão desde mitos sertanejos às situações social, política e econômica atuais.

Frases prontas: frases consagradas de poucas palavras com significado direto e claro.

Frase de pára-choque: Trabalho com minha família para servir a suaFrases de para-choque de caminhão: frases humorísticas ou religiosas que caminhoneiros pintam em seus pára-choques.

Trava-Língua: É um pequeno texto, rimado ou não, de pronunciação difícil. Podemos definir os trava línguas como frases folclóricas criadas pelo povo com objetivo lúdico (brincadeira). Apresentam-se como um desafio de pronúncia, ou seja, uma pessoa passa uma frase difícil para um outro indivíduo falar. Estas frases tornam-se difíceis, pois possuem muitas sílabas parecidas (exigem movimentos repetidos da língua) e devem ser faladas rapidamente. Estes trava línguas já fazem parte do folclore brasileiro, porém estão presentes mais nas regiões do interior brasileiro.

Usos e costumes

Neste campo inclui-se itens a respeito da alimentação, cultivo, vestuário, comportamento, etc, de um povo de uma região, que tem costumes de ir a vários lugares.

Brinquedos e brincadeiras

Os brinquedos são artefatos para serem utilizados sozinho, como a boneca de pano, o papagaio (pipa), estilingue (bodoque), pião , arapuca , pandorga, etc.

As brincadeiras envolvem disputa de algum tipo, seja de grupos ou individual, como o pega-pega, bolinha-de-gude, esconde-esconde, resgate, nunca 3, pique-bandeira, etc.

As brincadeiras se modificam de acordo com sua região, pode ser mudar o nome ou então a forma de brincar.

Algumas lendas, mitos e contos folclóricos do Brasil:

Boitatá - Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como "fogo que corre".

Boto - Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes de a madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se em um boto.

Caipora - uma entidade da mitologia tupi-guarani. É representada como um pequeno índio de pele escura, ágil, nu, que fuma um cachimbo e gosta de cachaça.

Chupa-cabra - é, supostamente, um animal desconhecido para a zoologia que mata sistematicamente animais rurais em regiões da América, como Porto Rico, Flórida (Estados Unidos), Nicarágua, Chile, México e Brasil. O nome da criatura deve-se à descoberta de várias cabras mortas em Porto Rico com marcas de dentadas no pescoço e o seu sangue alegadamente drenado. Esta lenda moderna não é autóctone do Brasil e sim uma assimilação de lendas hispânicas divulgadas com fervor até pela mídia norte-americana.

Cuca - um dos principais seres mitológicos do folclore brasileiro. Diz a lenda que era uma velha feia na forma de jacaré que rouba as crianças desobedientes.

Curupira - Assim como o boitatá, o curupira também é um protetor das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.

Lobisomem - Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transforma-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata em seu coração seria capaz de matá-lo.

Iara - Encontramos na mitologia universal um personagem muito parecido com a mãe-d'água : a sereia. Este personagem tem o corpo metade de mulher e metade de peixe. Com seu canto atraente, consegue encantar os homens e levá-los para o fundo das águas.

Mula-sem-cabeça - uma mulher, virgem ou não, que tivesse coito com um padre católico, se transformaria em Mula-sem Cabeça. Outra versão é que, se um padre engravidasse uma mulher e a criança fosse do sexo feminino viraria mula-sem cabeça e se fosse menino seria um lobisomem.

Negrinho do Pastoreio - lenda meio africana meio cristã, contada por defensores do fim da escravidão. A virgem Maria aparece para um menino escravo que é espancado pelo dono por ter perdido um cavalo baio. Com ela, o cavalo volta e o negrinho foge com toda a tropa do dono.

Corpo-seco - É uma espécie de assombração que fica assustando as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas ruins, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada.

Pisadeira - É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar na barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.

Mapinguari - Seria uma criatura coberta de um longo pelo vermelho vivendo na Floresta Amazônica. Segundo povos nativos, quando ele percebe a presença humana, fica de pé e alcança facilmente dois metros de altura. Seus pés seriam virados ao contrário, suas mãos possuiriam longas garras e a criatura evitaria a água, tendo uma pele semelhante a de um jacaré.

Mãe-de-ouro - Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, os faz largar suas famílias.

Saci Pererê - O Saci-Pererê é representado por um menino negro, que tem apenas uma perna. Está sempre com seu cachimbo, e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Vive aprontando travessuras e se diverte muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas. A lenda também diz, que o Saci tem o poder de andar dentro de redemoinhos de vento, e folhas secas.

Vitória Régia - Uma índia que queria tanto encontrar Jaci (a lua) se engana com seu reflexo e se afoga no rio. Compadecida, Jaci a transforma na vitória-régia, a estrela das águas.

CRENÇAS E SUPERSTIÇÕES

SABENÇA: sabedoria popular utilizada na cura de doenças e solução de problemas pessoais através de benzeduras.
CRENDICE: crença absurda, também chamada de ablusão.
SUPERSTIÇÃO: explicações de fatos naturais como consequências de acontecimentos sobrenaturais.

ARTE E ARTESANATO

Compreende uma ampla área, que se estende desde a culinária até o artesanato propriamente dito. Baseiam-se em técnicas rudimentares de produção e utilizam-se de matéria-prima natural como madeira, ossos, couro, tecido, pedras, sementes, entre outros.

Fonte:
Wikipedia

Ialmar Pio Schneider (O Folclore Gaúcho)

Imagem por Lucia Aragão
Aqui no Rio Grande do Sul, o folclore, considerado como ciência do povo, termo que foi pela primeira vez empregado pelo arqueólogo inglês G. J. Thoms, originando-se de Folk, povo, e lore, ciência, em 22 de agosto de 1846, portanto, há cento e cinqüenta e dois anos passados, é sobremaneira cultuado, notadamente nos Centros de Tradições Gaúchas, já difundidos, segundo me consta, por vários estados do país e até no exterior. O que mais impressiona é o amor ao torrão natal, ao pingo, à china, que o gaúcho demonstra onde quer que se encontre, e deixa extravasar através de versos e toadas nas tertúlias e fandangos galponeiros. Seja no pontear de um violão, cantando uma milonga, ou no toque de uma cordeona ou bandônio, num xote bem largado, é que o gaudério se diverte e procura esquecer os reveses da vida nos braços de uma chinoca querendona. Também mostra sua destreza na dança da chula.

Mas o folclore gaúcho é deveras portentoso e abrange, além do lazer, os costumes, crendices populares, superstições e até práticas médicas de curandeiros, velhos pajés, parteiras de campanha, benzedeiras de cobreiros, costura de rendidura (hérnia), etc. São herança dos nativos, e povoadores açorianos e castelhanos que se mesclaram para formar a estirpe gaúcha.

Bem acentuados e conhecidos temos os mitos e lendas, tais como as do Negrinho do Pastoreio, A Salamanca do Jarau e A Mboitatá e muitos outros. Discorrendo sobre as Lendas do Sul, assim registra o ínclito mestre folclorista gaúcho Augusto Meyer, que foi membro da Academia Brasileira de Letras, em seu livro GUIA DO FOLCLORE GAÚCHO - Gráfica Editora Aurora, Ltda - RIO - 1951, pág. 96: “O único mito realmente popular, com raízes profundas na tradição gaúcha, é o do Negrinho do Pastoreio; é também o único de pura cepa rio-grandense, livre de qualquer influência gringa.” Mais recentemente, o erudito folclorista gaúcho Antonio Augusto Fagundes, em seu livro MITOS E LENDAS DO RIO GRANDE DO SUL - Martins Livreiro-Editor - Porto Alegre - 1992, num trabalho muito bem elaborado, desenvolveu o assunto, abrangendo nosso Estado, externando de modo cabal o seu conhecimento e assim se expressando, magistralmente, no final do prefácio: “Há muito amor nestes estudos, amor pelo povo, que é uma forma de amarmos a nós mesmos. O Folclore é a ciência do amor, por isso eu me fiz folclorista.”

Muito expressiva é a colaboração afro-brasileira para com o folclore gaúcho, representada, principalmente, pelas Congadas que se realizavam próximo ao litoral, em Santo Antônio da Patrulha, abrangendo Conceição do Arroio (hoje Osório), Palmares e Morro Alto, como bem explica Augusto Meyer, em seu livro acima citado, à pág. 60.

Resta acrescentar as contribuições dos imigrantes ao folclore gaúcho e que não foram poucas. Os alemães trouxeram o Kerb, o jogo de bolão, as “bandinhas” e os italianos com as festas paroquiais nas igrejas católicas, a vindima, o jogo da móra, da bocha, e as suas maravilhosas melodias.

É oportuno lembrar que a riqueza de um povo também se mede pela cultura de suas tradições.

(Publicado no Diário de Canoas em 19-08-1998)

Fontes:
O Autor

Folclore do Rio Grande do Sul

São Sepé
SÃO SEPÉ

Sepé era um índio valente e bom, que lutou contra os estrangeiros para defender a terra das missões. Ele era predestinado por Deus e São Miguel: tinha nascido com um lunar na testa. Nas noites escuras ou em pleno combate, o lunar de Sepé brilhava, guiando seus soldados missioneiros. Quando ele morreu, vencido pelas armas e o número de portugueses e espanhóis, Deus retirou de sua testa o lunar, que colocou no céu do pampa para ser o guia de todos os gaúchos - é o Cruzeiro do Sul.

CASA DE MBORORÉ (Missões)

No tempo dos Sete Povos das Missões, havia um índio velho muito fiel aos padres jesuítas, chamado MBororé. Com a chegada dos invasores portugueses e espanhóis, os padres precisaram fugir levando em carretas os tesouros e bens que pudessem carregar. Assim, amontoaram o muito que não podiam levar consigo – ouro, prata, alfaias, jóias, tudo!- e construíram ao redor uma casa branca, sem porta e sem janela. Para evitar a descoberta da casa pelo inimigo e o conseqüente saqueio, deixaram o velho índio fiel MBororé cuidando, com ordens severas de só entregar o tesouro quando os jesuítas voltassem às Missões.

Mas os jesuítas nunca mais voltaram. Com o passar dos anos, o velho índio morreu e o tempo foi marcando tudo, deixando as ruínas de pé como as cicatrizes de um sonho que acabou. Acabou? Não. A Casa de MBororé continua lá num mato das Missões, imaculadamente branca, cuidada pela alma do índio fiel que ainda espera a volta dos jesuítas.

Às vezes, algum mateiro –lenhador ou caçador- dá com ela, de repente, num campestre qualquer. Imediatamente dá-se conta de que é a Casa de MBororé, cheia de tesouros. Resolve então marcar bem o local para voltar com ferramentas e abrir a força a casa que não tem porta nem janela. Guarda bem o lugar na memória pelas árvores tais e tais, pela direção do sol e coisas assim. Sai, volta com ferramentas, só que nunca mais acha de novo a Casa Branca de MBororé, sem porta e sem janela.

CAVERÁ

O Caverá é uma região na fronteira-oeste do Rio Grande do Sul, ouriçada de cerros, que se estende entre Rosário do Sul e Alegrete. Na Revolução de 1923, entre os maragatos (os revolucionários) e os chimangos (os legalistas) o Caverá foi o santuário do caudilho maragato Honório Lemes, justamente apelidado "O Leão do Caverá".

Diz a lenda que a região, no passado, era território de uma tribo dos Minuanos, índios bravios dos campos, ao contrário dos Tapes e Guaranis gente mais do mato. Entre esses Minuanos, destacava-se a figura de Camaco, guerreiro forte e altivo, mas vivendo uma paixão não correspondida por Ponaim, a princesinha da tribo, que só amava a própria beleza...

Os melhores frutos de suas caçadas, os mais valiosos troféus de seus combates, Camaco vinha depositar aos pés de Ponaim, sem conseguir dela qualquer demonstração de amor.

Um dia, achando que lhe dava uma tarefa impossível, Ponaim disse que só se casaria com Camaco se ele trouxesse a pele do Cervo Berá para forrar o leito do casamento. O Cervo Berá era um bicho encantado, com o pelo brilhante - daí o seu nome. O mato era dele: Caa-Berá, Caaverá, Caverá, finalmente.

Então Camaco resolveu caçar o cervo encantado. Montando o seu melhor cavalo, armado com vários pares de boleadeiras, saiu a rastrear, dizendo que só voltaria depois de caçar e courear o Cervo Berá.

Depois de muitas luas, num fim de tarde ele avistou a caça tão procurada na aba do cerro. O cervo estava parado, cabeça erguida, desafiador, brilhando contra a luz do sol morrente. Sem medo, Camaco taloneou o cavalo, desprendeu da cintura um par de boleadeiras e fez as pedras zunirem, arrodeando por cima da cabeça. Então, no justo momento em que o Cervo Berá deu um salto para a frente quando o guerreiro atirou as Três Marias, houve um grande estouro no cerro e uma cerração muito forte tapou tudo. Durante três dias e três noites os outros índios campearam Camaco e seu cavalo, mas só acharam uma grande caverna que tina se rasgado na pedra dura do cerro e por onde, quem sabe, Camaco e seu cavalo tinham entrado a galope atrás do Cervo Berá para nunca mais voltar.

A PANELINHA

Na bela cidade de Cruz Alta, nos começos deste século, havia uma grande fonte em forma de poço, de onde partia uma sanga, hoje tudo urbanizado no cruzamento das ruas Andrade Neves e General Portinho, quase no centro da cidade.

Essa fonte, pela sua forma de poço, recebeu o nome de Fonte da Panelinha e ali muita gente boa, praticamente toda a zona nobre da cidade, abastecia-se de água. E era crença geral a de que beber água da Panelinha era amarrar-se definitivamente a Cruz Alta. Quem bebesse dessa água, mesmo que partisse, logo dava um jeito de voltar.

Muitas moças cruzaltenses, namoradas de oficiais do Exército de outras plagas ou de viajantes que eventualmente passavam por Cruz Alta, sempre davam um jeito de lhes servir um copo d´água da Fonte da Panelinha.

A LENDA DE ANGOÉRA

Nos sete povos das Missões, no Pirapó, ainda no tempo dos padres jesuítas, vivia um índio muito triste, que se escondia de tudo e de todos pelos matos e peraus. Era um verdadeiro fantasma e por isso era chamado de Angoéra (fantasma, em guarani). E fugia da igreja
como o diabo da cruz!

Mas um dia a paciência dos padres valeu mais e o Angoéra foi batizado, convertendo-se à fé cristã e deixando de vagar pelos rincões escondidos. Recebeu o nome de Generoso e tornou-se alegre e bom, mui amigo de festas e alegrias. E um dia morreu, mas sua alma alegre e festeira continuou por aí, até hoje, campeando diversão. Onde tenha um fandango, lá anda rondando a alma do Generoso. Se rufa uma viola sozinha, é a mão dele. Se houve uma risada galponeira ou se levanta de repente a saia de alguma moça, todos sabem - é ele.

Quando isto acontece, o tocador que está animando a festa deve cantar em sua homenagem:

"Eu me chamo Generoso, morador de Pirapó. Gosto muito de dançar com as moças, de paletó".

A LENDA DA LAGOA VERMELHA

A primeira tentativa dos padres jesuítas, que resultou na fundação de 18 Povos Missioneiros no Rio Grande do Sul, deu em nada. Os bandeirantes de Piratininga, que haviam arrasado as reduções do Guairá caçando e escravizando índios para a escravidão das lavouras de cana-de-açúcar de São Paulo e Rio de Janeiro, quando souberam que os padres tinham vindo mais para o sul e erguido suas aldeias no Tape, vieram aqui fazer o que sabiam fazer. Assim e aos poucos, os padres tiveram que refluir para o oeste, fazendo agora na volta o mesmo caminho que tinham feito na vinda.

E nessa fuga tratavam de levar consigo tudo o que podiam carregar. O que não podiam, queimavam ou enterravam. Casas, plantações, até igrejas foram incendiadas, para que nada ficasse aos bandeirantes.
Pois diz que numa dessas avançadas pelo Planalto, no rumo da Serra, uma carreta carregada de ouro e prata, fugindo das Missões.

Ali vinha a alfaia das igrejas, candelabros, castiçais, moedas, ouro em pó, um verdadeiro tesouro cujo peso faziam os bois peludearem. Com a carreta, alguns índios e padres jesuítas e atrás deles, sedentos de sangue e ouro, os bandeirantes.

Ao chegarem às margens de uma lagoa, não puderam mais.

Desuniram os bois e atiraram a carreta com toda a sua preciosa carga na lagoa, muito profunda. E aí então os padres mataram os índios carreteiros e atiraram os corpos n'água, para que não contassem a ninguém onde estava o tesouro. Com o sangue dos mortos, a lagoa ficou vermelha.

E lá está, até hoje. Ao seu redor, cresceu uma bela cidade, que tomou seu nome - Lagoa Vermelha. E cada um dos seus moradores que passa na beira das águas coloradas, lembra que ali ninguém se banha, nem pesca, e segundo a tradição, a lagoa não tem fundo. E nas secas mais fortes e nas chuvaradas mais bravas, o nível da lagoa é sempre o mesmo.

Fontes:
http://www.lendas-gauchas.radar-rs.com.br/
Imagem = São Sepé por Azuir Filho

Folclore do Paraná



O Paraná é rico em tradições folclóricas, assim como os demais estados brasileiros. Os costumes indígenas, podemos afirmar, são os mais antigos hábitos da terra e muitas influências legaram à nossa cultura. A língua portuguesa, por exemplo, de onde parte e retorna nosso mundo real e imaginário, recebeu inúmeras influências do tupi. Além disso, a imaginação do europeu, que aqui aportou na aurora da conquista, se redimensionou com os mitos e costumes indígenas. Por exemplo, em todo o Paraná, assim como em quase toda a América, o milho é parte integrante da culinária; a nossa pamonha, nosso bolo de milho ou o curau estão presentes em qualquer festa junina, ou festa de roça na época da colheita. Esse hábito herdamos dos índios e até hoje os guaranis ainda fazem o batismo do seu milho, confeccionando seus Mbojape, nossa pamonha ancestral.

No litoral, as tradições se encontram no cotidiano; em muitas localidades ainda se pratica o artesanato tradicional. Os potes de barro, os trançados, as pinturas com traços europeus e índios, podem ser encontrados em lugares recônditos das baías do litoral paranaense. Os “caiçaras” confeccionavam, até bem pouco tempo, as canoas de um pau só, com a árvore do guapuruvu, que, quase extinta, obriga a busca de outras soluções. O fandango, bailado tradicional do litoral, possui um aparato impressionante que envolve as comunidades em todo o seu processo. As violas, as rabecas, os tamancos são feitos pela comunidade; as danças, os cantos e modo de executar os instrumentos e bailar as modas são transmitidos espontaneamente; o fandango de um lugar traz sua marca, sua identidade própria, diferenciando-se de outros. É um arcabouço pertencente a uma comunidade, que identifica suas tradições, mentalidade e valores.

A professora Roselys Veloso Roderjan, musicista e grande pesquisadora da história e do folclore paranaense, realizou importante pesquisa, recolhendo junto a essas comunidades canções tradicionais do fandango, inclusive cifrando as letras para partituras, dando uma contribuição importante para a preservação da memória dessa nossa tradição.

As Folias de Reis ocorrem em quase todo o país. No norte e noroeste do Paraná são ainda uma tradição significativa. No processo de colonização do Paraná, migrou para o Estado com os paulistas e mineiros que colonizaram estas regiões. Assim como no fandango, os pontos de viola, os cantos, o conhecimento das alegorias são passados oralmente e intuitivamente de geração a geração. A memória dos velhos, dos cantadores, ou dos rezadores antigos, é o eixo principal da tradição: sem estes personagens a corrente se quebra e as tradições podem desaparecer. As bandeiras do divino são uma rica tradição ainda encontrada. Em Guaratuba celebra-se uma festa tradicional do divino, com duas bandeiras bem caracterizadas em procissão. As festas, rodas, danças ou terços de São Gonçalo do Amarante praticamente desapareceram – infelizmente – do Paraná (existe uma comemoração magnífica em Pernambuco, no município de Igarassu, localidade de Itapissuma). Santo que, em suas peregrinações no século XII, levava uma viola e unia o povo em torno dos seus cantos e em meio à roda de danças, São Gonçalo é, para os fiéis, detentor de grandes poderes.

As cavalhadas e as congadas são festas riquíssimas, de longa tradição. Guarapuava e Palmas realizavam suas cavalhadas. Na Lapa realiza-se uma congada de São Benedito; a festa que tem como principal elemento o simbolismo da coroação de um rei do Congo é realizada por ocasião da comemoração de São Benedito. As cavalhadas no Paraná, parece-nos, foram mais largamente praticadas pelo povo sertanejo no princípio do século XX. Estes, abandonados nos sertões do sul do Paraná e norte de Santa Catarina, pela república que nascia, promoveram uma das maiores revoluções camponesas da história do Brasil: a Guerra do Contestado (1912-1916). Liderados pelo monge João Maria praticavam a cavalhada, como forma de combate. Elementos medievais das cruzadas foram incorporados pelo Exército Encantado de São Sebastião, criado pelos revolucionários. Se as cavalhadas eram praticadas nos redutos dos camponeses, bem pode ser que tenham contribuído para a difusão e a permanência, até os dias de hoje, deste costume entre o povo da região de Palmas e Guarapuava.

Os imigrantes, radicados principalmente no sul, trouxeram manifestações próprias, incorporaram-nas ao nosso acervo popular. Tradições polonesas, alemãs, ucranianas, japonesas e tantas outras, somaram-se a essas manifestações antigas de origens índias, africanas, portuguesas e espanholas, tornando o Paraná moderno ainda mais complexo e rico.

Durante todo o ano ocorrem festas populares e celebrações sacras em todo o Estado. A maioria dessas celebrações homenageia santos ou santas padroeiras dos municípios, outras são antigas tradições praticadas por devotos, ou manifestações populares muito ricas, nas quais a arte popular e a religião se misturam ao longo do tempo. Grande parte é oriunda de antigas tradições, herdadas da Europa medieval; várias celebrações e festejos praticados no Brasil ocorriam, ou ainda ocorrem, também em Portugal, ou na Península Ibérica, demonstrando as influências culturais que possuímos da colonização portuguesa e espanhola.

Nas festas populares encontramos raramente as antigas manifestações folclóricas paranaenses: as cavalhadas ainda são praticadas, porém já desfiguradas de suas características originais; o fandango do litoral, com todos os costumes que o envolvem, ainda ocorre, porém somente em algumas localidades das baías de nosso litoral.

Estado com grande diversidade cultural, o Paraná recebeu também imigrantes de diversas partes do mundo e migrantes de inúmeros outros estados do Brasil. Deste modo, existe uma grande variedade de festas regionais, que são heranças da história local e, muitas vezes, devido a estas características singulares de ocupação e colonização, somente se apresentam naquela região. Em Siqueira Campos, por exemplo, ocorre há mais de setenta anos a festa do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, em honra a quem foi edificado um santuário com a vinda da imagem do santo, provavelmente de Minas Gerais. A região recebeu no início do século XX um grande número de migrantes mineiros, que estabeleceram um dos primeiros núcleos coloniais do norte pioneiro, então denominado Colônia Mineira.

Celebrações como as festas de São Benedito, santo negro protetor dos escravos, são encontradas em vários municípios. Em alguns municípios que margeiam rios, como o Paraná e o Iguaçu, se realiza a festa de Nossa Senhora dos Navegantes, celebração muito popular no Brasil, ocorrendo também na região norte e no sul do país. As celebrações de Folia de Reis, que contam a história da visita dos três reis magos à manjedoura de Jesus Cristo recém-nascido, são realizadas em muitos municípios; em alguns deles ocorrendo, inclusive, concursos para premiar as melhores folias. As folias, muito comuns em todo o país, também foram trazidas por paulistas e mineiros para o Paraná.

Em Antonio Olinto, tem-se a romaria de Nossa Senhora dos Corais, inclusive com missa dita em ucraniano. Os ucranianos são um dos mais significativos grupos de imigrantes que aportaram nestas terras, no início do século XX. A festa para a Virgem de Caacupê, em Guaíra, de origem paraguaia, homenageia a santa com procissões e, inclusive, missa em língua guarani. Os índios guaranis, por seu turno, ainda realizam seu ritual vespertino da Casa de Reza, talvez uma das mais antigas celebrações religiosas do Paraná, já que os guaranis, autóctones habitantes da terra, conviveram com as reduções jesuíticas há mais de quatrocentos anos.

Nos Campos Gerais, região de influência tropeira, grande parte das tradições são heranças desse ciclo econômico e cultural, um dos mais importantes ocorridos nas regiões meridionais do Brasil. Em Piraí do Sul, homenageia-se o senhor Menino Deus, festa que remonta a esses tempos do tropeirismo e cuja imagem original, estima-se, tenha sido trazida no século XVIII por tropeiros das ruínas das missões jesuíticas de Sete Povos, no Rio Grande do Sul, para a primeira capela surgida em Piraí do Sul, então local de passagem das tropas.

Inúmeras tradições populares, porém, estão em vias de desaparecer ou desapareceram no Paraná, como as festas de São Gonçalo, o Boi de Mamão, o Pau-de-Fita etc. As Folias de Reis são um bom exemplo desse fenômeno; outrora comuns em quase todo o Brasil – não diferentemente no Paraná – são hoje pequenas reminiscências praticadas pelos antigos em alguns municípios, com o singelo desinteresse das gerações mais novas. Os novos tempos se impõem, as tradições tendem a se transformar e, algumas vezes, infelizmente, são esquecidas e abandonadas.

... as flores que nunca morrem,
são essas que em ti se movem.
Árvore do Mundo, Carlos Nejar

Quem vai podar o homem dos sonhos, das suas ilusões, da imaginação fértil e livre que constrói os básicos sentidos para o mundo e a vida. Isso, até hoje, não pode, e não deve ser contido. Os símbolos e a linguagem (outro símbolo) planam soltos. Vêm, de onde ninguém sabe. E são eles que identificam uma sociedade, um povo, dando-lhe uma identidade singular, onde quer que ele esteja.

Os mitos e as lendas são fenômenos da psique, dos dados individuais e coletivos, da trajetória épica, trágica ou cômica, dos seres humanos. Através dos mitos e das lendas pode-se penetrar nos meandros psicológicos dos homens, investigar seus desejos e suas leituras da terra e de si mesmos; o que é, num certo sentido, conhecer a própria história. Só que em uma visão mais ampla do que a análise fatual. É uma tarefa árdua tentar divisar nas mitologias seus possíveis adventos fatuais. Mitos de criação do mundo, com seus heróis épicos em luta com a natureza e os deuses, são comuns nas sociedades antigas.

Essas histórias estão recheadas de eventos naturais catastróficos e monstros transumanos, contra os quais os heróis e heroínas se põem em luta bravia, para redimir a sociedade, de uma falta, uma culpa, ou um desvio impensado das conveniências divinas. Muitos desses eventos parecem ter sido ocorrências físicas, ou geológicas, reais. Mas, como o homem podia explicar o inexplicável? Os rituais de nascimento, morte e de passagens, as viagens fantásticas, são procedimentos necessários de expiação, busca da paz, da superação, da transposição para uma nova posição individual e social; são caminhos para o apaziguamento da alma. E, assim, os mitos e as lendas se fizeram e se fazem.

Como para a poesia está o poema. Ou seja, a antiga discussão entre forma e conteúdo. Sendo o poema a forma, as vestes da poesia, que se vela muito mais além e guarda os sentidos mais próprios. Muitas vezes está a lenda para o mito. O mito é fundante, mais profundo, uma matriz originária; as lendas e contos populares contam os mitos, de diversas maneiras, sendo que esses relatos vão se metamorfoseando, conforme o tempo passa, a natureza e a sociedade mudam.

O tempo e a imaginação popular se encarregam de rebuscá-los, continuamente. Como uma pintura que jamais é finalizada, interminável; pois, a cada dia o artista, ou os artistas, lhe altera as cores, os tons, as formas. E assim infinitamente.

As lendas e os contos populares, porém, estão libertos. Não estão presos ao destino de serem cantores dos mitos. Soltos, criam suas próprias histórias. Sua base fundamental é a oralidade. A fala do povo. É na conversa do povo, nos sotaques, feitos e jeitos, na produção artística e no trabalho, nos acontecimentos que "ninguém" viu, mas ouviu dizer, que os contos florescem. Férteis, sólidas crenças e crendices, pois bem arraigados na liberta imaginação.

Fonte:
SEEC – Paraná da Gente

Folclore da Lapa/Paraná (João Maria, o Monge da Lapa)


Entre fins do século XIX e a primeira década do XX, o campo brasileiro viu-se sacudido por alguns movimentos populares. De norte a sul surgiram manifestações de cunho religioso, como se o país despertasse de uma enorme letargia.

Conselheiros no nordeste brasileiro (como Antônio Conselheiro, de Canudos, na Bahia) e monges nos sertões meridionais, vários personagens cruzavam os campos de lado a lado, medicando e aconselhando os caboclos, granjeando fama de milagrosos e poderosos. No interior do Paraná, uma figura que aparecia envolta em mistério, antes e durante os conflitos pela posse da terra na região sul do estado, na divisa contestada por Santa Catarina, foi um andarilho conhecido como o Monge da Lapa. Na verdade, foram três os monges que freqüentaram a região, em momentos críticos da história de nosso país.

O primeiro surgiu em meados do século XIX, na década de 40, pouco depois das revoltas liberais que sacudiram o Brasil e pouco antes do término da Guerra dos Farrapos. O segundo marcou sua presença nos anos próximos à abolição da escravidão e do advento da República; em meio à Revolução Federalista temos o seu primeiro registro concreto. Finalmente, José Maria, o terceiro monge, surgiu em 1912, quando a Primeira República incentivava largamente a imigração e a construção de estradas de ferro, com contratos altamente vantajosos para as construtoras.

Entre os dois primeiros existia uma forte semelhança no proceder, a ponto de serem considerados uma só pessoa. "Num dos retratos que corre como sendo do ‘santo’, estampa-se a legenda: ‘João Maria de Jesus, profeta com 188 anos’ - como que a afirmar que os dois foram um só" [2].

As explicações de ambos terem utilizado o mesmo nome aparecem na obra de Oswaldo Cabral, quando o autor aponta as razões de tal procedimento. "O povo chamava todos os monges de João Maria. Não sendo João Maria não seria monge"[3].

Ao assumir o nome de seu predecessor, João Maria de Jesus não forçava, ao ver de Cabral, uma impostura, mas assumia para si a memória de santidade do primeiro monge. Místico também, ele encontrava assim uma melhor forma de penetração junto às populações interioranas. A mudança do nome marca o início de uma transformação na vida.

Apesar de utilizar os dois primeiros nomes de João Maria de Agostini, nunca tomou o último nome deste, do mesmo modo que nunca afirmou ser o mesmo que percorreu os sertões em meados do século XIX. Afinal, o santo dos sertanejos não era de Agostini ou de Jesus, "... há apenas um João Maria, e não só o João Maria do Contestado, mas o querido João Maria da devoção popular" [4].

Várias são as lendas que permanecem na memória de moradores do interior paranaense e que acabaram por conquistar as cidades, localizando-se em diversas camadas da população, trazidas pelo êxodo rural. Muitas das localidades de Santa Catarina, apontadas a seguir, pertenciam ao território do Paraná e foram repassadas ao estado vizinho após acordo que ratificou a divisão da região contestada, à época do presidente Wenceslau Braz, em 1916.

São lendas que dizem respeito à origem dos monges, lendas sobre profecias, punições, milagres e prodígios e finalmente lendas relativas ao fim dos monges. Estas lendas confundem os monges que as praticaram ou sofreram, sendo atribuídas ao monge simplesmente. Este caráter dúbio é parte da própria estrutura das lendas.

Sobre a origem do monge, do porquê de sua peregrinação pelo sertão, a mais rica lenda que encontramos é a de que sendo cristão, abandonou a religião para se casar com uma moura e combateu o exército expedicionário francês. Sendo feito prisioneiro, após a morte de sua esposa, conseguiu fugir e no Egito teve a visão do apóstolo Paulo, que o mandou peregrinar 14 anos (ou 40 em outra versão) pelo mundo, reconvertendo-se assim ao cristianismo. Sua cidade de origem seria, neste caso, Belém, na Galiléia.

Outras lendas davam conta de ser o monge um criminoso, não se dizendo o crime, ou que tivesse seduzido uma religiosa, que teria falecido na viagem para a América. Sua penitência seria vagar solitário pelos sertões. Existe também aquela que dizia ser o monge um apátrida, nascido no mar, de pais franceses, tendo sido criado no Uruguai.

As lendas sobre profecias são também bastante extensas, a começar de seu próprio desaparecimento, quando terminasse sua missão, no morro do Taió, hoje território de Santa Catarina. Previu o aparecimento de uma cidade no local em que estava, o que efetivamente se deu após a definição do litígio sobre a fronteira; seu nome, segundo o monge, seria Santa Cruz, e a cidade chamou-se Cruzeiro e hoje é o município de Joaçaba, SC.

Teria previsto o advento da República alguns anos antes. Previu também os trens e os aviões, no estilo dos antigos profetas. "Linhas de burros pretos, de ferro, carregarão o pessoal". Depois deles, as guerras com as derrotas sucessivas dos sertanejos e "gafanhotos de asas de ferro, e estes seriam os mais perigosos porque deitariam as cidades por terra".

Chegando a uma casa onde uma mãe acabara de dar à luz, reclamou o batismo da criança recém-nascida e somente depois lhe foi contado que a parturiente havia feito promessa de dar o nome de João Maria e convidar o monge para padrinho, se fosse feliz na hora do nascimento.
O primeiro monge teria previsto que outros o seguiriam, enquanto o segundo teria indicado a guerra que se avizinhava (a guerra do Contestado), onde os seus seriam dizimados.

As lendas de caráter punitivo são muitas, que contrastam com a imagem bondosa do monge. De modo geral, são castigos para aqueles que, desdenhando de sua santidade, não respeitaram regras estabelecidas por ele.

Existem as histórias relativas ao queijo. Conta-se que pedindo um pedaço de queijo em uma fazenda, este lhe foi negado, tendo então repetido a profecia feita para Canoinhas, anunciando o fim da prosperidade da fazenda.

Conta-se que uma senhora querendo dar ao monge um queijo, tendo falado a este respeito com seu marido, ordenou-lhe este que lhe fosse dado um outro menor (outra versão diz menor e podre). Segundo uma narrativa teria o monge aceitado apenas um pequeno pedaço do queijo, jogado fora mais da metade, por adivinhar a má vontade do dono. Outros comentam que sendo podre o queijo, João Maria o levou e escondeu sob uma pedra, ou o esmigalhou no pasto, ainda dentro da propriedade do tal fazendeiro. Em todos os casos, a prosperidade da fazenda desandou, chegando, em uma das versões, toda a família à loucura, ou morrendo o fazendeiro na mais miserável pobreza.

Às regiões de pouca fé do povo, predisse pragas, dizendo que aqueles que quisessem salvar suas roças deveriam plantar aquilo que desse sob a terra (tubérculos) - o que realmente aconteceu em Taquara Verde, município de Porto União, SC. Predisse que a localidade de Vila Nova do Timbó, por seu povo ateu, se transformaria num porungal, ou seja, suas terras perderiam a fertilidade. O lugarejo teria realmente regredido.

Ao ser preso na Lapa, predisse castigos dos céus e um violento temporal sobre a cidade. Em duas cidades diferentes, Hamburgo Velho (RS) e outra do Paraná, ao ser apedrejado por crianças que o tomavam por mendigo, perdoou às crianças, mas disse, serenamente, que as cidades seriam apedrejadas como ele. Em ambos os casos, dias depois, uma chuva de granizo arrasou as plantações, castigando a cidade. Tal evento teria também acontecido na Lapa.

Com relação às fontes, contam-se duas lendas de caráter punitivo. Uma seria uma água abençoada por ele, com a previsão de que não se entrasse na fonte para se banhar. Duas prostitutas, tendo ignorado o aviso, banharam-se para curar algumas feridas, o que provocou o ressecamento imediato da fonte.

Nas proximidades da Lapa, uma família tendo comprado uma propriedade, que tinha em suas terras uma fonte benzida, e não crendo no poder da água santa, cercou a área, proibindo a entrada de intrusos. Ao mesmo tempo, ateou fogo ao cruzeiro e ao pinheiro que havia no pouso. Como resultado, perdeu todas as suas posses e ficou louca.
As lendas sobre milagres e prodígios fazem parte do maior grupo conhecido. Existia a crença de que em meio às tempestades, o monge permanecia sentado ao relento, mas que não se molhava, bem como nos lugares de determinadas cruzes.

Conta-se também que podia estar em dois lugares diferentes, orando em sua gruta e ao lado de uma doente que invocava por ele. Conta-se que podia ficar invisível aos seus perseguidores, atravessar a pé sobre as águas dos rios, e que suas cruzes cresciam – não só o corpo, como também os braços – ou brotavam 40 dias após o monge tê-las levantado.
Bastões, com a "medida do monge", fincados em cada extremo de uma fazenda protegiam o gado contra doenças. As velas, feitas na medida do palmo do monge, afugentavam os maus espíritos e acalmavam as tempestades.

Conta-se que o monge era imune aos índios e às feras, não sendo jamais atacado por elas. Diz-se também que fazia surgir olhos d’água nos lugares onde pousava. Da mesma maneira, podia se fazer transportar no ar ou desaparecer quando a multidão que o cercava crescia em demasia.

As curas são constantes em suas lendas. Teria curado adultos e crianças já à morte com infusões de uma planta chamada vassourinha e rezas. Em Mangueirinha e na Lapa, se contam casos de curas milagrosas de dores de dentes.

As lendas referentes a galinhas são bastante difundidas. Conta-se que uma senhora ofereceu uma galinha ao monge, que não aceitou o presente por ele ter sido dado antes ao diabo. A mulher teria se referido à ave como "galinha do diabo" ao ter esta sujado seu vestido no caminho para a pousada de João Maria, ou praguejado dizendo "que o diabo a carregue", por não ter conseguido pegar no terreiro, só o fazendo horas depois. É interessante notar, como o faz Oswaldo Cabral, que essa lenda já teria se referido anteriormente a outras pessoas.

Igualmente se conta a lenda da batata. João Maria teria sido convidado a comer batata-doce com leite com uma família, a qual havia incumbido uma escrava de colhê-las. A escrava teria dito que a maior seria dela e não do velho mendigo. Na hora do jantar, todas as batatas da mesa, o monge se recusou a comer a melhor das batatas-doces, por já possuir dono.

Pernoitando na dita fazenda, pediu ao amanhecer um cavalo ou burrico, para atender ao chamado de um doente distante. Pedindo um animal manso, foi lhe dado um manco, o qual na volta da jornada não portava nenhuma deficiência no andar. João Maria teria debelado, ainda, uma epidemia de varíola em Rio Negro, afastando a peste com rezas e com 14 cruzes plantadas como Via Sacra na cidade. Ainda hoje existe uma das cruzes na cidade: chama-se cruz de Mafra.

As lendas relativas ao desaparecimento ou morte do monge dão conta que ele teria dito que ao final de sua peregrinação iria para o morro do Taió, região que se sabia habitada por índios hostis, os botocudos. Após a sua morte, seu espírito teria aconselhado um viajante de Guarapuava que foi à sua procura no morro.

Outra tradição diz que morreu de velhice em Araraquara (SP), ou que foi encontrado agonizante próximo aos trilhos da estrada de ferro perto de Ponta Grossa. A crença mais difundida é, no entanto, que não teria morrido. Após jejuar por 48 horas no Taió, o monge teria sido levado por dois anjos para o céu. Em outra hipótese, seu corpo teria se envolvido em luz tão forte que o fez desaparecer, deixando uma marca vermelha no chão, que os incrédulos confundiam com sangue.

Criações do povo, estas lendas formam um conjunto de crenças que demonstram o caráter mágico de sua apreensão da realidade, indubitavelmente belas como demonstração de mentes criadoras. Vejamos algumas que permanecem na tradição de alguns outros municípios paranaenses.
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Notas
[1].Parte deste texto foi publicado como integrante da monografia para conclusão do curso de especialização Metodologia do Ensino Superior. CARNEIRO JR., Renato Carneiro. O Monge da Lapa: um estudo da religiosidade popular no Paraná. Curitiba: Faculdades Positivo, 1996.
[2].CABRAL, Oswaldo R. João Maria. Interpretação da Campanha do Contestado. São Paulo: Comp. Editora Nacional, 1960.
[3]. Idem.
[4]. Idem.
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Fontes:
SEEC – Paraná da Gente
Imagem do Acervo de Orty de Magalhães

Folclore do Ceará (A Princesa Encantada de Jericoacoara)



Na cidade de Jericoacoara, no Ceará, diz a lenda que, debaixo do morro do farol local, existe uma linda princesa encantada, morando numa gruta, cheia de riquezas. Só se desencantará se alguém for sacrificado. A Princesa está transformada numa serpente, com a cabeça e os pés femininos. Faz-se uma cruz com o sangue humano no dorso da cobra. E ela voltará a forma humana para sempre.

Perto da praia, quando a maré está baixa, há uma furna onde só se pode entrar agachado. Esta furna de fato existe. Só se pode entrar pela boca da caverna, mas não se pode percorrê-la, porque, está bloqueada por um enorme portão de ferro.

A cidade encantada e a princesa estariam além daquele portão. A encantadora princesa está transformada, por magia, numa serpente de escamas de ouro, só tendo a cabeça e os pés de mulher.

De acordo com a lenda, ela só pode ser desencantada com sangue humano. Assim, no dia em que alguém for sacrificado junto do portão, abrir-se-á a entrada para um reino maravilhoso. Com o sangue será feita uma cruz no dorso da serpente, e então surgirá a princesa com toda sua beleza, cercada de tesouros inimagináveis, e a cidade com suas torres douradas, finalmente poderá ser vista. Então, o felizardo responsável pelo desencantamento, poderá casar com a princesa cuja beleza é sem igual nesse mundo.

Mas, como até hoje não apareceu ninguém disposto a quebrar esse encanto, a princesa, metade mulher, metade serpente, com seus tesouros e sua cidade encantada, continuam na gruta a espera desse "heróí".

Essas princesas-serpentinas são comuns no folclore nortista. Mário Melo fala da furna da Serra Talhada, em Vila Bela, Pernambuco, morada duma princesa, semelhante a esta.

Princesas tornadas serpentes são vestígios do ciclo das Mouras na península ibérica. Em Portugal quase a totalidade das Mouras Encantadas vive sob a forma de serpentes. Nas noites de São João ou Natal, antes da meia-noite, voltam à forma humana, tornadas mulheres lindas, cantam, penteando-se com pentes de ouro. Ao seu lado pode-se ver a pele de serpente à espera do corpo para a continuação da maldição. O ferimento, mesmo diminuto, bastando apenas que derrame sangue, quebra o encanto. Aqui a lenda se assemelha com o mito da Cobra Norato, do Pará.

Informações Complementares:

Nomes comuns: Cidade encantada de Jericoacoara, A Princesa encantada do mesmo nome, O Reino Encantado, O Reino de Pedra Bonita.

Origem Provável: A tradição de Jericoacoara é legitimamente portuguesa e a princesa enfeitiçada é uma "moura", esquecida em seu castelo obscuro, guardando ouro, joias, pedrarias, barras de prata, montões de moedas, para o heroi audacioso que resolva lhe "quebrar" o encanto. Em toda a Europa e Ásia, existem relatos muito antigos de vários povos que falam de cidades encantadas, onde moram reis e princesas, outras vezes raças de inteligência superior.

Vinda da Europa, pelos espanhóis, havia a lenda que falava de um lugar maravilhoso que poderia estar oculto nas florestas virgens da América do Sul, onde as pessoas viviam eternamente. Se alimentariam da água da Fonte da Juventude eterna. Também os espanhóis acreditavam existir uma fenomenal cidade subterrânea com tesouros fabulosos, nas montanhas dos Andes, seu nome seria Cibola.

No estado de Pernambuco, na cidade de Serra Talhada, antiga Vila Bela, existe uma lenda parecida que também fala de uma gruta encantada onde mora uma princesa serpente. Outros afirmam que esta gruta, seria na verdade o Reino de Pedra Bonita, que ficava no sítio de Pedra Bonita, na mesma cidade, e onde viveu um povo muito místico e cruel.

Conta a lenda que para manter o reino encantado e oculto das vistas de curiosos, os habitantes locais sacrificavam crianças cujo sangue puro, mantinha sua invisibilidade. Se isto não fosse feito, o reino se desencataria e se tornaria visível. Naquele reino existiria uma fabulosa mina encantada de diamantes.

A Serpente, o animal sem idade, o animal sábio, é a forma preferida pela alta e velha magia árabe. As tradições orientais estão repletas de rainhas e princesas que vivem como grandes cobras, sujeitas a uma penitência cujo fim depende dum gesto humano e cavalheiresco.

Toda Europa conhece a tradição de Melusina, a fada amorosa da casa dos Lusignan. Filha da fada Pressina, Melusina se tornava serpente todos os sábados. Durante uma caçada, Raimondin, filho do conde de Forez, encontrou-a numa floresta do Poitou. Apaixonaram-se e se casaram. Melusina construiu milagrosamente o castelo de Lusignan. Viviam amorosamente. Nasceram oito filhos, fortes e belos mas portadores de anomalias.

Vriam, o primogênito, tinha a face mais larga do que longa e um olho era vermelho e o outro azul. Odon, o segundo, possuía orelhas enormes. Guion, o terceiro, apresentava os olhos colocados desigualmente. A face do quarto filho, Antônio, era marcada por uma garra de leão. Renault, o quinto, parecia um Ciclops, com seu único olho mas enxergava numa distância de vinte e uma léguas. Godofredo, o sexto, orgulhava-se de ter apenas um dente que lhe saía da boca mais de uma polegada. O sétimo tinha um nariz peludo como se fosse uma toupeira. O oitavo, não se sabe o nome, se tornou monge. Este possuía três olhos.

Melusina fizera o marido jurar que não a procuraria ver durante os sábados. Anos depois, tomado pela curiosidade, o fidalgo abriu um furo com a espada na porta do aposento onde a esposa se banhava. Viu-a como uma enorme e horrenda serpente. Gemendo de dor, Melusina desapareceu por uma janela. Nunca mais o marido tornou a vê-la. Fiel ao seu amor, cada vez que o castelo de Lusignan mudava de senhor, ou um dos chefes da família ia morrer, Melusina aparecia no alto das torres do castelo, chorando. Três dias depois voltava para anunciar a visita do anjo da morte.

Vê-se claramente, pelo exposto, porque a princesa de Jericoacoara ainda espera pelo seu Salvador, um homem sem medo e sem mácula, armado apenas de coragem e transbordando de amor.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/folk20.htm

Folclore do Pernambuco (A Lenda do Papa Figo)

O Papa Figo, ao contrário dos outros mitos, não tem aparência extraordinária. Parece mais com uma pessoa comum. Outras vezes, pode parecer como um velho esquisito que carrega um grande saco às costas.

Na verdade, ele mesmo pouco aparece. Prefere mandar seus ajudantes em busca de suas vítimas. Os ajudantes por sua vez, usam de todos os artifícios para atrair as vítimas, todas crianças. Para isso vale distribuir presentes, doces, moedas ou cédulas de dinheiro, brincar fazendo caretas, brinquedos ou comida. Eles agem em qualquer lugar público ou em portas de escolas, parques, ou locais com pouco movimento.

Depois de atrair as vítimas, estas são levadas para o verdadeiro Papa-Figo, um sujeito estranho, rico, que sofre de uma doença rara e sem cura. Alguns sintomas dessa doença seriam o crescimento anormal de suas orelhas ou o corpo leproso.

Diz a lenda, que para aliviar os sintomas dessa terrivel doença ou maldição, o Papa-Figo, precisa se alimentar do Fígado de uma criança. Feito a extração do fígado, eles costumam deixar junto com a vítima, uma grande quantia em dinheiro, que é para o enterro e também para compensar a perda junto a família.

O Papa-Figo é uma espécie de Lobisomem da cidade. Nunca muda a forma. É um homem velho, sujo, vestindo farrapos, com ou sem um saco às costas, ocupando-se em raptar crianças para comer-lhes o fígado ou vendê-lo aos leprosos ricos. É alto e magro. Conforme a região é pálido, sórdido, com barba sempre por fazer. Sai à noite, às tardes, ao por do sol. Aproveita a saída das escolas, os parques onde as babás se distraem com os namorados, as praças ensombradas.

Nesses ambientes atrai as crianças com gestos engraçados, ou mostrando brinquedos, dando falsos recados ou prometendo levá-las para um local onde há muita coisa bonita.

Informações Complementares:

Nomes comuns: Negro Velho, Velho do Saco, etc.

Origem Provável: Mito universal, muito comum em todo meio rural. Acredita-se que a intenção do conto era um alerta às crianças sobre o contato com estranhos. Nesse ponto se assemelha ao conto original de Chapeuzinho Vermelho, cuja ideia por trás da estória, era simplesmente alertar sobre o perigo do contato com os viajantes, os forasteiros, que, não raramente, costumavam raptar crianças em suas andanças pelas aldeias medievais.

Em abril de 1938 foram presos na cidade de Natal dois indivíduos de cor que iam levando crianças. Eram pretos de meia idade, doentes, palúdicos, visivelmente dementes. A polícia resgatou as crianças e mandou-os embora.

Fatos semelhantes se repetiram em Ceará e Pernambuco. No interior dos Estados corre a mesma estória, irradiando pavores idênticos em todos.

Dizia Gilberto Freire (Casa Grande & Senzala, 1933, p. 368): "E havia ainda o Papa-Figo - homem que comia fígado de menino. Ainda hoje se afirma em Pernambuco que certo ricaço do Recife, não podendo se alimentar senão de fígados de crianças, tinha seus negros por toda parte pegando menino num saco de estopa."

Na terapêutica contra a Lepra, o banho do sangue humano e a degustação do fígado, especialmente das crianças, são remédios tradicionais. Hermeto Lima conta a horripilante estória da Onça, uma velha leprosa que, a consellho dos ciganos, furtava as crianças da "Roda dos Enjeitados", para banhar-se no seu sangue. Só depois de morta a polícia soube das monstruosidades que cometera. (A Onça se chamava Bárbara dos Prazeres e morreu no Rio de Janeiro em 1835. Hermeto Lima narra em detalhes o episódio em Os Crimes célebres do Rio de Janeiro, 1820-1860, Ed. da Empresa de Romances Populares, 1921)

De depoimentos dos leprosos da época, entre todos, era corrente a ideia de que a Lepra não era doença da pele. Era crença firme entre todos que a Lepra era doença do sangue, o sangue está impuro. E muitas doenças ainda conservam nomes decorrentes dessa crença: Sangue Novo (urticária), Calor do Sangue (tinha), Calor do Figo, etc.

Assim, depurar, reforçar o sangue era a única terapêutica que lhes assegurava a tradição secular. Como o sangue vem do fígado, tratar, melhorar o fígado, era o único meio de cura, o resto, para eles, era perda de tempo. "Um fígado doente trata-se com um fígado sadio", era a firme convicção, o coro, daqueles infelizes acometidos pelo mal.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/folk04.htm

Folclore de Minas Gerais (Chibamba)


Fantasma do ciclo das assombrações criadas para assustar crianças, para fazer parte dos seus pesadelos noturnos. É do sul de Minas Gerais. Amedronta as crianças que choram, as teimosas e as malcriadas. Anda envolto em longa esteira de folhas de bananeira, ronca como se fosse um porco e dança de forma compassada enquanto caminha; às vezes gira.

O nome é um vocábulo africano, Bantu na verdade, e teria como significado uma espécie de canto ou dança africana à exemplo do Lundu [Espécie de dança nativa africana].

Há uma quadrinha que diz:
Ê vém o Chibamba, nêném, ele papa minino, cala a boca!...

O Chibamba vestido de folhas de bananeira e dançando, lembra a África de onde o nome é originário. Em Angola e Congo ainda os negros, em suas tradições festivas e folclóricas, dançam vestindo elaboradas roupas feitas de folhas, ramos e galhinhos de plantas locais.

Na Ásia, entre os antepassados dos Laos, da indochina francesa, chamados de Pu Nhiê, há uma dança. Os Pu Nhiê, em certa época, vestindo folhas e peles, surgem com máscaras de monstros excêntricos. E Dançam lentos, compassados, dando giros misteriosos, ao som de tambores.

A dança grave, em giro, é bem africana e de finalidade religiosa. As outras, coletivas, festivas, em ritmo mais agitado, são rituais de pesca e caça.

O Chibamba é um remanescente dos rituais negros da África, que se transformou em Cuca, ou Negro Velho, e se tornou encarregado de fazer dormir à força as crianças. O fato de "roncar como um porco" é uma adaptação brasileira.

Chibamba, pelo nome e maior influência negra que indígena em Minas Gerais, é africano. Ali ele vive, fazendo as crianças dormirem, mesmo quando não estão com vontade.

Notas complementares:

Nomes comuns: Chibamba.

Origem: Africana.

De fato, os nativos africanos se vestiam com folhas e usavam máscaras assustadoras nos seus rituais de pesca, caça e mesmo religiosos. Sua chegada ao Brasil mineiro, em seus terreiros festivos, onde as amas pretas de leite cuidavam dos seus bebês e também das crianças brancas, explica o surgimento do Chibamba como criatura assustadora.

Era uma oportunidade e tanto mostrar às crianças, aqueles figurantes caracterizados como monstros cobertos de folhas e mascarados, como uma entidade que viria atormentar crianças que não queriam dormir.

Na tradição africana, os figurantes cobertos de folhas e mascarados, simbolizavam a reencarnação dos seus antepassados, que ora os visitavam, para abençoar suas festas, caçadas, colheitas, guerras e rituais de casamento.

Também os nossos índios dançavam envoltos em folhas e tecidos vegetais. Não é uma tradição dos Tupis, mas entre os pajés do Brasil colônia. Estes dançavam, nas horas dos rituais religiosos, disfarçados, cobertos de folhas e pintados com corantes vegetais. A dança lenta, rodada, com os figurantes cobertos com vestimentas ornamentadas, era tradição entre os Gês, Nu-aruacos e Caraíbas. Mas a influência para a existência do Chibamba mineiro é mesmo africana.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/cfolc.htm

Folclore do Amazonas (A Lenda do Mapinguari)


O Mapinguari é o mais popular dos monstros da Amazônia. Seu domínio estende-se pelo Pará, Amazonas, Acre, vivificado pelo medo de uma população meio nômade que mora nas matas, subindo os rios, acampando nas margens desertas dos grandes lagos e lagoas sem nome.

Caçadores e trabalhadores de todos os ofícios citam o Mapinguari como um verdadeiro demônio do Mal. Não tem utilidades ou vícios cuja satisfação determine aliança momentânea com os religiosos cristãos. Mata sempre, infalivelmente, obstinadamente, quem encontra pela frente. Mata para comer. Descrevem-no como um homem agigantado, negro pelos cabelos longos que recobrem seu corpo como um manto, de mãos compridas, unhas em garra, fome insaciável, ou "canina" como é conhecida uma fome de tamanha envergadura.

Só é vulnerável no umbigo. É crença universal a existência da vulnerabilidade umbilical dos monstros. Indica também que um dia nasceu de outro nascido, que é um ser vivente como todos os outros que habitam a terra, apenas pertencente a uma linhagem pouco compreendida.

Em algumas regiões, também o Lobisomem, pode ser abatido pelo umbigo. O Mapinguari, ao contrário de outras entidades fabulosas, não anda durante a noite. Durante a noite, dorme. O perigo é de dia, a penumbra no meio das florestas fechadas que mal deixam passar a luz do Sol. Na obscuridade dos troncos de muitas formas o Mapinguari se destaca, surge bruscamente, para atacar e ferir. Mas não avança silencioso como seria a lógica. Vem berrando alto, gritos soltos, curtos, horríveis, que deixam suas vítimas atordoadas, sem ação.

De longe os homens ouvem seus apelos terríveis. E fogem, sem olhar para trás. É como se o Mapinguari estivesse desafiando os carajosos para um encontro supremo, face a face. Esses gritos roucos e contínuos explicam os rumores naturais que a floresta produz e não se consegue de forma sensata explicá-los. Assim, sem uma explicação lógica para os muitos e difusos barulhos e murmúrios da densa e misteriosa mata, os homens logo atribuem ao Mapinguari tal repertório sonoro.

Qual seria a origem do Mapinguari? Não parece muito antiga porque seu nome não está presente na lista dos cronistas coloniais. Aparece já nos tempos modernos, mais comumente nas narrativas dos seringueiros, nas lembranças dos récem-vindos da Amazônia. Cronistas famosos como o minucioso Stradelli, ou Tastevin, não registram sua existência nos vocabulários.

Seu físico é quase uma descrição literal do Caapora, assim desenhado por Couto Magalhães: "Um grande homem coberto de pelos negros por todo corpo e cara, montando sempre um grande porco de dimensões exageradas, tristonho, taciturno, e dando vez por outra um grito para impelir a vara."

Essa é a descrição do Caapora, onde o porco é o elemento não concordante com o Mapinguari.

Já o Caapora de Gonçalves Dias era um índio anão. O Mapinguari é, evidentemente, um Caapora desfigurado, sem alguns elementos que no passado autenticavam sua origem e atividade dentro das florestas. Guarda a estrutura, o grito, o corpo vestido de pelos. Também o seu habitat florestal, continuando a ser um mito das matas, conhecido especialmente por aqueles que nela vivem.

Resumo:
Mapinguari é um animal fabuloso, semelhante ao homem, mas todo cabeludo.
Os seus grandes pelos o tornam invulnerável à bala de qualquer calibre, exceção da parte do umbigo.
Segundo a lenda é ele um terrível inimigo do homem, a quem devora e despreza. Mas devora apenas a cabeça.
Acreditam alguns índios Tuixauas que se trata da reencarnação viva de um antigo rei de sua etnia, que no passado habitava aquelas regiões.

Como o Quibungo africano, o Mapinguari tem a posição anômala da boca, rasgada do nariz ao estômago, num corte vertical, cujos lábios estão sempre sujos de sangue. Depoimentos atestam que seus pés em forma de casco, são virados ao avesso, como o Curupira.

Informações Complementares:

Nomes comuns
: Mapinguari.

Origem Provável: É de origem recente e possivelmente uma variante do Curupira. Nenhum cronista do Brasil colônia ou império citam seu nome. Entre os seringueiros e moradores da floresta Amazônica é quase uma unanimidade. Alguns elementos de sua fisiologia e costumes foram com certeza tirados do Caipora ou Curupira. Mas não é de origem indígena, uma vez que há nele uma espécie de caráter punitivo de cunho religioso, coisa alheia aos aborígenes.

O nome Mapinguari possivelmente se trata de uma contração de mbaé-pi-guari, a cousa que tem o pé torto, retorcido, ao avesso. O início da surpresa seria o rastro de forma estranha, circular, indicando justamente a direção oposta ao verdadeiro rumo. Posteriormente é que a imaginação criou a figura material, semelhante aos outros monstros.

Quando ele apanha um caçador, mete-o debaixo do grande braço forte como aço, mergulha-lhe a cabeça na imensa bocarra e masca-o, isto é, come-o aos poucos, mastigando lentamente, remoendo.

Em um ponto distancia-se do Lobisomem. Não há notícia de alguém poder se tornar Mapinguari. O Sr. Mário Guedes[3], pesquisador de mitos, informa que é crença entre alguns índios Tuixauas, escutou isso de um chefe indígena dessa etnia, que o Mapinguari era o "antigo rei da região". Mas se há essa lenda, o Tuixaua só tomou a nova encarnação depois de morto. Mas, o Mapinguari é uma forma definitiva.

Um dos traços visíveis da catequese católica é a intercorrência do resguardo aos dias santos e domingos. O Mapinguari escolhe quase sempre esses dias para suas aventuras predatórias. Caçador que encontrar matando caça nesses dias proibidos e de preceito, é homem morto.

É opinião concreta entre os compiladores folcloristas, que nessa insinuação está a antiga influência da catequese de tentar incutir entre os selvagens obediência a uma das leis da Igreja, sob o jugo do medo.


Documentário:

J. da silva Campos, em seu livro de contos tradicionais, relata o seguinte episódio.

O Mapinguari (Rio Purus, Amazonas).

Dois seringueiros moravam na mesma barraca, em um "centro" muito afastado, lá naqueles fins de mundo. Um deles tinha por costume sair todos os domingos para caçar. O companheiro sempre lhe dizia:
"Olha, fulano, Deus deixou os domingos para a gente descansar".
Ao que ele retrucava:
"Ora, no domingo também se come".

E lá se ia para o mato, onde ficava o dia inteiro.
Por muita insistência sua, o companheiro resolveu-se a ir fazer uma caçada com ele, certo domingo. Foram e perderam-se um do outro. O que não estava habituado a tais empreitadas andou muito tempo à toa, sem acertar o caminho e já não sabia mais onde tinha a cabeça, de atarantado. Foi quando ouviu uns berros medonhos e estranhos, que o encheram de pavor. Subiu mais que depressa numa árvore bem alta e ficou lá em cima, quieto, imóvel, para ver o que era aquilo.

Os berros foram se fazendo ouvir cada vez mais perto, até que ele pôde testemunhar um espetáculo horrendo, que quase o põe louco de terror. Um Mapinguari, aquele macacão enorme, peludo que nem um coatá, de pés de burro, virados para trás, trazia debaixo do braço o seu pobre companheiro de barraca, morto, esfrangalhado, gotejando sangue. O monstro, com as unhas que pareciam de uma onça, começou a arrancar pedaços do infeliz e metia-os na boca, grande como uma solapa, rasgada à altura do estômago, dizendo em altas e terríveis vozes:
"No domingo também se come!"

Assim, o seringueiro viu a estraha fera engolir o infeliz caçador. E lá foi a besta horrenda pela mata, urrando num tom de voz que fazia estremecer até as próprias árvores:
"No domingo também se come!"

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/folclore_mapinguari.htm

Folclore do Alagoas (A Cabra Cabriola)



A Cabra Cabriola, era uma espécie de Cabra, meio bicho, meio monstro. Sua lenda em Pernambuco, é do fim do século XIX e início do seculo XX. Ocorre também outros estados.

Era um Bicho que deixava qualquer menino arrepiado só de ouvir falar. Soltava fogo e fumaça pelos olhos, nariz e boca. Atacava quem andasse pelas ruas desertas nas noites de sexta. Mas, o pior era que a Cabriola entrava nas casas, pelo telhado ou porta, à procura de meninos malcriados e travessos, e cantava mais ou menos assim, quando ia chegando:

Eu sou a Cabra Cabriola
Que como meninos aos pares
Também comerei a vós
Uns carochinhos de nada...

As crianças não podiam sair de perto das mães, ao escutarem qualquer ruído estranho perto da casa. Podia ser qualquer outro bicho, ou então a Cabriola, assim era bom não arriscar. Astuta como uma Raposa e fétida como um bode, assim era ela.

Em casa de menino obediente, bom para a mãe, que não mijasse na cama e não fosse traquino, a Cabra Cabriola não passava nem perto.

Quando no silêncio da noite, alguma criança chorava, diziam que a Cabriola estava devorando algum malcriado. O melhor nessa hora era rezar o Padre Nosso e fazer o Sinal da Cruz.

Considerada mais temida que o Lobisomem e a Mula-sem-Cabeça, que são mitos vindos de fora há muito mais tempo, a Cabra Cabriola, logo se tornaria o consolo das mães, já que não precisavam se esforçar muito para fazerem seus filhos a irem para cama cedo. Para os pequenos era o maior pesadelo.

São muitos e coisa regular os contos populares em que figura a Cabra Cabriola em ação. Os testemunhos de época logo se tornavam valiosos meios para as mães colocarem na linha seus filhos travessos.

Notas complementares:

Nomes comuns: Cabra Cabriola, Cabriola, Papão de Meninos, Bicho Papão, etc.

Origem Provável: O mito do Bicho papão que ataca as crianças travessas, é bem antigo e remonta ao tempo da Idade Média na Europa. É uma assombração portuguesa que se tornou parte do nosso fabulário. Na América Central, o Gulén-Gulén-Bo, é um negro que também assusta e come as crianças mal comportadas, e tem as mesmas características da nossa Cabriola.

No Brasil, deriva-se de um mito afro-brasileiro, onde acreditava-se tratar-se de um duende maligno que tomava a forma de uma cabra. Costumava atacar as mães quando estavam amamentando. Bebiam seu leite direto nos seus seios, e depois devoravam as crianças. Além de Pernambuco, há versões deste mito nos estados do Ceará, Bahia, Alagoas, Sergipe e Pará.

A figura da Cabra Cabriola, também é mencionada na Espanha e Portugal. Chegou ao Brasil durante o período da colonização portuguesa.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/cfolc.htm

Folclore de São Paulo (A Mulher da Meia Noite)


A Mulher da Meia Noite, também Dama de Vermelho, Dama de Branco, é um mito universal. Ocorre nas Américas e em toda Europa.

É uma aparição, na forma de uma bela mulher, normalmente vestida de vermelho, mas pode ser também de branco. Alguns dizem, que é uma alma penada que não sabe que já morreu; outros afirmam que é o fantasma de uma jovem assassinada que desde então vaga sem rumo.

Na verdade ela não aparece à meia-noite, e sim, desaparece nessa hora. Muito bela, parece uma jovem normal. Gosta de se aproximar de homens solitários nas mesas de bares noturnos. Senta com eles, e logo os convida para que a leve para casa.

Encantado com tamanha beleza, todos topam na hora. Entretidos, logo chegam ao destino. Parando ao lado de um muro alto, ela então diz ao acompanhante: "É aqui que eu moro...". É nesse momento que a pessoa se dá conta que está ao lado de um cemitério, e antes que diga alguma coisa, ela já desapareceu. Nessa hora, o sino da igreja anuncia que é meia noite.

Outras vezes, ela surge nas estradas desertas, pedindo carona. Então pede ao motorista que a acompanhe até sua casa. E, mais uma vez, a pessoa só percebe que está diante do cemitério, quando ela com sua voz suave e encantadora diz: "É aqui que eu moro, não quer entrar comigo?". Gelado, da cabeça aos pés, a única coisa que a pessoa vê, é que ela acabou de sumir diante dos seus olhos, à meia-noite em ponto.

Notas complementares:

Nomes comuns: Moça de Branco, Noiva de Branco, Mulher de Branco, Fantasma da Estrada, Sapatos Vermelhos, Mulher de Duas Cores (Minas e São Paulo), Alamoa (Fernando de Noronha), La Llorona (México), Paquita Munhoz (Região dos Andes), La Sayona (Venezuela), etc.

Origem Provável: É um Mito universal. Na América Hispânica, no tempo da colonização Espanhola já era conhecido. Existem versões semelhantes, Na América do Norte e Europa. Em São Paulo e Minas, há relatos que mencionam uma aparição que veste sempre roupas de duas cores. Branco com Preto, Vermelho com Azul, Azul com Amarelo, etc. Em Fernando de Noronha é uma Loura que, depois de atrair suas vítimas, diante delas, se transforma em um horrível esqueleto.

No México há uma versão local, La Llorona, que é uma mulher que afogou seus dois filhos e depois se suicidou. Então perambula chorando, ora pelas beiras de rios em busca deles, ora pelas estradas pedindo carona com um bebê no colo. Quando entra no carro, dá para ver que é uma assombração com o seu rosto de caveira.

Para muitos trata-se de uma noiva, que na noite do seu casamento, quando se dirigia à igreja, foi atropelada. Era uma noite de sexta-feira. Então nas noites de sexta, ela volta à estrada vestida de noiva e pedindo carona. Já dentro da cabine do carro, ela se dissolve, vezes como cera derretida, vezes como fumaça.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/cfolc.htm

Folclore Brasileiro (A Cuca)


A Cuca ou a Coca é um ente velho, muito feio, desgrenhado, que aparece no meio da noite para levar consigo crianças inquietas, que não dormem ou falam muito. Para muitos, a Coca ou Cuca, é apenas uma ameaça de perigo sem forma. Amedronta pela deformidade. Ninguém sabe ao certo que aparência tem esse fantasma.

A maioria, no entanto, identifica-a como uma Velha, muito velha, enrugada, de cabelos brancos e assanhados, magríssima, corcunda e sempre ávida pelas crianças que não querem dormir cedo e fazem barulho. É um fantasma noturno. Figura em todo Brasil nas cantigas de ninar. Não está localizado em nenhuma região específica, mas em toda parte. Atua em todos os lugares mas nunca se disse quem carregou e como o faz. Conduz a criança num saco e some imediatamente depois de fazer a presa, sem deixar vestígios.

Em Portugal chama-se Coca, e possui uma forma de Dragão. Lá, na província do Minho, no meio da procissão de Corpus Christi, a figura de São Jorge a ataca com sua lança.

Mas no Brasil, ela não é monstruosa, tem forma humana, tanto que se confunde com o Preto Velho, ou a Negra Velha das histórias.

Vem ainda de Portugal, um espantalho que seguia a Procissão dos Passos. No Brasil, este chamava-se Farrinoco, era conhecido como A Morte e amedrontava as crianças que atrapalhavam o cortejo.

Literalmente quer dizer, entidade fantástica, com que se mete medo às criancinhas. A Cuca Paulista parece o Negro Velho de Minas, o Tutu de outros estados, e o Papão de Portugal. Em Pernambuco significa mulher velha e feia, espécie de feiticeira, também Quicuca, ticuca, rolo de mato. Há uma quadrinha mineira, que se originou de uma criada para o Papão Português. Na versão mineira, a palavra Papão é Coca.

Vai-te, Coca, sai daqui
para cima do telhado;
deixa dormir o menino,
seu sono sossegado.

E há a versão nordestina, a mais comum dessa cantiga:

Durma, nenê,
Senão a Cuca vem,
Papai foi à roça,
Mamãe logo vem.

Informações complementares:

Nomes comuns: Cuca, La cuca, Cuco, Coca, Coco, Santa Coca, Farrinoco, Papão.

Origem Provável: Européia. Possui elementos da Mitologia Grega e agregou alguns vestígios da Mitologia africana, como, por exemplo, O Negro Velho, Negro de Angola.

Na Espanha há a Coca, serpente de lona e papelão que sai no dia de Corpus Christi. A Coca é apenas um dragão gigante, com patas de grilo, cauda de serpente e um par de asas.

A palavra castelhana Coco, viria do Grego Kakos ou Cacos, um monstro meio homem, meio animal, feio, feroz e bruto. Este representaria uma entidade fantástica, que se julga habituada a devorar criaturas humanas, como faz o Papão. Na Espanha era um fantasma para assombrar as crianças e já era citado nos séculos XVI e XVII.

Há também a tradição de uma Coca humanizada. Na Vila Nova de Portimão, no Algarve, as crianças portuguesas correm apavoradas por causa de um espantalho que segue a procissão dos Passos. Este veste uma túnica amortalhada, cabeça com um capuz afunilado onde os olhos espreitam por dois buracos, que se encarrega de afastar os meninos para que não perturbem a marcha.

Em Portugal, no Minho, chamam de "coca", uma abóbora vazia, cortados os lugares da boca e olhos, com uma luz acesa dentro, que colocam em lugares desertos, à noite, para amendrontar crianças e aldeões distraídos.

Há ainda o elemento africano que, no Brasil, ajudou a dar a forma atual do mito. No idioma nbunda, Cuco ou cuca, quer dizer avô e avó. Simboliza a velhice, a melancolia física. É assim que surge o "negro Velho" de Minas, um Cuca Angolês. No Nordeste, o "negro de Angola" vale pela "Coca" e pela "Cuca" do Sul do Brasil, que assusta as crianças que se julgam espertas.

Coca serve de prefixo para outros bichos fantásticos, como a Cocaloba, espécie de Cabra Cabriola de Portugal, que cerca as casas onde as crianças dormem, procurando incansavelmente raptá-las. A Cocaloba não veio para o Brasil com os emigrantes.

Em Tupi, cuca, significa trago, o ato de engolir, de onde vem a ideia de voracidade. Em resumo, "Coca" e "Cuca", resumem espécimes africanos, europeus e ameríndios. Assim, como fantasma, herdou do Coco, sua aparência demoníaca; da Coca, o ar de monstro, e do Cuco negro, a aparência misteriosa e antropófaga.

Fonte:
http://sitededicas.uol.com.br/cfolc.htm