quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Jorge Facury (Lançamento do Livro “Assim me Contaram”)

Todos têm histórias para contar, seja elas tristes, alegres, que trazem uma lição de vida, seja simplesmente divertidas para quem as escuta. O que faz toda a diferença, no entanto, é se essas histórias são externadas para outras pessoas ou guardadas somente para si. Partilhar trajetórias de vida e com elas levar uma mensagem às pessoas é o objetivo do livro “Assim me contaram”, do professor Jorge Facury Ferreira. A obra, fruto de um trabalho de quase dois anos do autor, será lançada neste sábado (11), no Gabinete de Leitura de Sorocaba (Praça Coronel Fernando Prestes, 27, Centro), às 19h30, pela Editora Crearte.

“Assim me contaram” reúne as mais diversas histórias contadas por pessoas próximas de Facury, desde causos divertidos e criativos até histórias reais de gente que sofreu, lutou e venceu na vida. O livro é resultado de anos de escuta e registro do autor, que, com muita sensibilidade e atenção, passou a escrever ao longo dos anos as vivências que ouvia, muitas delas contadas ao acaso.

Segundo Jorge, tudo começou há alguns anos, quando um amigo muito próximo lhe confiou uma história particular e rica em detalhes, mas acabou morrendo dias depois para a surpresa do escritor. A morte repentina do amigo despertou em Facury a necessidade de ouvir mais as pessoas, e registrar aquilo que têm para contar. “Eu sou muito observador e presto atenção em tudo o que os outros dizem. Às vezes, de uma conversa despretensiosa nascem reflexões e lições para nossa vida.”

Para o professor, poder partilhar passagens de vida com os demais é motivo de muito orgulho e alegria. “As pessoas ficaram muito felizes ao confiar a mim suas narrações, e eu me realizei em poder eternizar nas letras um saber pessoal, algo essencial no mundo delas.”

O DIÁRIO de Sorocaba vai contar a você, leitor, em primeira mão, duas interessantes histórias do livro, que divertem e levam à reflexão acerca da vida e do quanto vale a pena lutar por um objetivo maior.

“COISA À TOA” –
A primeira memória que o jornal partilha foi contada ao autor por Humberto Jairo Rodrigues Pereira, construtor civil de Sorocaba.

Na pequena cidade de Palmatória (CE), dois amigos saíram cedo de bicicleta para buscar lenha a fim de suprir o forno e garantir a comida. Tudo muito fácil: acha-se os galhos, faz-se um bom feixe amarrado na traseira da bike e pé no pedal! Aconteceu, contudo, que um deles voltou logo e o outro não. As horas passavam e nada de o rapaz aparecer...

Quando enfim retornou, estava embriagado, e, esquecido da tarefa essencial, encostou-se numa vendinha de beira de estrada e relaxou a tomar cachaça e jogar conversa fora. Pior que isso, reapareceu sem a bicicleta, esbaforido e cambaleante, contando a todos ter sido alvo de um atentado. O jovem bêbado estava convencido de que algum desconhecido lhe teria disparado um tiro, sem atingi-lo, e, ao cair, levantou-se, largou a bicicleta e fugiu desesperado, rezando para não ser novamente mirado. Na queda ralou os braços e perdeu os óculos.

Familiares e amigos inflamaram-se pelo caso. Gente simples, acostumada ao trabalho na roça, logo se reuniram, munidos de espingardas e armas brancas para pegar o suposto agressor. Partiram, então, na direção do ocorrido, guiados pela vítima, trôpega da cachaça. “Onde se viu atacar um homem bêbado? Quem seria covarde o suficiente? Era hora de dar uma bela lição!”, eis a indignação que habitava o consciente coletivo.

Chegando ao local, a bicicleta ainda estava lá, abandonada no mesmo ponto da queda. Isso já adiantava alguma conclusão: não era caso de roubo... Ao recolherem-na, constataram, ainda, que um dos pneus havia estourado. A conclusão do caso, então, foi objetiva e inequívoca: o estampido não fora de tiro nenhum! O bêbado infeliz assustara-se à toa com um simples estouro do pneu...

Todos, então, cravaram-lhe olhares com expressões indescritíveis, e ele, vendo-se rodeado de pessoas indignadas e incrédulas, não se fez de rogado... Com certa graça, justificou-se e já foi logo dizendo: “'Bão', já que foi um final feliz, que tal fazer um brinde na vendinha?”.

“LEMBRANÇA DO FUTURO” –
Outra história foi narrada por Amauri Brandi, dentista e marceneiro de Sorocaba. Esta é mais rica de detalhes e lições de vida que a anterior, mas não menos divertida.

Em algum tempo dos fins do século XIX, na esteira da fomentada imigração italiana, alguns membros da família Brandi chegaram à região da atual cidade de Presidente Bernardes, na região oeste do Estado de São Paulo. Como tantos, aqui chegaram em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Aqueles que podiam, logo compravam terras baratas e tornavam-se pequenos proprietários - caso dos Brandi.

A primeira atividade foi a agricultura; viçosos, os pés de café erguiam-se do solo roxo e as matas caíam. A autossubsistência e o plantio ancoraram a nova vida, sempre com muito sacrifício. Do encontro com outros da mesma pátria, restavam largas conversações, fala estranha aos naturais da terra.

Antônio Brandi conheceu Luiza Magon e os dois se apaixonaram. Do encanto mútuo, surgiu uma fuga e depois um casamento. O tempo passou, veio a decadência do produto cultivado e outros fatores cruciais que a história traz, compondo tempos difíceis de viver. O chefe da família Brandi viu-se submetido a uma situação dramática.

Homem de fibra, afeito à disciplina do trabalho, sofria ao ter de presenciar a mísera refeição da mulher e três filhos: um panelão com farinha de milho batida e água. Nesse período, João Brandi, o mais velho, aventurou-se a pé pondo-se a explorar uma parte das terras adquiridas que nunca eram visitadas por causa das características naturais impróprias para a agricultura. Tratava-se de um brejão nada convidativo.

Nessa exploração, acabou encontrando uma apreciável mina de água e, entusiasmado, foi ter com os pais e contar a novidade. Tiveram, então, a idéia de engarrafar água. Puseram-se a vendê-la como puríssima que, de fato, o era. A ideia resultou bem, uma vez que compradores vagarosamente apareceram. Entretanto, é provável que num tempo de quase nenhum comércio do gênero, muitos que buscavam a água tinham, na verdade, somente intenção de ajudar a pobre família. Era, afinal, uma forma de contribuir sem parecer que se punham a acudir.

O brejo, para onde Antônio agora se dirigia buscar água, era um lugar feio, cheio de animais peçonhentos e perigosos. Por isso, orientava em tom de ordem para que nenhum dos filhos aparecesse por lá. O filho mais velho, João, tinha perfeita consciência disso, mas se deixou levar pela curiosidade numa certa manhã e se embrenhou no lugar. Avançando além do que já tinha visto, dez minutos depois se encontrou num apuro: fora picado por uma cobra.

Ao voltar para casa com a má notícia, a família já se prontificou a buscar tratamento para o adoentado. Para tanto, receberam ajuda de pessoas que ofereceram uma viagem a Sorocaba. Lá, uma senhora negra os esperaria para acudi-los. O mais breve partiram e, chegando ao destino, o rapazinho recebeu o tratamento adequado.

Premidos pela circunstância, aproveitaram para conhecer a cidade e constataram várias fábricas: o progresso aqui estava. Calcula-se que quando desse acontecimento já deveriam correr os anos 30.

Prepararam-se, então, para a volta às terras do oeste paulista, deixando a hospitaleira senhora e sua família, de quem restou boa amizade. Tudo seguiu como outrora, a penúria infelizmente continuou por longo tempo. Certa manhã, Antônio sentou-se a conversar com a esposa e contou o que lhe corria pela mente e o que ditava seu coração no silêncio das madrugadas: gostara de Sorocaba e estava com a intuição de que poderiam refazer a vida por lá. Conversaram e amadureceram bem a idéia de uma mudança.

Da vontade manifesta à prática não custou muito, ainda mais agora que tinham com quem contar por aquelas bandas. A picada de cobra fora, afinal de contas, motivo incidental para o inesperado rumo novo. Juntaram o que podiam levar na viagem, despediram-se dos mais chegados e, com mínimos recursos, tomaram a estrada.

Desde que finalmente chegados a Sorocaba, Antônio Brandi externou uma notável certeza que causou estranheza total e absoluta em Luiza e filhos... Estando na rua que ora se denomina Visconde do Rio Branco, no atual bairro do Cerrado, o homem avistou uma casa, relativamente boa, e disse à mulher: “Eis a nossa casa! É aqui que vamos morar!”

A esposa, cansada da penosa viagem, suspirou e nada disse. O que haveria com o homem para fazer tal afirmação? Não tinham o que comer e ele falando em comprar uma casa! Teria tomado sol em demasia na cabeça?

Recebidos com grande satisfação pela senhora amiga, esta lhes estendeu as mãos dizendo que poderiam ficar tranquilos e desfrutar de sua casa à vontade, até que o homem encontrasse um trabalho. Brandi agradeceu e fez saber que não seria preciso, que dentro de alguns dias estariam em uma nova casa.

No outro dia, passava ele mais uma vez pela Rua Visconde do Rio Branco a observar a casa mencionada, quando alguém se aproximou. Era um vendedor de bilhetes que ofereceu: “Olhe, senhor! Compre este bilhete que trago, é seu! Pode comprar que vai ganhar. Não é conversa de vendedor não, é coisa pro senhor mesmo!”

O italiano respondeu que não tinha trocado suficiente para o valor do bilhete, e tirou uma nota amassada do bolso... “É o que basta!”, disse o bilheteiro, arrematando: “Quando o senhor tiver o prêmio em mãos, aceito que me dê uma ‘quirerinha’”. De saída, deixou as referências do local onde poderia ser encontrado.

Ora, o valoroso e determinado Brandi, ao conferir o bilhete no dia seguinte, viu que tinha tirado o primeiro prêmio no jogo do bicho oficial! Aquela foi uma notícia tão feliz quanto inacreditável para todos. Ele comprou a casa assim que recebeu o dinheiro, depois procurou o bilheteiro, que era um homem simples, e com grande gosto deu-lhe generosa soma.

Tanto quanto o vendedor de bilhetes fora objetivo e verdadeiro em suas palavras, certo é que o italiano mostrara-se dono, desde o princípio, de uma rara Afirmação Superior!

A vida alargou-se em oportunidades jamais cogitadas, de modo que até aumentou a família, com a adoção de uma menina. Brandi, por sua vez, tornou-se marceneiro e fez do ofício uma herança profissional aos filhos e aos netos, que hoje o exercem.

E o mais curioso da história toda: a figura estampada no bilhete premiado era a COBRA!

SOBRE O AUTOR -
Jorge Facury Ferreira é natural de Tatuí – SP, e reside em Sorocaba há mais de 15 anos. É educador, escritor e pesquisador de ufologia desde os 16 anos de idade. Publicou os livros "Um Brilho no Céu de Outubro", "Os viajantes" e "Rubião, o velho - contos de sonho acordado". É Membro do Conselho Editorial da Revista Ufo. Cronista colaborador de diversos jornais. Foi membro ativo do MORHAN - Movimento de Reabilitação do Hanseniano - nos anos 90.

O autor lembra que esta é só a primeira parte da obra, pois mais histórias estão surgindo para ser contadas. Caso você tenha algum fato interessante que gostaria de manifestar, entre em contato com Jorge pelo e-mail assimmecontaram@hotmail.com. O lançamento é aberto a todos.

Fontes:
- Cintian Moraes
Diário de Sorocaba. 6 dez 2010.
Balaio de Gato

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.64)


Trova do Dia

Pai Amado, eu Te agradeço,
enviaste o Salvador
tal presente não tem preço
És bondoso, Meu Senhor!
JERSON BRITO/RO

Trova Potiguar

O Natal tornou-se homônimo
de consumo, nada mais...
Melhor se fosse sinônimo
de um mundo cheio de paz.
IEDA LIMA/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Honrosa

Feliz de quem – afinal –
consegue na humana trilha,
ver que o brilho do Natal
surge da luz da partilha.
REGINA CÉLIA DE ANDRADE/RJ

Uma Trova de Ademar

Quando da ressurreição
o mundo encheu-se de luz,
trouxe Paz, Fé e perdão
com o renascer de Jesus!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Fosse Ele consultado
sobre o seu próprio destino,
em vez de "O Crucificado
seria sempre "O Menino"!...
NEWTON MEYER AZEVEDO/MG

Estrofe do Dia

O menino nasceu, e a sua sina
de espalhar pelo mundo a grande luz
foi fator divisor do nosso mundo
mas nós demos ao mesmo a triste cruz...
mas o amor venceu todas as barreiras
e renasce, sereno, o bom Jesus!
LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP

Soneto do Dia

José Antonio Jacob/MG –
SONETO DE NATAL.

Essa mulher, que sonha, sofre e chora,
E o escasso seio estende, e o acaricia,
Ao filho magro, que seu leite implora,
Podia se chamar Virgem Maria.

O que lhe importa se essa noite é fria
E além da porta é Natal lá fora,
Se Jesus Cristo nasce todo dia
E está dormindo no seu colo agora?

Ela é Nossa Senhora da Pureza,
Cuida da nossa vida de pobreza
E ora por nós que somos filhos seus...

Essa Mulher, que sonha, sofre e chora,
Só pode ser então Nossa Senhora,
A Mãe de todos nós... A Mãe de Deus!

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XVI: Emília forma palavras

— Pois é isso — continuou a velha, ainda tonta da sapequice gramatical da Emília. — A Raiz das palavras não muda; de modo que, para formar palavras novas, a gente faz como o jardineiro: poda o que não é Raiz e enxerta o Sufixo.

— Em vez de enxertar o Sufixo no fim não é possível enxertá-lo no começo? — quis saber Narizinho.

— Não — respondeu a velha. — Os Sufixos, assim como os rabos dos animais, só se usam na parte traseira. Há, porém, os irmãos dos Sufixos, que servem justamente para enxertos no começo da Raiz.

— E como se chamam?

— Prefixos: Pre quer dizer antes. Re, Trans, A e Com, por exemplo, são Prefixos. Se tomamos o Verbo Formar e grudarmos na frente dele esses Prefixos, teremos os novos Verbos Reformar, Transformar e Conformar, todos com sentido diferente.

— Voltemos aos Sufixos, que são mais engraçadinhos — propôs Emília. — Diga uma porção deles, Dona Timótea.

A velha, que já estava cansada de tanto falar, tomou mais um gole de chá, e prosseguiu, apontando para um armário:

— Os Sufixos estão todos nas gavetas daquele armário. Vá lá e mexa com eles quanto quiser — mas não me chame mais de Timótea, ouviu?

Emília não esperou segunda ordem. Correu ao armário, abriu as gavetas e tirou de dentro um punhado de Sufixos. Depois espalhou-os sobre a mesa para aprender a usá-los. Pedrinho e a menina vieram tomar parte no brinquedo.

— Olhe, Narizinho — disse a boneca —, ali está uma caixa de Substantivos. Traga-me um; e você, Pedrinho, agarre aquela faca.

Os dois meninos assim fizeram. Narizinho depôs sobre a mesa um Substantivo pegado ao acaso — Pedra.

— Segure-o bem, senão ele escapa — recomendou Emília —, e agora, Pedrinho, corte a Desinência deste Substantivo dum só golpe. Vá!

— Mas esta faca será capaz de cortar Pedra? — indagou o menino, de brincadeira, só para ver o que a boneca dizia. A diabinha, porém, estava tão interessada na operação cirúrgica que apenas gritou:

— Corte e não amole!

Apesar da recomendação, o menino amolou a faca na sola do sapato e só depois disso é que — Zás!. . . atorou a Desinência de Pedra, a qual deu um gritinho agudo.

— Pronto! — exclamou Emília. — O pobre Substantivo está reduzido a uma simples Raiz. Venha ver, Dona Etimologia, como é engraçadinha esta Raiz.

Mas a velha, que andava farta e refaria de lidar com Raízes, nem se mexeu do lugar. Emília, então, tomou um dos Sufixos tirados da gaveta, justamente o Ária, e fez a ligação com um pouco de cuspo. Imediatamente surgiu a palavra Pedraria.

— Viva! Viva! — gritou ela batendo palmas. — Deu certinho! Venha ver, Dona Eufrásia! Com uma Raiz e um Sufixo fabricamos uma palavra nova, que quer dizer muitas pedras. Deixe esse chá sem graça e venha brincar.

Mas a velha estava muito velha para brincadeiras e limitou-se a tomar novo gole de chá.

— Vamos ver outro Sufixo — propôs Narizinho. Emília pegou outro, o sufixo Ada, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedrada.

— Ótimo! Este também dá certinho. Pedrada todos sabemos o que é. Vamos ver outro.

Emília pegou um terceiro Sufixo — Eria, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedreria, que não tinha sentido.

— Este não presta — gritou Pedrinho. — Não dá nada que se entenda. Veja outro, Emília — esse Eiro.

Ligou bem. Deu Pedreiro.

— Ótimo! — exclamou a boneca. — Vamos ver este Alha.

Deu Pedralha, que eles não sabiam o que era, mas estava com jeito de ser qualquer coisa. Depois experimentaram os Sufixos Ulho, Ena, Io, Dade, Ame, Uje e AI, com resultados variáveis. Uns deram, outros não deram nada. Ulho, com um Eg no meio, deu uma beleza — Pedregulho. O Sufixo Dade deu asneira — Pedrade.

Emília olhou para o rótulo da gaveta e viu que estava usando os Sufixos de COLEÇÃO.

Na gaveta imediata estavam os Sufixos de AUMENTO: AO, Zarrao, Az, Aço, etc.

Na terceira gaveta estavam os Sufixos de DIMINUIÇÃO: lnho, Zinho, Ito, Ebre, Ilho e mais uns trinta.

Na quarta estavam os Sufixos de AGENTE PROFISSIONAL: Dor, Ante, Ario, Ária, Eiro, Eira, Ado.

Na quinta, os Sufixos designativos de AÇÃO, QUALIDADE, ESTADO: Ada, Anca, Ção, Ência, Eza, Ice, Io, Ume, Ura, Mento, Vel.

Na sexta estavam os Sufixos de ABUNDÂNCIA, EXCESSO: Oso, Udo.

Na sétima estavam os Sufixos que exprimem ORIGEM, NATURALIDADE: Ano, Ão, Ense, Ino, Ês.

Na oitava, os Sufixos designativos de LUGAR: Ario, Ária, Eiro, Douro, Orio.

Apesar de serem muitos, os meninos fizeram experiência naquela Raiz com quase todos os Sufixos, conseguindo formar as seguintes palavras derivadas de Pedra — Pedraria, Pedrada, Pedral, Pedragem, Pedreiro, Pedrama, Pedrame, Pedrume, Pedregulho (neste caso foi preciso intercalar um E e um G para dar certo), Pedrão, Pedraço, Pedraça, Pedrázio, Pedralha, Pedrorra, Pedrinha, Pedrita, Pedrete, Pedrote, Pedrilha, Pedrica, Pedrisco, Pedracho e Pedreira, ou seja, vinte e quatro ao todo.

— Vinte e quatro! — exclamou o menino. — Agora estou compreendendo por que há tantas palavras na língua. Pois se somente com esta porqueirinha de Raiz nós pudemos formar vinte e quatro palavras diversas, imagine quantas não formaríamos usando todas as raízes que existem!

— E isso lidando só com os Sufixos próprios para fazer Substantivos — disse Dona Etimologia aproximando-se —, porque há ainda os Sufixos que servem para fabricar Verbos, como, por exemplo, Gotejar, que é a raiz do Substantivo Gota ligada ao Sufixo Ejar. Com esse Ejar, e ainda com Ear, Izar, Entar, Ecer, Itar, Inhar, Icar e outros, a Emília pode passar dias e dias brincando de transformar em Verbos todos os Substantivos que houver lá no sítio.

— A senhora dá licença de levar para lá uma coleção de Sufixos? — pediu a boneca.

— Dou — respondeu a velha —, mas primeiro trate de consertar a palavra Pedra e de juntar do chão todos esses Sufixos espalhados. Quero tudo direitinho como estava.

Emília recolou a Desinência da palavra Pedra e varreu todos os Sufixos que tinham caído no chão. Depois arrumou-os, muito bem arrumadinhos, nas respectivas gavetas.

Dona Etimologia ofereceu chá aos meninos e, enquanto eles o tomavam, teve ocasião de explicar que a palavra Chá viera da China, onde significava bebida feita de certa planta, o Thea sinensis; depois a palavra passou a ser usada para designar a infusão de folhas ou raízes de qualquer planta. Que velha sabida! Parecia Dona Benta.

— Bom, bom, bom — exclamou ela, ao terminar o lanche e sem erguer-se da mesa. — Isso de que falei, e com que vocês estiveram brincando, chama-se a Derivação própria das palavras, porque há também a Derivação imprópria.

— Já sei! — adivinhou Emília. — A tal Derivação imprópria é a que se faz sem Sufixo, nem Prefixo.

A boa velha assombrou-se.

— Como sabe, bonequinha?

— Esperteza — disse Emília, piscando um olho. — Eu muitas vezes arrisco opiniões que dão certo. Tia Nastácia diz que quem não arrisca não petisca. . .
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Continua ... Capítulo XVII: O Susto da Velha
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Antologia Poética)


ASSIM SERÁ

Foi você quem quis assim
Assim será!
Não vou mais me aborrecer
Nem me atormentar,
Não vou mais mandar e-mail,
Vou te deletar...

Dei meu afago, afeto, carinho,
Dei o meu colo pra você deitar,
Na noite de frio dei aconchego
E todo amor que se pode sonhar.

Dei o frescor da brisa suave
Que sopra na aurora bem de mansinho
Dei a cadência do vôo da ave
Que voa cadente em busca do ninho.

Dei pra você o meu mundo encantado
Um céu salpicado de constelações,
Dei o amor que tinha guardado,
Junto aos acordes de lindas canções.

Dei o apego de um homem apegado,
Afeito as coisas quem em vida vivi,
Dei o consolo e tive o cuidado,
De dar a você tudo o que você quis.

Tudo te dei em troca de nada,
Até os meus sonhos que um dia sonhei,
Dei pra você meus contos de fadas,
Mas vejo agora o quanto errei!

E é na presença de um homem presente,
Feliz e contente sem lamentar,
É que eu digo com todas as letras:
Você quis assim – e é assim que será.

ASTRO REI

O sol nasceu nesta manhã cinzenta,
Quase sem cor, sem luz e sem destino,
Quase perdido como nau sem porto
E mais disperso que alguém sem tino.

O sol nasceu nesta manhã de inverno,
Quase sem céu, sem terra e sem mar,
Como um errante louco e alucinado,
Quase sem nada para iluminar.

O sol nasceu nesta manhã tão pobre
Para um tão nobre astro que é o Rei
Que traz a luz a vida e o calor
E tantas coisas que ainda não sei.

O sol nasceu numa manhã sem nada,
Como uma estrada na escuridão,
Sem ter a luz que brilha e acalenta
Os passos firmes de nossos irmãos.

O sol se pôs numa tarde cinzenta,
Como nasceu no alvorecer do dia,
Quase sem cor, sem luz e sem destino
E mais disperso que alguém sem tino...

O sol morreu numa tarde cinzenta...

DEVAGAR EU VOU

Se me levar devagar eu vou,
Eu vou prá qualquer lugar,
Mas no tranco eu não vou, não vou,
Não fui feito pra empurrar...

Deixa a vida me levar,
Devagarzinho,
Sem ter pressa de chegar,
Sem encurtar meu caminho.
Quero contemplar a vida
Cheia de luz e de cor,
Quero sonhar o meu sonho,
Quero encontrar meu amor...

Deixa o sonho me levar,
Devagarzinho
Como um pássaro a voar
Para o seu ninho
Ter meu corpo envolvido
No seu abraço
E acordar bem de mansinho
No calor do seu regaço.

Deixa o tempo me levar
Devagarzinho,
Sentir a brisa soprar
No meu caminho
Contemplar a luz do dia
E o luar na madrugada
Sentir meu corpo roçando
No corpo da minha amada.

TREM DAS TRES

A vida vai de arrasto,
Do sonho nada me resta
E o que sentia tão vasto,
Vejo agora que não presta.

Pranto...prece...procissão,
Passo largo sem destino,
E o meu sonho de menino
Perdeu-se na multidão.

Mundo frio e infiel,
Face fosca e infeliz,
Boca amarga que nem fel,
Esperança por um triz!

Sai do trilho o trem das três,
A trilha fica sem rumo,
A vertical sai do prumo,
E o sonho morre de vez:
Embarcou no “trem das onze”
E apeou no trem das três.

SOL POENTE

Quando contemplo ao longe o sol poente
atrás do monte lá no infinito
sonho acordado o sonho mais bonito,
e tenho a fé de um homem forte e crente.

A luz suave, quase se apagando,
acende em mim um fogo tão ardente,
e ao pensar eu fico imaginando
o amor se pondo assim tão de repente.

O tempo passa e vem a madrugada
como um açoite castigando a gente
na aurora fria, escura e tão calada!

Oh... breve tempo tenha dó de mim
por que flagela um coração carente,
me machucando tanto, tanto, assim!

SORRISO

Esse seu sorriso aberto,
Mais lindo do que o luar
É como chuva miúda
Que faz a vida nascer
E a esperança germinar.

Ele é toque de ternura,
Toda candura que há,
É a beleza mais pura,
Tem a leveza e frescura
Da brisa que vem do mar.

Esse seu sorriso aberto
Transmite tanta energia
Que parece a luz do sol
Raiando ao nascer do dia.

Ele e doce que nem mel,
É como um jardim florido,
É pedacinho do céu,
O meu mundo colorido.

SER AVÔ

Ser avô é bom demais!
Bem melhor que pão de queijo,
Melhor que o primeiro beijo
Roubado da namorada
No escurinho do cinema
No Filme em que não vi nada.

Ser avô é muito bom!
É melhor que goiabada,
Chocolate, marmelada,
Morango com chantilly,
Do que cerveja gelada,
Do que picanha na brasa,
Do que pato ao tucupi.

Ser avô é ter reinado
Sem coroa e sem ter trono,
É sentir do mundo o dono
Diante do seu netinho,
Que chegou devagarzinho
E que em menos de um segundo
Tomou conta do pedaço
Pra reinar em nosso mundo...

NAMORAR EM SONHOS

Namorei por toda a vida
Todos os sonhos que sonhei,
Até meus sonhos perdidos
Confesso que namorei!

Namorei sonhos distantes,
Que senti, mas não toquei,
E até meus sonhos errantes,
Confesso: também gostei!

Namorei sonhos do sul,
Do norte e do nordeste,
Sonho rosa, sonho azul,
Sonho do centro e sudeste,
Sonhos que tanto sonhei
Mas que tu nunca me deste!

Namorei sonhos dourados,
Pretos, brancos, coloridos,
Sonhos nunca imaginados
Que me tocaram os sentidos.

Namorei sonhos da noite
E também da madrugada;
Sonhos doces de criança
Com a primeira namorada,
Sonhos que se perderam
Na poeira das estradas...

Mas o sonho mais bonito,
Com gostinho de maçã,
Foi aquele que sonhei
No despertar da manhã:
Eu te querendo todinha
Você dizendo: hã, hã…

Fonte:
Alma de Poeta.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.63)


Trova do Dia

Natal é tempo de luz,
luzindo com alegria.
Em louvor ao bom Jesus
filho da virgem Maria.
DALINHA CATUNDA/CE

Trova Potiguar

Natal – semente de amor
plantada na humanidade...
Um momento inovador
De paz e fraternidade.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 19º Lugar.

Meus filhos, não lastimeis
se a sorte às vezes vos falha...
Lembrai: Jesus, Rei dos Reis,
nasceu em berço de palha!...
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA/SP

Uma Trova de Ademar

Neste Natal, que o Senhor,
num ritual de orações,
plante uma árvore de amor
em todos os corações.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Deus com seu saber profundo,
para nos trazer a paz,
mandou o seu filho ao mundo
há dois mil anos atrás.
MIGUEL RUSSOWSKY/SC

Estrofe do Dia

Um dia mamãe falou
do bom velhinho risonho,
mas meu inocente sonho
papai Noel desprezou;
a noite linda rolou
sobre a paz do casario
e, ao levantar-me com frio,
tremendo, ao pé da parede,
só vi debaixo da rede
meu sapatinho vazio.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN

Soneto do Dia

– Afonso Vicente Ferreira/SE –
MISSÃO DE JESUS.

A despertar Belém que adormecia,
ao fulgor divinal da etérea luz
de uma estrela que ao longe aparecia,
noticiava que nasceu Jesus.

Entre animais, um Deus então nascia,
e um destino fatal logo o conduz,
dos braços carinhosos de Maria,
ao suplício nos braços de uma cruz.

Em recompensa a tantos benefícios,
entregaram-lhe a cruz dos sacrifícios,
após o amargo beijo da traição.

Exalando o suspiro derradeiro,
com as mãos estendidas no madeiro,
volta aos céus, dando à Terra o seu perdão.

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XV: Uma Nova Interjeição

Houve um rebuliço de pânico lá dentro, e logo depois surgiram, a fugir pelas janelas, mais filólogos e gramáticos e dicionaristas do que fogem ratazanas duma despensa quando o gatão aparece. A casa da velha ficou completamente vazia.

— Sim, senhor! O seu berro, Quindim, é que nem Flit, e merece ir para a Casa das Interjeições com um letreiro novo: Interjeição espantativa de gramáticos. . .

Desimpedida que ficou a casa da velha, entraram todos, menos o rinoceronte, que não cabia na porta. Toparam a Etimologia intrigadíssima com aquele Muuu!. . . som jamais ouvido na zona.

— Não conheço essa interjeição — declarou ela, assim que os meninos a rodearam. — Só conheço o Mu! dos bois, mas este que ouvi não me parece nada bovino.

— Este é rinocerontino, minha senhora! — explicou

Emília, com toda a sapequice.— Veio da África. A senhora conhece a África?

A Etimologia não conhece as coisas; só conhece as palavras que designam as coisas. De modo que, ao ouvir aquela pergunta, julgou que a boneca se referisse à palavra África, e respondeu:

— Sim, é uma palavra de origem latina, ou melhor, puramente latina, porque não mudou. A propósito. . .

— Espere — interrompeu Emília. — A história da palavra África não nos interessa. Preferimos conhecer a história de outras palavras mais importantes, como, por exemplo, Boneca.

A velha riu-se da presunção da criaturinha e respondeu:

— Boneca, minha cara, é o feminino de Boneco, palavra que veio do holandês Manneken, homenzinho. Houve mudança do M para B — duas letras que o povo inculto costuma confundir. A palavra Manneken entrou em Portugal transformada em Banneken, ou Bonneken, e foi sendo desfigurada pelo povo até chegar à sua forma de hoje, Boneco. Dessa mesma palavra holandesa nasceu para o português uma outra — Manequim.

— Mas então o povo, isto é, os ignorantes ou incultos, influi assim na língua? — disse Pedrinho.

— Os incultos influíram e ainda influem muitíssimo na língua — respondeu a velha. — Os incultos formam a grande maioria, e as mudanças que a maioria faz na língua acabam ficando.

— Engraçado! Está aí uma coisa que nunca imaginei. . .

— É fácil de compreender isso — observou a velha. — As pessoas cultas aprendem com professores e, como aprendem, repetem certo as palavras. Mas os incultos aprendem o pouco que sabem com outros incultos, e só aprendem mais ou menos, de modo que não só repetem os erros aprendidos como perpetram erros novos, que por sua vez passam a ser repetidos adiante. Por fim há tanta gente a cometer o mesmo erro que o erro vira Uso e, portanto, deixa de ser erro. O que nós hoje chamamos certo, já foi erro em outros tempos. Assim é a vida, meus caros meninos.

Tomemos a palavra latina Speculum — continuou a velha. — Essa palavra emigrou para Portugal com os soldados romanos, e foi sendo gradativamente errada até ficar com a forma que tem hoje — Espelho.

— E os ignorantes de hoje continuam a mexer nela — observou Narizinho. — A gente da roça diz Espeio.

— Muito bem lembrado — concordou a velha. — Essa forma Espeio é hoje repelida com horror pelos cultos modernos, como a forma Espelho devia ter sido repelida com horror pelos cultos de dantes. Mas como os cultos de hoje aceitam como certo o que já foi erro, bem pode ser que os cultos do futuro aceitem como certo o erro de hoje. Eu, que sou muito velha e tenho visto muita coisa, de nada me admiro. O homem é um animal comodista. Daí a sua tendência a adotar os erros que exigem menor esforço para a pronúncia. Espelho exige menor esforço do que Speculum, e por isso venceu. Espeio exige menor esforço do que Espelho. Quem nos diz que não acabará vencendo nestes mil ou dois mil anos?

Hoje está mais difícil a ação dos ignorantes sobre a língua, por causa do grande número de livros e jornais que existem e fixam a forma atual das palavras. Mas antigamente quem fazia a língua era justamente o ignorante.

Dona Etimologia tomou fôlego e bebeu um golinho de chá. Emília foi cheirar a xícara para saber se era chá-da-índia ou de erva-cidreira. . .

— Mas qual a sua principal ocupação nesta cidade, minha senhora? — perguntou o menino.

— Eu ensino a origem e a formação de todas as palavras.

— Pois então nos conte a origem de algumas.

Dona Etimologia bebeu mais um golinho de chá (enquanto Emília cochichava para Narizinho: "É de cidreira!") e começou:

— As palavras desta cidade nova, onde estamos, vieram quase todas da cidade velha, que fica do outro lado do mar. Lá na cidade velha, porém, essas palavras levaram uns dois mil anos para se formarem.

— Como foi isso? Explique.

— Nos começos, as terras em redor dessa cidade haviam sido ocupadas pelos soldados romanos, que só falavam latim.

Esses soldados moravam em acampamento (ou Castra, como se dizia em latim), de modo que foi em redor dos acampamentos que a língua nova começou a surgir.

— Que língua nova?

— A portuguesa. Os moradores das terras ocupadas pelos romanos, ou Aborígines, eram bárbaros incultíssimos, que foram aprendendo o latim lá à moda deles — isto é, estropiadamente, todo errado e com muita mistura de termos e modos de falar locais. Tanto estropiaram o pobre latim, que ele virou um Dialeto ou uma variante do latim puro. Depois os romanos se retiraram, mas o dialeto ficou vivendo a sua vidinha, e foi evoluindo, ou mudando, até tornar-se o que chamamos hoje língua portuguesa.

— Então a língua portuguesa não passa dum dialeto do latim?

— Perfeitamente. E também a língua francesa, a espanhola e a italiana não passam de outros tantos dialetos do mesmo latim. No começo, esses dialetos eram muito pobres em palavras e modos de dizer. Com o tempo, entretanto, as palavras foram aumentando enormemente e também foram aparecendo novos jeitos de combinar entre si as palavras. E desse modo essas línguas enriqueceram-se.

— Mas as palavras foram aumentando como? Donde vinham? Quem era o fabricante? — quis saber a menina.

— Umas nasciam lá mesmo, inventadas pelo povo; outras eram criadas pelos eruditos, que são os sabidões; outras eram importadas dos países estrangeiros.

— Mas o povo? Como é que o povo forma palavras?

— Muito simplesmente. O povo combina entre si palavras já existentes e forma novas.

— Isso lá no sítio se chama "tirar cria" — lembrou Pedrinho.

— Em Gramática se chama DERIVAÇÃO, querendo dizer que uma palavra sai de outra, ou deriva de outra. Neste processo de Derivação há umas certas palavrinhas, sem sentido próprio, que possuem uma função muito importante. São os PREFIXOS e SUFIXOS. Os prefixos grudam-se no começo da palavra, e os sufixos grudam-se no fim. Estes constituem verdadeiros rabinhos, que por si nada dizem, mas que, pregados a outras palavras, servem para dar-lhes uma forma nova e um sentido novo.

— Espere! — gritou Emília. — Conheço um rabinho desses muito usado na fabricação de Advérbios — o tal Mente. Basta pregá-lo no traseiro dum Adjetivo para aparecer um lindo Advérbio novo. É Sufixo o tal Mente?

— Sim, bonequinha — respondeu a velha, admirada da esperteza da Emília. — Mente é um sufixo só de uso para fazer Advérbios. Existem inúmeros outros, como Ária, Ado, Agem, Ume, etc. Este Ária, por exemplo, é um Sufixo precioso, que permitiu a formação de grande número de Substantivos novos. Ária em si não quer dizer coisa nenhuma, não passa dum simples rabinho. Mas, ligado a uma palavra, cria outra nova, com idéia de quantidade. Ligado ao Substantivo Cavalo, por exemplo, dá Cavalaria, que quer dizer muitos cavalos.

— Não, senhora — protestou Emília. — Cavalo com o Ária atrás vira Cavaloaria, e não Cavalaria.

A velha riu-se da exigência daquele espirro de criatura.

— Bom, minha filha — respondeu ela pachorrentamente —, confesso que errei. Eu devia ter explicado que, antes de colocar um desses rabinhos, é necessário primeiro cortar a DESINÊNCIA da palavra. Senão o Sufixo não pega, ou não solda. Cada palavra se divide em duas partes — a RAIZ e a DESINÊNCIA. Raiz é a parte fixa da palavra; Desinência é a parte final, mudável. Reparem que, em todas as palavras formadas de Cavalo, a Raiz é Cavai, e notem que essa Raiz nunca muda. Cavaleiro, Cava-laria, Caval-gadura, Caval-hada. . .

— Caval-ência — ajuntou Emília.

— Essa palavra eu não conheço — disse a velha, com expressão de surpresa nos olhos.

— É minha! — berrou a boneca. — Foi inventada por mim com a invençãozinha que Deus me deu. Faz parte dos meus "neologismos".

A velha fez uma careta igual à de Tia Nastácia lá no sítio, quando pendurava o beiço e dizia — Credo!. . .

______________________
Continua ... Capítulo XVI: Emília Forma Palavras
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Osvaldo Reis (Livro de Trovas)


À pergunta “o que é um ovo?”,
respondeu a patricinha:
– Ora, ovo... diz o povo
que é caroço de galinha!...

A sereia canta e encanta;
isso eu não faço, mas deixe...
Embora sem graça tanta,
eu também vendo o meu peixe.

Candidato, atrás de voto,
em véspera de eleição,
faz-se contrito de-voto,
de missa e de procissão…

– Cê sabe de argo, seu moço,
pra curá quem cai do gaio?
– Sei de um remédio colosso:
passa pó-pa-tapá-taio.

Companheiro, estenda a mão,
que nem um bom cavalheiro,
ao colega, amigo, irmão...
porém lave a mão primeiro!

E’ dia sim, dia não…
Dia anão?… Ou dia assim?…
Sei lá… mas que confusão!
O jeito é rimar com “fim”…

Esta é uma sábia charada,
bem fácil de se entender:
– Um homem sozinho é nada...
nem chifre consegue ter!

Jequice não paga imposto,
e nem dá pra contestar.
O máximo, ante o mau gosto,
é a gente se lastimar…

Melão do papai, colhido
bem cedinho, antes das sete...
Ah que delícia, servido
na ponta do canivete!

Menininha no quintal,
tadinha, brincando só,
faz algo que lhe faz mal:
cata cocô de cocó...

Mostra o sábio o que destaca
do burro a paca, e sussurra:
– é que o burro sempre empaca,
e a paca jamais emburra...

Na minha dúvida atroz,
pra evitar vexame e enrosco,
não direi “arroz com noz”,
direi sempre “arroz conosco”...

Não por acaso, sou fã
deste casal fascinante:
– o meu galinho é um “galã”;
minha galinha, “chocante”…

Na perna uma pulseirinha
que maus instintos instiga.
– É assim que hoje a canarinha
chama o canário pra “briga”..

Nos extremos desta vida,
um contraste se percebe:
– A Terra chora a partida
daquele que o Céu recebe!

O galo, olhando a pombinha,
pecou por mau pensamento:
– “Que pena que essa baixinha
comeu tão pouco fermento!...”

Passei uma tarde inteira
ouvindo discursos, mas...
é melhor ouvir besteira
do que ser surdo, rapaz!...

Pedido de um sábio idoso
feito aos santos e que-tais:
– Que eu fique feio e rugoso;
metido a moço, jamais…

Se a fé em Deus te acompanha
na andança de déu em déu,
podem barrar-te na Espanha,
nunca na porta do céu!

“Tem quantas partes o crânio?”,
pergunta a mestra à piazada.
Responde unzinho, instantâneo:
“Depende da cacetada!”

Trai a esposa, vive em farra,
“galinha” de festa em festa…
Até que súbito esbarra
num baita “galo” na testa!…

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.62)


Trova do Dia

O Natal nos fez irmãos
pelo Fruto de Maria...
- Se todos dermos as mãos
será Natal todo dia!
YEDDA MAIA PATRÍCIO/SP

Trova Potiguar

Natal... Um lindo presente
de Deus para a humanidade;
uma prova, tão somente,
de amor e fraternidade!
EVA YANNI GARCIA/RN

Uma Trova Premiada

2006 > Fuzeta/Portugal
Tema > VAMOS CANTAR NATAL > Menção Honrosa

Vamos cantar o Natal,
partilhando com o irmão
o nosso Amor fraternal,
na ceia... do coração!
MARIA DA CONCEIÇÃO FAGUNDES/PR

Uma Trova de Ademar

Que o espírito fraternal
que agora habita na gente
não dure só no Natal,
permaneça eternamente!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram


Suplico ao pai divinal
e a Jesus cristo também
trazer-nos neste Natal
a paz que o mundo não tem!
CLARINDO BATISTA/RN

Estrofe do Dia

O Natal lembra Jesus,
lembra paz, lembra alegria;
lembra amor, lembra amizade,
igualdade e harmonia;
mas não lembra com certeza,
os casebres da pobreza,
que estão na periferia.
LUIZ DUTRA/RN

Soneto do Dia

– Francisco Luzia Neto/SP –
PAPAI NOEL OPERÁRIO.

O meu Papai Noel, para ser franco,
não era de trenós, das chaminés,
jamais vestiu roupão vermelho e branco
e sua condução eram os pés.

E nunca se pintou, qual saltimbanco,
nem cavalgou jamais nédios corcéis,
andou por esta vida ao solavanco,
remando contra as crises e as marés.

Trabalhador de um mínimo salário,
vivia no Instituto, de ordinário,
reumático que fora desde cedo...

Porém, Papai Noel, sempre cordial,
nunca esqueceu, nas noites de Natal,
de pôr nos meus sapatos um brinquedo!

Fonte:
Ademar Macedo

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ademar Macedo (Antologia Poética)


Eu senti aumentar os meus desejos
quando pude provar todo o sabor
que contém na doçura dos seus beijos
que é um elixir eficaz para o amor,
e entreguei o meu corpo tresloucado
para ser por você todo beijado
e com os lábios tremendo de paixão,
pude ainda num gemido lhe dizer;
o teu beijo é mais doce, podes crer
que a quixaba mais doce do sertão.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

Quando a musa do céu vem e me inspira
pondo brilhos na minha inspiração,
eu desenho na mente uma paisagem
com pincéis vivos da imaginação;
e eu envolto na mais doce aquarela
vou encher de beleza a minha tela
retratando a paisagem do sertão.
Deus pintou o cenário mais bonito
nos neurônios que tem na minha mente.
Com o brilho das luzes da poesia
me ensinou a fazer verso e repente;
me deu todas as dicas sobre a rima
e depois de fazer esta obra-prima
deu ao mundo um poeta de presente.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

PAISAGENS DO MEU SERTÃO!

Um forró numa latada
numa plena Sexta-feira,
um bebum no meio da feira
topando em toda calçada;
uma velha na almofada
com um birro em cada mão,
prestando muita atenção
naquilo que vai fazendo;
isso é mesmo que está vendo
paisagens do meu sertão.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨


O SERTÃO É UM POEMA...

Deus na sua magnitude,
fez do sertão um palácio,
deixou escrito um prefácio
na parede do açude;
disse da vicissitude
da flor e do gineceu,
de um concriz que se escondeu
nos garranchos da jurema,
o sertão é um poema
que a natureza escreveu.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

O VÍRUS DA POESIA...

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso...

A partir da madrugada
é esse o meu dia a dia:
já de caneta na mão
recebo uma epifania,
cuja manifestação
é trazer-me inspiração
pra eu fazer minha poesia...

A poesia é minha luz,
é meu santo e meu altar,
feijão puro com farinha
que eu tenho para almoçar;
ela é minha própria vida
é meu lar, minha guarida
meu sol, meu céu e meu mar!

Ao ver poesias aos montes
nascendo em minha vertente,
tive um “derrame” de rimas
nas veias da minha mente
e um maravilhoso “infarto”
eu tive ao fazer o parto
do derradeiro repente!...

Quero então no meu jazigo,
feito em letras garrafais,
aquela minha poesia
que me deu nome e cartaz;
e escrito, seja onde for:
- eis aqui um trovador
que morreu feliz demais!

Quem carrega, como nós,
o vírus da poesia,
tem no sangue uma plaqueta
que se altera todo dia,
aumentando a quantidade
e pondo mais qualidade
nos versos que a gente cria.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

PESADO É PEDIR PERDÃO

Errar, é do ser humano
e todos podem errar;
mas, saiba que perdoar
é divino, é soberano.
Não deixe que um ato insano
lhe amargure o coração,
perdoe-me, e me estenda a mão
pra ser, por mim, apertada;
perdoar não pesa nada,
pesado é pedir perdão!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

POESIA SANTA

A minha poesia é Santa
porque é Deus quem projeta,
é ele mesmo quem planta
no coração do poeta;
pois todos os versos meus
vêm lá da mansão de Deus
como se fosse uma luz;
são escritos com emoção
pela minha própria mão,
mas o autor, é Jesus!...
6 6 6 6 6 6 6 6

TRÊS SETILHAS...

O poeta já vem com a verve feita
por Deus Pai nosso mestre e criador;
alguns nascem com a mente de aprendiz
outros tantos já nascem professor,
e Deus vendo chegar a minha vez,
com a bênção sagrada Ele me fez:
Fuzileiro, Poeta e Trovador.

Escorado no topo da muleta,
eu me fiz um poeta e trovador;
meu passado de atleta e de boêmio
para mim, não foi nada alentador;
mas depois do meu trágico acidente,
encontrei na poesia e no repente
o remédio eficaz pra minha dor.

Como prova de amor, maior do mundo,
Cristo morre por nós, os pecadores.
Vejo ainda no manto de Maria
os vestígios de suas próprias dores;
e, dotado de toda perfeição,
pra falar deste amor e do perdão
Deus criou os poetas Trovadores.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

CONFISSÃO DE FÉ

De um acidente medonho,
sobrou uma amputação,
mas veio a superação,
pois jamais fiquei tristonho.
Comecei viver um sonho:
de frente encarei a dor;
a Deus confessei amor
e, com Fé e muita sorte,
venci o câncer e a morte
e me fiz um Trovador!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DALVA, ESTRELA MULHER...

Pela luz do pirilampo
e pelo brilho do sol,
pela beleza do campo
e pela cor do arrebol,
por um orvalho caindo
por uma flor se abrindo
e pelos três filhos meus;
Por minha perna amputada,
por Dalva ser minha amada...
Muito obrigado, meu Deus!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

LÁGRIMA

Quando de um amor me aparto,
em tristezas me esparramo:
bebo sozinho em meu quarto
as lágrimas que eu derramo!

Essas gotas maculadas,
itinerantes no rosto,
são as lágrimas magoadas
que dão vida ao meu desgosto.

Lágrimas, fuga das águas
por um riacho inclemente
que numa enchente de mágoas
inunda o rosto da gente!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA (SERTÃO)

No sertão tem poesia,
tem o preá no serrote
tem mocó dando pinote
e tem cabra dando cria;
tem coalhada na bacia
tem fogueira de São João,
tem festa de apartação
tem porteira e passadiço;
quem nunca viu tudo isso
não sabe o que é sertão!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA (POETA NORDESTINO)

No sertão eu nasci e fui criado
e amar será sempre o meu destino,
como todo poeta nordestino,
sou da vida, um eterno apaixonado,
cada verso que eu faço é inspirado
nas belezas do meu interior,
como amante e fiel agricultor
eu cheguei a seguinte conclusão:
não há seca que torre o meu sertão
nem macumba que acabe o nosso amor.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

DÉCIMA

Vou abrir a bodega da cultura
a as entranhas fecundas do juízo
e dizer para o povo hoje é preciso
que este mote está à minha altura;
pois eu sou simplesmente a criatura
que Deus irá deixar para semente,
e por ordem do pai onipotente,
não há mote nenhum que eu não dê jeito;
vou abrir a cancela do meu peito
pra passar a boiada do repente
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

NINGUÉM MATA O NOSSO AMOR...

No sertão eu nasci e fui criado
e amar será sempre o meu destino,
como todo poeta nordestino,
sou da vida, um eterno apaixonado;
cada verso que eu faço é inspirado
nas belezas do meu interior,
como amante e fiel agricultor
eu cheguei a seguinte conclusão:
não há seca que torre o meu sertão
nem macumba que acabe o nosso amor.

Sonetos de Natal


– Machado de Assis/RJ –
Soneto de Natal

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"

Pedro J. Bondaczuk/SP
Meu maior presente

É noite de Natal... Estrelas reluzentes
salpicam o céu, este infinito luzeiro.
Na sala, sob a árvore, estão os presentes.
As luzes, piscando, iluminam o pinheiro.

Só, reflito em fatos antigos e recentes,
nos ganhos e perdas deste ano, no final,
nos mui queridos amigos e nos parentes
que estão distantes nesta noite de Natal.

Penso, sobretudo, em você, amiga ausente,
no que gostaria de receber e dar,
no seu grande carinho e generosidade,

no seu sorriso e franqueza no olhar,
pois só quero, amiga, como maior presente,
o rico penhor da sua eterna amizade!

Doroni Hilgenberg/AM
Soneto de Natal

É Natal e uma claridade intensa
Paira por cima de uma noite mansa
E num instante volta a minha crença
E por momentos volto a ser criança

Noite de Natal... e a árvore enfeitada
Bolinhas coloridas, anjos e fitinhas,
Guloseimas e uma noite encantada
Com presentes para as crianças boazinhas.

Que tristeza deve ser para algumas delas
Acreditando que o Papai Noel existe
Sonham...e nada recebem nesta noite linda!

Que descrença... que amargura singela
Para a criança que em seu cantinho triste
Espera pelo presente que não veio ainda!

Pedro J. Bondaczuk/SP
Cenários de Natal

Noite de Natal, a cidade se ilumina...
Brilham estrelas, o mundo se enche de luz.
Mil canções bailam no ar, a paz predomina,
é noite de festas pro Menino Jesus.

Noite de Natal, reacendem-se esperanças,
tristezas desaparecem, tornam-se vultos,
face aos inocentes sorrisos das crianças
que se somam às recordações dos adultos.

A chama do amor os corações incendeia.
A fé eleva nossas preces para o céu...
Em surdina, ouvem-se as notas do Jingle Bell...

Feliz, sentado à mesa, em posição central,
o pai preside a familiar e santa ceia...
A cidade se ilumina... Noite de Natal...

Antonio Olinto/MG
Soneto de Natal

Mudaria o Natal ou mudo iria
Mudar sempre o menino o mundo em tudo?
Ou fui só quem mudei, e meu escudo
Novidadeiro, múltiplo, daria

Ao mudadiço mito da alegria
Em noite tão mutável jeito mudo?
O homem é mudador, muda de estudo,
De mucama, de verso, pouso, dia,

Porque a muda modula esse desnudo
Renascimento em palha, e molda e afia
O instrumento da troca, o fim miúdo,

A noite amena erguendo-se em poesia.
Mudei eu sempre sem saber que mudo
Ou somente o Natal me mudaria?

Pedro J. Bondaczuk/SP
Mensagem de Natal

Um dia – memorável dia – a humanidade
teve expiados todos os erros seus,
através da magnífica oportunidade
de conviver cotidianamente com Deus.

O arquiteto do universo, que irradia
luz, poder, glória infinita e imorredoura,
nasceu, sem pompa ou luxo, numa estrebaria,
só tendo, por berço, uma reles manjedoura.

O seu nascimento traz a maior lição
do que ao homem deve ser essencial:
a bondade, a pureza e amor no coração

e a luz da verdade por perene ideal.
Esta foi a mensagem do Deus do perdão
há dois mil anos, numa noite de Natal!
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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.61)

Trova Potiguar Natal é festa de luz de sentimento profundo, quando o menino Jesus vem trazer a paz ao mundo. HÉLIO PEDRO/RN Uma Trova Premiada 2002 > Garibaldi/RS Tema > Natal > Menção Honrosa Minha maior alegria, no Natal, era a emoção do amor, que meu pai trazia sob a barba... de algodão! SÉRGIO FERREIRA DA SILVA/SP Uma Trova de Ademar Tal qual num conto de fadas, quem sabe eu possa ver isto: todas nações de mãos dadas no aniversário de Cristo! ADEMAR MACEDO/RN ...E Suas Trovas Ficaram Quanto mais festa e mais luz nesses Natais de salões, mais nós sentimos Jesus ausente dos corações! LUIZ OTÁVIO/RJ Estrofe do Dia Neste Natal quero ser companheira e generosa com meu povo e meu Jesus, fazer do espinho, uma rosa e amenizar qualquer dor sendo bem mais amorosa. DÁGUIMA VERÔNICA/MG Soneto do Dia NATAL DE NUNCA MAIS Na véspera, um peru se embebedava no terreiro da casa da alegria... - E eu fui saber que a "pinga" que tomava tornava a sua carne mais macia. A Ceia de Natal entrelaçava papai, mamãe e a minha fantasia... - Sem perceber que a vida caminhava e o sonho terminava no outro dia. Quando a vida fluiu e pôs distância, eu descobri, sem sombras de arrogância, que o tempo tem seus planos desiguais... E sigo, em meio ao risco e ao recomeço, buscando, em vãos caminhos, o endereço daquele meu Natal de nunca mais ! ! ! Fontes: Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XIV: A Senhora Etimologia

Depois que se despediu do Verbo Ser, Emília foi correndo em procura dos companheiros. Encontrou-os na Praça da ANALOGIA, rodeados de várias palavras. O Visconde conversava com duas absolutamente iguais na forma, embora de sentido diferente — as palavras Pena (dó) e Pena (de escrever).

— Não acho isso direito — dizia o Visconde para a primeira Pena —, se a senhora significa uma coisa tão diversa da significação da sua companheira por que não muda, para evitar confusões?

— Sim — disse Emília, chegando e metendo a sua colherzinha torta na conversa. — Por que não usa um sinal — uma cruz na testa ou uma peninha de papagaio na cabeça, por exemplo?

— Nós, palavras, não temos a liberdade de nos mudar a nós mesmas — respondeu Pena (dó). — Unicamente o uso lá entre os homens é que nos muda, como acaba de suceder a esta minha HOMÔNIMA, a Senhora Pena (de escrever.) Ela já teve dois NN e agora tem um só.

— Pare! — gritou Emília. — Que "Homônima" é essa, que apareceu sem mais nem menos?

— Pena (de escrever) é minha Homônima. Homônima quer dizer uma palavra que tem a mesma forma de outra, embora de significado diverso. Nós duas aqui somos Homônimas, do mesmo modo que grande número de outras palavras desta cidade. Cesta (balaio) e Sexta (número), por exemplo; Cela (quartinho) e Sela (de cavalo), Bucho (estômago) e Buxo (árvore), Cartucho (de espingarda) e Cartuxo (frade) são palavras Homônimas.

E há ainda outras diferencinhas. Se somos iguais unicamente no som, os gramáticos nos chamam HOMÓFONAS, como essas que citei. E se somos iguais na forma escrita, eles nos chamam HOMÓGRAFAS.

— Então você, Pena (dó), é Homônima, Homófona e Homógrafa de Pena (de escrever) — disse Emília, que tinha prestado toda a atenção. — Que judiaria! Tão pequenininha e xingada pelos gramáticos de tantos nomes esquisitos.

— Mas isso de vocês terem a mesma forma ou o mesmo som — observou Narizinho — há de atrapalhar muito aos homens. Quando eles se encontram diante de palavras Homônimas, Homófonas e Homógrafas devem ficar tontos.

— Puro engano — respondeu Pena (dó). — Seria assim se os homens nos encontrassem soltas como andamos aqui. Mas lá entre eles só aparecemos metidas em frases, e então é pelo Sentido que os homens nos distinguem. Quem ouve a frase: Estou escrevendo com uma pena de bico chato, vê logo que se trata da minha amiga Pena de escrever. Mas quem ouve exclamar: Que pena tenho dela! percebe imediatamente que se trata de mim. É pelo sentido da frase que se conhecem as palavras.

— Muito bem — disse Emília. — A senhora é uma grande sabidinha. E quem são aquelas que ali estão de prosa, duas a duas?

— Oh, aquelas são as palavras SINÔNIMAS e ANTÔNIMAS.

— Explique-nos isso — pediu a menina.

— Palavras Sinônimas — disse Pena (dó) — são as que significam a mesma coisa, ou quase a mesma coisa, embora tenham forma diferente. Lábio e Beiço, por exemplo; Habitar e Morar; Cavalo e Corcel; Olhar e Ver; são palavras Sinônimas.

— E as Antônimas?

— Palavras Antônimas — respondeu Pena (dó) — são as que têm sentido oposto, como Noite e Dia; Sim e Não; Com e Sem; Ódio e Amor; Bom e Mau.

— Engraçado! — berrou Emília. — Então Dona Benta é Antônima de Tia Nastácia!. . .

— Que absurdo é esse, Emília! — exclamou Narizinho.

— Sim, sim — insistiu a boneca —, porque uma é branca, e outra é preta.

— As cores delas é que são Antônimas, boba, e não elas. . .

Durante toda a conversa o rinoceronte manteve-se afastado, de beiço caído, refletindo distraidamente. Emília deu-lhe um beliscão.

— Acorde, boi sonso! Que nostalgia é essa?

— Estou pensando em coisas passadas — respondeu o excelente paquiderme. — Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram de muito longe, sofreram grandes mudanças e continuam a transformar-se, como essa Pena de escrever, que acaba de perder um N. A maioria delas já morou na antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelas terras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras que existiam nessas terras. E vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem ao que hoje são.

Enquanto vocês estavam de prosa com Pena (dó), eu pus-me a recordar a forma dessa palavra no tempo dos romanos. Escrevia-se Poene. E antes ainda de escrever-se assim, escrevia-se Poine, no tempo ainda mais antigo em que ela morava na Grécia.

— Que divertimento interessante não deve ser o estudo de cada palavra! — exclamou Pedrinho. — Hão de ter cada uma o seu romance, como acontece com a gente. . .

— E assim é — confirmou o rinoceronte. — Esse estudo chama-se Etimologia.

— Quem está falando aí em Etimologia? — gritou Pena (dó), que estivera distraída a ouvir a boneca narrar as aventuras da viagem ao céu; e vendo que era o rinoceronte, acrescentou: — A Senhora Etimologia reside aqui perto. Por que não dão um pulinho até lá, para visitá-la?

— Boa idéia! — exclamou Pedrinho. — Mas não é muito rabugenta, essa dama?

— Nada! — respondeu Pena (dó). — É até uma excelente criatura — e sabidíssima, upa!. . . Conhece a vida de todas nós, uma por uma, nos menores detalhes. Sabe onde nascemos, de quem somos filhas e de que modo vimos mudando através dos séculos. Constantemente aparecem por aqui filólogos, gramáticos e fazedores de dicionários para consultar Dona Etimologia a propósito de mil coisinhas.

— Pois vamos vê-la — propôs o Visconde, já assanhado. Velhas eram com ele, que também já estava velho e embolorado. Só Emília discordou. Preferia visitar a Senhora PROSÓDIA, que ensina o modo de pronunciar as palavras. Emília errava muito na pronúncia e queria aprender.

— Prefiro saber como é que se pronuncia uma palavra a saber onde, como e quando ela apareceu. Sou "prática".. .

Mas Narizinho empacou.

— Agora, não, Emília. Depois. Depois visitaremos Dona Prosódia. Neste momento eu resolvo que se visite a Etimologia. Você não manda.

E como o caso fosse assim despoticamente resolvido, dirigiram-se todos para a residência da Senhora Etimologia.

Encontraram lá uma velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira — a papeira da sabedoria. Encontraram-na com a casa entupida de filólogos, gramáticos e dicionaristas. Foi o que disse a criada que os atendeu da janela.

Pedrinho espiou pelo buraco da fechadura.

— Xi!. . . — exclamou. — Está "assim" de carrancas lá dentro. Impossível que ela nos receba hoje. Os carrancas estão de óculos na ponta do nariz e lápis na mão, tomando notas. Até que ela atenda a todos. . .

Puseram-se a escutar. A velha explicava a um daqueles homens como é que certa palavra havia passado do grego para o latim.

— Ché!... — exclamou Emília. — Ainda estão no grego e no latim, imaginem! O melhor é espantarmos esses gramáticos e tomarmos conta da velha só para nós.

E voltando-se para o rinoceronte:

— Vamos, Quindim! Bote o focinho aqui no buraco da fechadura e solte um daqueles berros que os paquidermes dão nas "plagas africanas", quando o leão aparece na "fímbria do horizonte".

O rinoceronte não quis obedecer, achando aquilo impróprio e nada gramatical; mas Emília resolveu o caso dizendo que um berro era uma Interjeição e, portanto, uma coisa perfeitamente gramatical. Quindim então obedeceu. Ajustou o focinho ao buraco da fechadura e desferiu uma formidável Interjeição que abalou a casa:

— Muuu!
______________________
Continua ... Capítulo XV: Uma Nova Interjeição
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

domingo, 5 de dezembro de 2010

Vinicius de Moraes (Antologia Poética II)


POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

TERNURA

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

SONETO DA HORA FINAL

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente,
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas, aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

SONETO DE CARNAVAL

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo

SONETO DO AMIGO

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

SONETO DE ANIVERSÁRIO

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

POESIAS PARA CRIANÇAS

O PINGUIM

Bom-dia, Pingüim
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu de jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.

A PORTA

Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de sopetão
Pra passar o capitão.

Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa...)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.

Eu sou muito inteligente!

Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!

AS BORBOLETAS

Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então . . .
Oh, que escuridão

Fontes:
Portal São Francisco
Imagem = montagem José Feldman

Artur da Távola (Coitado, virou poeta!)



Curioso, em nossa fala brasílica, doce e deliciosa, os verbos saltarem mais que baiacu no samburá.

O sol, por exemplo, não “sola”: faz . “- Ontem não fez sol”.

E o frio? Este, não esfria: o frio está. E na fala popular, “tá”. “Tá frio, hoje!”
Já o tempo, este é um leviano! Ele abre e fecha. “Ah, que bom, o tempo “abriu” hoje de manhã. E o tempo fecha também quando há briga “Chii, o tempo fechou lá em casa hoje”.

Você sabia que restaurante “abre”? “Sabia que abriu um restaurante lá no meu quarteirão?”.
Já o jornal é pródigo. Ele “dá” e ele “sai”.
O rádio não sai, dá. “Deu no rádio, não ouviu?”.
Pois não é que a lua também “sai”, a exibida.

A televisão, mais vaidosa não “sai”. Ela “dá”. Como o rádio. “Deu na televisão”. Porém não se contenta em dar. Ela faz aparecer, a milagrosa. “Viu o Jonir? Ele “apareceu” na televisão com a
bandeira do Brasil comemorando a vitória da Seleção”.

Já os místicos arranjaram verbos notáveis. Vejam só. Tarô se “bota”; Búzios “joga”. E carta também “bota”. “A Branca botou o tarô para mim”.

E o verbo bater? Danadinho ele. Encheu-se de significantes e ficou gordinho. Olhem só: “Às duas da tarde me “bateu” uma fome!”. E ele virou até concordância: “Minha opinião “bateu” com a dele!” E cálculo também “bate”, quem diria. “Fiz as contas, comparei com os recibos e não “bateu”.

O cansaço tem complexo de inferioridade. Ele não sobe. Ao contrário “baixa”. “Pô, me “baixou” um cansaço!” Aliás fome não apenas bate. Ela também “baixa”, como “baixa” o sono. “Depois do almoço me “baixou” um sono!”
Sentar. Ah sentar! Além daquele uso meio indecoroso que a gente conhece, agora sentar é reunir-se para deliberar. Sindicatos, grevistas, ministros “sentam”. “Agora precisamos “sentar” para resolver a questão pacificamente”. Uai, só sentado?
E quanta coisa mais: “Ontem “soprou” um vento!” “Fulana “recebe” espíritos”. Céu “limpa”. Já político e poeta a gente “vira”. “Lembra de Artur? Depois que “virou” político, nunca mais escreveu boas crônicas”...

Fonte:
http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/artur.htm

Folclore Português (Lenda da Serra da Estrela)


Era uma vez um jovem pastor que vivia numa longínqua aldeia. Por único amigo tinha um cachorrinho, que nas longas noites de solidão se deitava a seus pés sem esperar nenhum gesto, nenhuma palavra. Sofria este pastor de uma estranha inquietação: cismava alcançar uma serra enorme que via muito ao longe, ver as terras que existiriam para lá da muralha rochosa que constituía o seu horizonte desde que nascera. E muitas noites passava em claro, meditando nesse seu desejo infindável.

Certa noite em que se julgava acordado, sonhou que uma estrela descia até si e lhe segredava que o guiaria até ao objeto dos seus desejos. Acordou o pastor mais inquieto e angustiado que nunca, e procurou no céu a verdade do que sonhara. Lá estavam todas as estrelas iguais a si mesmas, imutáveis e eternas aparentemente. Mas estava também uma que lhe pareceu diferente e mais sua.

Passavam-se os dias e o desejo do pastor aumentava, fazia doer-lhe o corpo, ardia-lhe febril na cabeça. De noite, todas, todas as noites, procurava no céu a sua estrela diferente. E em sonhos ela aparecia-lhe muitas vezes desafiando-o, desafiando-lhe sempre a vontade. Mas a vontade por vezes é tão difícil!!

Uma noite, num ímpeto, decidiu-se. Arrumou tudo o que tinha e era nada, chamou o cão e partiu. Ao passar pela aldeia o cão ladrou e os velhos souberam que ele ia partir. Abanaram a cabeça ante a loucura do que assim partia à procura da fome, do frio, da morte. Mas o pastor levava consigo toda a riqueza que tinha: a fé, a vida e uma estrela. E o pastor caminhou tantos anos que o cão envelheceu e não aguentou a caminhada. Morreu na noite, nos caminhos, e foi enterrado à beira da estrada que fora de ambos. Só com a sua estrela, agora, o pastor continuou a caminhar, sempre com a serra adiante. E à medida que caminhava a serra ia estando sempre ali, no mesmo sítio e à mesma distância.

Passou todas as fomes e frios que os velhos lhe tinham vaticinado. Atravessou rios, galgou campos verdes e campos ressequidos, caminhou sobre rochedos escarpados, passou dentro de cidades cheias de muros e gente, mas a montanha dos seus desejos nunca a baniu do coração. Por fim, já velho, alcançou a muralha escarpada que desde a infância o chamava. Subiu, subiu até ao mais alto da serra e ali pôde então largar o desejo do seu coração, agora em paz e sem desejo.

O horizonte era tão vasto e maravilhoso, a impressão de liberdade tão avassaladora que o pastor, sem falar, gritava dentro de si um hino de louvor que mais parecia o vento uivando por entre os penhascos rochosos de silêncio. Instalou-se o velho pastor e a sua estrela ficou com ele, no céu.

O rei do mundo, porém, ouviu falar naquele velho pastor e na sua estrela fantástica. Mandou emissários à serra: todas as riquezas do mundo daria ao pastor em troca da sua pequena estrela. O pastor ouviu com atenção o que lhe mandava dizer o rei. Depois, olhou em volta. Tudo eram pedras e rochedos. Uma pequena cabana de rocha coberta de colmo era a sua morada. Uma côdea de pão negro e uma gamela de leite as suas refeições. A sua distração a paisagem igual e diferente do mundo de lá em cima. A sua única amiga, a estrela.

Suavemente, como quem sabe o segredo das palavras e o valor de todos os bens possíveis, virou-se para os emissários do rei do mundo e rejeitou todos os tesouros da terra, escolhendo a pequenez da sua estrela. Passaram os anos e o velho morreu. Enterraram-no debaixo de uma fraga e nessa noite, estranhamente, a estrela brilhou com uma luz mais intensa. Os pastores da serra notaram essa diferença porque a reconheciam também entre as outras, pelo que o velho lhes contava em certas noites.

E em memória desta lenda, a serra passou a chamar-se, para sempre, serra da Estrela.

Fonte:
FRAZÃO, Fernanda. Lendas Portuguesas da Terra e do Mar.

Antonio Brás Constante (Presentes para se fazer Presente)


Se for um abraço, que me envolva em seus braços;
Se for um beijo, que eu sinta sua boca;
Se for morder, que use os dentes;
Se for um tapa, bata com a mão;
Se for um palavrão, que seja feio;
Se for um grito, que seja alto;
Se for um elogio, que seja verdadeiro;
Se for uma ameaça, que seja falsa;
Se for uma caneta, que escreva;
Se for um sorriso, que mexa seus lábios;
Se for vingança, conceda o perdão;
Se for uma lágrima, que seja salgada;
Se for dinheiro, seja generoso;
Se for um tiro, que erre;
Se for um palpite, que acerte;
Se for engraçado, que faça rir;
Se for um olhar, que toque minha alma;
Se for um doce, que seja doce;
Se for um filme, que não seja chato;
Se for Mulher, que faça um afago;
Se for Homem, que traga uma garrafa de trago;
Se for um charuto, jogue fora;
Se for uma aventura, que valha a pena;
Se for um livro que seja o livro: “Hoje é seu aniversário – prepare-se”
Se for um cálice de veneno, cruzemos as taças;
Se for frio, que arrepie;
Se for luz, que ilumine;
Se for seu coração, que seja especial;
Se for bacon, que seja frito;
Se for um sentimento, que marque;
Se for uma emoção, que comova;
Se for uma dor, que passe;
Se for solidão, que desapareça;
Se for desprezo, guarde-o para si;
Se for melancolia, que entristeça;
Se for uma prece, que abençoe;
Se for um carinho, que me toque;
Se for ruim, que não aconteça;
Se for a morte, reconsidere;
Porém, se for apenas um pensamento entregue através de um sussurro, será eterno, pois guardarei sempre na lembrança que você é um pão-duro.
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Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.60)


Trova do Dia

Feliz Natal, com certeza,
tu só verás, meu irmão,
se o pão que sobra em tua mesa
chegar às mesas sem pão.
NEWTON VIEIRA/MG

Trova Potiguar

Nesta nova vinda sua,
papai Noel, eu proponho:
para os meninos de rua,
traga um “pedaço” de sonho!
FRANCISCO MACEDO/RN

Uma Trova Premiada


2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > Menção Honrosa

No meu Natal é rotina
deixar tudo no “capricho”:
no peito faço faxina
e jogo as mágoas no lixo!
ÉLBEA PRISCILA DA SILVA/SP

Uma Trova de Ademar

No Natal, que o Deus menino
possa, por bondade sua,
mudar de vez o destino
dessas crianças de rua.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

É Natal! Lá na favela,
no seu barraco sombrio,
ele encontrou na janela
o tamanquinho vazio!
CAROLINA A. DE CASTRO/PE

Estrofe do Dia

Vendo as noites de Natal,
dói na minha alma ferida;
prepara-se mesa farta,
enfeitada, colorida,
para o meu pesar profundo,
convida-se todo mundo
só Jesus, ninguém convida!!!
PROF. GARCIA/RN

Soneto do Dia

– Edmar Japiassú Maia/RJ –
SANTA CEIA.

Chega dezembro, o mês das esperanças,
dos votos de saúde... Paz ... Sucesso ...
O mês em que se faz o retrocesso,
num balanço de fatos e lembranças.

Dos Natais me declaro um réu confesso...
E o destino, o verdugo das cobranças,
manda as faturas das destemperanças,
cuja extensão de seu total não meço.

Embora em vinte e cinco de dezembro,
diferem os Natais de que me lembro,
ao som do “Jingle Bells” na noite insone...

E sirvo a ceia, órfão, mas nem tanto,
porque ELE está comigo, isto eu garanto,
na partilha do vinho e panetone!

Fonte:
Ademar Macedo