quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 11. Mariana )



Análise de Sonia Maribel Muñoz Croveto (UFSC), sob o título Entre a (des)leitura e a (des)escrita: o duplo conto Mariana
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“A leitura é uma ‘desescrita’ assim como a escrita é uma desleitura”.
Harold Bloom (1995, p.15)

Nas palavras de Harold Bloom encontro o principal deslinde para a seguinte leitura ou desleitura do conto Mariana de Machado de Assis. O fazer e desfazer, a escrita e desescrita, que se opera no duplo registro narrativo machadiano: o conto Mariana (1871), publicado no Jornal de Famílias, e o conto Mariana (1891), do livro Várias Histórias.

Os dois relatos, ainda que separados pelo tempo, se entrecruzam, imbricam e amalgamam configurando uma espécie de refração e desdobramento do tecido textual que remete às categorias de repetição e diferença, “não só em sua mais abstrata reflexão como também em suas técnicas efetivas” (DELEUZE, 1988, p. 15). [Deleuze (1988, p. 15), ao explorar a repetição e a diferença, coloca como uma das justificativas que, a arte do romance moderno contemporâneo gira em torno dessas duas categorias, a nível concreto e abstrato, a técnica e a reflexão.]

A repetição, a partir da definição de Deleuze (1988, p. 428), a considero como a ação que “coloca o conceito fora de si e faz com que ele exista em outros exemplares”. Essa existência multiplicada registra-se através do “deslocamento e do disfarce”, o que delineia ou demarca, em simultâneo, a construção da diferença. Essas categorias, na acepção utilizada, conjugam-se com a terminologia de desleitura e desescrita, que tem sua base na noção de influência, mas fora do sentido tradicional “da passagem de imagens e de idéias” de escritores para seus sucessores. A influência, como a concebe Bloom (1995, p. 15), “significa que não existem textos, apenas relações entre os textos”.

Em decorrência, a influência poética “depende de um ato crítico, uma desleitura ou desapropriação, que um poema exerce sobre outro” (BLOOM, 1995, p. 15): repetição e diferença. A proposta deste trabalho é demonstrar como se produz a desleitura e desescrita de Mariana sobre Mariana e, por conseguinte, de Machado de Assis sobre Machado de Assis.

Esta travessia inicia-se com o jogo dialético, os encontros e desencontros; prossegue com a busca das dobras do tecido textual, o disfarce histórico detrás da vida privada; e termina com a desmontagem da trama: o dizer e o desdizer, pêndulo que se movimenta entre a farsa e a tragédia.

Encontros e desencontros

No conto de 1871, Mariana é uma escrava, namorada do senhor da casa, que se suicida ante a impossibilidade desse amor. No conto de Várias Histórias, Mariana é uma mulher branca, casada, que tem uma relação extraconjugal e que, ao ser abandonada pelo amante, tenta suicidar-se, mas é salva pela mãe.

A Mariana negra surge na escrita como uma moça obediente para depois, transformar-se em uma cativa incontrolável. A Mariana branca, em um início, é uma mulher revoltada, que quebra o voto do matrimônio, mas ao final, converte-se em esposa exemplar. Ambas compartilham a metamorfose do eu, mas em sentido inverso. [A escrava Mariana lembra a cativa Sabina, personagem principal do poema do mesmo nome que Machado (1994, p. 140-145) publicou no livro de poemas Americanas (1875). Sabina, grávida, se suicida ao saber que Otávio, o moço da casa e pai do filho que esperava, havia-se casado. Sabina, como Mariana, havia sido criada na casa grande.]

As duas narrativas têm como eixo principal, pelo menos na parte superficial, o que se poderia denominar na época, uma relação “amorosa imprópria”. É aí a primeira unidade das histórias. E, também, o primeiro jogo dialético com respeito às personagens: branca/negra, livre/cativa, subordinação/ insubordinação e vida/morte,

O segundo encontro/desencontro registra-se no tempo-histórico. O primeiro conto não consigna nenhuma data, salvo o ano de publicação janeiro de 1871, no Jornal de Famílias. Essa data poderia servir de parâmetro para situar a história em 1871. Esse seria o ano de retorno de Macedo, o narrador, depois de 15 anos na Europa.

O segundo conto desborda-se de datas. Poder-se-ia dizer que tem seu ponto de partida em 1872, quando Evaristo, o amante da Mariana branca, parte a Europa. E só retorna em 1890. E não por uma questão de amor, senão de curiosidade: queria saber o que tinha acontecido no Brasil em novembro de 1889.

Ao se comparar o ano de início de ambas narrativas com a história do Brasil, contextualiza-se que, em 1871, se tinha o debate político da lei de libertação dos escravos. Aí se apresenta outra ambivalência. Macedo retorna ao Brasil antes da sanção da lei que dava liberdade aos filhos dos escravos e Evaristo parte após da aprovação.

Como se observa, o tempo histórico narrativo é antagônico e de continuação: onde termina uma história, começa a outra. Aqui outra vez o jogo dialético: inicio/fim, datas/sem datas, escravidão/libertação. E outra unidade: Macedo e Evaristo retornam de uma viagem/exílio na Europa, mas só de visita.

As diferenças e semelhanças, também, se apresentam no caso do narrador e sua relação com o conflito amoroso. No conto de 1871, o narrador, Macedo, começa o relato em primeira pessoa para depois introduzir a história de seu amigo Coutinho com a escrava Mariana, acentuando que a moça era tratada como filha e não cativa.

Macedo descreve um Coutinho perplexo e comovido pela paixão que tinha despertado na jovem escrava. O suicídio de Mariana ocasiona a metamorfose de Coutinho: a redescoberta e afloração de um outro eu. Quinze anos depois desse fato, em 1871, é a voz desse outro Coutinho, surgido na dor, que confessa aos amigos: Creio que posso dizer ainda hoje que todas as mulheres de quem tenho sido amado, nenhuma me amou mais do que aquela. Sem alimentar-se de nenhuma esperança, entregou-se alegremente ao fogo do martírio; amor obscuro, silencioso, desesperado, inspirando o riso ou a indignação, mas no fundo amor imenso e profundo, sincero e inalterável (MACHADO, 1994, p. 783).

A declaração de Coutinho foge das convenções sociais, mas na escrita não desperta nenhuma voz de censura, pelo contrário percebe-se um ambiente de solidariedade entre os amigos, sobretudo quando o narrador acentua que o relato “foi ouvido com tristeza por todos”. Essa tristeza teria suas raízes na luta abolicionista?

No conto Mariana, de Várias Histórias, não existe relação entre o narrador e os personagens. O narrador parece ser um espectador que segue a Evaristo, mas é um observador que se movimenta entre o real e o irreal, o passado e o presente, o interno e o externo, mergulhando na psique dos autores do drama.

O deslocamento do mundo real produz-se no momento que Evaristo espera ser recebido por Mariana. Ao olhar o retrato da moça, “com seus lindos olhos redondos enamorados”, Evaristo o desdobra, reproduzindo uma antiga cena de amor. Mariana adquire, assim, forma real. Desprende-se do retrato e reúne-se com o amante:

[...] vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo, inclinou-se, estendeu os braços sobre os joelhos e abriu as mãos. Evaristo entregou-lhes as suas, e as quatro apertaram-se cordialmente (MACHADO, 1994, p. 543).

Esta imagem machadiana traz reminiscências do conto O Retrato (1832), de Nikolai Gogol. Na história russa, Chartkov, protagonista do relato, compra o retrato de um ancião impressionado por seus olhos vivazes, “uns olhos onde o artista parecia ter concentrado toda a força do pincel e toda a habilidade” (GOGOL, 1955, p. 641).

Dias depois, Chartkov viu, com horror, “o ancião se mover e se apoiar com as mãos na moldura”, de imediato “se endereçar, esticar as pernas e pular fora” (GOGOL, 1955, p. 649). Como Mariana, o velho abandona o retrato. A experiência desperta dúvida em Chartkov: “Talvez não fosse só um sonho ou um delírio, senão uma autêntica visão” (GOGOL, 1955, p. 652).

Aí a diferença de Chartkov com Evaristo. Chartkov é incapaz de separar a realidade da fantasia, Evaristo, por sua parte, reconhece e assume a duplicidade da percepção. Ele desempenha, ao mesmo tempo, a função de testemunha e protagonista da história. Não se perde nos caminhos da imaginação.

A presença desse duplo consciente poderia ser interpretada em palavras de Derrida (Apud ROSSET, 1998, p. 101), como “a eterna ausência de um presente verdadeiro”. Para Evaristo, o passado seria a imagem original que dispensa qualquer outra. Essa imagem, origem do drama, ressurge dezoito anos depois da separação forçada.

A eterna repetição desse passado, que absorve o presente, registra-se quando o narrador descreve o encontro furtivo entre Evaristo e Mariana, em 1872, e que se vivencia como se fosse hoje:

Nenhum perguntou nada que se referisse ao passado, porque ainda não havia passado; ambos estavam no presente, as horas tinham parado, tão instantâneas e tão fixas, que pareciam haver sido ensaiadas na véspera para esta representação única e interminável. Todos os relógios da cidade e do mundo quebraram discretamente as cordas, e todos os relojoeiros trocaram de ofício (MACHADO, 1994, p. 543-544).

A atmosfera romântica, o passado que se repete, se dilui no cenário real. Mariana parece ter esquecido o passado. No tempo real, ela é uma devota esposa no leito agonizante do marido e depois, uma viúva que sofre até o delírio. Ao final, o encontro entre os ex-amantes será breve e indiferente, como dois estranhos.

O narrador do conto Mariana, de 1871, apresenta dois personagens marcados pela emoção; em contraposição, o narrador do conto Mariana, de Várias Histórias, mostra dois seres marcados pela razão. Coutinho nunca se recupera do suicídio da moça, Evaristo se recupera com facilidade da separação na Europa. A ambivalência no plano psicológico se produz, também, na construção da imagem de Mariana. Enquanto Coutinho constrói a imagem idealizada da Mariana negra e expressa remorso pelo suicídio da escrava, Evaristo desconstrói a imagem idealizada da Mariana branca e libera-se do remorso da infidelidade.

O antagonismo do narrador permite reconstruir o terceiro jogo dialético quecimenta a arquitetura textual: conhecido/desconhecido, emocional/racional, ilusão/desilusão, ficção/realidade. E até o dualismo que se registra na posição do olhar: um retorna da Europa e o outro, aparentemente, nunca saiu do Brasil.

As duas histórias são como dois pólos opostos unidos pela força de contrários. Na contradição – narrador, tempo e personagem – funda-se as bases da inter-relação de um tecido textual com o outro. Como se cada relato fosse uma face do outro. Repetição e diferença. Desleitura e desescrita. Essa unidade que se configura e complementa na oposição reflete-se, também, no viés encoberto da narrativa. Como apontei no início, de forma superficial, os dois contos seriam duas faces opostas de uma mesma temática: um caso de amor, que funciona como disfarce do eixo central que seria o questionamento da sociedade brasileira.

O disfarce histórico

Este segundo momento está influenciado pelo olhar de John Gledson. Para o pesquisador, os romances machadianos, “como um todo, pretendem transmitir grandes e importantes verdades históricas”. Segundo Gledson (1986, p. 17), no período de 1871 e 1894, Machado “mostra a impossibilidade de um Brasil em beneficio de seu povo”.

Seguindo esse caminho, ao retirar a máscara do fracasso amoroso, tem-se que a primeira história esconde/expõe o tema da escravidão e a segunda esconde/expõe o drama da Monarquia e a República. A micro-história funciona como protótipo e projetor da macro-história. A história individual encerra o drama nacional.

Machado parece ter escrito dois contos em cada um deles. Em cada narrativa há uma relato paralelo, um registro histórico encoberto, dois corpos de palavras que convidam a uma autopsia histórico-literária, a entrecruzar a História e a Literatura, para compreender a dobras da escrita machadiana.

O narrador do conto Mariana, de 1871, fica impressionado com as mudanças arquitetônicas e comerciais do Brasil durante os últimos 15 anos: Achei mudado o nosso Rio de Janeiro, e mudado para melhor. O jardim do Rocio, o boulevard Carceller, cinco ou seis hotéis novos, novos prédios, grande movimento comercial e popular [...] (MACHADO, 1994, p.771).

O historiador Cruz Costa (1989, p. 23) confirma a visão do narrador, quando refere que, de 1850 a 1870, o Brasil “passou por grandes transformações. Surgiram as estradas de ferro, o telégrafo e as primeiras indústrias”. No texto, a modernidade vai funcionar como contrapeso ou antítese de outra realidade.

Essa outra realidade transpassa a superfície. É uma radiografia da sociedade, na alma humana. O êxtase do narrador pelo desenvolvimento urbano, desloca-se para mostrar sua desilusão com a vida dos amigos, alguns deles ligados ao governo. A voz narrativa não faz distinção entre uns e outros:

Alguns amigos tinham morrido, outros estavam casados, outros viúvos. Quatro ou cinco tinham-se feito homens públicos, e um deles acabava de ser ministro de Estado. Sobre todos eles pesavam quinze anos de desilusões e cansaço. Eu, entretanto, vinha tão moço como fora, não no rosto e nos cabelos, que começavam a embranquecer, mas na alma e no coração que estavam em flor (MACHADO, 1994, p. 771).

Note-se a remarcação que faz ao falar de “quinze anos de desilusões e cansaço” que se pode estender à estrutura social do país. A cidade tinha trocado na parte exterior, mas no interior, na essência, seguia sendo a mesma cidade ancorada no tempo da escravidão, sistema político já “superado” na Europa.

Essa leitura desprende-se da perspicácia do narrador ao introduzir um “caso de amor” para falar da escravidão. Nas dobras do tecido textual registra-se a insubordinação de Mariana e o “projeto romântico” de alguns senhores de escravos de dar liberdade os cativos, o que pode fazer desse relato um conto de traços abolicionistas.

Coutinho, o escravista, olha a Marina como um ser humano, a despoja de sua condição de escrava, interessa-se por ela e segue passo a passo cada uma de suas reações. Ao descobrir certo ar de tristeza no rosto da cativa, que atribui a um amor impossível, tenta encontrar a origem da mágoa e pensa até em dar-lhe liberdade:

Parecia-me evidente que ela sentia alguma coisa por alguém, e ao mesmo tempo que o sentia, certa elevação e nobreza. Tais sentimentos contrastavam com a fatalidade de sua condição social. Que seria uma paixão daquela pobre escrava educada com mimos de senhora? Refleti longamente nisto tudo, e concebi um projeto romântico: obter a confissão franca de Mariana e, no caso em que se tratasse de um amor que a pudesse tornar feliz, pedir a minha mãe a liberdade da escrava (MACHADO, 1994, p. 776).

No personagem Coutinho, Machado concentra as vozes, quase apagadas, de alguns traços abolicionistas. Não se poderia falar de abolição porque Coutinho não fala da libertação de todos os cativos. Não renuncia a seu status de escravista. Restringe seu projeto, que não chega a concretizar, a um caso específico.

Coutinho é revestido de sentimentos e atitudes que não correspondem a sua condição social: a extrema preocupação por indagar a tristeza da cativa. Pelo contrário, a Mariana2 dócil e meiga das primeiras linhas transforma-se em uma moça revoltada, que foge, enfrenta ao amo e decide a morte.

A gentil mulatinha” de Machado é uma insubordinada que renega de haver sido tratada como “filha”, fato que, com extrema lucidez, reconhece como disfarce da escravidão em um diálogo com Coutinho. Diálogo onde, em alguns momentos, se coloca em nível de igualdade com o amo:
-Não falemos nisso, nhonhô. Não se trata de amores, que eu não posso ter amores. Sou uma simples escrava.
-Escrava, é verdade, mas escrava quase senhora. És tratada aqui como filha da casa. Esqueces esses benefícios?
-Não os esqueço; mas tenho grande pena em havê-los recebido.
-Que dizes, insolente?
-Insolente? Disse Mariana com altivez. Perdão continuou ela voltando à sua humildade natural e ajoelhando-se a meus pés
(MACHADO, 1994, p. 776).

A voz sempre calada da escrava emerge, novamente, para gritar: “Não! Não irei” quando é descoberta na primeira fuga, mas ante o inevitável retorno à fazenda, diz desafiante: “que importa que faça? Eu estou disposta a tudo”. Surpreende ainda mais a transparência de suas palavras quando responde a Coutinho o porquê da fuga:
- Se alguém me seduziu? Perguntou ela; não, ninguém; fugi porque eu o amo, e não posso ser amada, eu sou uma infeliz escrava. Aqui está por que eu fugi. Podemos ir; já disse tudo. Estou pronta a carregar com as conseqüências disto
(MACHADO, 1994, p. 779).

Semanas depois, Mariana volta a fugir e ao ser encontrada, outra vez lança o desafio: “estou disposta a tudo”. Esta vez suicida-se. Antes de expirar, a moça libera a Coutinho – o escravista e, em paralelo, o amor impossível – de qualquer remorso: “Nhonhô não tem a culpa: a culpa é da natureza” (MACHADO, 1994, p. 783).

Que quis dizer Mariana com “a culpa é da natureza”? Com esta frase ambivalente, Machado, de alguma forma, libera a Coutinho – representante do sistema político – da tragédia da escrava, mas em simultâneo, no desenvolvimento do texto, acusa a Coutinho e o sistema político da tragédia. Eis aqui um duplo discurso político. [Chalhoub (1998, p. 97-99) aponta que Machado, “em vários de seus escritos, testemunhou e analisou sistematicamente o ponto do vista do dominado”, fazendo uso “de uma arte arriscada, que ratificava a ideologia paternalista na aparência mesma quando roía-lhe os alicerces”. Traço que prefiro denominar de duplo discurso político.]

A duplicidade do discurso político aparece, também, na fala de Coutinho. Como escravista, persegue a fugitiva, vai à polícia e não desiste da busca, mas antes da fuga, mostra-se partidário de liberar a Mariana, mais um “projeto romântico” no cenário político brasileiro de 1856 a 1871. Projeto que se (des)constrói no texto.

O simples fato de Machado humanizar a escrava e de revesti-la de atributos característicos de uma moça branca culta, (Mariana sabe ler, escrever e fala francês) pode ser entendido como um sutil discurso de igualdade enquanto que a postura de Coutinho, a grande comédia da sociedade a respeito da abolição.

A mesma sutileza que utiliza para se referir à escravidão, reaparece no conto Mariana, de Várias Histórias, para questionar todo o aparato político, social e econômico. Aí o tema da escravidão não será aludido de forma direta. Será um olhar crítico da história no período de 1872 a 1890. [Para Gledson (1991, p. 87), Machado encarava o ano de 1871, como um ano decisivo para história do Brasil, por ser o ano de aprovação da Lei do ventre livre e das primeiras divergências na oligarquia.]

O conto inicia-se com a seguinte pergunta: que será feito de Mariana? Interrogante que, no transcorrer da leitura, pode-se transformar em uma indagação mais abrangente: que será feito do Brasil? Isso devido a que o motivo da viagem do protagonista radica em conhecer os pormenores da revolução de novembro de 1889.

Desde a partida de Evaristo a Europa, em 1872, até seu retorno em 1890, o Brasil tinha passado por diversas transformações: a libertação dos escravos, a queda da monarquia, a proclamação da República e a instalação da Assembléia Constituinte, mas o olhar de Evaristo é incapaz de enxergar essas mudanças. Essa incapacidade de olhar, não se restringe só a Evaristo, é a marca do brasileiro que conviveu com a história, daquele que foi espectador das “modificações políticas”. O personagem Evaristo concentra e projeta a impossibilidade do homem comum de perceber e capturar as mudanças da estrutura política do país.

A referida interpretação baseia-se nos livros de história de João Costa Cruz e Nelson Werneck Sodré. Costa Cruz (1989, p. 26-45) destaca que “o Império foi liquidado de maneira sumária”, em um clima de indiferença, “pois a República nada mais foi, uma vez ainda, do que uma nova composição de classes dominantes”.

Na mesma linha, Werneck (1970, p. 291) refere que “a aceitação plena e pacífica” da instalação da República lembra os “acontecimentos, rápidos, superficiais, consumados e tranqüilamente recebidos”. Machado ressaltara esse traço superficial do que fala Werneck ao comparar a mudança política do Brasil a uma obra teatral no conto Mariana.

É assim que, nas primeiras linhas, antes de partir ao Brasil, aparece um Evaristo interessado em saber a data de representação da comédia de um amigo. Faz as contas da viagem e conclui que, voltando meses depois, “chegaria a tempo de comprar o bilhete”. Quando retorna a Paris descobre que a obra tinha sido retirada.

Nesse momento, no final, se desvela todo o transfundo político do relato. “Cousas do teatro, disse Evaristo ao autor da obra, para consolá-lo. Há peças que caem. Há outras que ficam no repertório” (MACHADO, 1994, p. 548). Adequando essas palavras ao cenário político do Brasil, teríamos “coisas da política. Há governos que caem. Há outros que ficam”.

A afirmativa de Evaristo traz à memória a “aceitação plena e pacífica” da República. E também “os dez governos que se sucederam no poder de 1880 a 1889, representando pontos de vista diversos ou opostos” (HOLANDA, 1977, p. 350). Em base a esse antecedente político, não é por acaso que Machado escolhe como obra teatral uma “comédia”. [Holanda (1977, p. 354) descreve-se, também, que a maior parte da povoação esperava a morte natural do segundo reinado com a morte natural do rei, e preparava-se para a mudança infalível. Daí que a queda da Monarquia não foi uma surpresa para o país.]

A vida política transformada em comédia. Uma comédia que cai do cenário, como caíram, um a um, os dez governos dos últimos nove anos de Monarquia. Nesse contexto, Evaristo representa a ausência e a indiferença, Mariana a “aceitação plena e pacífica”. Evaristo foge, Mariana se reacomoda no cenário social.

Uma vez nus os personagens, aflora o discurso político camuflado, o ataque com a palavra escondida. A escrita da realidade detrás dos muros da fantasia amorosa. A (des)leitura do Brasil. O Brasil como um texto que Machado lê e (des)lê, escreve e (des)escreve, arma e desarma em duas nada inocentes historinhas de amor.

A desmontagem do leitor/autor

Das entrelinhas dos textos, de um Machado que descreve a sociedade brasileira, agora me centrarei no movimento oscilatório que vai da tragédia à farsa e da farsa à tragédia. Dupla ação que se registra nas costuras da trama e na inter-relação de um conto com o outro. Outra remarcação do avesso e da unidade.

A Mariana negra é um relato trágico. Tem uma suicida, uma noiva que dissolve o noivado quatro dias antes do matrimônio e um homem – culpável do suicídio e abandonado quase no altar – que, apesar dos 15 anos transcorridos, ainda não consegue rearmar a vida. A história avança do amor à dor e da dor à morte. Depois de 20 anos de ter escrito esse conto com traços de tragédia, Machado reescreve a história da Mariana negra e constrói uma farsa do relato original. A trama da segunda versão converte-se em uma farsa porque o suposto amor entre Evaristo e Mariana, descrito como uma fatalidade, não passa de um “caso ocasional”.

É a mesma Mariana que defende a instituição do matrimônio e aclara a Evaristo, o amante, que nunca deixará o marido:
-Não venhas outra vez com essa eterna desconfiança, atalhou Mariana sorrindo, como na tela, há pouco. Que quer você que eu faça? Xavier é meu marido; não hei de mandá-lo embora, nem castigá-lo, nem matá-lo, só porque eu e você nos amamos
(MACHADO, 1994, p. 544)

A família se sobrepõe à paixão amorosa. O realismo supera o romantismo. E os dois personagens inserem-se, finalmente, no caminho da “ideologia decente e familiar, amiga de sacrifícios” (SCHWARZ, 1981, p. 108). Evaristo parte à Europa, para se curar do amor irrealizável, e Mariana, aferra-se ao amor oficial, o amor do esposo. A tragédia e a farsa que se descobre a nível macro, ao situar um conto frente ao outro, se desfaz na estrutura de cada relato. O conto Mariana, de 1871, desenvolve toda a tragédia, mas ao final do relato, Coutinho, o sobrevivente da história, parte com os amigos para “examinar os pés das damas que desciam dos carros”. [Schwarz (1981, p. 63) destaca que, nos primeiros romances, Machado insistia na santidade das famílias, traço que qualifica de “conformismo”, mas no caso do conto Mariana (1891) eu o observo como parte do duplo discurso, a construção e desconstrução da família.]

Com essa descrição Machado acaba, na última linha, com a tragédia e funda um ambiente de farsa, quebrando a direção do relato. No seguinte conto, o processo se inverte. As tentativas de Evaristo de ver a Mariana, para levar “a imagem -deteriorada embora- daquela paixão de quatro anos” (MACHADO, 1994, p. 548) criam uma tragédia encoberta.

Eis, aqui, o processo de desmontagem no interior de cada texto e em sua identificação com o outro. Duas trilhas literárias divergentes, que se entrecruzam com tal naturalidade que, o leitor passa de um extremo a outro, conduzido ou seduzido pelo duplo olhar de um Machado autor/leitor.

Esse duplo olhar instaura uma Mariana negra que frente ao espelho, reflete uma Mariana branca. Imagem contrária/imagem prolongada que emerge nos encontros e desencontros, nas dobras do disfarce histórico e na arquitetura textual. Concentra-se aí o avesso da leitura e da escrita: desleitura e desescrita.

Bibliografia
BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Trad. Thélma Médici Nóbrega. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
_____ Cabala e crítica. Trad. Monique Balbuena. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
_____ A angústia da influência. Trad. Arthur Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. O Brasil monárquico. Tomo II da História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.
CRUZ COSTA, João. Pequena História da República. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CHALHOUB, Sidney. “Diálogos políticos em Machado de Assis”. In: A história contada. Sidney Chalhoub; Leonardo de Miranda Pereira (org.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 95-122.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
FURLAN, Stélio. Machado de Assis: o crítico/ enigma de um rio sem margens. Florianópolis: Momento atual, 2003.
GLEDSON, John. Machado de Assis: impostura e realismo. Trad. Fernando Py. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
_____ Machado de Assis: ficção e história. Trad. Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GOGOL, Nikolai. O retrato. In: Obras Completas. Trad. Irene Tchernowa. Madrid: Aguilar, 1955.
MACHADO DE ASSIS. Obra Completa. Afrânio Coutinho (Org.). V. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
MAGALHÃES, Raimundo. Machado de Assis desconhecido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
MATOS, Mário. Machado de Assis: o homem e a obra/ os personagens explicam o autor. V. 153. Rio de Janeiro: Nacional, 1939.
VIERA, Mirella. “Quase silêncio, quase melodia: a paixão amorosa nos contos de Machado de Assis”. In: Cânone e contextos. 5 Congresso Abralic-Anais. V. 2. Rio de Janeiro: [s.n], 1998, p. 445-448.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas cidades, 1981.
WERNECK SODRÉ, Nelson. Formação Histórica do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1970.
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Continua… Análise do conto “12. Conto de Escola”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Caio Martins (Opostos)


Desde o início foste reticente,
não se perguntou se eu te queria.
Tomastes conta de mim
sem importar-te com meu pranto
e espanto de bofetada.

Houve momentos nos quais
não me dei conta de teu domínio.
Na memória nada resta, o resto
sempre foi teu pé na garganta,
a espada no peito, retilíneo
jogo unilateral.

Inerme
mal aprendi a defender-me
fraco
tentei mostrar-me astuto
insensato
me reconheci no teu oposto

Julguei, nalguns momentos
tomar-te toda, sugar
os cálices de teu corpo
embebedar-me de teus licores
tomar-te sacrílego, fremente
até ter-te tonta e louca
incapaz de seres sensata.

Desafiei-te:
que esmagasses!
Brigaria e criaria tudo de novo
sem o pânico da alcatéia.

Perdi os momentos, movimentos
do solo desvairado, sem estréias.

E não houve também mulher alguma
capaz de suicidar-me
tirar-me tudo, o nada
que sempre tive... Que pena!

Mas tu, Vida
escorres a cada segundo
dentre meus dedos, te insinuas
e negaceias, me invades
e me deixas só.

A cada segundo, o irritante
é pressentir-te o sorriso no rosto.

No rosto
do teu oposto.

Fontes:
O Autor

Efigênia Coutinho (Mulher-Madura)


Extravagância, inquietação, devaneio,
Não tem logar no espírito da Mulher-Madura
Que vive tão somente a sua plenitude..
Traz nos gestos e idéias a variante...

E á múltipla atração da natureza
Que pujante de brilho e beleza
Constantemente pulsa dentro dela
Sem lhe abalar, o rijo, a alma singela!

Assim se desenvolve, até chegar
Recôndita linguagem lhe anuncia
Haver chegado a mutação da idade,
Num poético dilúculo a seiva divinal!

E a olímpica torna esta seiva exótica
Potencia, embebendo-a bem no
Fundo, com o batismo de garbo,
Sedução, e a feminilidade nele alcança!
Que a fará requestada Mulher-Madura!

Para finalizar a linda chegada
O radiante apogeu, que da mulher
Muda a alma e o corpo com formosura,
Na torre de mistérios para o Amor
Fertilizante, habilmente preparada...

Ao coração do seu Homem, deixa-se em
Sobejos, desejos, balsamo precioso, que mitiga,
Ao manejo audaz com seu amor travesso!
Dali contempla a vida, e põe-se em
Guarda, á espera dum destino, que não tarda!

Balneário Camboriú
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Lino Mendes (São Saias, Meu Bem, São Saias…)


As “saias”, cantadas e bailadas ou só cantadas, cantigas de festa ou de trabalho (quando o mesmo não era de empreitada), é uma das mais belas modas do folclore português, mais centralizada no Alto Alentejo em especial no distrito de Portalegre onde, segundo Tomaz Ribas já existia no século XII.

Cantadas por homem e mulher, por duas mulheres, ou ainda por dois homens e uma mulher quando a mesma era disputada por ambos , de uma maneira geral eram de criação espontânea, era ali, na altura que os versos saiam. E como se compreenderá, eram de despique, por vezes de escárnio e mal dizer. E, se como dissemos se trata de quadras marcadas pela espontaneidade, muitas perduraram no tempo.

O exemplo de uma que se tornou de expressão nacional:

Estas é que são as “saias”,
estas saias é que são;
São cantadas e bailadas
na noite de S.João.

Outras houve, que terão sido adaptadas como esta:

MONTARGIL terra tão linda,
não és vila nem cidade.
mas és um rico cantinho
onde brilha a mocidade.

E a finalizar. Deixamos umas “cantigas” a despique:



RAPAZ
Estas raparigas de hoje
iguaizinhas são às dontem,
albardá-las e mandá-las
com um cântaro à fonte

RAPARIGA
Estes rapazes de agora
estes que de agora são,
albardá-los e mandá-los
à serra buscar carvão

RAPAZ
Menina que tanto sabe
diga lá o seu saber,
uma camisa bem feita
quantos pontos vem a ter

RAPARIGA
Quantos pontos vem a ter
vou-lhe já explicar,
não são mais e não são menos
dos que lhe querem plantar

RAPAZ
Menina que tanto sabe
faça-me esta conta bem.
um molho de trigo limpo
quantas meias quartas tem

RAPARIGA
Falaste no trigo limpo
mas não me falas no joio,
quatrocentas e oitenta
meias quartas tem o joio

MONTARGIL—05/02/011

Folclore, Superstição, Lendas e Histórias (Aves do Brasil: João-de-Barro)


Os guaranis explicam a origem do ógaraitig, o nosso joão-de-barro, com uma poética lenda:

Vivia no recesso da floresta, afastado de todos e em companhia de seu velho pai, um donzel, guapo e bravo caçador. Vira esse Nemrod guarani uma cantora que por ali passara em suas excursões e por ela ficara cativo de amor. Segundo o ritual de sua tribo, logo que um jovem alcançasse a época da idade viril, teria de suportar três pesadas provas de resistência física: uma competição de carreira a pé, um concurso de natação e por fim, a provança de um jejum. O triunfador receberia, como prêmio, a própria filha do rubichá. As duas primeiras competições venceu-as galhardamente o donzel caçador, e assim foi o único a suportar os noves dias de jejum, encerrado entre couros, como preceituava o ritual.

Conta a tradição oral que triunfou da prova última, mas quando os juízes da estranha provação o foram retirar dentre os couros onde permaneceu imóvel nove dias, bebendo somente suco de milho, viram que o guapo caçador empenequenitava, minguava, fazia-se cada vez menor, até que se transformou em um pequeno ógaraitig. Dos couros logo voou para uma árvore próxima, onde desferiu um canto alegre e gargalhante. Renunciava assim à filha do cacique, que ele não amava. Ainda nos conta mais a tradição. Diz que essa jovem cantora, por causa da renúncia, também se converteu em ave, para fazer companhia àquele que, por seu amor, desdenhara das honras e do mando.

Fonte:
SANTOS, Eurico. Os pássaros do Brasil. Ed. Itatiaia

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.117, 118 e 119)


Três Trovas Nacionais

Na escola da humanidade,
ninguém aprende a lição
sem o lápis da bondade
e a borracha do perdão.
(JOSÉ FABIANO/MG)

A saudade é um passarinho
em teimosa migração,
vem do passado, e faz ninho
nos beirais do coração.
(HÉRON PATRÍCIO/SP)

Maria anda bem vestida.
Dizem que faz quase nada.
Tem roupas caras... que vida!
Mas, só trabalha pelada.
(NILTON MANOEL/SP)

Três Trovas Potiguares

Enquanto a vingança é crime,
destruidor da pessoa,
o perdão é tão sublime
que faz feliz quem perdoa.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Nesta distância entre nós,
o amor de tudo reclama;
há um dos nossos lençóis,
sobrando em cima da cama!
(PROF. GARCIA/RN)

Eu e o sapo temos tosca
maneira de encher o papo:
feliz, ele engole mosca
e, eu, à força, engulo sapo.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Três Trovas Premiadas

2001 > Taubaté/SP
Tema > PERDÃO > Menção Especial

Um ser de enorme valor
me ensinou esta lição:
dar aos amigos, amor
e aos inimigos, perdão!
(MARINA BRUNA/SP)

2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Especial

Em meus delírios risonhos
fiz de você quase um Deus...
e fui vivendo os seus sonhos
como se fossem os meus!
(ARLINDO TADEU HAGEN/MG)

2000 > Ribeirão Preto/SP
Tema > PREGUIÇA > 1º Lugar.

Preguiça assim, minha gente,
só a do Chico Messias,
que “pra” morrer de repente
demorou quarenta dias!
(MANOEL NAHAS NETO/SP)

Simplesmente Poesia

MOTE:
URGENTE É MUDAR AS TREVAS
EM SUAVES BÊNÇÃOS DE LUZ.

GLOSA:
Irmão, o pão que tu levas
vem dividir com nós todos,
pois, sem cobranças e engodos
urgente é mudar as trevas
naquilo em que mais te elevas,
assim como fez Jesus
que no suplício da cruz
nos deu a paz e o perdão,
transformando a escuridão
em suaves bênçãos de Luz.
(THALMA TAVARES/SP)

– Sergio Severo/RN –
LENA.

Por teu amor eu cometi louquices
por teu amor vivi a cada dia
desdenhando a vida que corria,
por teu amor eu fiz tantas sandices.

E descuidei de mim, por teu amor,
Por teu amor me pus lá na coxia
e tu, no palco, louca de alegria,
nem percebias ser por teu amor.

Sem teu amor jurei morrer, de fome,
mas consegui viver sem teu amor.
Graças a Deus já esqueci teu nome:
MARIA HELENA PIRES MIRABOR !

– Chico de Sousa/PB –
QUE CORNO QUE NADA!

Um cientista me disse
que estava já convencido
que ser corno só ruim
para quem é inibido;
chifre ficou foi para o homem
o boi usa de atrevido.
Pesquisando sobre chifre
fiquei bastante contente,
descobri que esse troço
não existe, felizmente;
isso é coisa que a mulher
põe na cabeça da gente.

Três Trovas de Ademar

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Passam sempre em meu portão,
trazendo um fardo de dor,
crianças que não têm pão,
pedindo “um pão por favor”!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

Política era a vizinha
que permutou por Brasília,
todos empregos que tinha,
menos o bolsa família!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Sei que os deuses recompensam
quem perdoa, estende a mão,
mas enxergo maior benção
em saber pedir perdão.
(CLARINDO BATISTA/RN)

Chorar... quem é que não chora,
– nem que seja internamente –
quando alguém que a gente adora
se vai... repentinamente!
(NÉLSON FACHINELLI/RS)

Quando a mulher do vizinho
cruza contigo na rua,
diz o demônio baixinho...
– esta é melhor do que a tua...
(DURVAL MENDONÇA/RJ)

Três Estrofes dos Dias 05, 06 e 07 de fevereiro

Acertei na Mega Sena,
e, como pensei, proponho:
Vou contratar quem eu quero,
meu viver será risonho!
A riqueza é uma parada...
Acordei, fiquei sem nada,
tudo não passou de um sonho!
(DJALMA MOTA/RN)

Na vida eu sofri abalos
e desesperos medonhos,
sonhos, sonhos e mais sonhos
sem poder concretizá-los,
na fronte senti os halos
das auras da juventude,
porém não tive a virtude
de dormir entre os teus seios;
não tive amores, sonhei-os
quis possuí-los, não pude!
(LOURIVAL BATISTA/PE)

Errar, é do ser humano
e todos podem errar;
mas, saibam, que perdoar
é divino, é soberano.
Não deixe que um ato insano
lhe amargure o coração,
perdoe-me, e me estenda a mão
pra ser, por mim, apertada;
perdoar não pesa nada,
pesado é pedir perdão!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Três Sonetos dos Dias 5, 6 e 7 de fevereiro

– Francisco Macedo/RN –
MACHEZA.

Na minha casa é a “Lei Chico de Brito”,
a mulher tem que ouvir e até saber,
que será, sempre meu, o último grito
e em verdade, ela tem que obedecer.
Ela diz: - Vá comprar um frango frito,
eu grito logo, vou, mas vou comer.
– tu não come, eu paguei e tenho dito!
Apelo e berro, vou, mas, sem correr.
Se ela quiser ou não, é sempre assim,
pois comigo não tem tempo ruim...
Pois, se é para gritar, eu sou mais eu.
E todo mundo sabe que é verdade,
para eu manter a minha autoridade
Lá em casa, o último grito é sempre o meu.

– Milton Nunes Loureiro/RJ –
CICATRIZ.

Um dia, alguém, chegando à minha porta,
abriu-a, lentamente, toda, inteira.
E, ao reviver uma esperança morta,
trouxe-me a crença pela vez primeira.

Porém, meu Deus, foi breve, passageira,
essa alegria que o meu ser exorta.
Se um dia amei sem medo e sem fronteira,
hoje a existência nem sequer me importa.

Prossigo triste no final da lida,
ao ver o quanto ingrata foi a vida,
nestas saudades de quem não me quis.

Por isto, eu trago na alma, hoje deserta,
um gosto amargo de ferida aberta
que eu não ouso chamar de cicatriz...

– Adelmar Tavares/PE –
PARA O MEU PERDÃO
.

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal, com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
no ódio que punge, desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
por teu amor, com o mais profundo amor...

Mal sabe que, se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,

eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão...

Fonte:
Ademar Macedo

Machado de Assis (Mariana)


Capítulo Primeiro

"QUE SERÁ FEITO de Mariana?" perguntou Evaristo a si mesmo, no largo da Carioca, ao despedir-se de um velho amigo, que lhe fez lembrar aquela velha amiga.

Era em 1890. Evaristo voltara da Europa, dias antes, após dezoito anos de ausência. Tinha saído do Rio de Janeiro em 1872, e contava demorar-se até 1874 ou 1875, depois de ver algumas cidades célebres ou curiosas, mas o viajante põe e Paris dispõe. Uma vez entrando naquele mundo em 1873, Evaristo deixou-se ir ficando, além do prazo determinado; adiou a viagem um ano, outro ano, e afinal não pensou mais na volta. Desinteressara-se das nossas cousas; ultimamente nem lia os jornais daqui; era um estudante pobre da Bahia, que os ia buscar emprestados, e lhe referia depois uma ou outra notícia de vulto. Senão quando, em novembro de 1889, entra-lhe em casa um reporter parisiense, que lhe fala de revolução no Rio de Janeiro, pede informações políticas, sociais, biográficas. Evaristo refletiu.

— Meu caro senhor, disse ao reporter, acho melhor ir eu mesmo buscá-las.

Não tendo partido, nem opiniões, nem parentes próximos, nem interesses (todos os seus haveres estavam na Europa), mal se explica a resolução súbita de Evaristo pela simples curiosidade, e contudo não houve outro motivo. Quis ver o novo aspecto das cousas. Indagou da data de uma primeira representação no Odéon, comédia de um amigo, calculou que, saindo no primeiro paquete e voltando três paquetes depois, chegaria a tempo de comprar bilhete e entrar no teatro; fez as malas, correu a Bordéus, e embarcou.

"Que será feito de Mariana? repetia agora, descendo a rua da Assembléia. Talvez morta... Se ainda viver, deve estar outra; há de andar pelos seus quarenta e cinco... Upa! quarenta e oito; era mais moça que eu uns cinco anos. Quarenta e oito... Bela mulher; grande mulher! Belos e grandes amores!"

Teve desejo de vê-la. Indagou discretamente, soube que vivia e morava na mesma casa em que a deixou, rua do Engenho Velho; mas não aparecia desde alguns meses, por causa do marido, que estava mal, parece que à morte.

— Ela também deve estar escangalhada, disse Evaristo ao conhecido que lhe dava aquelas informações.
— Homem, não. A última vez que a vi, achei-a frescalhona. Não se lhe dá mais de quarenta anos. Você quer saber uma coisa? Há por aí roseiras magníficas, mas os nossos cedros de 1860 a 1865 parece que não nascem mais.
— Nascem; você não os vê, porque já não sobe ao Líbano, retorquiu Evaristo.

Crescera-lhe o desejo de ver Mariana. Que olhos teriam um para o outro? Que visões antigas viriam transformar a realidade presente? A viagem de Evaristo, cumpre sabê-lo, não foi de recreio, senão de cura. Agora que a lei do tempo fizera sua obra, que efeito produziria neles, quando se encontrassem, o espectro de 1872, aquele triste ano da separação que quase o pôs doido, e quase a deixou morta?

Capítulo II

DIAS DEPOIS apeava-se ele de um tílburi à porta de Mariana, e dava um cartão ao criado, que lhe abriu a sala.

Enquanto esperava circulou os olhos e ficou impressionado. Os móveis eram os mesmos de dezoito anos antes. A memória, incapaz de os recompor na ausência, reconheceu-os a todos, assim como a disposição deles, que não mudara. Tinham o aspecto vetusto. As próprias flores artificiais de uma grande jarra, que estava sobre um aparador, haviam desbotado com o tempo. Tudo ossos dispersos, que a imaginação podia enfaixar para restaurar uma figura a que só faltasse a alma.

Mas não faltava a alma. Pendente da parede, por cima do canapé, estava o retrato de Mariana. Tinha sido pintado quando ela contava vinte e cinco anos; a moldura, dourada uma só vez, descascando em alguns lugares, contrastava com a figura ridente e fresca. O tempo não descolara a formosura. Mariana estava ali, trajada à moda de 1865, com os seus lindos olhos redondos e namorados. Era o único alento vivo da sala; mas só ele bastava a dar à decrepitude ambiente a fugidia mocidade. Grande foi a comoção de Evaristo. Havia uma cadeira defronte do retrato, ele sentou-se nela, e ficou a mirar a moça de outro tempo. Os olhos pintados fitavam também os naturais, porventura admirados do encontro e da mudança, porque os naturais não tinham o calor e a graça da pintura. Mas pouco durou a diferença; a vida anterior do homem restituiu-lhe a verdura exterior, e os olhos embeberam-se uns nos outros, e todos nos seus velhos pecados.

Depois, vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo, inclinou-se, estendeu os braços sobre os joelhos e abriu as mãos. Evaristo entregou-lhes as suas, e as quatro apertaram-se cordialmente. Nenhum perguntou nada que se referisse ao passado, porque ainda não havia passado; ambos estavam no presente, as horas tinham parado, tão instantâneas e tão fixas, que pareciam haver sido ensaiadas na véspera para esta representação única e interminável. Todos os relógios da cidade e do mundo quebraram discretamente as cordas, e todos os relojoeiros trocaram de ofício. Adeus, velho lago de Lamartine! Evaristo e Mariana tinham ancorado no oceano dos tempos. E aí vieram as palavras mais doces que jamais disseram lábios de homem nem de mulher, e as mais ardentes também, e as mudas, e as tresloucadas, e as expirantes, e as de ciúme, e as de perdão.

— Estás bom?
— Bom; e tu?
— Morria por ti. Há uma hora que te espero, ansiosa, quase chorando; mas bem vês que estou risonha e alegre, tudo porque o melhor dos homens entrou nesta sala. Por que te demoraste tanto?
— Tive duas interrupções em caminho; e a segunda muito maior que a primeira.
— Se tu me amasses deveras, gastarias dous minutos com as duas, e estarias aqui há três quartos de hora. Que riso é esse?
— A segunda interrupção foi teu marido.

Mariana estremeceu.

— Foi aqui perto, continuou Evaristo; falamos de ti, ele primeiro, a propósito não sei de quê, e falou com bondade, quase que com ternura. Cheguei a crer que era um laço, um modo de captar a minha confiança. Afinal despedimo-nos; mas eu ainda fiquei espiando, a ver se ele voltava; não vi ninguém. Aí está a causa da minha demora; aí tens também a causa dos meus tormentos.
— Não venhas outra vez com essa eterna desconfiança, atalhou Mariana sorrindo, como na tela, há pouco. Que quer você que eu faça? Xavier é meu marido; não hei de mandá-lo embora, nem castigá-lo, nem matá-lo, só porque eu e você nos amamos.
— Não digo que o mates; mas tu o amas, Mariana.
— Amo-te e a ninguém mais, respondeu ela, evitando assim a resposta negativa, que lhe pareceu demasiado crua.

Foi o que pensou Evaristo; mas não aceitou a delicadeza da forma indireta. Só a negativa rude e simples poderia contentá-lo.

— Tu o amas, insistiu ele.

Mariana refletiu um instante.

— Para que hás de revolver a minha alma e o meu passado? disse ela. Para nós, o mundo começou há quatro meses, e não acabará mais — ou acabará quando você se aborrecer de mim, porque eu não mudarei nunca...

Evaristo ajoelhou-se, puxou-lhe os braços, beijou-lhe as mãos, e fechou nelas o rosto; finalmente deixou cair a cabeça nos joelhos de Mariana. Ficaram assim alguns instantes, até que ela sentiu os dedos úmidos, ergueu-lhe a cabeça e viu-lhe os olhos rasos de água. Que era?

— Nada, disse ele; adeus.
— Mas que foi?!
— Tu o amas, tornou Evaristo, e esta idéia apavora-me, ao mesmo tempo que me aflige, porque eu sou capaz de matá-lo, se tiver certeza de que ainda o amas.
— Você é um homem singular, retorquiu Mariana, depois de enxugar os olhos de Evaristo com os cabelos, que despenteara às pressas, para servi-lo com o melhor lenço do mundo. Que o amo? Não, já não o amo, aí tens a resposta. Mas já agora hás de consentir que te diga tudo, porque a minha índole não admite meias confidências.

Desta vez foi Evaristo que estremeceu; mas a curiosidade mordia-lhe a ele o coração, em tal maneira, que não houve mais temer, senão aguardar e escutar. Apoiado nos joelhos dela, ouviu a narração, que foi curta. Mariana referiu o casamento, a resistência do pai, a dor da mãe, e a perseverança dela e de Xavier. Esperaram dez meses, firmes, ela já menos paciente que ele, porque a paixão que a tomou tinha toda a força necessária para as decisões violentas. Que de lágrimas verteu por ele! Que de maldições lhe saíram do coração contra os pais, e foram sufocadas por ela, que temia a Deus, e não quisera que essas palavras, como armas de parricídio, a condenassem, pior que ao inferno, à eterna separação do homem a quem amava. Venceu a constância, o tempo desarmou os velhos, e o casamento se fez, lá se iam sete anos. A paixão dos noivos prolongou-se na vida conjugal. Quando o tempo trouxe o sossego, trouxe também a estima. Os corações eram harmônicos, as recordações da luta pungentes e doces. A felicidade serena veio sentar-se à porta deles, como uma sentinela. Mas bem depressa se foi a sentinela; não deixou a desgraça, nem ainda o tédio, mas a apatia, uma figura pálida, sem movimento, que mal sorria e não lembrava nada. Foi por esse tempo que Evaristo apareceu aos seus olhos e a arrebatou. Não a arrebatou ao amor de ninguém; mas por isso mesmo nada tinha que ver com o passado, que era um mistério, e podia trazer remorsos...

— Remorsos? interrompeu ele.
— Podias supor que eu os tinha; mas não os tenho, nem os terei jamais.
— Obrigado! disse Evaristo após alguns momentos; agradeço-te a confissão. Não falarei mais de tal assunto. Não o amas, é o essencial. Que linda és tu quando juras assim, e me falas do nosso futuro! Sim, acabou; agora aqui estou, ama-me!
— Só a ti, querido.
— Só a mim? Ainda uma vez, jura!
— Por estes olhos, respondeu ela, beijando-lhe os olhos; por estes lábios, continuou, impondo-lhe um beijo nos lábios. Pela minha vida e pela tua!

Evaristo repetiu as mesmas fórmulas, com iguais cerimônias. Depois, sentou-se defronte de Mariana como estava a princípio. Ela ergueu-se então, por sua vez, e foi ajoelhar-se-lhe aos pés, com os braços nos joelhos dele. Os cabelos caídos enquadravam tão bem o rosto, que ele sentiu não ser um gênio para copiá-la e legá-la ao mundo. Disse-lhe isso, mas a moça não respondeu palavra; tinha os olhos fitos nele, suplicantes. Evaristo inclinou-se, cravando nela os seus, e assim ficaram, rosto a rosto, uma, duas, três horas, até que alguém veio acordá-los:

— Faz favor de entrar.

Capítulo III

EVARISTO teve um sobressalto. Deu com um homem, o mesmo criado que recebera o seu cartão de visita. Levantou-se depressa; Mariana recolheu-se à tela, que pendia da parede, onde ele a viu outra vez, trajada à moda de 1865, penteada e tranqüila. Como nos sonhos, os pensamentos, gestos e atos mediram-se por outro tempo, que não o tempo; fez-se tudo em cinco ou seis minutos, que tantos foram os que o criado despendeu em levar o cartão e trazer o convite. Entretanto, é certo que Evaristo sentia ainda a impressão das carícias da moça, vivera realmente entre 1869 e 1872, porque as três horas da visão foram ainda uma concessão ao tempo. Toda a história ressurgira com os ciúmes que ele tinha de Xavier, os seus perdões e as ternuras recíprocas. Só faltou a crise final, quando a mãe de Mariana, sabendo de tudo, corajosamente se interpôs e os separou. Mariana resolveu morrer, chegou a ingerir veneno, e foi preciso o desespero da mãe para restituí-la à vida. Xavier, que então estava na província do Rio, nada soube daquela tragédia, senão que a mulher escapara da morte, por causa de uma troca de medicamentos. Evaristo quis ainda vê-la antes de embarcar, mas foi impossível.

— Vamos, disse ele agora ao criado que o esperava.

Xavier estava no gabinete próximo, estirado em um canapé, com a mulher ao lado e algumas visitas. Evaristo penetrou ali cheio de comoção. A luz era pouca, o silêncio grande; Mariana tinha presa uma das mãos do enfermo, a observá-lo, a temer a morte ou uma crise. Mal pôde levantar os olhos para Evaristo e estender-lhe a mão; voltou a fitar o marido, em cujo rosto havia a marca do longo padecimento, e cujo respirar parecia o prelúdio da grande ópera infinita. Evaristo, que apenas vira o rosto de Mariana, retirou-se a um canto, sem ousar mirar-lhe a figura, nem acompanhar-lhe os movimentos. Chegou o médico, examinou o enfermo, recomendou as prescrições dadas, e retirou-se para voltar de noite. Mariana foi com ele até à porta, interrogando baixo e procurando-lhe no rosto a verdade que a boca não queria dizer. Foi então que Evaristo a viu bem; a dor parecia alquebrá-la mais que os anos. Conheceu-lhe o jeito particular do corpo. Não descia da tela, como a outra, mas do tempo. Antes que ela tornasse ao leito do marido, Evaristo entendeu retirar-se também, e foi até a porta.

— Peço-lhe licença... Sinto não poder falar agora a seu marido.
— Agora não pode ser; o médico recomenda repouso e silêncio. Será noutra ocasião...
— Não vim há mais tempo vê-lo porque só há pouco é que soube... E não cheguei há muito.
— Obrigada.

Evaristo estendeu-lhe a mão e saiu a passo abafado, enquanto ela voltava a sentar-se ao pé do doente. Nem os olhos nem a mão de Mariana revelaram em relação a ele uma impressão qualquer, e a despedida fez-se como entre pessoas indiferentes. Certo, o amor acabara, a data era remota, o coração envelhecera com o tempo, e o marido estava a expirar; mas, refletia ele, como explicar que, ao cabo de dezoito anos de separação, Mariana visse diante de si um homem que tanta parte tivera em sua vida, sem o menor abalo, espanto, constrangimento que fosse? Eis aí um mistério. Chamava-lhe mistério. Ainda agora à despedida, sentira ele um aperto, uma coisa, que lhe fez a palavra trôpega, que lhe tirou as idéias e até as simples fórmulas banais de pesar e de esperança. Ela, entretanto, não recebeu dele a menor comoção. E lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à natureza; a tela guardara o corpo e a alma... Tudo isso borrifado de um despeitozinho acre.

Xavier durou ainda uma semana. Indo fazer-lhe segunda visita, Evaristo assistiu à morte do enfermo, e não pôde furtar-se à comoção natural do momento, do lugar e das circunstâncias. Mariana, desgrenhada ao pé do leito, tinha os olhos mortos de vigília e de lágrimas. Quando Xavier, depois de longa agonia, expirou, mal se ouviu o choro de alguns parentes e amigos; um grito agudíssimo de Mariana chamou a atenção de todos; depois o desmaio e a queda da viúva. Durou alguns minutos a perda dos sentidos; tornada a si, Mariana correu ao cadáver, abraçou-se a ele, soluçando desesperadamente, dizendo-lhe os nomes mais queridos e ternos. Tinham esquecido de fechar os olhos ao cadáver; daí um lance pavoroso e melancólico, porque ela, depois de os beijar muito, foi tomada de alucinação e bradou que ele ainda vivia, que estava salvo; e, por mais que quisessem arrancá-la dali, não cedia, empurrava a todos, clamava que queriam tirar-lhe o marido. Nova crise a prostrou; foi levada às carreiras para outro quarto.

Quando o enterro saiu no dia seguinte, Mariana não estava presente, por mais que insistisse em despedir-se; já não tinha forças para acudir à vontade. Evaristo acompanhou o enterro. Seguindo o carro fúnebre, mal chegava a crer onde estava e o que fazia. No cemitério, falou a um dos parentes de Xavier, confiando-lhe a pena que tivera de Mariana.

— Vê-se que se amavam muito, concluiu.
— Ah! muito, disse o parente. Casaram-se por paixão; não assisti ao casamento, porque só cheguei ao Rio de Janeiro muitos anos depois, em 1874; achei-os, porém, tão unidos como se fossem noivos, e assisti até agora à vida de ambos. Viviam um para o outro; não sei se ela ficará muito tempo neste mundo.

"1874", pensou Evaristo; "dous anos depois".

Mariana não assistiu à missa do sétimo dia; um parente, — o mesmo do cemitério, — representava-a naquela triste ocasião. Evaristo soube por ele que o estado da viúva não lhe permitia arriscar-se à comemoração da catástrofe. Deixou passar alguns dias, e foi fazer a sua visita de pêsames; mas, tendo dado o cartão, ouviu que ela não recebia ninguém. Foi então a São Paulo, voltou cinco ou seis semanas depois, preparou-se para embarcar; antes de partir, pensou ainda em visitar Mariana, — não tanto por simples cortesia, como para levar consigo a imagem, — deteriorada embora, — daquela paixão de quatro anos.

Não a encontrou em casa. Voltava zangado, mal consigo, achava-se impertinente e de mau gosto. A pouca distância viu sair da igreja do Espírito Santo uma senhora de luto, que lhe pareceu Mariana. Era Mariana; vinha a pé; ao passar pela carruagem olhou para ele, fez que o não conhecia, e foi andando, de modo que o cumprimento de Evaristo ficou sem resposta. Este ainda quis mandar parar o carro e despedir-se dela, ali mesmo, na rua, um minuto, três palavras; como, porém, hesitasse na resolução, só parou quando já havia passado a igreja, e Mariana ia um grande pedaço adiante. Apeou-se, não obstante, e desandou o caminho; mas, fosse respeito ou despeito, trocou de resolução, meteu-se no carro e partiu.

— Três vezes sincera, concluiu, passados alguns minutos de reflexão.

Antes de um mês estava em Paris. Não esquecera a comédia do amigo, a cuja primeira representação no Odéon ficara de assistir. Correu a saber dela; tinha caído redondamente.

— Cousas de teatro, disse Evaristo ao autor, para consolá-lo. Há peças que caem. Há outras que ficam no repertório.

Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias histórias. Ed. Martin Claret

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ademar Macedo Publica O Trovadoresco no 68, fevereiro de 2011.


Perdoem a falha. Ademar Macedo (RN) lançou O Trovadoresco segunda feira. Aqui está novamente a excelente seleção de trovas de nosso irmão potiguar. Além das trovas abaixo, muitas outras você pode se deleitar, clicando sobre a figura ao lado para fazer o download do Trovadoresco de fevereiro na íntegra.
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De tanto sofrer na vida,
eu peço a Deus, sem revolta;
– Abra as porteiras da ida,
feche as porteiras da volta.
(Milton Nunes Loureiro/RJ)

Canto as estrelas nos versos,
com minha alma apaixonada...
Vou acendendo Universos...
“Criando luzes...do nada!”
(Gislaine Canales/SC)

Nos extremos desta vida,
um contraste se percebe:
– A Terra chora a partida
daquele que o Céu recebe!
(Osvaldo Reis/PR)

Que barulho o Zé fazia,
na moita de sabugueiro,
e quem passava sentia
que o barulho... tinha cheiro!
(Campos Sales/SP)

Bebo lembranças em tragos,
ao ponto da embriaguez,
para curar os estragos
que a sua ausência me fez!
(Elisabeth Souza Cruz/RJ)

Quando nós somos crianças
tantos sonhos são sonhados.
Hoje…adultos, são lembranças
daqueles tempos passados.
(José Feldman/PR)

Pescaria só tem graça,
se, lá na ponta do anzol,
vem um litro de cachaça,
limão e carne-de-sol.
(Francisco Macedo/RN)

Lino Mendes (Antonio Aleixo: O poeta da Gente)


Foi, sem dúvida, e como alguém afirmou, “um olhar irreverente sobre a sociedade portuguesa. Sendo incontornável que“sob o «ler, escrever e contar» da sua modesta escolaridade, escondia-se o vulto notável de um poeta insigne que, na profundidade filosófica dos seus versos, ditou ao mundo um conceito muito pessoal da própria vida”Mas é de forma modesta que ele próprio se define ao afirmar que

Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado,
sou simplesmente um produto
do meio em que fui criado

Quase analfabeto, teve no entanto quem lhe reconhecesse o mérito, destacando-se nesse campo o Dr. Joaquim Magalhães, que recolheu e publicou parte da sua obra. Por isso Aleixo dizia que:

Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.

Não sei se por cá terá havido, quem por palavras simples tanto tenha dito , e ele até considerava que não tinha vistas largas nem grande sabedoria, mas que nas horas más recebera, lições de filosofia.

Ora, quem não compreende as suas mensagens?

À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.

O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!

Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade
ninguém crê no que ele diz.

Sei que umas quadras são conselhos
que vos dou de boa fé;
outras são finos espelhos
onde o leitor vê quem é.

Nasceu em 1889 e quando morre em 1949, leva consigo o grande desgosto de ver morrer uma filha por carência de tratamento. Homem de grandes vivências --soldado, polícia, tecelão, pastor, cauteleiro,”cantador e tocador por feiras e mercados”—alargou os seus horizontes ao emigrar.

Sobre António Aleixo escreveu-se:

A sua produção poética é um manancial de sabedoria empírica que o poeta manuseia magistralmente e que o povo repete, saboreando, verso a verso, o gosto da palavra.

Subjacente à sua criação, está toda uma sociedade povoada de vícios e mascarada de virtudes. Nos seus versos, encimados pela ironia, está sempre presente a crítica social mordaz, mas autêntica.

Atento à realidade circundante, alude a todos os seus aspectos menos paradigmáticos e incongruentes, com uma perspicácia e argúcia únicas. A época em que viveu foi «radiografada» pelo talentoso poeta. Nos seus versos, focou todas as «mazelas» de que enfermava (e ainda enferma) a sociedade.


«Este livro que vos deixo», «O Auto do Curandeiro», «O Auto da vida e da Morte», o incompleto «O Auto do Ti Joaquim» e «Inéditos», são os títulos publicados, mas o seu espólio será muito mais vasto encontrando-se fragmentado por todo o Algarve, acontecendo ainda que quando da sua morte, por tuberculose,“vários cadernos seus foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo no holocausto do medo. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.

Constituem a sua produção poética. A biografia de António Aleixo é sinónimo fiel da polivalência de um homem: soldado, polícia, tecelão e pastor. Tendo emigrado, afastando-se do acanhado universo do seu Algarve, Aleixo adquire uma visão mais ampla do Mundo. A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório literário. Estudiosos do poeta conjugam esforços no sentido de reunir, no mais curto espaço de tempo, o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários pontos do Algarve, algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo no holocausto do medo. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.

Como espelho de uma autobiografia, registamos uma das mais populares quadras da sua autoria, que traduz bem a multiplicidade das suas vivências.

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardei gado,
Só me falta ser ladrão.

Faleceu em Loulé, sua terra adotiva e solo materno de seus pais e seus filhos, aos 50 anos.

De sua profissão, António Aleixo era apenas cauteleiro. Nos seus versos, refere-se não raras vezes, a esse facto e à contradição que existe em vender aos outros a sorte grande, tendo ele a «sorte pequena».

Fonte:
Lino Mendes (Portugal)

Maranguape/ Ceará



Originalmente terra dos potiguaras, Maranguape viu o branco chegar em 1649 e dominar sua verdejante terra durante cinco anos, quando foi expulso do Brasil. Para a Coroa Portuguesa, aquele pedaço de Brasil não devia parecer interessante o suficiente para ser imediatamente ocupado, pois somente nos primeiros anos do século XVIII iniciou as concessões de sesmarias.

O processo definitivo de povoamento das terras de Maranguape somente ocorreu no despertar do século XIX, com a chegada do português Joaquim Lopes de Abreu. Com Abreu nasceu o núcleo original da atual cidade de Maranguape, um arruado à margem esquerda do riacho Pirapora, ao lado de uma capelinha a Nossa Senhora da Penha, erguida pelo colonizador lusitano. O aglomerado recebeu o nome de Alto da Vila, hoje denominado Outra Banda, para em 1760 ser rebatizado como Maranguape.

Na serra, o português espalhou o café com resultados excelentes, tanto que a produção do fruto no Ceará, meio século depois, era quase toda originária da serra e ainda era exportada. Frutas se agregaram à cultura do café, a localidade cresceu e foi elevada à condição de distrito do Município de Fortaleza. Em ruínas, a capela foi substituída por outra, erguida no lado oposto, à direita do Riacho Pirapora, consolidando-se ali o núcleo central de Maranguape, elevado à categoria de Vila em 17 de novembro de 1851.

Em 1869 Maranguape ganhou o status de Cidade, emancipando-se. Município da Região Metropolitana de Fortaleza, Maranguape tem 646,60 km2, o que corresponde a 0.46% do território cearense, distante 20 Km de Fortaleza. A rodovia de acesso é a CE 065 e os limites ao Norte, Caucaia e Maracanaú; ao Sul, Caridade e Palmácia; a Leste, Maracanaú, Guaiúba e Pacatuba e a Oeste com Pentecoste.

Maranguape está situada no Nordeste do Estado do Ceará, no sopé da serra de Maranguape, a 30 km distante de Fortaleza.

Área: 654,8 km²
Latitude: 3°53’27
Longitude: 38º41’08”
População: 98.429 habitantes
Distritos
Maranguape, Amanari, Tanques, Cachoeira, Ladeira Grande, Lagoa do Juvenal, Papara, Manoel Guedes, Penedo, Itapebussu, Sapupara, Jubaia, Antônio Marques, Vertentes do Lajedo, Umarizeiras, Lages e São João do Amanari.
Clima: Tropical Quente Úmido
Período chuvoso: Janeiro a Maio

Atividades econômicas: Na serra, portugueses espalharam o café com resultados excelentes, tanto que a produção do fruto no Ceará, era quase toda originária da serra e ainda era exportada. Frutas se agregaram à cultura do café, a localidade cresceu e foi elevada à condição de distrito do Município de Fortaleza.

Serras: Maranguape , Lajedo, Aratanha, e Pelada.

Pontos Turísticos: Pico da Rajada, Pico da Pedra Branca, Cume do Lajedo, Mirantes nas serras, nascentes de água cristalina, cachoeiras, rios e riachos.

Manifestações culturais
Maranguape tem uma grande tradição nas expressões artísticas e culturais. Berço de artesãos e bordadeiras. O Richilieu é sua maior representação.Ceramistas, escultores e artistas plásticos fazem o melhor da arte. Entre os eventos podemos citar os festejos juninos com apresentações de quadrilhas, quermesses, barracas com comidas típicas e as tradicionais festas de padroeiros, que ocorre nos 17 distritos durante o ano. Há de se destacar a Vaquejada de Itabebussu, uma das mais tradicionais do Ceará, conhecida mundialmente, que ocorre no Parque Novilha de Prata, localizado no distrito de Itapebussu, a 40 Km da sede do Município.
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A foto acima é do Solar Bonifácio Câmara, construído pela Família Correia na segunda metade do Século XIX, quando o café era o carro chefe da economia de Maranguape. Vindo do arquipélago de Açores em Portugal em 1837, João Correia Martins mandou construir o sobrado, cujas obras demoraram cinco anos para ser concluídas. Influenciado pela arquitetura portuguesa, o prédio foi edificado para abrigar dois usos: em cima, a residência da família e embaixo ponto de comércio. O sobrado pertenceu por quatro gerações à Família Bonifácio Câmara. Atualmente, o Solar Bonifácio Câmara é um bem do Patrimônio Histórico Municipal e é sede da Biblioteca Pública Municipal Capistrano de Abreu com um acervo de aproximadamente 15.000 exemplares, sala de exposições, videoconferência, pesquisa via internet, brinquedoteca e cursos extracurriculares para crianças e adolescentes.

Fontes:
- http://www.brasilcidadao.org.br/
- Prefeitura Municipal de Maranguape. http://www.maranguape.ce.gov.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.116)

Uma Trova Nacional

Num simples gesto de luz,
Cristo nos dando respostas,
abriu os braços na cruz
e nos deixou de mãos postas.
(JOSÉ ANTONIO JACOB/MG)

Uma Trova Potiguar

Tapera, triste tapera,
resto de mansão caída,
imagem da primavera
dos sonhos da minha vida.
(ORILO DANTAS/RN)

Uma Trova Premiada

2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Honrosa

Nos delírios sem alardes
das ilusões artesãs,
há sóis que nascem nas tardes
e luas pelas manhãs!!!
(EDUARDO A. O. TOLEDO/MG)

Simplesmente Poesia

MOTE:
Com pincel remanescente
que a saudade me legou,
pinto a vida sem presente
que o passado me roubou.
(DÁGUIMA VERÔNICA/MG)

GLOSA:
Com pincel remanescente
tentei teu rosto pintar
mas saiu tão diferente...
parece...um gato a miar!...

Na lembrança desbotada
que a saudade me legou,
pareces cana prensada
que só o bagaço restou...

Sou pintor malediscente,
mão-de-vaca e zombeteiro:
pinto a vida sem presente
só pra não gastar dinheiro.

Com a cuca nua em pêlo,
vou cobrar, juro que vou,
cada fio de cabelo
que o passado me roubou.
(JURACI SIQUEIRA/PA)

Uma Trova de Ademar

Com o passar dos meus dias
a própria vida aprimora...
Faz eu viver alegrias,
que sinto apenas por fora!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

O adeus nem sempre é verdade
e a distância pouco importa:
para que surja a saudade,
basta, entre nós, uma porta.
(MÁRIO PEIXOTO/RJ)

Estrofe do Dia

Os relâmpagos luziam
como eletrizantes tochas,
cujas faíscas desciam
riscando os lombos das rochas,
fortes trovões retumbantes
davam tiros ressonantes
como canhões numa guerra;
e os coriscos ardentes
queimavam com raios quentes
os seios moles da terra.
(DINIZ VITORINO/PB)

Soneto do Dia

– Francisco Macedo/RN –
TER FÉ, LUTAR, VENCER...

Sempre que ecoa em mim o sofrimento,
reflexo da derrota que sofri,
reflito: Quis lutar, se não venci,
mas o ato de lutar dá novo alento.

Ter fé, lutar, vencer, é o meu intento,
vou buscando o meu sonho por aí...
Se estou na luta é que não desisti
a coragem e o amor... Meu armamento!

Sim!... Só aquele que cai pode se erguer,
se a gente não lutar, não vai vencer,
sofrerá o remorso do fracasso!

Vou enfrentar as lutas desta vida,
sem correr, não se vence uma corrida:
A trilha da vitória, eu mesmo traço...

Fonte:
Ademar Macedo

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 9. O Enfermeiro)



Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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Leia o conto na íntegra em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/02/machado-de-assis-o-enfermeiro.html
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O conto O Enfermeiro está, certamente, entre os melhores contos de Machado de Assis. Narrado em primeira pessoa a um interlocutor imaginário, é a história do último enfermeiro do rabugento coronel Felisberto, que esgana seu indócil paciente.

Sofre o drama de consciência, intensificado pela herança do pecúlio do velho, mas a culpa arrefece quando se vê reconhecido por sua dedicação extrema. São todos exemplos maduros do realismo machadiano.

O narrador nos relata a história de uma vez em que tinha ido trabalhar como enfermeiro para um riquíssimo senhor de nome Felisberto. Era tão rico quanto ranheta, o que havia motivado os inúmeros pedidos de demissão de enfermeiros anteriores. Por causa disso, o narrador é tratado pelo padre da pequena cidade interior em que estão com toda a atenção, já que é quase a última esperança.

Corre a seu favor o fato de o senhor estar muito doente e, portanto, à beira da morte. Por sorte, o protagonista se mostra como o mais paciente que já havia sido contratado, o que angaria alguma simpatia do velho. Mas a lua-de-mel durou pouco tempo: logo o doente mostrou o seu gênio e começou a tratar rispidamente o enfermeiro. De primeira, agüentou, até que atingiu seu limite e pediu demissão. Surpreendentemente, o oponente amansou, pedindo desculpa e confessando que esperava do enfermeiro tolerância para o seu gênio de rabugento. As pazes voltaram, mas por pouco tempo. A tortura retoma, até o momento em que o idoso atira uma vasilha d’água que acerta a cabeça do enfermeiro. Este, cego com a dor, voa sobre o velho, terminando por matá-lo esganado.

Começa então o processo mais interessante do conto. O narrador remói-se de remorso, mas começa a arranjar desculpas em sua mente para arejar sua consciência (trata-se de uma temática muito comum em Machado de Assis. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas ela já havia aparecido, num capítulo em que o narrador a metaforizava. Quando fazemos coisas erradas, é como se nossa consciência ficasse numa casa sufocada, com todas as portas e janelas fechadas. Então inventamos desculpas, muitas vezes nos enganamos mesmo, lembramos de outros fatos, como se fosse possível, por meio de uma boa ação, real ou inventada, compensarmos falhas, ou seja, abrir a janela da casa e arejar a consciência): o velho tinha um aneurisma em estágio terminal que iria estourar a qualquer hora mesmo. No entanto, para complicar sua situação, quase que como uma ironia, o testamento do velho declara que o enfermeiro era o único herdeiro. O protagonista mergulha num conflito interior, que pensa eliminar doando a fortuna. É mais uma maneira de tentar arejar a consciência.

A partir de então começa o processo mais interessante do conto. Quando as pessoas vêm elogiar sua paciência com um velho tão insuportável, resolve elogiá-lo o máximo possível em público, como maneira de ocultar para a opinião alheia todo vestígio do crime. O pior é que acaba até se iludindo, eliminando de toda a sua consciência qualquer resto de crise. Nem sequer se livra, pois, da herança. Chega a fazer doações, como recurso de, digamos, “arejamento de consciência”. Fica, portanto, a idéia de que muitas vezes o universo de valores internos (o enfermeiro foi criminoso ao assassinar Felisberto) não corresponde ao de valores externos (uma cidade inteira o elogia pela paciência e dedicação a um velho rabugento). E o mais incrível é que, mesmo sabendo do seu próprio universo interno e, portanto, da verdade, o narrador ilude a si mesmo. A literatura machadiana encara esse processo como comum no ser humano.
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Continua… Análise do Conto “O Diplomático”
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

Projeto “ Literatura Por Aí”


Apresentamos a todos o Projeto “ Literatura Por Aí”, desenvolvido pela União Cultural Internacional. Esta ação tem, em seu princípio, os seguintes objetivos:

1) Estimular a prática literária, através da valorização e divulgação das obras literárias de autoria dos escritores membros da UC;

2) Criar um banco de dados detalhado destas obras, e disponibilizá-lo aos membros da UC através de mensagens eletrônicas (e-mail);

3) Incentivar a venda destas obras entre os próprios membros da UC.

A dinâmica de organização e divulgação do Projeto será:

1) Os autores interessados em divulgar suas obras no Projeto devem comunicar seu interesse para o e-mail movimentouniaocultural@gmail.com ;

2) O autor deve enviar, também por e-mail, os seguintes dados:

2.1) Nome do livro;
2.2) Categoria (prosa ou verso);
2.3) Ano da publicação;
2.4) Editora e número de páginas;
2.5) Foto da capa (não-obrigatório);
2.6) Biografia do Autor (máximo 5 linhas);
2.7) Preço.

3) Semanalmente, este Banco de Dados será enviado a todos os membros componentes da UC, contando todas as obras que encontram-se disponíveis para compra;

4) O interessado em adquirir a obra deverá manifestar-se junto á própria UC, que por sua vez encaminhará o pedido ao Autor, encerrando por aí sua participação como intermediária no contato;

5) Finda a negociação entre o Leitor e o Autor, este deverá comunicar á UC do término do processo. À UC caberá registrar a operação.

Observações:

1) À União Cultural não caberá qualquer tipo de comissão ou ônus financeiro advindos da negociação Autor-Leitor, dado tratar-se de entidade sem fins lucrativos cujos estatutos privilegiam, prioritariamente, a promoção do desenvolvimento intelectual e moral dos seus componentes e a disseminação da Paz entre os homens;

2) A União Cultural não se responsabilizará pelas conseqüências advindas desta iniciativa (Projeto Literatura Por Aí), no que diz respeito a eventuais inadimplências ou falhas na entrega das obras adquiridas, uma vez que atua somente como elemento gerador e organizador da ação.

Contamos com a participação de todos para a consolidação e viabilização desta iniciativa.

Benilson Toniolo
Membro do Conselho Nacional – Brasil –
do Movimento União Cultural Internacional
e-mail - movimentouniaocultural@gmail.com


Imagem = http://www.gazetadopovo.com.br/

Humberto Rodrigues Neto (Sonetos Avulsos)


CONTRA-SENSO

Quem dera, oh... Deus, o ser humano fosse
mais fraternal e mais cristão, de sorte
que não herdasse o instinto de Mavorte,
contrário à vida, que é tão bela e doce!

Quanta alma pura fez de Ti o suporte,
e ao mal que nos judia contrapôs-se!
Quanta alma vil, de Ti distante, pôs-se
a criar engenhos de tortura e morte!

Estranha grei de gênios e estafermos,
num conúbio de crentes com pagãos,
eis o que é o homem nos exatos termos!

Sujeito a instintos nobres ou malsãos,
concebe a Ciência pra salvar enfermos
e inventa a Guerra pra matar os sãos!

MIGALHAS

Que mais desejas, afinal, que eu faça
pra ter por meu o que de ti não tenho,
se já cansado estou com tanto empenho
de haurir de ti a mais suprema graça?

Há quanto tempo mendigando eu venho
um pouco mais que esta ventura escassa!
Do amor apenas pingos pões-me à taça
que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!

Somente a um outro, nas liriais toalhas
da mesa de Eros serves tua paixão,
mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!

E ali enjeitado, a farejar o chão,
o meu amor vive a lamber migalhas
que tu lhe atiras qual se fora a um cão!

Fonte:
Pedro Ornellas

Emooby (Editora Portuguesa de E-books)


É com imensa satisfação que comunicamos a criação da EMOOBY, a mais nova e moderna editora Portuguesa.

O nosso escritório situa-se na ilha da Madeira, na morada acima mencionada.

A EMOOBY, é uma editora digital, onde as publicações, edições, serão efectuadas numa plataforma digital, contendo um vasto e diversificado catálogo editorial, reunindo inúmeros autores nacionais e internacionais. Nosso objectivo é utilizar os avançados meios de comunicação como a internet, telemóveis de ultima geração para assim expandir e promover a literatura na sua máxima expressão, a edição de livros, como também proporcionar a todos os autores e escritores maior facilidade e rentabilidade na edição das suas obras.

A criação da EMOOBY vai ao encontro das novas tecnologias e do futuro, das novas plataformas digitais, abrangendo assim um vasto publico. Com a criação da internet, o mundo tornou-se mais informatizado, podendo e devendo ser explorado nas mais variadas formas, na sequência desta informatização e com o numero infinito de utilizadores que poderão usufruir das publicações da EMOOBY. Com uma via de comunicação tão vasta e acessível a todos, devemos utiliza-la para também informatizar e reeducar os novos leitores e as novas gerações. Cada vez mais os jovens estudam em plataformas digitais, devendo as varias entidades reestruturarem-se de forma a tirar o melhor partido desta informatização.

Um estudo recente vem revelar que podem ser precisamente as novas tecnologias que voltem atrair os mais novos para os livros, sendo um incentivo para as crianças regressarem à leitura. Das crianças inquiridas, 57 por cento disseram até leriam um livro, se fosse no e-reader. Um terço das crianças disse mesmo que até leriam mais se tivessem leitores digitais. E a prova de que as tecnologias estão atrair os mais novos aos livros é que 66 por cento dos inquiridos disse que continuaria a ler livros impressos, mesmo que tivesse um leitor digital.

Por isso apostando nas novas tecnologias pode-se considerar que os e-books podem ter um importante papel educacional.

A editora EMOOBY terá ao seu dispor :

• Maior facilidade na edição das obras literárias
• Maior rentabilidade nas vendas e as melhores estratégias de promoção das obras
• Tradução em vários idiomas e de excelente qualidade
• Campanhas para fomentar e incentivar o hábito pela leitura

A EMOOBY se define como editora digital porque publicaremos livros em formato virtual através de processos digitais que logo podem ser armazenados e lidos a partir da rede e descarregados para o computador de uma maneira simples e rápida, assim oferecendo uma excelente oportunidade para incluir ligações a Internet, gráficos e hipertexto (o que faz desta plataforma a escolha ideal para edição de obras e textos de grande referencia .

Com tecnologia de ponta, a implementação e posterior manutenção do banco de livros contará com os devidos processos de digitalização das obras .Com o auxilio de scanners com capacidade de captura de alta resolução e softwares de OCR, documentos e diversas obras literárias poderão ficar disponíveis para os leitores através da nossa plataforma digital.

O processo de digitalização obedecerá, rigorosamente, aos padrões básicos como também o processo de avaliação das obras contará com instrumentos próprios de acompanhamento, seguindo os critérios de avaliação que levarão em conta os princípios de eficiência e efectividade.

Com prazer apresentamos a EMOOBY, sendo a nossa maior satisfação poder tornar-nos futuros aliados. Afinal, nosso principal objectivo é constituirmos como uma ferramenta de referencia e auxilio a cultura, ao ensino e pesquisa, como também atender às expectativas e satisfazer as necessidades, tanto dos nossos leitores como dos nossos parceiros oferecendo as melhores soluções para todos.

A EMOOBY vem competir no mercado globalizado querendo antecipar-se às novas tendências. Porque Transparência, Qualidade e Tecnologia são fundamentais para nossa editora.

Aguardaremos o vosso contacto para eventuais publicações e obterem mais informações sobre os nossos serviços .

Apresentamos a V. Exa. os melhores cumprimentos

Atenciosamente,
João Faria
Sócio-Gerente
Erika Faria
Sócia-Gerente

Contato: pubooteca0@gmail.com

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Fontes:

Colaboração de Emooby