sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Trova 174 - A. A. de Assis (Maringá/PR)

Montagem da trova e TV adicional sobre imagem criada por Márcia Bueno

No Compasso da Trova I

Após causar desencantos e nos fazer peregrinos, a seca fez chover prantos nos olhos dos nordestinos! ADEMAR MACEDO - RN  Não te peço, Deus amigo, igual multiplicação: basta o milagre do trigo, que a gente o transforma em pão! ARLINDO TADEU HAGEN - MG Se entre guizos, eu componho meu disfarce de Arlequim, há sempre um Pierrô tristonho, que chora dentro de mim! CAROLINA RAMOS - SP Não sou ave nem sou peixe, nunca aprendi a nadar, mas peço a Deus que me deixe num dia desses voar! DIAMANTINO FERREIRA – RJ Das alegrias passadas que o tempo ingrato perdeu, guardo lembranças mofadas, relíquias do meu museu. DOROTHY JANSSON MORETTI - SP Amigo é um irmão de fé, que, nas quedas dos caminhos, discreto nos põe de pé e diz que agimos sozinhos... EDMAR JAPIASSÚ MAIA - RJ No tear da solidão, rendeiro em dias tristonhos, basta um fio de ilusão para tecer os meus sonhos! ELIZABETH S. CRUZ - RJ A dor materializou-se, nestas lágrimas sem cor. Meu orgulho evaporou-se... Rendi-me à força do amor! FRANCISCO NEVES MACEDO - RN E’ de ternura o momento em que o Sol sorri no espaço, se faz vida e sentimento e lança ao mar seu abraço! GISLAINE CANALES - SC Sonhei um sonho tão triste!... Sonhei que o mundo acabou... - Logo depois, tu partiste, e o sonho se confirmou... JOSÉ OUVERNEY - SP Herdei de ti, pai querido, essa força de condor que te fez, sendo um vencido, ter ares de vencedor. LILINHA FERNANDES/RJ Tropeçando na soleira da incerteza que me trazes, vivo perto da fronteira dos que só vivem de “quases”... MILTON NUNES LOUREIRO – RJ Quando a neblina é mais densa e a luz parece tão mansa, na estrada o que a gente pensa é que o sol ainda descansa. OLGA AGULHON - PR Sem rodeio e sem firula deixo a todos essa dica: Impostor sempre bajula, amigo às vezes critica! PEDRO ORNELLAS - SP Nesta longa caminhada que fazemos sempre a sós... Nem o silêncio da estrada, quebra o silêncio entre nós PROFESSOR GARCIA - RN Quando à noite, a solidão e a saudade trazem dor, vou dizendo ao coração: -é o preço por tanto amor. ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE - RJ Beija, grato, o chão que pisas, se ele te dá, quando plantas; o trigo de que precisas e as flores com que te encantas! SÉRGIO BERNARDO - RJ Eu sempre lutei sentindo, nesta arena em que se vive, a mão de Deus dirigindo cada conquista que eu tive! VANDA FAGUNDES QUEIROZ - PR Fonte: Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Guy de Maupassant (A noite)


Um exemplo de fantástico obtido com mínimos recursos: este conto não é mais que um passeio por Paris, relato fiel das sensações que o notivago Maupassant vivia em cada uma de suas noites. Uma sensação opressiva, de pesadelo, ocupa o quadro desde o início e se torna cada vez mais intensa. A cidade é sempre a mesma, rua por rua e edificio por edificio, mas antes desaparecem as pessoas e, depois, as luzes; o cenário bem conhecido parece conter apenas o medo do absurdo e da morte.
Maupassant (1850-93) também tem um lugar na literatura fantástica devido a uma série de textos escritos nos anos que antecederam a sua crise de loucura, da qual ele não se recuperou: é das imagens cotidianas que se desprende o sentimento de terror.
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Amo a noite apaixonadamente. Amo-a como quem ama seu país ou sua amante, com um amor instintivo, profundo, invencível. Amo-a com todos os meus sentidos, com meus olhos que a vêem, com meu olfato que a respira, meus ouvidos que escutam seu silêncio, com toda a minha carne que as trevas acariciam.

As cotovias cantam ao sol, no ar azul, no ar quente, no ar leve das manhãs claras. O mocho voa à noite, mancha negra que passa pelo espaço negro, e, radiante, inebriado pela negra imensidão, solta seu grito vibrante e sinistro.

O dia me cansa e me aborrece. É brutal e barulhento. Levanto-me com dificuldade, e visto-me com lassidão, saio a contragosto, e cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento me cansa como se eu levantasse um fardo que me esmagasse.

Mas, quando o sol se põe, invade-me uma alegria confusa, uma alegria de todo o meu corpo. Desperto, me animo. À medida que crescem as sombras, sinto-me outro, mais moço, mais forte, mais alerta, mais feliz. Olho para a grande sombra suave caindo do céu e se adensando: ela afoga a cidade, como uma onda impalpável e impenetrável, ela esconde, apaga, destrói as cores, as formas, abraça as casas, os seres, os monumentos com seu toque imperceptível. Então sinto vontade de gritar de prazer como as corujas, de correr pelos telhados como os gatos; e um desejo de amar, impetuoso, invencível, arde em minhas veias.

Vou, caminho, ora pelos subúrbios ensombreados, ora pelos bosques vizinhos de Paris, onde ouço rondarem minhas irmãs, as bestas, e meus irmãos, os caçadores clandestinos.

O que amamos com violência sempre acaba nos matando. Mas como explicar o que acontece comigo? E, mesmo, como explicar que sou capaz de contá-lo? Não sei, já não sei, sei apenas que isso existe — pronto.

Portanto, ontem — era ontem? —, sim, sem dúvida, a menos que tenha sido antes, um outro dia, um outro mês, um outro ano — não sei. Mas deve ser ontem, já que o dia não mais raiou, já que o sol não reapareceu. Mas desde quando dura a noite? Desde quando?... Quem poderá dizer? Quem algum dia saberá?

Assim, ontem saí, como faço todas as noites, depois do jantar. Fazia um tempo muito bonito, muito suave, muito quente. Ao descer para os bulevares, olhei acima de minha cabeça o negro rio cheio de estrelas, recortado no céu pelos telhados das casas, que giravam e faziam esse riacho rolante de astros ondular como um rio de verdade.

No ar leve, tudo estava claro, desde os planetas até os bicos de gás. Tantas luzes brilhavam lá no alto e na cidade que as trevas pareciam luminosas. As noites luzentes são mais alegres que os grandes dias de sol. No bulevar, os cafés rutilavam; todos riam, passavam, bebiam. Entrei no teatro, por alguns instantes, em que teatro? Não sei mais. Lá dentro estava tão claro que me senti agoniado, e saí com o coração meio obscurecido por aquele choque brutal de luz nos dourados do balcão, pelo cintilar factício do enorme lustre de cristal, pela cortina de luzes da ribalta, pela melancolia daquela claridade falsa e crua. Cheguei aos Champs-Elysées, onde os cafés-concertos pareciam focos de incêndio no meio das folhagens. As castanheiras roçadas pela luz amarela tinham um aspecto de pintadas, um aspecto de árvores fosforescentes. E os globos de luz elétrica, parecendo luas cintilantes e pálidas, ovos de lua caídos do céu, pérolas monstruosas, vivas, faziam empalidecer, sob sua claridade nacarada, misteriosa e imperial, os fios de gás, do feio gás sujo, e as guirlandas de vidros coloridos.

Parei debaixo do Arco do Triunfo para olhar a avenida, a longa e admirável avenida estrelada, indo até Paris entre duas linhas de fogo e os astros! Os astros lá no alto, os astros desconhecidos jogados ao acaso na imensidão, onde desenham essas figuras estranhas que tanto fazem sonhar, que tanto fazem pensar.

Entrei no Bois de Boulogne e lá fiquei muito tempo, muito tempo. Estava tomado por um arrepio singular, uma emoção imprevista e poderosa, uma exaltação de meu pensamento que raiava a loucura. Andei muito tempo, muito tempo. Depois voltei. Que horas eram quando tornei a passar sob o Arco do Triunfo? Não sei. A cidade adormecia, e nuvens, grossas nuvens pretas, espalhavam-se lentamente no céu.

Pela primeira vez senti que algo estranho, novo, ia acontecer. Tive a impressão de que fazia frio, de que o ar se adensava, de que a noite, minha noite bem-amada, pesava sobre meu coração. Agora a avenida estava deserta. Só dois policiais passeavam perto da estação dos fiacres, e na rua apenas iluminada pelos bicos de gás que pareciam moribundos, uma fila de carroças de legumes ia para os Halles. Iam devagar, carregadas de cenouras, nabos e repolhos. Os cocheiros dormiam, invisíveis; os cavalos andavam no mesmo passo, seguindo a carroça da frente, sem barulho, pelo calçamento de madeira. Diante de cada luz da calçada, as cenouras se iluminavam, vermelhas, os nabos se iluminavam, brancos, os repolhos se iluminavam, verdes; e essas carroças passavam uma atrás da outra, vermelhas como o fogo, brancas como a prata, verdes como a esmeralda. Fui atrás delas, depois virei na rua Royale e voltei para os bulevares. Mais ninguém, mais nenhum café iluminado, apenas alguns retardatários que se apressavam. Nunca tinha visto Paris tão morta, tão deserta. Puxei meu relógio, eram duas horas.

Uma força me empurrava, uma necessidade de andar. Portanto, fui até a Bastilha. Lá percebi que nunca tinha visto uma noite tão escura, pois nem sequer distinguia a Colonne de Juillet, cujo Gênio dourado estava perdido no breu impenetrável. Um firmamento de nuvens, cerrado como a imensidão, afogara as estrelas e parecia descer sobre a terra para liquidá-la.

Retornei. Não havia mais ninguém ao meu redor. Porém, na praça Du Château-d'Eau um bêbado quase me deu um encontrão, depois desapareceu. Por algum tempo ouvi seu passo desigual e sonoro. Eu ia andando. Na altura do Faubourg Montmartre passou um fiacre, descendo na direção do Sena. Chamei-o. O cocheiro não respondeu. Perto da rua Drouot, uma mulher zanzava: "Ei, cavalheiro, escute". Apertei o passo para evitar sua mão estendida. Depois, mais nada. Na frente do Vaudeville, um catador de trapos vasculhava a sarjeta. Sua pequena lanterna tremulava bem rente ao chão. Perguntei-lhe: "Que horas são, meu amigo?".

Ele respondeu: "E eu lá sei! Não tenho relógio".

Então, de repente, reparei que os lampiões de gás estavam apagados. Sei que nesta época do ano eles são apagados bem cedo, antes do amanhecer, por economia; mas o dia ainda estava longe, tão longe de raiar!

"Vamos para os Halles", pensei, "pelo menos lá encontrarei vida."

Pus-me a caminho, mas não enxergava nada nem mesmo para me orientar. Ia andando devagar, como se anda num bosque, contando as ruas para reconhecê-las. Defronte do Crédit Lyonnais um cão rosnou. Virei na De Grammont, me perdi; perambulei, depois reconheci a Bolsa pelas grades de ferro que a cercavam. Toda a Paris dormia, com um sono profundo, apavorante. Mas ao longe andava um fiacre, talvez aquele que tinha passado por mim ainda agora. Tentei alcançá-lo, indo na direção do ruído de suas rodas, pelas ruas solitárias e negras, negras, negras como a morte. Perdi-me de novo. Onde estava? Que loucura apagar o gás tão cedo! Nem um passante, nem um retardatário, nem um vagabundo, nem um miado de gato apaixonado. Nada.

Mas onde estavam os policiais? Pensei: "Vou gritar, eles virão". Gritei. Ninguém respondeu. Chamei mais alto. Minha voz se foi, sem eco, fraca, abafada, esmagada pela noite, por aquela noite impenetrável.

Berrei: "Socorro! Socorro! Socorro!". Meu apelo desesperado ficou sem resposta. Que horas eram? Puxei meu relógio, mas não tinha fósforos. Escutei o leve tiquetaque do pequeno mecanismo com uma alegria desconhecida e estranha. Ele parecia viver. Eu já não estava tão sozinho. Que mistério! Recomecei a andar como um cego, tateando os muros com minha bengala, e a toda hora levantava os olhos para o céu, esperando que enfim o dia raiasse; mas o espaço estava negro, todo negro, mais profundamente negro que a cidade.

Que horas podiam ser? Parecia que eu caminhava havia um tempo infinito, pois minhas pernas amoleciam debaixo de mim, meu peito arfava, e eu sofria terrivelmente de fome. Resolvi bater no primeiro portão. Puxei o botão de cobre e a campainha retiniu sonora na casa; retiniu estranhamente, como se esse ruído vibrante estivesse sozinho naquela casa.

Esperei, não responderam, não abriram a porta. Toquei de novo; esperei mais — nada. Tive medo! Corri para a residência seguinte, e vinte vezes em seguida fiz a campainha ressoar no corredor escuro onde devia dormir o zelador. Mas ele não acordou — e fui mais longe, puxando com toda a força as argolas ou os botões, batendo com os pés, a bengala e as mãos nas portas obstinadamente fechadas.

E de repente percebi que estava chegando aos Halles. O mercado estava deserto, sem um ruído, sem um movimento, sem um carro, sem um homem, sem um molho de legumes ou um ramo de flores — as barracas estavam vazias, imóveis, abandonadas, mortas! Invadiu-me um pavor — horrível. O que estava acontecendo? Ah, meu Deus! O que estava acontecendo?

Fui embora. Mas a hora? A hora? Quem me diria a hora? Nos campanários ou nos monumentos nenhum relógio batia. Pensei: "Vou abrir o vidro do meu relógio e sentir os ponteiros com meus dedos". Puxei meu relógio... ele já não funcionava... estava parado. Mais nada, mais nada, mais nenhum arrepio na cidade, nenhum clarão, nenhum vestígio de som no ar. Nada! Mais nada! Nem mesmo o ruído longínquo do fiacre andando — mais nada! Eu estava nos quais, e subia do rio uma brisa glacial. O Sena ainda corria? Quis saber, encontrei a escada, desci... Eu não ouvia a torrente encapelando sob os arcos da ponte... Mais degraus... depois, areia... lama... depois a água... molhei meu braço... ele corria... frio... frio... frio... quase gelado... quase seco... quase morto.

E senti perfeitamente bem que nunca mais teria força para subir de novo... e que ia morrer ali... eu também, de fome, de cansaço, e de frio.

Fonte:
CALVINO, Ítalo (organizador). Contos fantásticos do século XIX : o fantástico visionário e o fantástico cotidiano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. (Tradução do Conto por de Rosa Freire D'Aguiar)
Imagem = montagem por José Feldman

Altino Afonso Costa (O Poeta e sua Poesia)


NÃO SOU POETA

Não sou poeta; faço tão somente poemas para exorcizar os demônios que tentam perturbar meu equilíbrio emocional.

Faço rimas como um pedreiro assentando tijolos, sem imaginar a altura do edifício.

Lentamente os versos vão sendo argamassados com inspiração e às vezes com desalento, mas continuo o trabalho sem descanso e ao final paro e analiso o que fiz.

Quantas vezes destruo o que já foi edificado, outras vezes, aliso as paredes rústicas, e as transformo em algo digno de ser admirado.

Não sou poeta; sou um simples operário dos meus sonhos desfeitos, erguendo muros que podem ser ruínas, ou recolhendo restos de ruínas, que poderão se transformar num castelo de ilusões.
G G G G G G G G G G G G

A POESIA E O MAR

A poesia é como a pérola;
Temos que mergulhar nas folhas dos livros
Como se estivéssemos abrindo uma ostra
E delicadamente retirá-la,
Para então exibi-la
A quem sabe admirar
Essa jóia literária.
Assim nos sentimos como catadores de pérolas
Em oceano profundo,
Quando fazemos o nosso recital de poesias.
É como se fossemos ao pélago
Silencioso do mar,
Com as algas verdes e azuis
Serpenteando ao sabor das águas,
Ocultando o mundo fantástico
Dos peixes multi-coloridos.
O nosso coração é o atol
Onde as emoções como conchas
Se refugiam nas paredes acolhedoras.
Pulsa o coração,
Pulsa o mar,
Banhando de espumas a eterna poesia
Do nosso universo interior.
G G G G G G G G G G G G

SAUDADE AO CAIR DA TARDE

A tarde fechou suas pálpebras à luz do sol que se escondia no horizontes, enquanto a noite surgia misteriosa e o céu exibia reluzentes estrelas conhecidas, emoldurando a via-láctea.

E o poeta sonhou com a sua amada que não veio ao encontro tão esperado.

O vento corria como louco, levando nas suas asas os lamentos do mundo.

Fiquei envolto na tarde, na noite e no vento à espera da alma gêmea que não veio.

Depois o tempo passou,o vento sumiu, surgiu um novo dia deixando uma saudade pungente no meu coração.

Fonte:
COSTA, Altino Afonso. Buquê de Estrelas: crônicas e poemas. 1. ed. Paranavaí,PR, 2001.
Imagem = Montagem por José Feldman

Altino Afonso Costa (1934 – 2003)



Poeta, cronista, declamador. Altino Afonso Costa nasceu em Avanhadava- São Paulo, em 07 de março de 1934.

Médico diplomado pela Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, em 1960.

Líder estudantil, durante a faculdade presidiu o Centro Acadêmico, foi representante estudantil na União Nacional dos Estudantes -UNE, e União Metropolitana de Estudantes -UME/RJ, além de representar os acadêmicos no Congresso Internacional de Estudantes de Medicina, realizado em Toluca, no México em 1957.

Pediatra, instalou-se em Paranavaí no ano de 1962, onde fundou o Hospital São Lucas em 1964, e atuou por vários anos na saúde pública e na perícia médica (INSS).

Como político foi um dos fundadores do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - MDB em Paranavaí.

Foi presidente fundador da Associação Paranavaiense de Arte e Cultura - APAC.

Considerado "o paizão dos artistas paranavaienses", o poeta deu nome ao Teatro Municipal de Paranavaí, inaugurado em 1º de abril de 2003 com a denominação de Teatro Municipal, sendo em 16 de dezembro de 2004 nomeado Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa.

Faleceu em Paranavaí em 03 de maio de 2003.

Autor do livro de crônicas e poemas Buquê de Estrelas (2001)

Fonte:
Dinair Leite

Nilsa Alves de Melo (Reduzindo ao Essencial)



Viviam ambos na mesma casa. Tão íntimos.

No início da vida tudo foi muito bom! Cumplicidade perfeita, um “mar de rosas” como se costuma dizer. Alguns anos depois a casa foi se modificando, as diferenças foram aparecendo e as brigas foram aumentando ao ponto de um deles ficar doente e, às vezes, até os dois.

- Sossegue, amor!

- Como quer que sossegue? Tenho de falar, de pôr ordem nessa bagunça que você faz. Falta disciplina!

- Não vês que sofro?

- Tem é de encarar a realidade.

Outras vezes, o que se considerava tão cabeça dizia, até com jeito:

- Sossegue, amor!

- Como? Sinto como se tivesse um nó na garganta, tenho vontade de chorar, até de … morrer.

- Mas ainda ontem você não ocultava sua alegria quando lhe trouxe aquelas flores. Achei quase ridículo sentir-se nas alturas por causa de algumas flores.

- Algumas flores? Era isto para você? Vi foi o amor, a delicadeza, a forma como me foram oferecidas. Ah, me senti nas nuvens, sim, insensível!

Vê tudo atrapalhado, pensou o outro.

E as desavenças continuavam. Não queriam sair daquela casa, o seu universo, mas às vezes era insuportável. Um queria sobrepujar o outro. O disciplinado, enquanto dominava sentia-se bem, mas logo via tudo tão seco, insípido, sem a companhia impulsiva, meiga, sensível, vendo além do invisível…

Quando o mais doçura tentava dominar, ficava como que alucinado. Passava de uma sensação a outra e quase não podia dominar o sentimento que o invadia. Imaginação. Quem mesmo a havia chamado de “a louca da casa”? Ah, o disciplinado poderia pôr ordem naquele caos. Só ele sabia ver o que era prioritário, essencial. À sua intuição ele proporia sua informação; à inspiração, seu saber; à compaixão, a sabedoria.

Separavam-se, cada um para seu lado. Buscavam aprender um com o outro, mas nessas ocasiões eram divergências, na certa.

Pensaram em morar em ambientes separados, mas viram que precisavam um do outro – o doçura é que pensava assim. O disciplinado, nem tanto.

- Um dia, tudo passará!

Nesta afirmação os dois estavam de acordo

Numa bela manhã a doçura começou a sentir umas premonições de que iria deixar a casa. Ficou pensando como o tempo passou depressa. A casa já era considerada como antiga em comparação com outras novinhas que eles viam sendo construídas. A tecnologia apresentava cada vez mais recursos para consertar os estragos causados pelo tempo. Até que dava uma aparência diferente. Mostravam o antes e o depois – o depois sempre aparecia com um sorrisão aberto, forçado, mas não havia como esconder que o tempo passara por ela.

- Querido, vou fazer um puxadinho aqui.

E ele:

- Deixa desses puxadinhos. Só estraga a planta original. É um único conjunto. Esforcemos por conservá-la firme e segura, na medida do possível.

Falou com o disciplinado sobre seus receios, suas premonições. O que ele achava?

- Não são premonições. São fatos. Chegaremos ao fim juntos com esta casa.

- Tenho medo. Você ficará perto de mim?

- Claro. Só que vou pegar no sono antes de você. É você, doçura, quem, corajosamente vai apagar a luz e entregará a casa.

Madrugada. Pressente-se alguma coisa. A casa! Seria o fim a que tudo o que existe está destinado? Seria, sim.

O disciplinado adormeceu logo depois. A doçura ainda ficou pulsando, levando a despedida a todos os cômodos da casa, apagando a luz de cada um deles, até que, cansada, parou. Nem tentou chamar seu companheiro, pois sabia que seria o primeiro a sossegar. Seu amigo fiel por tantos anos naquele lar, também não acordou. Sabia que a doce companheira dormiria um pouquinho mais tarde para não acordar mais.

Cérebro e Coração, adormecidos naquela casa, nem viram quando ela foi soterrada, no outro dia, de tardinha.

Dizem que uma luz diáfana emanou dela. Reduziu-se ao essencial e tornou-se invisível aos olhos dos demais. Esse “essencial” levava, sorridente e envolto em luz, todo o aprendizado obtido pelos dois.

O anoitecer estava lindo!

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Sarau em Lingua Inglesa, na Livraria Cultura de Porto Alegre


Sábado, 25 de setembro às 16h

Tema: Sarau em Língua Inglesa

Palestrante: Maria da Graça Paiva e Kleber Schenk

Unidade: Bourbon Shopping Country
Endereço: Av. Túlio de Rose, 80 - Passo DAreia - Porto Alegre/RS
Local: Auditório

Sujeito a lotação. Capacidade de 89 lugares.

O 'Sarau em língua inglesa na Cultura' de setembro tratará de duas regiões do mundo bastante peculiares: a exótica, diversa, paradoxal e nem tão conhecida casa em que moramos, a América do Sul; e uma das mais bonitas regiões do mundo em que se fala inglês: a Escócia, que, culturalmente, está bem mais próxima de nós do que conseguimos imaginar.

O fórum será sobre música: sua importância como legado cultural, recurso terapêutico e instrumento para o ensino de línguas.

O evento terá a presença de Magnum Eltz, que fará um contraponto da Terra do Whisky com o continente em que habitamos e apresentará ao público músicas dos Beatles e do Pearl Jam; Sullivan e o Trio de Cordas apresentarão músicas celtas e tangos; e Milene Torma apresentará canções em diferentes idiomas.

Também haverá apresentação de pequenos poemas e de citações de sul-americanos e de escoceses famosos. O sarau sempre acontece em um clima descontraído e animado para desenvolver a autoexpressão em língua inglesa, em um ambiente cujo nome já diz tudo: cultura.

Fonte:
Livraria Cultura

Marcia Ligia Guidin (Curso: Como Ler Machado de Assis)

O curso abordará contos e trechos de romances do escritor e será dividido por temas. A finalidade é fazer com que o aluno encontre diálogo e coerência no modo de pensar do escritor e o localize como grande observador da sociedade, o que o torna extremamente atual.

Cada aula com duração de 2 encontros de 2hs.

Aula 1 - O tema do adultério
Memórias póstumas de Brás Cubas, D. Casmurro e os contos: A cartomante, A senhora do galvão, Noite de almirante , Singular ocorrência...

Aula 2 – O tema do apadrinhamento e das oportunidades
Memórias póstumas de Brás Cubas, D. Casmurro, Quincas Borba, conto: O caso da vara.

Aula 3 - A maldade humana, a dissimulação, vaidade e a política
Quincas Borba e Contos: A igreja do Diabo, o Enfermeiro, Uma senhora...

Aula 4 -O amor e o ciúme
D. Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Uns braços, Memorial de Aires...

Marcia Ligia Guidin - Mestre e Doutora em Letras (Literatura Brasileira) pela FFLCH da USP. Professora de Teoria literária, Literatura brasileira e Edição de texto. Editora externa e packager para Casas Editoriais em São Paulo. Palestrante para as áreas de Letras, Educação e Produção de textos.

Inscrições pelo telefone 11 3081-5845, visite o nosso site http://www.projetocultura.com.br/

Rua Portugal, nº43 (Fundação Ema Klabin)

Observação: Toda a obra completa de Machado de Assis está disponível na internet no site http://www.machado.mec.gov.br/

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Greta Marcon (Livro de Trovas)


Já vi muito cabra macho
Com medo de um ratinho,
Mas pra não ficar por baixo,
Tenho pavor de pintinho...

Sempre fui mulher guerreira,
Mas não sou feita de aço;
Eu já fiz muita besteira
E assumo o meu descompasso...

Eu tenho minas de ouro,
Pedras preciosas sem jaça;
Mas esse grande tesouro,
Eu dou pra você de graça...

Eu sei pra que serve a fé,
Daqueles que querem crer;
Pra covardes como eu,
ter coragem pra morrer...

Pelas estradas da vida,
Não ande na contramão;
Em cada curva escondida,
Tem perigo e tentação...

Pra mim é tudo sem graça,
Na vida nada me importa;
Sou a fumaça que embaça,
Sou a natureza morta...

No relogio do meu tempo,
Você está atrasado...
Não lhe vejo em meu presente,
Você ficou no passado...

Um dia eu te amei tanto,
Que pensei enlouquecer;
Mas descobri, no entanto,
Que era obsessão te querer...

Eu sei que meu tempo é curto,
Que minha alma tem pressa,
Mas de ti eu não me furto,
És tudo que me interessa...

Nada tenho a te ofertar
Na minha vida de agora;
Minha vida é meu passado,
Aceite como penhora...

Se o meu caminho tem flores
E o teu, somente espinhos,
Eu vou para onde fores,
Não vou te deixar sosinho...

Das trovas que eu fazia
E trovas que eu hoje faço,
Não tem a mesma poesia,
Não são nós do mesmo laço...

Minha comida é gostosa
Meu tempero tem pimenta
Do meu jardim sou a Rosa
Quem me cheirar não aguenta...

Se for uma brincadeira
Aceito até esculacho
Mas, se pisar no meu calo
Aí, não assino em baixo...

Não zombe da sua sorte
Não fique aí de bobeira...
O trem da vida é a morte
E você? A passageira...

Eu busco a felicidade
Mesmo em dias mais tristonhos
Se não quizeres me ajudar
Não se meta nos meus sonhos...

Quando sentir solidão cantarei
Um canto alegre para disfarsar
Quando sentir aflição rezarei
Pedindo à Deus que me faça sonhar...

Amar é deixar em liberdade
Poder confiar em quem se ama
A prisão é sempre crueldade
Que nos faz sofrer e apaga a chama...

Eu tenho duas opções
E pra isso sou bem pago:
Se eu lavo, não cozinho
E se eu cozinho, não lavo...

Precaver e desconfiar
Não faz mal nem paga imposto
Devemos guardar na mente
Que a maldade não tem rosto...

Eu conto muita mentira
Em meio a tanta verdade
Mas muita gente suspira
Dando solidariedade...

Pra ajudante de cozinha
Qualquer mané não esquenta...
Precisa ter pulso forte
Pra mexer minha polenta...
–––––––––––––

Greta Marcon: De família italiana de Jaguari/RS. Cantora, compositora, poetisa e artezã. 74 anos. Mente aberta, arejada, sem preconceitos. Reside em Ponte Nova /MG

Fontes:
http://www.overmundo.com.br/banco/e-tome-trovas
http://www.overmundo.com.br/banco/trovas-ao-leu-1

Rafael Castellar das Neves (Terra Firme)

Foto por Dias dos Reis (Cais das Colunas - Lisboa)
Há tempos me cansei daquela infindável busca por tudo o que sempre entendi e defini como meu complemento, como minha razão de existência.

Há tempos desisti de me aventurar por montanhas, desfiladeiros, desertos, florestas, abrindo caminho, abrindo feridas, me rasgando, me mutilando e me diminuindo nessa busca insana.

Há tempos reneguei a tudo, não por me julgar incapaz; mas por ter entendido que eu mudava a paisagem e me corrompia na busca de algo utópico, absurdamente idealizado.

Há tempos parei e sentei para chorar meu último e mais impotente choro, escondido em uma caverna apertada, onde espantei todos os meus fantasmas e curei todas as minhas feridas.

Há tempos me levantei forte e me dei à luz, de peito aberto, passos firmes e coração limpo.

Há tempos me lancei sorridente ao mar em minha canoa, não em busca, mas avulso à maré e aos ventos, apenas sendo deliciosamente levado e saboreando sedento cada batalha – com os mais diversos monstros marinhos – da mesma forma que a cada por do sol que me era oferecido.

Hoje acordei náufrago em uma terra desconhecida e, ainda desorientado e assustado, entendi que atingira minha tal utopia, absurdamente em minha própria realidade!

São Paulo, 02 de julho de 2010.

Fonte:
Colaboração do autor

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Trova 173 - Tasso da Silveira (Curitiba/PR)

Fernando Sabino (De Mel a Pior)



- Qual é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo adequar? - pergunta-me ele ao telefone.

- Nós adequamos - respondo com segurança.

- Primeira do singular - insiste ele.

- Espera lá, deixe ver. Com essa você me pegou.

E arrisco vacilante:
- Eu adéquo?

- Não, senhor.

- Eu adeqúo? Não pode ser.

- E não é mesmo.

- Então como é que é?

- Quer dizer que você não sabe?

- Deixe de suspense. Diga logo.

- Não tem. É verbo defectivo.

- E você me telefonou para isso? Verbo defectivo. Tudo bem. Eu não teria mesmo oportunidade de usar esse verbo na primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Nunca me adéquo a questões como esta. Presente do indicativo ou indicativo do presente? - é a minha vez de perguntar. - No nosso tempo era indicativo presente.

E é sua vez de não saber. Desculpa-se dizendo que andaram mudando tanto a nomenclatura gramatical, que a gente acaba não sabendo mais nada.

- E o verbo delinqüir? - torna ele.

- Que é que tem o verbo delinqüir? - quero saber, cauteloso.

- A primeira do singular?

- Não tem. Também é defectivo. Mas ele é teimoso:

- E se um criminoso quiser dizer que não delinque mais?

- Se usar esse verbo, já delinqüiu. - E acresento, num tom de quem não sabe outra coisa na vida:- Além do mais, leva trema no u. Para que se fale delincuir, que é a pronúncia correta.

- Quem fala delinqir, sem o u, vai ver é da polícia.

- Ou quem fala tóchico, como diz Millôr.

- O Millôr fala tóchico?

- Não. O Millôr é que disse que quem fala… Ora, deixa pra lá.

Ele volta à carga:

- O trema já não foi abolido?

- Que abolido nada. Aboliram tudo, menos o trema

- Por falar nisso, outro verbo defectivo.

- Qual?

- Abolir: não tem primeira do singular.

- Como não tem? -reajo - Eu abulo.

- Neste caso seria eu abolo.

- Coisa nenhuma. Eu abulo, sim senhor. - E invoco a autoridade de quem sabe o que diz:- Não é eu expludo? Pelo menos o Figueiredo não me deixa mentir.

- O Cândido ou o Fidelino?

- O João mesmo. O presidente. Ele falou expludo e não explodo.

- Se essa regra vale, deveria ser eu cumo, eu murro, eu murdo…

- Então me diga uma coisa: Você sabe qual é a primeira do singular do verbo parir no indicativo?

- Ninguém pare no indicativo.

- Pare, e em todos os tempos, meu velho.

- Esse quem não corre o risco de usar sou eu.

- Pois então fique sabendo: é simplesmente igual à primeira pessoa do singular do verbo pairar.

- Eu pairo?

- É isso aí. Uma senhora que tem muitos filhos pode perfeitamente dizer: eu pairo um filho por ano.

- Co’s pariu.

- Se não quiser acreditar, não acredite. É a vez dele:

- Você sabe qual é o plural de mel?

- Já vem você. Mel não tem plural.

- Como não tem? Tem até dois. - E me conta que outro dia um entendido em mel fazia uma prelação sobre o assunto na televisão. No que saiu do singular para se meter no plural, quebrou a cara:

- Acabou falando que existem muitos mels diferentes.

- E não existem?

- Existem. Mas não mels. Com essa ele se deu mal.

- Se deu mel então. - Era a asa da imbecilidade começando a ruflar aos meus ouvidos:- Ou você vai me dizer que mel também é verbo defectivo?

- Perguntei a uma amiga minha que entende.

- De mel?

- Não : de plural. Ela confirmou: tanto pode ser méis como meles. Mels é que não.

A esta altura o mentecapto fala mais alto dentro da minha cabeça:
- Dos meles, o menor.

Como ele não responde, acrescento:
- Até logo. Melou o assunto.

E desligo o telefone.
---
P.S.: Quando foi escrito este conto, ainda não havia a nova ortografia.

Fonte:
As melhores Crônicas de Fernando Sabino. 2.ed. RJ: Bestbolso, 2008.

Vladimir Cunha dos Santos (Poemas Avulsos)


ALMA

Eis uma alma que passa
pela Terra
pelos séculos XX e XXI.

Entristecida
das atitudes dos homens
Sobrecarregada de ilusões
Monologando com a pluralidade
Divergindo com seu tempo
Pendente numa face morena-clara
de olhos cor do mar em ressaca
e na rua, a caminhar,
a ressuscitar seus mortos.

Uma alma serenizada tanto
quanto uma entrada de primavera,

Uma alma insubmissa tanto
quanto um ciclone
em busca
de um lugar
comum.

DESAMOR

Caminhei na escuridão
da imensa sala
prisioneiro
de antiga relação.

O som do cantar dos grilos
sem parar
alimentou minha nova decisão.

Forjar o amor eterno
é paterno demais,
e nem os animais o fazem
por toda a vida.

Separar almas partidas
é a saída
para a nova felicidade,
não importa a idade,
o que vale é a esperança
da liberdade de existir.

Poder agir em paz
com a consciência,
e amar sem parar pra pensar!

Caminhar na escuridão,
espantar a certeza de ser
prisioneiro
de um desamor,
refém do desencanto
visível nos olhos, na alma...

Caminhar em direção absoluta
ao novo desejo impregnado na vida...
este é o dilema,
o caminho
a seguir.

O VELHO GRANDE DO SUL

O velho grande do sul
sangra de emoção
em seu galope silencioso
pelas coxilhas do pampa
-seu habitat natural e eterno-
enquanto o rosto rude
estampa a melancolia
dos homens solitários por natureza.

O velho grande do sul
sem muito sucesso na vida
vira a página todos os dias
sendo protagonista real
de sua história real
sem mística, sem mitos,
com ritos de um cotidiano
que se esvai ano a ano.

O velho grande do sul
resiste ao tempo
e serve de exemplo
para os jovens grandes do sul
que embriagam-se com a modernidade.

E calado,
olhos no horizonte,
reflete a esperança.

OLHAI OS TEMPORAIS

Da sacada da minha casa nova
Eu vejo o prédio da biblioteca pública
Eu vejo o campo de golfe
O aeroporto, as palmeiras gigantes
Eu vejo o casario das vilas ao redor
Eu vejo as ruas da cidade e os ipês.

Da sacada da minha casa nova
Eu assisto ao espetáculo dos temporais
Com suas nuvens negras e carregadas
Seus trovões assustadores
Seus relâmpagos que cortam o céu
E iluminam a escuridão da noite chuvosa.

Da sacada da minha casa-alma
Enxergo as brumas da solidão
Entrando com o ano novo.
Sinto uma sensação coletiva de vazio
Uma esperança relevante de amor
Ao som do vento
e dos pássaros.

(Rosário do Sul, RS, BR, janeiro de 2007.)

NOVOS TEMPOS

Meu som divaga
Nos fluídos dos meus sonhos,
Meus pés resvalam
No subproduto humano
Que nos tornamos
E tudo é natural
No nosso tempo
No nosso modo de ser.

Quero um novo beijo na boca
Uma nova emoção no peito
Uma tarde inteira para amar
Entre as relíquias do meu baú
Entre as meninas da minha escola.

Quero uma sacola
Para ir correndo
Ao supermercado
Do amor.

Fonte:
http://wlady.zip.net/

Vladimir Cunha dos Santos (1964)



O poeta Wlady se chama Vladimir Cunha dos Santos e nasceu em Rosário do Sul dia 14 de setembro de 1964, filho dos comerciantes Galileu Lemos dos Santos e Yolanda Cunha dos Santos. Escreve desde os 12 anos e já publicou 11 livros, além de participar de 5 coletâneas.

Tem na gaveta 3 romances escritos e prontos para publicar, além de 9 livros com centenas de poemas e crônicas inéditos. Organizou e publicou a antologia Poetas de Rosário, reunindo 1 século de poesia da sua cidade, editou a revista literária Poema-Coisa e o jornal Reação Cultural, órgão da Casa do Artista Rosariense, entidade fundada e presidida por Vladimir nos anos 80 do século XX.

Estudou Letras na Universidade do Vale dos Sinos, em São Leopoldo, mas não concluiu o curso.

Viajou pela Europa em 1989 e 1990, morando em Lisboa e se deslocando para as cidades portuguesas de Almada, Coimbra, Sintra, Porto e outras. Também visitou várias cidades do norte da Espanha, como Salamanca, Valadollid, Bilbao e outras na região dos Bascos, penetrando pelo território francês onde permaneceu em Paris por vários dias visitando museus e observando aspectos da vida cotidiana do povo e do ambiente da cidade luz.

Passou um período de sua juventude estudando em Pelotas e Porto Alegre e visitou Buenos Aires, Rio de Janeiro, Porto Seguro, Florianópolis, Foz do Iguaçu, Angra dos Reis, Parati, Brasília, Gramado, Canela, Curitiba, Montevidéo, Colônia Del Sacramento, Punta del Este e outras importantes cidades que o inspiraram para escrever suas crônicas, seus contos e poemas que hoje fazem parte de sua antologia.

Como profissional é jornalista e empresário, foi diretor de vários jornais da região fronteira-oeste do RS, como O Imparcial, de São Gabriel, tendo sido fundador e diretor dos periódicos Notisul, Gazeta de Rosário, Folha Rosariense, Folha de Cacequi, Folha de São Vicente e Gazeta Gabrielense. Foi presidente da Comissão de Ética da Associação dos Jornais do Interior do RS (Adjori) e é membro da Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori).

Foi por duas gestões presidente da Associação de Jovens Empresários de Rosário do Sul (Ajer), quando se destacou pela realização de 4 expo-feiras do comércio e indústria da cidade. Foi eleito 1º vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Rosário do Sul (Acir), entidade onde assumiu a presidência em 2004 e implementou diversos projetos do Sebrae e parcerias com universidades da região. Foi um dos fundadores do Centro Empresarial de Rosário do Sul.

No ano de 2005 assumiu como Secretário Municipal da Indústria e Comércio de Rosário do Sul, estando envolvido em vários projetos de industrialização e desenvolvimento do município, através de iniciativas como atração e articulação de novos empreendimentos para a cidade, cursos de qualificação profissional, capacitação empresarial, pesquisas econômicas e sociais, contatos com empresários e execução de
projetos de instalação de novas empresas.

Apesar de sua intensa atividade empresarial, Vladimir dedica parte de seu tempo para a emoção e a sensibilidade que a poesia oferece, sempre buscando nos versos o lado filosófico e contemplativo da vida humana.

Atualmente atua como editor e escritor de livros, residindo em Porto Alegre, onde participa de movimentos literários, sendo membro da Casa do Poeta Riograndense, Sociedade Partenon Literário, Poebras, e a nível nacional passa a integrar a Academia de Letras do Brasil (ALB/RS).

Seus livros estão distribuídos no Brasil e no exterior através de contatos que o autor realiza em eventos e pela internet.

Site: www.rosulonline.com.br/folharosariense

Blogs:
http://wlady.zip.net
http://vladimircunhasantos.blogspot.com

Twitter@vladimirpoeta

Correspondência e solicitação de livros para vladimir.cunha@rosulonline.com.br

Fonte:
Academia de Letras do Brasil

Silviah Carvalho (Cristal Quebrado)


Fim dos sonhos.
E essa dor que não passa,
Por que tem que chegar ao fim,
Algo que mal começou?
Tanto amor, tanta ilusão,
E o que faço com esse coração
Que não quer te esquecer?
...Essa esperança que não morre
Ah! Essa esperança, não quer morrer!
Era tão perfeito esse amor... Era perfeito,
Mas, como um pássaro abandona o ninho,
Você voou para outros braços,
Deixando em pedaços meu coração,
Como um cristal que caindo ao chão,
Torna-se em minúsculos grãos,
Quase como de areia,
Assim está o meu coração.
... Se ao menos pudesse juntar os pedaços!
Reconstruir minha história,
Já não estaria sofrendo,
Mas essa dor parece não ter fim,
E esse cristal quebrado, esmiuçado,
É tudo que restou de mim.
-----
Fonte:

Pedro Herz (Palestra sobre o Livro Eletrônico)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ciranda da Trova Paranaense em Equilíbrio


Num equilíbrio perfeito,
cidadania há de ser
amar e honrar o direito,
levar a sério o dever.
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
MARINGÁ

Neste nosso caminhar,
equilíbrio tem que ter:
em nossa forma de amar
e no nosso proceder!
CYROBA C.B. RITZMANN
CURITIBA

O amor é sempre traiçoeiro
e compete com a razão
e o equilíbrio verdadeiro
se perde com a emoção.
ELISA SANTOS
PONTA GROSSA

Quem sempre em tudo exagera,
comete um autoludíbrio.
Em todo caso e esfera
é necessário EQUILÍBRIO.
GERALDO PEIXOTO DE LUNA
LONDRINA

Dá-se equilíbrio e vigor,
quando há perfeita equação,
entre uma vida interior
e sua real ação.
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
PINHALÃO

É o equilíbrio a harmonia
Entre mente e coração;
Bom-senso e sabedoria
No pensamento e na ação.
LEONILDA YVONNETI SPINA
LONDRINA

Para ser feliz, na vida,
bem alegre, a todo instante,
sem causar qualquer ferida,
o equilíbrio é importante.
NEI GARCEZ
CURITIBA

Com muita dedicação,
equilíbrio é sintonia,
acalenta o coração,
no casal é harmonia.
NICOLAU ABICALAF NETO
PINHAIS

Equilíbrio? Quem diria...
nunca tive, em dose certa.
Poucos notam, todavia,
pois eu tenho a mente aberta!
ROSE MARI ASSUMPÇÃO
CURITIBA – PR

Equilíbrio deve haver
mesmo no auge da paixão,
mas difícil é conter
nosso pobre coração !...
SÔNIA DITZEL MARTELO
PONTA GROSSA

Equilíbrio, um dom da vida,
dos sábios, grande virtude
junto a afeição consolida,
seu poder de plenitude.
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES
CURITIBA

Fonte:
Teka Nascimento. Ciranda da Trova – Equilíbrio

domingo, 12 de setembro de 2010

Igor Martins de Menezes (O Imortal Kalymor)


A busca por um amor perdido pode levar à imortalidade?

A cidade é Florianópolis, o lugar é a Catedral Metropolitana. Definir os acontecimentos desta noite não é tarefa fácil. A princípio um homem comum, atormentado como também um homem comum, deseja uma confissão. Expor a um padre seus pecados, na ânsia de que Deus possa estar ouvindo. Pecados que ele cometeu por causa de seu amor perdido. Crimes contra outros e contra si mesmo. E ele se perdeu no abismo de sua própria amargura.

RESENHA

_ “Quem diria que um dia eu estaria do outro lado do mundo? Quem diria que existiria o outro lado?” Lembro de ter ouvido este pensamento ecoando pelas paredes de meu apartamento, assim que ele cruzou a porta da frente. Encharcado pela forte chuva que caía naquela noite de carnaval, onde pelas ruas tomadas de foliões perseguia sorrateiro uma de minhas crias. Palavras simples em singelas frases, que certamente qualquer pessoa diria, sempre que chegasse a um lugar completamente novo. Mas, pronunciada por aquele ser peculiar, o sentido era muito, mas muito mais abrangente...

Uma busca frenética por uma vida não ocorrida. Um deus com o poder de gritar, mas que apenas sussurra. Um oceano de possibilidades, movido por uma simples poça. Estas seriam uma das definições mais plausíveis para Hans Kalymor. Um universo mensurável. Uma montanha com o ideal de uma simples pedra. Uma grandiosidade reduzida. Sim, reduzida, mas reduzida a quê? Reduzida por quê? Isto me assolou por um breve momento, mas, como poucas coisas neste mundo me intrigam, o instante logo passou. Deduzi, então, o que mantinha aquele pássaro preso ao ninho de seus medos. O que lhe prendia em sua incoerente inferioridade. Uma contradição, onde o mais sublime dos sentimentos fora capaz de marginalizar um homem. Duas facetas de um anseio, com extremos mais opostos que o céu e o inferno. Onde quem o tem, possui livre acesso a qualquer um deles...

E esse sentimento é, logicamente, o amor...

Lá estava ele então, a personificação do amor. Em sua forma mais doentia, mais destruída. Um homem, mais morto do que vivo, tanto em carne como em alma. Tão maravilhosamente perfeito para mim. Encantei-me também por seu apetite voraz para com as curiosidades distintas de meus aposentos. Cálices, criaturas empalhadas, livros. Quadros... Olhos que farejavam. Isto a eternidade lhe permitiu desenvolver com afinco. Talvez por isso contei-lhe todos meus segredos. E talvez por isso hoje ele detenha, simples e inteiramente, o conhecimento absoluto...

Então, depois de longos anos, evidentemente curtos para mim, vejo-o novamente. Desta vez saindo de uma catedral. Está próximo do amanhecer e minha condição não me permite ficar aqui à espera desse fenômeno. Eu até que poderia, mas é algo que não me agrada. A mesma capa, o mesmo caminhar arrastado. A mesma dor. Mas agora seus passos estão lentos e confusos, quase tímidos. Desta forma ele desce toda a escadaria. No final, se vira, fitando a catedral com olhos maravilhados de uma criança. E de longe eu ouço um “obrigado”. Seus ombros, então, não mais pesam. Sua dor se esvai como chuva em bueiro. E sinto sua alma, pela primeira vez, sorrir. Hans Kalymor, o filho que não tive, a cria que não me pertenceu, teria finalmente encontrado o fim de sua eterna busca? Leio seu pensamento novamente, assim como o fiz em meu apartamento há alguns anos. E descubro tudo o que ocorreu. Daria um excelente conto. A narrativa de uma eternidade em uma simples madrugada...

Este é apenas mais um dia trivial de nosso tempo. Na verdade, mais uma noite trivial. A cidade é Florianópolis, o lugar é a Catedral Metropolitana. Definir os acontecimentos desta noite não é tarefa fácil. A princípio um homem comum, atormentado como também um homem comum, deseja uma confissão. Expor a um padre seus pecados, na ânsia de que Deus possa estar ouvindo. Pecados todos que giram em torno do amor. Poderiam então, ou sequer deveriam, ser chamados pecados? Eis o amor, levando ao céu e ao inferno... a chave-mestra de dois distintos aposentos. Ele entrou no início desta noite, acanhado e temeroso. Por séculos não se confessava, literalmente. A catedral o atormentou logo em sua chegada, como se ele fosse um insulto, uma afronta. E realmente o era, pois aquele templo de paz estava sendo visitado pelo maior de todos os pecadores. Era o que ele pensava, o que julgava ser. A dor do remorso aumenta consideravelmente o sentimento de culpa. Acho isso uma tolice, mas infelizmente é uma verdade, até mesmo em seres superiores como ele. Mas não vou meditar sobre isso agora. Vou apenas me deliciar com as lembranças que extraí de sua mente neste instante...

“_ Padre! Faz muito que não venho num lugar como este. E só hoje reuni forças para aceitar meu castigo. O que devo fazer?

_ Conte-me sua historia, meu amigo!_ Diz o padre_ Deus está lhe ouvindo e pronto para perdoá-lo por qualquer pecado que tenha feito. Apenas abra seu coração e ele abrirá seus braços.

_Acredita que ele esteja ouvindo? Acredita mesmo na igreja, nos santos e nos anjos? Acredita na sua fé?

_Se eu não acreditasse estaria aí no seu lugar agora. E, se você também não acreditasse, este lugar estaria vazio.”

Assim eles começaram. Visivelmente Hans estava receoso, e logo desejou uma espécie de afronta com o padre. Uma defesa instintiva, um ataque na hora do medo.

“_Meu nome é Hans Kalymor, filho de Carlos e Simone Kalymor. Ambos cristãos que morreram em nome de Deus. Não sei como foi. Era muito pequeno e foi só o que me disseram. O lugar era uma planície ao leste do reino de Yarkan, na atual Eslováquia. O ano, bem, não vá se assustar, padre, 1196 depois de Cristo.”

Isto foi um choque...

“_Como disse, a planície era linda. Vivíamos em barracas ou casas construídas para logo serem abandonadas. Éramos nômades. Uma tribo de nômades que pregava a palavra de Deus e os ensinamentos de Cristo por todo o reinado. Não éramos a única tribo de cristãos que existia. Havia dezenas. As pessoas gostavam das palavras e da felicidade que passávamos para elas. Claro que existiam outros credos e seus seguidores não gostavam nem um pouco de nós. Mesmo assim continuávamos. Vivíamos da hospitalidade do povo, da caça, da venda de artesanato e da luz dos céus.

Quando meus pais morreram, um grande amigo deles me criou. Altair, clérigo de Deus. Era assim que chamavam os atuais padres. Ele não tinha filhos, e viu em mim uma possível família. Eu o via da mesma forma.”

Altair. Há muita consideração quando ele pensa nesse nome. Muito carinho e devoção. Mas também aí reside um de seus maiores pecados...

“Observava a alegria dos pais quando os filhos traziam a primeira presa. Ficava um pouco triste. Não tinha para quem trazer aquilo como as outras crianças tinham. Lembrava do dia da colina e sempre que conseguia caçar algo, levantava em direção ao sol. Mostrava minha presa, de alguma forma, para meus pais.”

Um órfão. A dor de uma criança sem os pilares de uma família. Projetando em um elemento grandioso suas imagens. Representando a importância que tinham para ele tanto quanto o sol para o mundo. Desta forma invejava os outros. E a inveja o isolou.

“Certa vez no almoço as crianças estavam jogando restos de comida umas nas outras e um pouco bateu no meu rosto. Todos riram sem parar. Fiquei muito bravo. Até que uma menina, que eu jamais havia conversado antes, tocou em meu rosto, me pedindo desculpas. Por um instante me paralisei. Não sabia por que, mas não consegui dizer uma única palavra. Ela limpava meu rosto e eu apenas observava. Depois disso, olhei para Altair. O velho clérigo já estava me olhando. E, por baixo daquela curta e grossa barba, pude ver um sorriso.”

Até este momento. Quando conheceu a pequena e doce Marina...

Mas no que me delicio mesmo não são nesses momentos. Prefiro me ater na afronta. Nas tentativas de Hans de querer confundir e ludibriar o padre. A história alucinante de seu passado, habitado por centauros, minotauros e dragões. E sobre o que ele mesmo era de fato.

“_E como posso ter mais de 800 anos? Seria um imortal? Um elfo? Um vampiro? Talvez só um louco qualquer?

_Um imortal? Não. Pois não temeria o julgamento de Deus a ponto de estar num confessionário. Um elfo? Bem, desconheço essa espécie, mas creio que não são cristãos. Um vampiro? Jamais entraria aqui. Um louco? Não levantaria essa hipótese, se realmente o fosse.”

E também em diversos outros pontos...

“O clérigo falava algo sobre anjos. Dizia se tratarem de seres celestiais, que existiam cada um com um propósito. Uma missão. Não como um fardo, ou uma responsabilidade que representasse uma espécie de “peso” em suas costas. Mas um motivo que justificasse sua existência. Não eram seres que devessem ser venerados como semideuses. Mas, no meu entender, criaturas que deveriam ser idolatradas pelo que representavam. Mesmo que muitas vezes não pudéssemos compreender o que representavam. E também o que eram. Anjos, segundo Altair, eram a personificação de uma causa, que talvez fosse inatingível para um mortal, mas que deveria ser alcançada em benefício dos próprios mortais. Como um guia para uma pessoa perdida e sozinha. Talvez mais como uma correção de um fato que estivesse seguindo um curso errado. No caso dos mortais, uma força para que não se perdessem de seu destino.”

Mesmo que eu busque com afinco por estes questionamentos, sua mente se perde em lembranças. E o sentimento de amor sempre retorna...

“Começava a ver o mundo com outros olhos. Mais precisamente, começava a ver Marina com outros olhos. Ela encantava-me. Sua simpatia, sua beleza. Responsabilidades na tribo limitavam nossas brincadeiras juntos. Mas quando tínhamos um tempo para nós, aproveitávamos da melhor maneira possível. A alegria de estar com ela há muito já havia mudado de nome. Passou a se chamar amor. Meu primeiro. Meu único. Minha semente que germinava em meu coração.”

Este amor então se estendeu. À medida que Hans tornava-se um homem...

“Como foi lindo amar. Como foi puro. Como foi saboroso. Nem o mais poderoso dos elfos pode imaginar uma magia como esta. Nenhum mago pode replicá-la. O amor é a alma da vida. E sem ele, não passamos de corpos animados, que vagam numa eterna busca por um sentido. Poucos homens têm isso na vida. E poucos homens, no fardo de seu machismo, se permitem isso. Há homens que têm tudo, mas não têm amor. E há homens que nada têm, mas possuem um amor. Qual deles é o mais rico? Qual deles é o mais feliz? Qual deles possui o maior sorriso? Se perguntarmos para o ego, ele dirá o primeiro. Mas, e se perguntarmos para o coração? E se perguntarmos para a vida?”

Quase posso sentir seu coração pulsar novamente quando se lembra deste momento. De como acreditou que sua união com ela seria eterna...

“Levantei seu véu em seguida. Retirando a última barreira que nos afastava. Com um beijo concretizamos nossa união. Deus, em seu pergaminho celestial, deu mais um ponto, a partir do qual iniciaria um novo parágrafo.

Abraçados nos deitamos. Ela respirava ofegante. Seus músculos estavam todos contraídos. Seus olhos cheios de lágrimas. Apertava-me forte, e quanto mais seu medo crescia, mais forte era seu abraço. Mesmo com toda delicadeza possível, nós, na condição bruta de homens, jamais saberemos como tocar em uma mulher. Jamais entenderemos tudo o que seus olhos nos pedem. Tudo o que a força de seu suave toque nos quer dar. A expressão de seus corpos, quando o tocamos, jamais será corretamente descrita. Palavras não definem a divindade de uma mulher. O seu colorido jamais será pintado. Sua forma jamais será esculpida. Quando as tocamos, mesmo com o mais leve dos toques, sempre será como um urso acariciando uma borboleta. Como um relâmpago beijando o chão. Ainda lembro do seu calor. Do seu envolvente cheiro. Do suor lavando meu corpo, como um batismo em água benta. Não havia céu, ou terra, ou festa, ou barraca. O mundo não estava ao nosso redor. Havia apenas ela e eu. E a soma de nossas vidas.”

Se felicidade para os mortais é o amor, o que lhes resta quando o perdem?

“Ele a segurava pelos cabelos com uma das mãos. Enquanto a outra alisava seu pescoço, retirando delicadamente uns poucos fios que ali restavam, como numa espécie de ritual. Eu não sabia o que fazer. Correr em sua direção me parecia a atitude mais óbvia, mas o vampiro poderia atacá-la ao ver minha aproximação. Por outro lado, ele poderia atacá-la a qualquer momento, já que ninguém o ameaçava. O que fazer? Que reação tomar perante essa situação? Enquanto eu corria, amaldiçoando minhas pernas por não poderem fazer mais, por não serem mais rápidas. Enquanto eu olhava o rosto de Marina, enquanto eu era dominado pela sensação de incapacidade. Enquanto percebia que de nada valiam as súplicas, ele, num rápido movimento, expondo seus enormes dentes caninos, a mordeu.”

Eis o início de sua dor. O começo de seus sórdidos pecados. Sua queda. Sua esposa não apenas morta, mas transformada. Convertida na mesma forma bizarra que o monstro que a atacou. Situação esta ainda mais terrível. Pois, como todo monstro, não poderia ser aceita ali. E a morte veio mais uma vez para ela. Conseqüentemente também para ele...

“_Marina, _comecei _olhe nos meus olhos. Veja bem fundo, e somente eles. Quero que, não importa o que aconteça, acredite em mim. Saiba que tudo isso não passou de um sonho. Um terrível pesadelo, e somente eu estou aqui.

_Nós morremos, não foi? Morremos, e nossos espíritos estão se despedindo. Não sei o que está acontecendo, mas acho que faço alguma idéia. Não sei se eu morri, ou se morremos ambos. Apenas sei que algo não está bom. E acho que tenho que falar algumas palavras. Você foi a coisa mais maravilhosa que me aconteceu. O homem da minha vida. Quem sempre sonhei para seguir ao meu lado. Sou grata a Deus por ter me concedido esta oportunidade. Sou a mulher mais completa deste mundo, pois tenho o mais verdadeiro dos amores. Desculpe se fui a culpada disso que ocorreu. Mas obrigada por estar comigo numa hora como esta. E em todas as outras que você esteve. Para onde quer que nossas almas possam ir, por mais distantes que fiquem, eu sempre vou amar você, meu querido Hans Kalymor!

_Há um pequeno espaço no tempo. Uma brecha onde não estamos totalmente vivos nem totalmente mortos. Um pedaço em que nos esquecemos de viver e não nos lembramos de morrer... é quando dormimos. Será lá, Marina, nesse intervalo de vida, quando acordo para os meus sonhos e durmo para minha existência, que estarei te esperando!”

Os primeiros raios de sol da manhã a destruíram. Em seus braços ela se foi, como em uma lufada de vento. E ele se perdeu no abismo de sua própria amargura. A dor chega até mesmo a me corroer. Hans tornou-se uma mera carcaça. Vagou desolado, até esta mesma desolação tornar-se revolta. Ele um cristão, dos verdadeiros, servidor de Deus desde seu nascimento, fora abandonado no único momento em que precisou. Naturalmente a descrença tomou sua alma. E a dor virou atitude. Hans embeveceu-se de vingança, e odiou a Deus por sua ausência. Sua revolta fora tamanha, que contagiou a outros de sua tribo. Um grupo de homens que nada mais tinha a perder, pois tudo já lhes havia sido tomado. Buscaram por vampiros, então. E procurando a morte, naturalmente a encontraram. Deus os abandonou mais uma vez. Fazendo a injúria não somente assolar, mas zombar de sua alma. O abismo tornou-se mais profundo. As lutas foram tantas quantas foram as baixas. A cada brandir de sua espada percebia os gumes de sua fraqueza. De sua reles condição humana. E entendeu que como homem não poderia seguir em frente. Sua busca era maior que sua condição. Então, por uma cilada do destino, ele novamente caiu. Tornou-se imensurável o abismo de sua alma. Um monstro agora. Um morto, um zumbi. Para mim, maravilhosamente belo em sua essência. Um imortal. Eterno em sua dor, banhado em culpas que se perdem nas linhas dos séculos...

“Dei-lhe um forte abraço! Como um filho faz em agradecimento ao seu pai. Senti suas lágrimas se mesclarem às minhas e inundarem um dos lados de nossas faces. Eu amava aquele velho com uma força incrível. Ainda hoje remôo minha alma quando penso no que poderia ser diferente se eu não tivesse fechado aquela porta.”

Despediu-se de Altair...

“Galhos que se projetavam em direção às plantações, que pareciam braços me chamando para não partir. Observei admirado que, nas raízes da árvore, uma forma humana erguia-se como que por encanto. Havia uma figura, fantasmagórica pelo seu modo de surgir, e bela por sua graciosa forma. Uma menina linda havia se conjurado diante de meus olhos, com cachos negros escorrendo em frente de sua face. Numa respiração profunda, puxou para dentro de si não somente ar, mas com ele toda a vida que antes não tinha. Logo, não mais era uma escultura, mas uma criança. Começou a escalar a árvore, como um fruto que deseja voltar à sua mãe. Lentamente, à medida que fugíamos do chão, seu corpo parecia crescer a cada vez que suas unhas e pés se prendiam nas frestas da madeira. Logo, eu estava rindo como há muito não fazia, pois me dei por conta de já ter feito aquilo antes, com aquela mesma pessoa. Marina estava graciosa, e como num leve e implorado sonho, começamos a subir a árvore como crianças novamente. E os anos que vivemos passavam diante de nós, à medida que subíamos, deixando os galhos que ficavam para baixo como testemunhas de cada época. No final, quando as estações do tempo não mais se apoiavam nos galhos, Marina estava como da última vez em que a vi. Ela mantinha o sorriso nos lábios, e com uma alegria infantil pegou-me pela mão. E surpreendentemente se jogou da árvore. Como bailarinos do espaço, de mãos dadas, iluminados pela lua e tendo o trigo como um imenso tapete, cortávamos o vento na velocidade dos pássaros. E esquecendo completamente da altura, nos amamos, cavalgando as correntes do ar. Talvez Deus tenha tentado se redimir, e a tenha tornado um anjo.”

Despediu-se de Marina? Ou talvez a tenha encontrado para somente se despedir mais uma vez?

“Entrei no corredor de árvores retorcidas que dava acesso à porta da frente da casa de Zacchi. O mago apareceu uns passos adentro. O necromante fitou-me de uma forma que nunca havia feito antes. Olhava para mim quase como se não me conhecesse mais, ou como se fosse a primeira vez que nos víssemos. A lua lancinou de uma absurda intensidade. Não, não era mais a lua, mas o sol, que mostrava seus primeiros raios. Virei meu rosto em sua direção, pois o astro ainda não tinha tanta força para me cegar. Por sobre as densas árvores que compunham os arredores da morada de Zacchi, vi, a silhueta, perfeita, de meus pais. Estavam de mãos dadas, lado a lado. Pareciam seres feitos de porcelana. Bonecas divinas. Uma melancólica imparcialidade eclodia naquela imagem. Com um movimento leve, ambos acenaram para mim, em despedida. Tirando minha atenção daquela imagem, o necromante me chamou. E falou palavras ainda mais estranhas do que tudo o que havia acontecido até então.

_Hans Kalymor! Conseguimos!”

E compreendeu que estava, sim, despedindo-se de sua própria vida...

“Você morreu, Hans Kalymor! Era o início desta madrugada. Sua alma deixou este corpo e vagou. A morte é diferente para cada um, assim como sua aceitação. Não sei o que viu, não sei o que sentiu, mas as portas do outro mundo foram ignoradas, por isso está aqui. Você não quis, Hans, entrar definitivamente para o outro lado. Isso é único. E, no meu ponto de vista, uma tolice. Eu o matei, neste mundo, e o impedi de ir para o outro. Não há definição correta para o que se tornou. Você é uma linha tênue, uma corda bamba, o extremo do meio, o início do fim. Um morto-vivo, nem vivo e nem morto.”

Zacchi, o mago necromante que o imortalizou. Tornando-o pior que os monstros que buscava destruir. Bestial por opção, grandioso aos meus olhos, mas miserável por si mesmo. Eis agora o Imortal Kalymor. O extremo desgarradamente sofredor do amor. Agora eterno. Eterno em pecados, eterno em sina. Acima das ordens e leis do tempo. Com infinitas possibilidades de aprender no leito dos séculos. Com este propósito ele desejou a mudança. E foi exatamente assim que ocorreu...

“_Espantosa sua capacidade em aprender! _Disse o mago. _Os livros são devorados numa única leitura. E nada é perdido. Todas as nuances são por você fixadas. Estranhamente não passa de um zumbi, mas o invejo. A incrível grandeza de sua inferioridade. Em pouco tempo será um mago muito mais poderoso do que eu.”

Aprendendo magias do plano dos mortos. Por aí ele começou...

“Quando compreendi minha nova natureza, tudo ficou mais claro. Vi o que realmente somos, o que deve corretamente ser chamado de “eu”. Somos nosso espírito, e o corpo simplesmente nos pertence. A correta definição de alma é que ela é a manifestação de nosso espírito, quando unido ao corpo através do cordão de prata. A alma é nossa personalidade, nossas escolhas, nossa forma de viver este pequeno instante no mundo. A alma é somente uma característica do espírito.”

E não mais parou...

“A alma não se materializa da forma humana, como estamos acostumados a imaginar. Tinha que procurar as maneiras que cada um se via em sua morte. Às vezes eram imensos rochedos, se uma pessoa fosse extremamente conservadora e egoísta, ou uma simples fagulha de luz, quase imperceptível, se fosse de alguém que se achasse muito insignificante, mas com um potencial reprimido, representado pelo fato de mesmo a luz sendo fraca, poderia crescer e se expandir, a ponto de clarear totalmente um ambiente.”

Ele aprendeu. Dominou a morte e suas trilhas. O tempo levou o necromante, seu único companheiro. Outros homens surgiram para seu aprendizado, qualquer um que pudesse contribuir para sua evolução. Desta forma viu um mundo que corria ao seu lado. Acompanhou pessoas que em sua comum forma guardavam grandes essências. Inspirou-se em homens maiores que sua condição. Simples humanos tornaram-se eternos em seus atos.
E nesse ínterim, viu também o extremo oposto de seu conhecimento...

“_Você é contrário a tudo isto que está ao seu redor! _Disse ela. _Adverso de uma maneira que talvez não exista nada mais distante. Possui os olhos da morte, e deseja observar a complexidade da vida.

_Abra meus olhos, então, para o que realmente devo enxergar.

_Tem que aprender a usar seus olhos não somente para captar uma imagem, mas fazê-los com que compreendam esta imagem. Veja com a razão. Veja com inteligência. Existem incontáveis árvores e animais. Você capta cada um como um componente desta paisagem. Esta árvore a nossa frente, por exemplo, você a vê desta forma, não é? Mas quando olha para mim, o que vê? Uma mulher? Uma elfa? É isto que irá me responder. Mas por que não pode me ver, também, como uma árvore? Não posso ser para seus olhos mais um detalhe desta paisagem?

_Não! Você é mais que esta simples árvore. Tanto que pode até mesmo movê-la com seu pensamento.

_Então somos, eu e você, completamente diferentes desta natureza toda que nos cerca? Como pode conceber esta incoerência, estando aqui? Se esta árvore é diferente de mim, como pode precisar deste local tanto quanto eu? Será que ela não o ama de uma forma semelhante à minha? Eu sou esta árvore. Assim como ela também é algo como eu. Sou o ninho que sustenta os filhotes dos pássaros. Sou os galhos onde estão esses ninhos. Sou a chuva que beija a terra, e a terra que é beijada pela chuva. Sou tão poderosa por ser tudo isto, e tão simples por ser cada uma dessas coisas. Sou a última gota de orvalho que escorre da folha que possui esta graça. Assim como todas as outras folhas que continham todas as outras gotas que escorreram, detentoras da mesma graça. Sou os pés que pisam a grama, mas também sou as inúmeras folhas desta mesma grama, que em um imensurável esforço conjunto empurram meus pés para cima. Sou a semente que iniciou isto tudo, assim como o último de seus frutos. Quando seus olhos lhe mostrarem a natureza, em sua real forma, saberá que estará também olhando para você mesmo. Eu, você, aquilo ou isto, são termos que não se aplicam a esta imensidão. Pois tudo não passa de um conjunto. Pode parecer estranho, mas esta é a gloriosa unidade de nós mesmos. Isto é o que quero que enxergue. Pois isto é simplesmente a vida.”

Aprendeu sobre a vida, em seu sentido global. Magias relacionadas à natureza o tornaram muito mais poderoso. Nascimento, morte, renascimento. Todos os pontos ele dominava. Da totalidade, agora restavam apenas as nuances. Procurou então inspiração nas mínimas coisas, que para ele tornaram-se divinas. Viu conceitos simplórios, que os mortais tanto prezam, serem elevados ao extremo. Honra, respeito, virtude. Viu homens abdicarem de suas vidas em prol de uma causa. Normalmente um sonho tolo. Mas por vezes, nessas observações que fazia com freqüência, descobria que a simples vontade de alguém pode ser a mais notória das magias...

“Ajoelhou-se e tateou o chão sem explicação. Queria achar alguma coisa que lhe prendesse a atenção e o fizesse, mesmo que sutilmente, esquecer onde estava. Nos escombros, encontrou uma pequena cruz, símbolo de sua antiga adoração. Fitou-a com amargura, fazendo seus dedos escorrerem pelos contornos do objeto, como se pedissem desculpas. Em sua alma suplicava por perdão, e desejava veementemente ser julgado por aquilo. Arrependeu-se de seus crimes, sabendo que não eram somente os crimes das mortes que causou, pois pecou muito antes disso, quando realizou seus sonhos. Errou, quando se tornou um cavaleiro, e viu que de fato nunca fora um. Quando passou a adorar um deus diferente de suas origens, em prol desse sonho. E percebeu que por ele destruiu o Deus que realmente lhe importava.”

Referindo-se a Ismael, um dos Cavaleiros do Dragão, um não nobre de berço, mas de atos. Que me foram importunos por um tempo. Hans fascinou-se por este homem, o que me levou a finalmente encontrá-lo, para um acordo. Para que ele pudesse destruir o cavaleiro, ofereci ninguém menos do que o vampiro que tomou sua amada. No auge da guerra de maior repercussão na história deste mundo, que nenhum mortal de agora sequer ouviu falar, ele o faria. Mas, o fascínio superou seu desejo de vingança, em prol de uma causa maior que sua dor...

“Poderia atacá-lo pelas costas, sem que soubesse o motivo. Pensei incessantes vezes em Winslet e no trato que fiz com Malberon. Lembrei da face do primeiro, ao me reconhecer em seu cativeiro. Em seus olhos rubros observei a vida de Marina, estampada como lágrimas. Como se de alguma forma estivesse ainda viva, mas presa em seu corpo nefasto. Como se aquele ladrão a guardasse em seu bolso, e como um pingente a chacoalhasse de um lado ao outro, brincando exibido, deixando-me a salivar, parecido com um animal esfomeado. Fitando Ismael, ao mesmo tempo em que fitava minha recordação, e nesta constante troca de imagens, fiquei. Constantemente a figura de um acendia, enquanto a do outro se apagava. E nesse vice-versa macabro, que já passava ante meus olhos como fagulhas, meu ódio crescia, assim como minha admiração. Winslet proporcionava o primeiro sentimento, e Ismael o segundo. E por vezes suas imagens, de tão rápidas que eram, chegavam a se sobrepor. E eu não sabia mais a quem odiar ou admirar. O Cavaleiro fora aos poucos sendo visto como mais uma de minhas vítimas. Cuidadosamente selecionado por seus pecados, merecedor de minha punição. Passei a vê-lo desta maneira, para poder cumprir com minha parte no trato. Desta forma, saí das sombras como um lobo, com fúria e bestialidade. Para trás, ficariam somente as pegadas de minha consciência, esculpidas em areia fina, que fácil e rapidamente se apagariam. Eu em nada me parecia com aquele homem. Jamais teria um resquício de sua integridade, de seu valor. Sua coragem para mim era inalcançável como um esticar de braços na noite, na tentativa de colher uma estrela. Suas escolhas, suas renúncias e seus atos ecoavam como histórias de ninar, contadas a jovens anjos. Assim, já entrando na ponte, com a espada gemendo, eu estava na iminência de fazê-lo, quando, interrompendo, percebi o enorme ogro, que se aproximava com o tamborilar de suas passadas.”

Permitiu que Ismael vivesse. E libertasse o reino dos domínios do Deus-Dragão...

“_A vitória lhe sorri, meu Cavaleiro! Mas ao preço de uma tênue comemoração.

_Por que diz isso? _Perguntou Ismael. _Livramos o reinado de você, e todos poderão viver livres a sua maneira, cultivar suas crenças e tradições. Ninguém mais se curvará oprimido, forçosamente tendo que aceitar a sua religião.

_E qual aceitarão? Acha mesmo que seguirão todos os povos para seus cantos, e reimplantarão seus reinos? Acha que se dividirão por uma razão tão fútil? Jamais irão se desgarrar do que há séculos já está formado. Fragmentar novamente Yarkan significa retroceder, significa perder exércitos e relações. Significa fragilizar.

_Podemos então ainda ser esse reinado, mas admitirmos a religião de todos.

_Não seja tolo, Ismael! São apenas homens e jamais conseguirão caminhar por suas próprias pernas. Dependem de algo superior. São por natureza submissos. Os homens não buscam a liberdade para que possam seguir sozinhos. O que os prende, o que os sufoca, é somente a necessidade que possuem de se sentirem inferiores. São os únicos seres neste planeta que buscam por opressão, mas envergonhados não admitem esta palavra, preferindo se referir a ela como “caminho”. Caminho para a salvação, caminho para o certo. Enquanto os homens existirem, existirá algo superior que os guiará, e jamais o contrário. Fala que eu os oprimi, mas apenas dei o que desejavam. Hoje partirei, mas meu lugar terá que ser preenchido. Eles anseiam por isso. E quem melhor que o Deus que os libertou?

_Não! _Ismael balbuciou. _Não será desta maneira.

_Nada mudará, porque os homens são estúpidos demais para mudar. Há somente um derrotado aqui: você! Pois não livrou ninguém. Apenas trocou um deus por outro...”

Desoladora verdade. Ergueu-se desta maneira, continuando assim até os dias de hoje, o Deus dos cristãos...

E o tempo passou. O mundo mudou. Hans conheceu todas suas terras. Enquanto eu lentamente ganhava espaço entre os homens, que distorciam suas visões. Enquanto eu destruí tudo o que era místico e o que não era humano. Enquanto exterminei todas as espécies na Inquisição, e dizimei a magia. Enquanto eu, e eles próprios corrompiam os ensinamentos de Deus. Fazendo com que, desta maneira, eu os domine, o que por séculos venho fazendo. O mundo é hoje fruto unicamente de meus anseios.

Então, novamente nos encontramos. Meio milênio depois. Em meu apartamento ele se deslumbrou com a decoração. Com os detalhes da história da humanidade, em minhas coleções. Mas nada comparado com o que de mais precioso lhe mostrei. A resposta definitiva para o maior questionamento do universo...

“_O restante é inferior! Esta é sua conclusão agora! E isto lhe permite realizar qualquer pergunta que obterá resposta. E sei o que irá questionar. A mais complicada das perguntas, com a mais óbvia das respostas.

_Quem é Deus?

_Pergunta-me isso, _disse então o vampiro _mas sabe até onde deseja compreender? Posso lhe explicar o “tudo”, mas se o fizer que sentido teria o restante?”

Ele não temeu. Ansiou pela compreensão absoluta. E a teve...

Se agora possui o conhecimento completo, isto não o torna também um Deus? A resposta é não, simplesmente porque ainda se limita a pensar que não o é. Isto justifica o fato de ter se confessado esta madrugada. Caso fosse realmente superior, não deveria explicação a ninguém. Mas por que ele saiu purificado daquele lugar? Por que virou para a catedral e agradeceu? Por que agora ele levita como se suas culpas tivessem sumido?

Penso agora que há uma remota possibilidade de ele ter aprendido ali algo que não fui capaz de ensinar-lhe. Certamente algo que a humanidade não está pronta para compreender. Um ensinamento que estes pobres mortais terão que absorver por seus próprios meios. E sei que nunca o farão. Pois não são capazes de se deparar com seus próprios erros. São incapazes de evoluir.

“Quem diria que um dia eu estaria do outro lado do mundo? Quem diria que existiria o outro lado?”... Talvez haja aqui um sentido ainda mais abrangente...

Fonte:
http://www.escritoresdosul.com.br/

Igor Martins de Menezes em Xeque


Entrevista realizada por Graziely Neri

Nascido no Rio Grande do Sul. Ígor Martins de Menezes levou oito anos para escrever, e agora o livro está sendo publicado pela Editora Insular. Ainda na infância Igor Martins de Menezes, médico residente em São João Batista, colocou no papel suas primeiras idéias. Seu passatempo preferido era desenhar tirinhas expiradas nos personagens da Marvel. A junção de desenhos, texto e idéias se tornou pequena para um caderno e se projetou num livro de 400 páginas, publicado em dezembro de 2007 pela editora Insular.

Como surgiu a idéia do livro?

A idéia vem desde pequeno dos tempos de infância. Eu sempre fui muito aéreo mais gostava de desenhar. Cresci e quando entrei na faculdade não tinha muito tempo para isso, pois achava que devia estar estudando. É claro que também não estudava muito, pois no início da faculdade só queria festa, como todos. Resolvi pegar as idéias dos desenhos e escrever em uma agenda, onde anotava as provas e trabalhos também. Era uma forma de fugir da faculdade e aos poucos a agenda ficou pequena, passou para um caderno e depois para o segundo, quando me dei por conta que era mais fácil digitar.

Qual foi a trajetória do livro desde a criação até a publicação?

Comecei a digitar dois anos depois de começar, eu imprimi e ficou no formato de uma apostila, até então quase ninguém sabia o que eu escrevia. Ocorreu um episódio em que a família estava na casa da minha avó, na Cachoeira do Bom Jesus. A minha tia havia acabado de almoçar e iria dormir, mas queria algo pra ler entreguei o meu livro. Ela não conseguiu dormir e leu até o final, isso me inspirou a publicar.

Quanto tempo você dedicava ao livro?

Eu demorei muito para escrever por causa da faculdade tinha épocas em que eu ficava meses sem escrever, por causa dos semestres difíceis do curso. Foram uns quatro anos escrevendo. Depois de decidido que iria tentar publicar, entreguei o que já tinha feito ao meu pai, ele é professor de português.

Foi difícil fazer essa correção?

Levou mais de dois anos fazendo isso, essa foi a pior parte, pois ele tinha que corrigir uma frase, sem que ficasse de uma forma que ele escrevesse, ele tinha que manter a minha idéia. Essa parte foi estressante, mas muito boa, pois já estava formado e trabalhava o dia todo, e as noites eu ficava com ele. Tivemos um contato tão intenso que muitas noites eram eu e ele, umas cervejas, uns jogos do grêmio e churrasco. Conseguimos publicar em dezembro de 2007.

Porque a escolha de ser médico e não fazer línguas ou jornalismo algo ligado a literatura?

Eu sempre fui mais quieto, mais de observar. Fiz medicina pra fazer psiquiatria. Só comecei a escrever depois que passar na faculdade, talvez se eu tivesse feito jornalismo ou línguas, não teria escrito.

Quais os próximos projetos para o livro?

Primeiramente a divulgação das mais variadas formas. Esse ano, isso é extra-oficial, o colégio catarinense vai adotar o livro no currículo. Vou também fazer a Coperve adotar no currículo do vestibular. Isso é apenas um sonho.

O que você encontra no livro O Imortal Kalymor:

O livro conta a história de um homem (Hans Kalymor) que procura a Catedral Metropolitana de Florianópolis para realizar uma confissão sobre inúmeros crimes que ele cometeu por causa de seu amor perdido. Na busca por vingança, por um acaso do destino ele se tornou imortal e percorreu oito séculos de lutas, sofrimento e busca por um sentido em sua eternidade. Nessa caminhada, o personagem se deparou com diversos seres, místicos ou humanos, sempre na procura de conhecimento e sabedoria sobre diversos aspectos da vida, do amor, da honra, de guerras e evolução de si próprios, inclusive uma explicação plausível sobre o que seria Deus e as leis do universo.

Fonte:
http://meucursominhavida.wordpress.com/2009/05/29/o-imortal-kalymor/

sábado, 11 de setembro de 2010

Roberto Pinheiro Acruche (Encanto)

Fonte:
Colaboração do Autor

Ialmar Pio Schneider (Baú de Trovas VIII)


Acabou-se da memória
o desejo de te amar,
mas ninguém me rouba a glória
de em meus versos te cantar!...

Amiga de muitos anos,
companheira de verdade,
enfrentando os desenganos,
ela se chama: saudade.

Cada paixão que me invade
surge do amor que não tive;
e representa a saudade
de quem neste mundo vive.

Cresce a planta no jardim
por força da natureza;
e cresce dentro de mim
o amor à tua beleza.

Desejo fazer somente
o que deveras me apraz,
levando os sonhos em frente,
deixando as mágoas pra trás.

Devo te dizer cantando
para que escutes sorrindo
e assim vás acreditando
que eu não esteja fingindo...

Esse amor que tu me deste
foi efêmero, fugaz...
Por isto a tristeza investe,
arrebatando-me a paz.

Eu agora não me espanto
e nem me causa pavor,
o terrível desencanto
que sofri por teu amor.

Eu fui ficando distante
e vivendo da saudade,
pois desejo, doravante,
somente a sinceridade...

Eu fui vivendo meus dias,
procurando te olvidar,
e quantas horas vazias
se arrastavam devagar...

Eu não sou navegador,
mas enfrento o mar da vida,
por causa do nosso amor
que não teve despedida.

Fiquei contente ao saber
que realizaste teu sonho,
pois fazes por merecer
um futuro assaz risonho.

Foste a morena brejeira
que surgiu em meu amor
como o botão da roseira
que agora não dá mais flor.

Fui feliz antigamente,
quando era um pobre menino;
e só vivia o presente,
sem me importar com o destino.

Hoje não tenho alegria
por sentir esta saudade
que nasce de quem fazia
a minha felicidade.

Mesmo depois de velhinho,
se Deus me der esta graça,
quero sentir o carinho
do amor total que não passa...

Meu amor simples em tudo
não te convenceu bastante,
porque permaneço mudo
ao te ver tão deslumbrante.

Não foram horas perdidas
as que passei junto a ti;
são lembranças bem vividas
que nunca mais esqueci...

Não há poder que consiga
me demover da vontade,
de tê-la só como amiga
quando me assalta a saudade.

O amor à primeira vista
visitou meu coração,
mas no instante da conquista
vi que tudo foi em vão.

Para sofrer tanto assim
fora melhor não revê-la;
está tão longe de mim
como se fosse uma estrela.

Para te amar me concentro,
esperando chegar a hora;
pois quem não ama por dentro,
não adianta amar por fora.

Para tê-la novamente
andei por muitos caminhos
e retornei descontente
sem conseguir seus carinhos...

Para viver com carinho
procurei amar alguém;
hoje sinto que sozinho
eu vivia muito bem.

Pelos caminhos da vida
fui deixando para trás,
como em cada despedida
um sonho que se desfaz.

Perambulando sozinho
pelas ruas da cidade,
procuro achar o caminho
que leva à felicidade.

Perto de ti me convenço
que nada posso fazer,
sem empregar o bom senso
para afinal te esquecer.

Posso perder-te... que importa
se não queres me aceitar...
Há muito tempo está morta
a vontade de te amar.

Quantos amores têm fim
por falta de persistência,
não concretizando assim
a base da convivência.

Quem quiser ser trovador,
seja primeiro aprendiz,
mesmo em matéria de amor
se aprende pra ser feliz.

Roubei-lhe um beijo, ao passar
ao meu lado, sorridente;
e lembrando seu olhar,
de noite, dormi contente...

Se amar causa sofrimento;
é preciso suportar...
pois não há pior tormento
do que sofrer sem amar...

Se tens amor e resistes
às ligações perigosas,
teus dias não serão tristes
e viverás entre rosas...

Se te querer foi loucura,
eu serei um triste louco,
por te dar tanta fartura
e ter em troca tão pouco.

Sofro por ti, me atormento
a cada instante que passa;
e neste martírio lento
vou vivendo na desgraça...

Vai-se um amor... outro vem...
e assim se passam os dias.
Os nossos sonhos também
são de mágoas e alegrias.

Vive de amor, se te apraz,
e nunca percas a calma;
porque a verdadeira paz
só se encontra dentro da alma.

Fonte:
O Autor