segunda-feira, 30 de maio de 2011

Carlos Leite Ribeiro (O Escritor e a Jornalista)


Mais uma noveleta do magnífico escritor português Carlos Leite Ribeiro, organizador do Portal CEN (Cá Estamos Nós) http://www.caestamosnos.org/
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Maria Linda, uma mulher brasileira de 40 anos, jornalista do Recife (Brasil), e um português de nome Mário Guedes, escritor.

Maria Linda, apaixonou-se por ele, cujo último livro “Ninguém se Esconde atrás do Sol” arrebatou seu coração.

Depois de assinalável êxito em Portugal, Mário Guedes, foi ao Recife apresentar a sua obra. Foi aí que conheceu a Maria Linda a bela Linda...

Tinha chegado há pouco ao Hotel e, depois das formalidades, foi até ao bar tomar uma bebida, quando nas suas costas ouviu uma voz meiga que o interpelava:

Linda - Desculpe incomodá-lo, Sr. Mário Guedes, mas sou jornalista e pretendia fazer-lhe uma entrevista.

Nem ali no bar de um hotel, pouco depois da sua chegada ao Brasil, o deixavam em paz. Virou-se lentamente, respondendo à sua interlocutora:

Mário: Minha senhora, deve estar enganada, pois sou um pobre homem que nem sabe ler nem escrever...

Ela sorriu quando ele a encarou pela primeira vez e pensou logo:
Mário - “Que sorriso mais lindo numa cara tão linda!”

Apesar dos desgostos sofridos na sua vida, ainda apreciava o que era belo.

Mário, virou-se totalmente para a jornalista, pondo-se então à sua disposição. A entrevista foi longa e muito bem conduzida. Sentia-se feliz junto daquela bela desconhecida. No final, disse-lhe que tinha que levar sua bagagem para o quarto e não tinha habilidade nenhuma para a arrumar. Perguntou-lhe se ela seria tão gentil que o pudesse ajudar a arrumar suas coisas. Ela sorriu, hesitou, mas por fim acedeu. Subiram os dois no elevador e, já no quarto, ela ajudou-o a arrumar suas coisas. Notou que ele estava excitado e restringiu-se. No final, ele com a argumentação de lhe mostrar como lhe estava agradecido, pediu para a beijar. Linda tentou resistir àquele pedido, mas foi em vão. Ele, embora carinhosamente, apertou-a com firmeza contra seu corpo, beijando-a nas faces, nos olhos, na boca e já estava no pescoço, quando ela conseguiu desembaraçar-se daqueles braços que mais pareciam tentáculos de polvo. Correndo para a porta, ainda lhe disse:

Linda – Senhor Mário Guedes, desculpe-me mas não é, de maneira nenhuma, o meu modo de estar na vida! Vim só para o ajudar, nada mais…

Quando chegou à rua, bem perto do hotel telefonou ao seu chefe a dizer-lhe que tinha conseguido a entrevista, mas sentia-se mal disposta e, que não ia diretamente para a redação do jornal. O chefe ainda tentou demovê-la, mas foi em vão.

Na manhã seguinte, Maria Linda chegou ao jornal muito cedo e se mostrava bem-disposta. Durante a noite procurou reorganizar suas ideias e colocar o juízo em seu devido lugar. Foi até a redação e começou a transcrever sua reportagem Quando terminou, leu e releu, sentiu-se satisfeita. Muito embora esta entrevista não considerasse ter sido uma das melhores, mas também não seria uma das piores. Foi até ao gabinete de seu chefe para que ele examinasse o texto. Ele leu atentamente sem fazer comentários, após terminar a leitura perguntou: -

Chefe - Minha filha o que aconteceu com você ontem depois da entrevista?

Linda sorriu e respondeu:

- Nadinha, querido chefe, foi apenas um mal estar, nada que uma boa noite de sono e um pouco de repouso não curasse.

Chefe - Olhe que você não me engana, e algo se passa com você. Talvez esteja realmente precisando de umas boas férias. Vou providenciar isso para a próxima semana impreterivelmente... Mas não me engana, garota!

Ela, limitou-se a responde-lhe:

Linda - Obrigada, Sr. Osvaldo.

Já há vários meses que Mário Guedes levava uma vida muito irregular, na sua santa terrinha. Bebia muito e perdia muitas noites a fazer nem sabia o quê, descurando e dispersando a sua fértil imaginação e criatividade de escritor. O pensamento naquela mulher que amava e de seu filho, que tinham morrido num acidente de viação, não o largava.

Para terminar este seu livro, o seu grande amigo José Feliciano (um verdadeiro irmão) teve que tomar conta dele, como um menino se tratasse. O desgosto que tinha levado Mário a este desespero, era conhecido no seio de seus familiares e de amigos amigos mais íntimos.

Quando Maria Linda saiu a correr de seu quarto, ele ficou longos minutos sentado na sua cama. Ficara impressionado pela beleza e inteligência daquela bela jovem. Tanto assim que, Mário Guedes, esqueceu seus desgostos e direcionou seus preciosos pensamentos para outra direção.

Pensou então:
- “É mais uma noite que o sono não vem, sendo que dessa vez os motivos são outros bem diferentes, pois conheci uma mulher que arrebatou meu coração. Não vou conseguir dormir!”


Talvez fosse mesmo seu desejo ficar acordado, pensando e repensando, naquela linda mulher que horas antes tinha conhecido. Pensava como era linda, a sua voz suave, seus olhos pretos, seus cabelos negros eram longos e brilhantes e uma tez ligeiramente moreninha. Não conseguia pensar em mais nada, que, impulsivamente, a havia apertado contra seu peito, fazendo com que a moça se retirasse repentinamente sem enviar-lhe ao menos um olhar, um último olhar. Quem sabe se algum dia ainda a encontraria, para lhe pedir desculpa?

Essa hipótese atormentava-o, tirando-lhe a tranquilidade e o sono.
Querida - Será que alguma vez a iria encontrar de novo?
Seria muita sorte se isso acontecesse...

Mário levantou-se assim que o sol apareceu, sentindo uma forte dor de cabeça e muita sonolência, mas mesmo assim, estava disposto e preparado para a noite da apresentação de seu livro e, quem sabe, rever aquela a mulher que roubou seu coração.

O dia custou a passar, pois parecia mais longo do que os outros. Grande era a sua expectativa. Apesar da ansiedade, Mário Guedes, manteve-se lúcido, longe de bebidas e do fumo. Queria estar sóbrio para admirar aquela beldade, caso ela aparecesse. Uma dúvida assaltou-lhe sua mente:
- “E se ela não estivesse presente no lançamento? Como poderei fazer para encontra-la? Não, não irei embora enquanto não descobrir uma forma de me comunicar com ela, para lhe pedir desculpa e dizer-lhe quanto a amo.”

O tempo passou e já se aproximava da hora de sua apresentação. Vestiu-se a rigor, e desta vez escolheu um terno de cor azul claro realçando com o castanho de seus
olhos.

Linda, dormiu maravilhosamente bem. Antes de se deitar fez uma prece e pediu proteção e a espiritualidade maior, pois no dia seguinte teria de enfrentar mais um desafio que seria suportar aquele olhar, aquele sorriso maravilhoso. Pensou:
Linda – “Deverei ser forte para não me deixar ser conduzida novamente por pensamentos desequilibrados”.

O chefe tinha-lhe agendado outra entrevista com o escritor, depois da apresentação do seu livro. Pensou com seus botões:
“Desta vez ficarei atenta para não cair em certas tentações. Ele é muito bonito e atraente, cheio de charme, mas tomarei todas as precauções necessárias para evitar o pior. A final não o conheço bem e muito menos ele a mim, além do mais, não faz meu tipo, com certeza deverá ter idade para ser meu pai”.
Pensou que seria um verdadeiro absurdo pensar que ele poderia ser o homem da minha vida.
Linda - “Ainda bem que mora em outro país muito distante do meu, e veio aqui somente com a finalidade de apresentar seu livro. Talvez hoje mesmo, se vá embora e não irei vê-lo nunca mais”.

Esse último pensamento causou-lhe um certo incomodo, dor e tristeza:
- “Será mesmo que depois, não o votarei a ver? Meu Deus, esta história não está me fazendo bem. Tenho que buscar o reequilibro, o autocontrole emocional, direcionando meus preciosos pensamentos para a tarefa que devo desenvolver. Preciso de recuperar o fôlego; é imprescindível, para então, preparar algumas perguntas que demonstrem sabedoria e inteligência que ele deve ter. Não quero correr o risco de cometer os mesmos erros da primeira entrevista. Devo mostrar para aquele senhor atrevido que sou inteligente o suficiente para não lhe fazer a vontade de arrumar suas coisas em seu quarto de hotel! Com certeza deve ter rido de minha tolice, e boa vontade de só o quer ajudá-lo! Mas quem é que sua Ex.ª o Sr. Mário Guedes pensa que eu sou? Desta vez, vou estar preparadíssima para que ele não seja novamente insolente. Desta vez ser bem diferente, ai isso é que vai ser!”

Ao despertar Maria Linda, começou a sorrir dos seus pensamentos da noite e pensou naquele adágio popular:
- “A Noite é boa conselheira”.

Pensava ela, mas seu coração não estava de acordo consigo. Se não fosse à apresentação do livro do português, talvez ele nem apercebesse da sua ausência.
- “ Tão Importante como julga ser, nem pensa numa simples repórter como eu. O cara, deve passar a vida, cercado de mulheres lindas e maravilhosas”.

Queria afastar esses pensamentos de sua mente. Por estranho que parecesse, naquele momento Maria Linda foi como que transportada mentalmente para uma daquelas festas frequentadas por artistas famosos e dessa vez ela não estava no serviço profissional, e era convidada do anfitrião. Imediatamente, se projetou na sua tela mental uma imagem já conhecida, era ele, o insolente do português que desfilava ao lado de uma linda mulher. Que raiva! Linda tomou um susto, ao perceber que de seus belos olhos surgiram duas lágrimas que começaram a rolar pelo seu rosto macio e bem cuidado. Sentiu raiva, pois percebeu que poderia estar com ciúmes daquele português insuportável.

Maria Linda, não compreendia o que lhe estava acontecendo, não aceitava o fato de que ele pudesse estar lhe tirando o sossego o equilíbrio mental.
Pensava: “ – Deve ser um bruxo para me enfeitiçar dessa forma, será melhor falar com meu chefe e pedir que indique outro repórter para fazer esse trabalho. Acho que não estou bem de saúde, devo estar ficando louca, é isso mesmo, estou ficando louca, portanto não devo ir a esse evento. Tenho que convencer o Sr. Osvaldo. Dizer-lhe que estou enferma e não posso comparecer hoje à noite na apresentação do livro desse português. Mas que por cargas d’água ele apareceu na sua vida? Se tudo tem um motivo de ser, porque eu ter sido escala para o entrevistar?”

Estava decidida a ir ao jornal tentar convencer o chefe a mandar outro repórter para fazer esse trabalho. Mas estaria mesmo decidida? É que de repente seus pensamentos vieram novamente atormentar – lhe o cérebro:
- “Se não fosse à apresentação do livro, nunca mais o ia vê-lo, e, iria arrepender-se pelo resto de sua vida. Perderia a oportunidade de sentir mais uma vez emoções jamais experimentadas”.

Pensou mais uma vez para com os seus botões:
- “ Será que eu vou perder essa oportunidade? Será que ele também pensa em mim? Ai meu Deus, não posso deixar de ir, tenho que encontra-lo novamente, nem que seja de longe. Mário Guedes, porque você veio da sua santa terrinha para me atormentar ? Eu, estava tão sossegada da vida...”

Nessa manhã, Linda não foi ao jornal. Passou o dia inteiro nos preparativos. Foi de tarde a um shopping e comprou um vestido digno de uma princesa. Mandou arrumar as unhas, cabelos, e uma belíssima maquiagem, que suavizasse ainda mais sua pele delicada, realçando seu lindos olhos, e a boca. No final mirou-se a um espelho, e pensou:
– “Estou linda!”

E até poderia até mesmo ser confundida com uma estrela de cinema internacional. Admirou seu corpo, suas formas bem delineadas e em seus lindos cabelos pretos, com alguns cachos que lhe caiam sobre o rosto. Aquele tratamento havia lhe transformado numa nova mulher. O vestido era justo e modelava seu belo corpo, salientando e seguindo cada curva, cada forma. Pensou alto:
– “Ai português, tu me vais admirar, mas desta vez não me vais tocar, nem sequer com um dedo!”

Mas as dúvidas também a assaltavam: -
- “Será que ele vai me reconhecer? Afinal nos vimos apenas uma vez e não foi por muito tempo! Agora, sinto-me tão diferente! Talvez nem repare em mim, com certeza deve ter milhares de mulheres lindas nesse evento. Ele é um homem famoso e muito atraente e este será um forte motivo para que toda a sociedade esteja presente. Mas não tem importância, estou vestida para sentir-me bem e não para agrada-lo. Mas eu gostava que ele repara-se em mim...”.

Falando em voz alta, entrou em seu automóvel de cor vermelha que coincidentemente da mesma cor de seu vestido. No fundo, estava preparada para o ataque!

Maria Linda chegou ao local do evento, um pouco depois das 19:00 horas. Sua presença causou certo impacto nos homens e despertou inveja em algumas mulheres. Até seus próprios colegas de profissão, não tiravam os olhos dela, e até pararam de correr atrás do escritor português para a cortejar. Claro que observaram sua transformação, sendo que isso somente lhe causava aborrecimento, pois não tinha interesse nesses homens que só pensam em levá-la para cama, Infelizmente existem homens que não conseguem reter em suas mentes por muito tempo, pensamentos que não sejam desse teor, portanto não interessa ser cortejada por esses tarados sexuais é isso que eles são e por outro lado só lhe interessava localizar seu alvo, que era o Mário Guedes, aquele português... Procurou ser indiferente para todos para não ser importunada. Ansiosamente, procurava aquele homem diferente, especial e ao mesmo tempo estranho. E o pior de tudo é que gostava de sua forma de ser e de se comportar.

Maria Linda estava surpresa com a quantidade de pessoas ali presentes. Reconheceu que pela fama do escritor realmente deveria ser um grande evento, mas porém, não contava com tanta gente. Ali estavam pessoas de todos os níveis sociais, além dos fãs e curiosos, estavam presentes rádios, jornais e televisões, e era quase que impossível permanecer no local por muito tempo, contudo não poderia sair sem cumprir com sua obrigação e também queria e precisava ser vista pelo português. Quando por obra do acaso, algo lhe chamou a atenção: Era ele, o português, o Mário Guedes, que estava ali sentado e cercado por fãs e curiosos. Era o momento dos autógrafos, e ele gentilmente, perguntava o nome e escrevia na primeira folha do livro. Apenas um jornalista conseguiu se aproximar e as perguntas que ele fazia eram exatamente as que ela gostaria de fazer, assim, aproveitou o trabalho do colega para concluir seu trabalho dando-se por satisfeita.

Maria Linda, ia se retirando do local por está cansada; o salto de sua sandália era tipo Luís XV, não aguentava mais ficar de pé. Sentiu-se envolvida por uma grande e profunda tristeza, pois queria vê-lo de perto, observar melhor seu comportamento para com os fãs. Decepcionada, começou a andar sem olhar para trás, quando de súbito alguém lhe pega pelo braço e diz:

Feliciano - “Maria Linda, para onde pensa que vai tão cedo? Não pode se retirar dessa maneira, pois o escritor Mário Guedes, precisa muito falar com você. Olhe que por diversas vezes ele tentou fugir da multidão para vir ter contigo, mas não conseguiu, foi então que me pediu para não lhe deixar escapar. Precisa muito lhe falar”.

Maria Linda, caminhava distraída sem rumo ou destino, e sua mente atormentando-lhe com o escritor.

A abordagem deste moço lhe trouxe de volta a realidade, causando-lhe um terrível susto. Foi então que movida por um impulso de raiva, disse-lhe:

Linda - “Quem ele pensa que é? Irei embora sim. Quem vai me impedir? Diga-lhe que não falo com estranhos muito menos se for insolente, e por gentileza largue meu braço”.

Feliciano - “Desculpe mas não queria ofendê-la de modo algum! Eu sou o Feliciano, o amigo e editor do escritor Mário Guedes, e responsável por esta apresentação no Brasil”.

Delicadamente, pedia desculpa e procurava justificativas plausíveis.

Tentava explicar que não era intenção de Mário Guedes magoa-la ou agredi-la, apenas não soube se expressar o que lhe ia na alma, e assim pede-lhe que lhe perdoasse.

Mas Linda, ainda pesarosa de não ter estado com o escritor, não aceitou suas argumentações e saiu imediatamente do local do evento, deixando o Feliciano desesperado com a sua reação. Correu atrás dela e pediu (ou implorou-lhe):

Feliciano - “Por favor Maria Linda, dê-me ao menos o número de seu telefone ou o seu endereço”.

Sem olhar para trás, ela abriu a sua pequena bolsa e retirando de dentro um cartãozinho, que jogou em direção ao seu interceptor que estava atento aos seus movimentos, e ao pegá-lo observou que estava escrito apenas o endereço eletrônico: linda@neocultura.com.br. Depois, saiu quase a correr, sentido duas lágrimas a correr-lhe pelo rosto.

- “Que dia mais decepcionante - pensou então...”

José Feliciano ficou muito surpreendido e admirado com a reação da jornalista, pois não sabia como dar a notícia a seu amigo. Como dizer-lhe que tinha feito tudo errado e mais uma vez deixou escapar a felicidade dele, pensou em voz alta:
- “Eu sou um perfeito idiota e o Mário vai matar-me! E o pior é que ele vai morrer também de raiva e desgosto. Que vida esta!”

Maria Linda, chegou a sua casa por volta das 2.00 horas da manhã, pois antes fora caminhar um pouco pela praia em busca de paz e tranquilidade, daí então pensou:
- “Ainda bem que algumas coisas estão a meu favor como por exemplo: é Domingo e não irei trabalhar, o meu filho Mateus está com o pai, senão quando acordasse, teria que lhe dizer o que aconteceu, pois esse menino tem uma percepção de adulto. Não consigo esconder por muito tempo minhas angústias e dores, e quando não invento uma boa história não me larga. E com esta aparência horrível, ele não se daria por conformado com qualquer desculpa, é um menino inteligente e amável e ocupa quase todos as lacunas na minha vida – pensou em voz alta”.

Foi até ao seu quarto e abriu o zíper do seu do lindo vestido deixando que deslizasse lentamente pelo seu corpo, até cair aos seus pés. Deixou-o sobre o chão e começou a tirar as outras peças até ficar totalmente despida, depois foi ao espelho e ficou admirando seu belo e bem cuidado corpo, pensando:
- “Agora, está tudo em forma, mas daqui a 30 anos estarei com 70 anos de idade, e aí, como estarão minhas formas?”.

Com um sorriso triste nos lábios foi até o banheiro ligou a ducha na posição de Inverno e ficou um longo tempo em baixo do chuveiro, como se quisesse que a água retirasse de sua mente tudo que havia passado naquela noite inesquecível de dor e decepção, e, em seguida, foi deitar-se. Encontrava-se mais calma, e quem sabe conseguiria adormecer e ao despertar confirmaria que tudo não passara de um sonho ou melhor um pesadelo. Mas aquele português...
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Segunda - feira, mais uma semana que se inicia, Maria Linda levantou-se um pouco mais tarde do que o costume, toma um banho rápido por não querer se atrasar para o trabalho, escolhe para vestir uma calça jeans e uma blusa estilo masculino e sai rapidamente, pretende dar tudo de si ao seu trabalho, para assim, não permitir que sua mente lhe atormente com pensamentos indesejáveis. Já estava com a porta aberta para sair quando o telefone tocou. Era o seu chefe:

Osvaldo – “Recebi o teu trabalho por e-mail do evento do lançamento do livro do português. Conforme o combinado, estás dispensada uma semana. Garota, goza bem este período de férias.”

Linda – “Este período de férias calha mesmo bem. Só não sei o que vou fazer… Já sei, vou à região de Caruaru comprar umas roupas para mim e para meu filho.”

Foi nesta bela região do Nordeste brasileiro que a jornalista encontrou um casal amigo de longa data que viviam no Recife e agora moravam na Praia do Francês, já no Estado de Alagoas. Conversa puxa conversa e em determinada altura, o casal Medeiros convidou-a a ir passar uns dias no seu apartamento da praia. Aceitou o amável convite e depois de combinar com o pai de seu filho, para ficar com ele uma semana. Por fim todos rumaram ao apartamento do José Medeiros e da Maria Inês, na tal Praia do Francês.

Dias depois, o casal Medeiros resolveu ir à pesca numa jangada. Maria Linda recusou alegando que enjoava muito dentro de um barco. Assim, a jornalista ficou em terra e, em companhia de uma nova amiga que morava no mesmo bloco do apartamento dos Medeiros, foram tomar banho à praia. Já estavam a algum tempo dentro de água, quando começou a chover e, como não eram grandes nadadores, a água da chuva era mais fria do que a água do oceano. Saíram da água e procuraram um abrigo que as abrigasse da chuva fria, e o melhor (e único) sítio que encontraram, foi um pequeno barco que estava na areia voltado ao contrário. Meteram-se debaixo deste improvisado abrigo, enquanto a chuva caia implacavelmente. Duas horas depois a chuva deixou de cair com intensidade e as amigas regressaram aos respectivos apartamentos.

As horas foram passando e Maria Linda começou a ter fome (insuportável, considerava ela). Tinham combinado que o almoço seria o produto da pesca o que a impedia de poder fazer o almoço. Lembrou-se então que tinha visto umas caixas de biscoitos na dispensa do apartamento. Se pensou, melhor fez e foi comer biscoitos enquanto os anfitriões não chegassem. Por fim chegaram muito cansados e molhados.

Linda – Então a pesca foi boa?

José Medeiros tirou um peixinho que teria sequer um palmo de comprimento:

José – A pesca foi “maravilhosa”! Olha este peixinho…
Linda – Então é esse o nosso almoço?!
Inês – Não minha querida, vamos comprar mantimentos ao supermercado!

No regresso ao Recife, a jornalista recordou este curioso dia. Sorriu e embora perto do seu apartamento, sentiu saudades do seu “cantinho”. Recordou mais uma vez aquele português que ela conhecera e que se tinha portado com ela de uma maneira estranha…

Levantou-se na segunda-feira com aquela sensação de quem termina um período de férias e tem de regressar ao trabalho. E aquele português não lhe saía da cabeça…

Mal chegou ao jornal, foi abordada por uma colega que lhe segredou:

Colega – Maria Linda, você sabia que aquele escritor português, que tu foste fazer a cobertura da apresentação do livro, tem sérios problemas com mulheres e bebidas que é um viciado. Parece que nem tudo são rosas em sua vida, como muitos pensam. Só não sei como é possível um escritor famoso com o Mário Guedes, possa ter problemas tão graves ao ponto de fazer com que ele enveredasse por caminhos escuros como o da orgia e dos vícios?! Sinceramente, não consigo acreditar que isso seja verdade, apesar de que os comentários que surgiram, é o seu empresário toma conta dele, como quem cuida de uma criancinha, mas isso somente quando bebe exageradamente. Comentam também que seu ciclo de amizade está ficando bastante restrito, tendo em vista alguns problemas que ele está atravessando, nos últimos meses. A imprensa está divulgado que Mário Guedes não tem recebido quase nenhuns convites para eventos culturais, e assim, os amigos começam a desaparecer, pois só quando se tem fama, é temos muitos “amigos”. Os motivos que levaram o afastamento de seus supostos amigos, foi alguns problemas que andou metido com a sociedade e a imprensa de Lisboa.

Com esta notícia, a jornalista ficou muito triste e preocupada. Não, um homem como aquele, para ter descido tão baixo, foi por que alguma coisa de grave lhe aconteceu em sua vida, pensava ela:
- “É impossível o Mário ser assim! Quando me abraçou, notei o seu carinho de pessoa muito carente, Não, não me convenço do que ouvi”.

Foi para o seu gabinete, pegou no telefone e pediu à telefonista:

Linda - Por favor, ligue-me rapidamente ao jornal português de maior circulação.

Minutos depois estava em contato com Lisboa. Depois de uma longa conversa com o diretor do jornal português, soube que o grande problema do Mário Guedes foi a perda da mulher num brutal acidente de carro. Perdeu a mulher e um filho de 18 anos. Ficou aliviada com aquela notícia, pensando alto:
– “O “meu” português não é tão mau como o querem fazer. Ai, com os meus miminhos e carinhos, voltaria a ser ele mesmo! Mas a esta hora, o que ele estará a fazer? Vou tentar-lhe telefonar mais tarde, pois o colega de Lisboa até me deu seu número de telefone”.

Pensou melhor e, como boa nordestina e mulher arretada, resolveu ligar à agência para comprar uma viagem aérea para Portugal.

Horas depois estava dentro de um avião a caminho da bela capital de Portugal…

Logo que acabou de atender o telefonema da Maria Linda, o diretor do jornal telefonou em seguida a Feliciano, para lhe contar a conversa que tinha tido com a jornalista. Este, logo transmitiu a Mário Guedes esta conversa.

Mário – E tu já marcaste o meu voo para o Recife?

Feliciano – Claro que não! Ainda estiveste lá há pouco tempo…

Mário – Pois, não percas tempo e vai já á agência de Viagens.

Horas depois, o escritor estava a voar para a capital do Estado do Pernambuco…

Feliciano abriu a porta do apartamento e com grande surpresa encontrou Maria Linda. Ficou sem palavras e foi ela que perguntou-lhe:

Linda – O Mário Guedes está em casa?

Feliciano – Não! O Mário foi hoje para o Recife à sua procura…

Linda – Ho, que doido!

Feliciano – Direi mais: Que doidos vocês são!

No Recife, Mário foi ao jornal onde trabalhava Maria Linda, à sua procura. Todos os que estavam presente se riram e, quando apareceu o chefe Osvaldo disse que a jornalista tinha embarcado para Lisboa, por motivos pessoais.

Osvaldo – Parece que a garota está com problemas de coração…

Saiu do jornal completamente desorientado e sem saber o que fazer. Telefonou para o seu apartamento em Lisboa, mas ninguém atendeu.

Mário – Desta vez mato você, seu Feliciano!

Tentou o telefonema mais de duas horas. Por fim, conseguiu a ligação:

Mário – Por onde tens andado, meu figurão?

O amigo, deu uma grande gargalhada antes de responder-lhe:

Feliciano – Tenho andado a mostrar Lisboa a uma linda mulher e não sei se fiquei apaixonado por ela!

Mário – Deixa-te de graças, pois, não estou com paciência para te aturar. Vamos ao que me mais interessa: a jornalista do Recife esteve aí em casa?

Feliciano – Deixa-me cá ver… jornalista? Quererás tu dizer a Maria Linda?

Mário – Sim, essa mesmo!

Feliciano – Esteve e foi com ela que fui passear. Depois deixei-a num hotel.

Mário – Porque não ficou aí em casa? Esquece. Em que hotel está ela hospedada?

Feliciano – Não me recordo muito bem o nome do hotel…

Mário – Deixa-te de brincadeiras e dá-me o número telefônico e o número do quarto onde está hospedada. Já, já…

Feliciano – E quem te mandou ser maluco e ires para aí? Não fui eu, pois não? Liga-me daqui a meia hora que te darei todos esses dados. Claro, se não morreres antes!

Quando Feliciano lhe deu o nome do hotel e o número telefônico, Mário Guedes tentou logo ligar para Maria Linda. Mas escritora tinha ido numa excursão para visitar os pontos turísticos de Lisboa que incluía uma noite de fados.

Nem jantou nem saiu do quarto nessa noite, e foram as inúmeras vezes que ligou para o hotel. Precisava de falar com aquela bela moreninha que lhe tinha tomado conta de seu coração e dar-lhe volta à cabeça. Pensou alto:
– “Os fados nunca mais acabam e ele nunca mais regressa ao hotel. E eu aqui enervado e sem disposição nem para ler nem sequer ver a televisão. Que vida a minha!”.

Só cerca das 2.30 horas é que conseguiu falar com a sua “amada”, como ele já considerava:

Mário – Até que enfim que a menina regressou ao hotel. Até pensei que passasse a noite a cantar o fado, ou melhor, que se tivesse tornado fadista!

Linda – Que exagero! Que lhe deu na cabeça para me ir procurar aí no Recife?

Mário – O mesmo que te levou a ires à minha procura em Lisboa!

Ambos riram com as alegações um do outro. Já mais calmos, começaram a conversar normalmente sem aquele “arretamento” inicial.

Mário – Bem, tu ficas aí em Lisboa, pois amanhã apanharei o voo da manhã para aí…

Linda – Isso é que não poder ser pois, já marquei o voo de regresso para amanhã de manhã e não há volta a dar pois a agência a esta hora não atende. Olha, espera por mim aí no Recife – de acordo?

Mário – Tenho que estar mesmo de acordo devido às circunstâncias… Estou a pensar ficar cá uns três meses para trabalhar o esboço do meu novo livro…

Linda – Eu vou estudar um convite que me fizeram à pouco tempo de uma agência de notícias, para ser a “enviada especial”, não só em Portugal mas também em Espanha…

Mário – Essa ideia é maravilhosa!

Linda – Então até manhã.

Mário - Dorme bem e se possível, sonha comigo, meu amor!

Fonte:
Texto enviado pelo autor Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal
Imagem por Iara Melo (Portal CEN)

domingo, 29 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 228)


Uma Trova Nacional

Entrou na pancadaria
ao pedir: “Loira suada”!
Sua mulher não sabia
que era... Cerveja gelada!...
IZO GOLDMAN/SP–

Uma Trova Potiguar

Por eu gostar de beber
e de andar desaprumado,
muita gente chega a crer
que eu só vivo embriagado.
–ZÉ DE SOUZA/RN–

Uma Trova Premiada

1997 - São Paulo/SP
Tema: LEITE - Venc.

“O leite é fortificante!”
diz o velho, com carinho;
e o neto: “Que interessante...
Mas você só toma vinho!!!”
–GIVA DA ROCHA/SP–

Uma Trova de Ademar

Ouvia mamãe dizendo:
meu filho, não beba...Pare!
E agora eu só tô bebendo
Cerveja, vinho e “campari”!!!
–ADEMAR MACEDO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

Certo palhaço no palco,
engraçado como quê,
bebeu cachaça com talco,
porque talco é de bebê...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

Estou vivendo nervoso
toda noite tomo um porre,
rezo pra ver se ela morre
mas o que é bom é custoso;
ah! Se um bicho venenoso
mordesse a sua canela,
eu dava mortalha e vela
cova, caixão, água benta;
eita mulher ciumenta
essa que eu casei com ela!
–VALDIR TELES/PB–

Estrofe do Dia

Um dia de manhãzinha
eu cheguei numa bodega,
tinha um cego e uma cega
só tomando da branquinha,
a cega era Chiquinha
e o cego era Diogo;
eu também entrei no jogo
e o que eu vi ali não nego:
a cega puxando o cego
e o cego puxando fogo.
–ALCIDES GERMANO/PB–

Soneto do Dia

–GONGA MONTEIRO/PE–
Os Quatro Bêbados.

Quatro bêbados bebiam numa mesa,
e falavam da vida e tudo enfim.
o primeiro dizia: “Eu bebo assim,
pra poder afogar minha tristeza”...

O segundo, engolindo uma de gim,
diz: a cana é quem faz minha defesa...
Se não fosse a bebida, essa beleza,
minha vida seria muito ruim!

O terceiro, morrendo de ressaca,
diz: eu sinto a matéria muito fraca,
vou parar de beber essa semana!

Grita o outro: não faça essa desgraça,
mande abrir mais um litro de cachaça
que é pra gente morrer bebendo cana!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (Sobre a Poesia Marginal)


Estava assistindo a um programa de TV no Canal TV Câmara, em que se falava em poesia. A pessoa que estava declamando alguns versos soltos, percebi que se chamava Chacal e conversou alguns momentos com uma mulher de nome Heloísa Buarque de Hollanda. Então, lembrei-me de um livro que havia adquirido faz muitos anos cujo título é O que é poesia marginal, de Glauco Mattoso, Editora Brasiliense, 2ª edição, 1982, que encontrei sem mais delongas em uma prateleira de minha biblioteca, onde os livros estão enumerados por ordem de autor e de que também tenho uma relação por títulos. Facilmente encontrei-o.

Daí fiquei sabendo que se tratava de um movimento que surgiu nos idos de 1970 e que agrupava indivíduos que apregoavam uma nova forma de poesia, ou seja, mais livre e coloquial – “o poema não é bom nem ruim/ o poema é uma idéia (Marcelo Dolabela, no livrinho Coração malasarte)”. E como não tinham respaldo de editoras para publicarem seus livros, faziam-no artesanalmente em mimeógrafos , incluindo livrinhos impressos em offset, ilustrados, bem acabados. Assim “em 71, Chacal e Charles lançavam seus primeiros trabalhos mimeografados em tiragem de 100 exemplares, e em Brasília circulava o jornal Tribo, que foi até o terceiro número”.

Ilustrando o que significava aquela incursão na nova escola de poesia, chamada marginal, assim a qualificavam os pesquisadores Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto Pereira, “a poesia marginal, literariamente falando, consiste no estilo coloquial encontrado na maioria dos autores da geração-mimeógrafo, caracterizado pelo emprego de um vocabulário baseado na gíria e no chulo, e de uma sintaxe isenta das regras de gramática, tal como no linguajar falado: qualé o lance? (Ronaldo Santos) – a cana tá brava a vida tá dura (Bernardo Vilhena) – a mão rápida do pivete agarrou a bolsa da velha/ a velha teve um troço & caiu babando na rua (Adauto de Souza Santos) – um orfeu fudido sem ficha nem ninguém pra ligar (Chacal) – a fumaceira fudida veste a cidade grande (Charles) – tem tanto tempo não faz um som (idem) – ano que vem eu compro um fusca (Nicolas Behr) – me manda embora antes das oito/ mas só me traia depois das dez (idem) – o hippie/ foi no shopping/ e feliz, deu um chiliqui (Marcelo Dolabela).

“Tal gênero de poesia seria marginal justamente por representar uma recusa de todos os modelos estéticos rigorosos, sejam eles tradicionais ou de vanguarda, isto é, por ser uma atitude antiintelectual e portanto antiliterária.

“Heloísa, que qualificou esse estilo como uma “retomada” do modernismo de 22, acrescenta que a diferença está na postura, que em 22 teria sido intencional, premeditada, e na poesia marginal seria espontânea e inconsciente.

“Quando saiu a antologia 26 poetas hoje, alguns dos autores tidos como marginais se reuniram com críticos, professores e alunos de literatura para debater teoricamente o “fenômeno poético” do momento. Nessas ocasiões empregavam-se terminologias eruditas ( do tipo espontaneismo, irracionalista, anticabralino) e levantavam-se questões como a de que os novos poetas estavam querendo “matar” Cabral. Puro desperdício de energia, pois, na verdade, o único Cabral morto na história seria o Pedro Álvares, e junto com ele o estilo arcaico da carta de Caminha. Quanto a João Cabral, nada sabia ele dessa “morte”, assim como poucos dos marginais sabiam de sua vida.”(…) (pgs. 32, 33 e 34 do livro O que é Poesia Marginal, de Glauco Mattoso).

De tempos em tempos, sabe-se, surgem manifestações inovadoras na arte poética, quando já a velha forma esteja desgastada. O ser humano tem o dom inerente da criação e a espontaneidade desse movimento, acredito, continuará como abrindo um caminho interminável de renovação para futuros poetas…

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXXVIII – A Raposa Faminta


Era uma vez uma raposa que estava quase morrendo de fome. Desesperada saiu pelo mundo para comer a primeira coisa que topasse. Encontrou um leitão. Agarrou-o.

— Que vais fazer comigo? — perguntou o leitão.

— Devorar-te, está claro.

— Oh — exclamou o leitão — crua minha carne não vale nada — não tem gosto. Veja uma caçarola e um bom forno para assar-me.

A raposa foi procurar a caçarola e o forno: quando voltou não viu nem sombra do leitão. Furiosa da vida, continuou a viagem. Deu com uma cabra. Agarrou-a.

— Que quer fazer de mim? — perguntou a cabra.

— Devorar-te, está claro.

— Assim com pêlo e tudo? Não caia nessa. Vá ver uma tesoura e tose-me primeiro.

Enquanto a raposa procurava a tesoura, a cabra sumiu. Logo depois apareceu um lobo.

— Onde vai, raposa?

— Ando a procurar comida porque estou morrendo de fome.

— Nesse caso acompanhe-me.

Seguiram juntos até encontrar um cavalo. O lobo plantou-se diante dele, com o pêlo arrepiado, e perguntou à raposa: "Está meu pêlo arrepiado? Estão meus olhos soltando fogo?"

— Sim — respondeu a raposa. — E o lobo lançou-se ao cavalo e matou-o. Depois dividiram a carne, comendo até não poderem mais. Estômago, porém, é saco sem fundo. Não há o que o contente. Passados uns dias a fome da raposa voltou. Saiu novamente à caça. Uma lebre vinha vindo.

— Para onde vai, lebre?

— Ando a procurar o que comer — respondeu o animalzinho.

— Neste caso acompanhe-me — disse a raposa com uma idéia na cabeça: imitar o lobo.

Seguiram. Logo adiante encontraram um cavalo. A raposa plantou-se diante dele, com o pêlo arrepiado, e perguntou à lebre:

— Estão meus olhos lançando fogo? A lebre olhou e não viu fogo nenhum.

— Não — respondeu.

— Estúpida! — gritou a raposa. — Responde que sim, senão te mato.

A lebre, com medo, respondeu:

— Sim, estão lançando fogo.

A raposa, então, atirou-se ao pescoço do cavalo.

— Que queres comigo, raposa? — perguntou o animal.

— Devorar-te.

— Não vale a pena — disse o cavalo. — Uso ferradura de ouro no pé direito. Vai lá e tira-a. Poderás com esse ouro comprar quantas coisas de comer quiseres.

A raposa foi pegar a ferradura de ouro, mas pegou o maior coice de sua vida. Muito maltratada, manquitolando, recolheu-se a uma cova, onde começou a filosofar. "Achei um leitão, mas em vez de comê-lo depressa, fui procurar caçarola e forno. Resultado: sumiu-se o leitão. Achei uma cabra mas em vez de comê-la depressa, fui procurar uma tesoura — e lá se sumiu a cabra. Achei um cavalo, mas em vez de comê-lo depressa, fui atrás duma ferradura de ouro — e quase morri dum coice. Sou bem infeliz..."

A cova onde a raposa se escondera ficava ao pé dum morro, no qual apareceu um pastor que a enxergou. O pastor pegou uma grande pedra e zás! — atirou-lhe em cima.

— Ai, ai! — gemeu a raposa. — Levo pedrada até aqui, onde não há ninguém!

E dando um suspiro morreu.
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— É do Cáucaso mesmo, vovó? — perguntou Narizinho.

— Sim, minha filha. Esta história é do folclore da gente do Cáucaso, e como lá é terra de neve, surgem a raposa e o lobo famintos, bichos que muito sofrem durante o inverno.

— E também um pastor — disse Pedrinho. — Nós aqui não temos pastores, a não ser nos versos. Temos vaqueiros, porqueiros — pastor nenhum. Eu, pelo menos, nunca vi nenhum.

— Nos velhos países — explicou dona Benta — há o uso de guardarem-se os rebanhos. A carneirada pasta e um homem — o pastor — toma conta dela. Entre nós o sistema é outro. Os rebanhos vivem largados pelas pastarias.

— Por quê?

— Talvez porque estamos ainda no regime das grandes propriedades. Nos países velhos a terra é muito dividida e toda ocupada. Quando nossas terras ficarem subdivididas como as da Europa, é possível que também apareçam por aqui os pastores.

— Eu gostaria bastante — disse Emília. — Acho lindo isso de pastor, pastora e pastorinha — sobretudo pastorinhas. Como é poético! Todos acharam graça na poesia emiliana.

— Conte agora uma do... do... da Pérsia, por exemplo — pediu a menina.

E dona Benta contou uma história da Pérsia.
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Continua… XXXIX – O Camponês Ingênuo
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poesia e Cafezinho)


Coisas da Roça ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG São Fidélis/RJ “Cidade Poema”

Afiei o fio da faca,
Amolei minha catana,
Serrei a ponta do toco
Cortei a soca da cana.

Afinei minha viola,
Esquentei o meu pandeiro,
Acendi o candeeiro
E varei a noite adentro
Com o som do sanfoneiro.

Contemplei o céu coalhado
Com estrelas cintilantes,
Flertei a linda morena
De cabelo cacheado
Que estava ali tão sozinha
Pois brigou com o namorado.

Botei pra fora a lembrança
Que guardava no meu peito,
Abandonei os preceitos,
Virei de novo criança,
Deixei de lado a razão
E namorei a morena
No luar do meu sertão...

Obstinação
PROFESSOR GARCIA/RN


Quando eu vejo no espelho a crueldade,
que o tempo indiferente me causou,
começo a perceber, que na verdade,
minha infância tão linda já passou!

Até hoje carrego com saudade
tudo aquilo que o tempo me levou,
dos feitiços banais da mocidade
a lembrança foi tudo que restou!

E por lembrar da infância tão querida,
nunca esqueço do amor de minha vida
que descobri na infância, certa vez;

pois este amor, tão lindo e tão sonhado,
inda vive comigo do meu lado,
a encher meu lar de paz e sensateza!

O outro lado da verdade!
CIDUCHA/SP


Estou aqui pensando,
em verdades desconfortáveis e inevitáveis
que entram pela porta dos fundos,
subindo os degraus da escada do entretenimento.
E essa realidade aterradora
vai permeando-me como se fosse veneno...

Tinha seduzido...
Tinha exercido todo o meu encanto,
construindo paredes de mentira.
Engraçado como descrições emocionais são tão adequadas!
Nas poucas ocasiões em que se vivencia,
essas emoções de verdade,
em um resumo perfeito
da minha própria vida no momento.

Perdi a noção do que era certo ou errado...

Apenas com a certeza
que minha história tinha algo a ver
com minhas próprias emoções e pensamentos

E fui imprópria, inadequada e inoportuna.

Mas confesso:
Aqui, agora... apesar de tudo,
trago no rosto o sorriso solto
de quem sabe o gosto do amor...

Pelo menos do amor!

Me perdoa...
GILDA PINHEIRO DE CAMPOS/RJ


Meu Amor Adorado
Me perdoa se te amo tanto
Se já não vivo sem sentir teus beijos,
teus carinhos e teu sorriso...

Se sinto tanta falta,
de conversar, te escutar...

Tua alma perfumada que me guia
na escuridão desta passagem
tão atribulada por esta
encarnação...

Chegaste como uma luz no
final do tunel
Que tudo ilumina e colore...

Pintas de azul meu mundo
e com leveza e amor
me mostras como se é feliz...

Tão simples...mas que
estava fora do meu alcance
por toda minha vida
até agora...

Loucura...delírio...paixão...amor...
Não sei explicar, só sentir...
Te vejo como um anjo
cuja luz forte e clara
tudo ilumina e alegra...

Que assim seja,
eternamente feliz
esse encontro de almas
que cumprem sua missão
e deixam um rastro de amor

De boas sementes,
para germinarem
e se multiplicarem

Fazendo desta passagem
uma semeadura do bem
da alegria, do amor...
Assim seja amado meu!!!

Que Presente Apreciado!
MARIA DA FONSECA

Lisboa - Portugal


Ameixoeira bendita
Mas que belos frutos dás!
Macios, doces, saborosos,
Do que meu Deus é capaz!

Agora ‘stão no cestinho
Já maduros, tentadores,
Como resistir-lhes posso,
Sendo assim prometedores.

São jóias da Natureza
Que a minha Amiga ofertou.
Outras pendentes do ramo,
Que o meu olhar alegrou!

Ameixas ‘scuras, vermelhas,
Redondinhas, sumarentas.
Da mão à boca num ai.
Pois se é assim que me tentas!

Com o cestinho vazio
Eu tas venho agradecer.
Se mais tiveres pra dar
Não as deixo apodrecer.

Magia do Anoitecer
MARGOT DE FREITAS SANTOS/MG


Sobre os braços da preguiceira
Contemplo o entardecer,
O sol que já é longínquo
Traz-me o anoitecer.

Sob o céu de anil brilhante
Meu pensamento vagueia,
Num roldão de lembranças perdidas,
De fadas, duendes e deusas,
Fantasias de pueril menina
Que hoje não as tenho mais.

Hoje mulher madura
Sedenta de grande paixão,
Mergulho no desconhecido
Envolta só na emoção.

E nesse romper da aurora
Entrego-me a devaneios,
E me transmuto de Vênus
Com todo feitiço e esplendor,
Entrego–me de corpo e alma
Nas bruxarias do amor.

Contradição
MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO/RJ


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Para Um Poeta
MARLENE RANGEL SARDENBERG/RJ


Deus o fez poeta. Pobre peregrino
neste mundo de sonhos e ilusões!
Forjou-lhe a alma eterna de menino
pra resguardá-lo das decepções

das horas de espera sem chegada
que ele sente e não consegue entendê-las:
como viver na solidão gelada
quando se está tão perto das estrelas!?

Depois de tropeçar no paraíso,
cair de amores, ainda é preciso
da caminhada encontrar a meta?

Pra conviver com as angústias que o consomem,
sofre, então, como homem que é poeta
por viver como poeta, que é homem.

Quero - Quero
PEDRO EMÍLIO DE ALMEIDA E SILVA/RJ


À tarde nos campos
Dizem os quero-queros aos bandos
Quero-quero!...
Quero-quero!...
Quero-quero!...

Que “querem-querem”
Os quero-queros?
Pobres pedintes das beiras dos brejos!
Se eu soubesse
O quê o quê
Juro-juro
Dava-dava

Pobre-pobre dos quero-queros
Sou estribilho
Um eco...
Eu também quero...
Também quero...
Também quero...

Ponto final...
TECA MIRANDA/MG


Bruma sombria,
dores decantadas
sem rima ou poesia.

Letra amarga
inunda a mente,
aumenta a carga.

Partitura sem escala,
música sem melodia,
voz forte que se cala.

No tablado da vida
cerra-se a cortina,
do palco é banida.

Hoje eu sou um poema
ZENA MACIEL/PE


Hoje acordei com vontade de voar...
voar...voar....voar....
Voar nas asas lépidas de um
épico poema

Ser a musa de um poeta
Deixar o ser flamejar ao vento
Valsar ao relento
Nos braços dos sonhos

Esquecer a minha triste sina
Imundar a alma com
prócleses e rimas
Rasgar a placenta da solidão

Gargalhar ao som de palavras poéticas
Pintar a dor com metáforas azuis
Aplaudir de pé as trovas
Vestir-me de prosa

Perder o controle do tempo
Viajar nos lascivos pensamentos
Beijar a boca do amor
Engravidar o coração

Ser livre!
Viver as loucuras de um poeta
neste mundo de quimeras
Fazer da vida um eterno poema!

Eu Gosto
SÔNIA SOBREIRA


Gosto da chuva, do seu marulhar,
os pingos caíndo com precisão,
do vento alegre que teima em soprar
folhas molhadas, caídas no chão.

Gosto da chuva, do seu gotejar,
águas rolando, enxurrada em roldão,
deixando nas pedras brilho sem par,
como o trabalho de fino artezão.

Gosto da chuva a cair sobre mim,
névoa de prata a envolver meu jardim,
que todo encharcado em brilhos reluz.

Eu gosto de ouvir o som que ela faz,
qual retinir dos mais finos cristais,
jorrando do céu, pedaços de luz

Acendedor de Lampiões
SUELY LOPES


Sentadinhas
na calçada
as menininhas
pedem caixinhas

-Homem, me dá uma caixinha?
Hoje, filhinha
não tem !

Voltando a assobiar
acendendo o lampião
vai alegre
o acendedor
levar LUZ
à Consolação !

Obra Divina
ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE


Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minudenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

Um Coral
REGINA COELI


Todos os dias quando eu me levanto
Dou um bom dia a quatro canarinhos
Que me respondem em tons afinadinhos
Num hino de beleza e de acalanto.

Sinto o divino abrir seu lindo manto
Sobre esses seres, suaves passarinhos,
Que vivem na gaiola tão sozinhos,
Jamais deixando de entoar seu canto.

Canto com eles, louvo as notas belas
Que vêm pintar meu quadro solitário
Com um pincel de pios de canário...

Rasgo meu peito em voos de emoção
E elevo aos céus troféu do coração
Na solidão cantada em aquarelas!

Lua
MÔNICA SERRA SILVEIRA


Quem pode mais do que tu,
Rainha da Noite?
A desafiar o meu olhar
A tirar a minha calma!
A iluminar a escuridão
De minha alma!

Quem pode mais do que tu,
minha Lua brilhante?
Tão perto a clarear
Meus sentimentos
E ao mesmo tempo
De mim tão distante!

Quase posso tocá-la
Mas tua luz me encandeia
És tão bela e tão clara
Quanto de amor estou cheia!

Teu silêncio
NANCY COBO


Não durmo há vários dias…
Sinto tua falta.
O que posso fazer para você me amar?
O que posso fazer para você sentir esse Amor?
Estou apaixonada por você!
Queria poder deitar-me com você
e à luz de velas, te amar,
te amar até cansar…
Depois, fugir com você
para um lugar onde só existíssemos nós dois.

Queria poder trazer para a realidade
todos os meus sonhos.
Não sei como faço.
Precisava, apenas, que você me amasse.
Então, vem você de novo
dizer que quer sua liberdade…

Se é isso que queres, a terás,
Mas prepare-se:
Porque teu silêncio será a tua escuridão.
Ouvir o som de tua solidão vai ser difícil,
porque terás, na tua lembrança,
tudo o que vivemos e o que perdeu.
Mulheres vem e vão,
e você ficará só.

Então, verás o quanto me machucou.
E cada batida do teu coração,
fará você recordar tudo o que vivemos
e num som cadenciado e solitário,
irás sentir tudo o que eu senti,
chorar tudo o que eu chorei.
Amarás o quanto eu te amei,
mas nunca mais receberás
de ninguém, o Amor que te dei.

O sabor da noite
LÍGIA ANTUNES LEIVAS


A noite saboreia-se a si mesma. Não para...
Ansiosa, procura um sonho...
último desejo de saciar-se em seus devaneios.
- Ficar só?... nunca!
Sai pelas ruas.
Entra onde parece achar guarida.
Senta. Um lugar comum

...a mesa, o balcão, o banco, um bar qualquer.
Ao fundo, Sinatra e "My way",
Elis numa canção cujo título se perdeu.
Tipos variados transitam no espaço exíguo.
Cada qual traz na face a palavra não-dita,
reflexo mudo do que lhe vai na alma, no coração.

A noite voltará amanhã
...tantos outros (des)encantos.
A solidão refaz-se sem mudanças.

Locomotiva da vida
JOSÉ FELDMAN


A locomotiva corre
Corre que corre
Corre que corre.

Corre levando a gente
Corre trazendo a gente
E a gente corre e corre
Neste leva-e-traz.

A locomotiva corre e apita
Corre e apita
Corre e apita.

Apita o início do jogo,
Apita a voz de comando
Apita a batalha da vida
Apita a vida passando.

A locomotiva corre e pára
Corre e pára
Corre e pára.

Pára na estação
Pára na carga e descarga
De meus momentos de indecisão.

Vai que vai
Vou que vou
Fico que fico.

E a locomotiva apita
E ela corre que corre
E lá vai ela
E lá vou eu!

Corre que corre,
Corre que corre,
Corre que corre…

Assim
MÔNICA CARNEIRO COSTA


A nossa imagem é a semelhança do Criador.
A criatura não existe,
Ela emana, surge...
Transgride no tempo certo.

O tempo, oh! O tempo!...
Nos é dado e contas ao tempo serão prestadas...
Juntar pedaços, catar cacos, colar trapos é assim:
Somar fatos, calcular ações, multiplicar doações

Assim...

Surgimos de um ventre,
Saímos das entranhas,
Passamos a ser vida fora de um corpo.
Que Mistério é esse que se chama maternidade?...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 227)


Uma Trova Nacional

Embora comprometido,
o fulgor da mocidade
procura encontrar sentido
nos braços da liberdade.
–ANA NASCIMENTO/CE–

Uma Trova Potiguar

A mulher de amor fecundo,
é feliz e se completa;
por ser musa e inspirar fundo
o interior do poeta...
–PAULO ROBERTO/RN–

Uma Trova Premiada

1988 - Nova Friburgo/RJ
Tema: PROCURA - 1º Lugar

Jurei não te procurar...
Jurei, mas quebrei a jura...
Quem ama pode jurar
não procurar, mas... Procura.
–LUNA FERNANDES/RJ–

Uma Trova de Ademar

O meu verso ninguém toma
nem apaga, nem copia.
Ganhei de Deus um diploma...
Eu sou formado em poesia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O murmúrio das gaivotas
em noites de lua cheia,
são canções gravando as notas
nas pautas brancas da areia...
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–

Simplesmente Poesia

–EDLA FEITOSA/PE–
Meu Querer

Eu quero:
A paz do campo, o azul do céu,
O verde do mato, o perfume das flores,
O brilho do sol, o canto do rouxinol,
Uma brisa suave sempre a soprar
E toda paz que eu puder encontrar.
Eu quero:
A gota cristalina de orvalho, A solidão do lago,
Uma casa com varanda, Uma rede a balançar,
O prado, o gado, o gorjeio das aves,
O clarão do luar, a friagem da noite
E muitos sonhos para sonhar.

Estrofe do Dia

Um certo dia de outono,
vendo as plantas se despindo,
pude sonhar que enxergava,
e jurar que estava ouvindo
um florir espreguiçado
de uma flor que vinha abrindo.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Soneto do Dia

–GILSON FAUSTINO MAIA/RJ–
Sacrifício

Inda lembro os botões daquela blusa,
à noite, a provocar meu pensamento...
Desviava o olhar, mas, no momento,
a voz da tentação dizia: - Abusa!

Imaginava o tom de uma recusa,
um afastar-se por acanhamento.
Deveria frear o atrevimento,
não queria perder a minha musa.

Que sacrifício nos impõe a vida!
(Já não retornam mais tantas venturas).
Investir e travar essa investida,

colocar o chapéu em boa altura,
aguardar ser a mão bem recebida
pra não causar transtornos, desventuras.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Rodrigo Ratier (O Desafio de Ensinar a Língua para Todos)


A polêmica sobre o "falar popular" revela a necessidade de dialogar com os alunos não familiarizados com a norma-padrão

- Qué apanhá sordado?
- O quê?
- Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.

É óbvio: o célebre poema O Capoeira, de Oswald de Andrade (1890-1954), está quase integralmente em desacordo com a norma-padrão da Língua Portuguesa. Isso não impede, entretanto, que Pau Brasil, o livro de 1925 em que o texto está incluído, seja estudado nas escolas e frequente as listas de leitura obrigatória das mais concorridas universidades do país.

Do regionalismo de Jorge Amado à prosa contemporânea da literatura marginal, passando pelo modernismo de Mário de Andrade e Guimarães Rosa, refletir sobre as variedades populares da língua, típicas da fala, tem sido uma maneira eficaz de levar os alunos a compreender as formas de expressão de diferentes grupos sociais, a diversidade linguística de nosso país e a constatação de que a língua é dinâmica e se reinventa dia a dia.

A discussão, porém, tomou um caminho diferente no caso do livro Por Uma Vida Melhor, volume de Língua Portuguesa destinado às séries finais na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Um excerto do capítulo "Escrever É Diferente de Falar" foi entendido como uma defesa do "falar errado". Muitas pessoas expressaram o temor de que isso representasse uma tentativa de desqualificar o ensino das regras gramaticais e ortográficas que regem a Língua Portuguesa. De fato, não se pode discutir que o papel da escola é (e deve continuar sendo) ensinar a norma culta da língua.

Conhecer e dominar a comunicação segundo o padrão formal representa, sem dúvida, um caminho poderoso para a ascensão econômica e social de indivíduos e grupos. Acima de tudo, é uma das maneiras mais eficazes por meio das quais a escola realiza a inclusão social: permitir o acesso a jornais, revistas e livros é abrir as portas para todo o conhecimento científico e filosófico que a humanidade acumulou desde que a escrita foi inventada.

Mas, afinal, do ponto de vista da prática pedagógica, está correto contemplar nas aulas a reflexão sobre as variantes populares da língua? A resposta é sim. A questão ganhou relevância com a universalização do ensino nas três últimas décadas. Com a democratização do acesso à Educação, a escola passou a receber populações não familiarizadas com a norma-padrão. Nesse percurso, surgiu a tese de que falar "errado" representava um impedimento para aprender a escrever "certo". Pesquisas na área de didática mostraram exatamente o contrário: o contato com a norma culta da escrita impacta a oralidade. Ao escrever do jeito previsto pelas gramáticas, o aluno tende a incorporar à fala as estruturas e expressões que aprendeu.

Contemplar as variantes da língua exige preparo docente

Não custa enfatizar, entretanto, que o respeito às variedades linguísticas por meio das quais os estudantes se expressam ao chegar à escola não significa que o professor deva abrir mão do ensino da norma culta. Ao contrário. O que se pretende é que a reflexão sobre as relações entre oralidade e escrita leve os estudantes a compreender a linguagem como uma atividade discursiva. Ou seja, um processo de interação verbal por meio do qual as pessoas se comunicam.

Pensar a fala e a escrita como discurso não é pouca coisa: exige competência para planejar a expressão de acordo com o lugar em que ela vai circular (uma conferência acadêmica? Uma conversa no jantar?), levando em conta seus interlocutores (uma autoridade? Um grupo de amigos?) e a finalidade da comunicação (expor um argumento? Relembrar uma lista de compras?). Dessa perspectiva, os gêneros escritos continuam com espaço cativo. A diferença (para melhor) é que você, professor, deve ocupar-se também das situações formais de uso da linguagem oral (seminários, entrevistas, apresentações etc.), igualmente fundamentais para o exercício da cidadania.

Cabe lembrar, ainda, que valorizar os modos de expressão coloquiais é uma opção especialmente válida na EJA. As experiências indicam com clareza que iniciar o trabalho mostrando a utilidade daquilo que os estudantes conhecem é um dos pontos de partida mais eficazes para mobilizar o público dessa etapa de ensino - adolescentes e adultos com trajetórias escolares marcadas pela falta de oportunidades, o abandono e a multirrepetência, vários empurrados para fora das salas por um ensino excessivamente apegado à repetição de nomenclaturas e à memorização de regras estruturais.

Por trás da crítica ao diálogo da escola com os saberes populares está a defesa, muitas vezes inadvertida, de um sistema educacional campeão em evasão, reprovação e analfabetismo funcional. Como o que construímos até hoje.

Fonte:
Revista Nova Escola

sábado, 28 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas no. 226)


Uma Trova Nacional

De cada canto da terra
se espalhe um canto de paz
e pra quem semeia a guerra
não haja perdão, jamais!
–RENATO ALVES/RJ–

Uma Trova Potiguar

Quando uma aurora inaugura
a luz que o sol irradia,
planta um gesto de ternura
nas cores de um novo dia.
–HERBETE FELIPE SOUZA/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - Conc.Int-Fortaleza/CE
Tema: REDOMA - 3º Lugar

Por sofrer tantos açoites
nos meus momentos tristonhos,
pus redoma em minhas noites
para prender-te em meus sonhos.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova de Ademar

O tempo é bom conselheiro,
do tempo eu não me desgrudo.
Quem faz do Tempo um parceiro,
encontra um tempo pra tudo!...
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Fui arquiteto lesado
que projetou, com capricho,
um lindo sonho encantado
que a vida jogou no lixo.
CARMEM OTTAIANO/SP–

Simplesmente Poesia

–CECÍLIA MEIRELES/RJ–
Colar de Carolina

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.

Estrofe do Dia

No trabalho das colméias
me inspiro em meu dia-a-dia,
eu e a abelha laboramos
numa intensa parceria:
ela tira o mel das flores
e eu ponho em minha poesia.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

–THEREZA COSTA VAL/MG–
Conselhos para a Colheita.

Busca plantar sorrisos no caminho,
tenta esconder as queixas, amargores…
Os bons momentos sorve, como um vinho
ou, talvez, o mais doce dos licores.

Com alegria e amor, constrói teu ninho
e segue pela vida, sem temores.
Evita pôr teu passo em descaminho,
as más palavras cerca, com rigores.

Busca plantar a paz, cada momento,
e o sonho replantar, em novo alento,
se tudo parecer desmoronar…

Mantém tua esperança sempre à espreita:
na vida, existe o tempo da colheita
do bem que se viveu sempre a plantar.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://www.mtsmidisvoice.net/siteamigos.htm

Isabel Furini inicia Oficina para Aprender a Escrever Livros Infantis


Iniciará em 06 de junho (segunda-feira, a partir das 14:30 horas) no Solar do Rosário, uma oficina especial para pessoas que desejem escrever livros infantis.

Na oficina analisaremos as técnicas para escrever contos infantis.

Como despertar o interesse de meninos e meninas? Os contos direcionados ao público infantil têm algumas características próprias: a oralidade, a fantasia, a curiosidade, o descobrimento do mundo, o olhar mágico.

Na primeira aula serão analisados alguns contos do ponto de vista dos símbolos. Uma maneira de descobrir a subjetividade e o estágio das crianças que escutarão ou lerão as histórias.

Serão analisadas: a teoria da escada, os elementos da composição literária, a plasticidade da narrativa, os recursos da composição literária.

A oficina, aberta para o público em geral, procura motivar e dar as ferramentas para escrever histórias infantis.

Já orientei essa oficina em vários espaços, entre eles, no Centro Filosófico Delfos, e na Fundação Cultural de Curitiba (2004). O objetivo da oficina é orientar novos escritores, ajudá-los a compreender os mecanismos que tornam agradável uma história para crianças.

Também tive a oportunidade de publicar livros para o público infantil, entre eles Joana a Coruja Filósofa, pela editora Sophos, e a coleção Corujinha e os filósofos, pela editora Bolsa Nacional do Livro, de Curitiba.

A oficina iniciará 06 de junho, e terá duração de dois meses. Será ministrada no Solar do Rosário, no Largo da Ordem. Essa casa senhorial é um cartão postal da cidade, é uma casa assobradada de arquitetura eclética porque, como em todas as casas senhoriais do fim do século XIX , havia uma mistura de estilos: colonial português, francês, alemão, acrescido de características neoclássicas como o frontão com suas volutas curvas, janelas e sacadas.

O Solar do Rosário de propriedade de Regina Casillo foi inaugurado em maio de 1992, e hoje é um complexo cultural que possui Galeria de Arte, Livraria e Editora, Cursos, Oficinas, Antiquário, Molduraria, Restaurante, Casa de Chá e Jardim de Esculturas, além de ceder seus espaços para lançamento de livros e eventos de arte, música, teatro, performances e arte educação.

Os interessados na oficina Como Escrever livros para Crianças podem solicitar mais informações pelo fone (41) 3225-6232, ou pessoalmente na rua Duque de Caxias, 06, Largo da Ordem, Curitiba.

Fonte:
Isabel Furini. Croni-médias

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Nemézio Miranda de Meirelles) In Memoriam


Canoas perde um dos seus baluartes da Cultura cujo soneto abaixo compus pelo seu passamento, na idade avançada de 97 anos e meio, pois iria completar 98 em 19 de dezembro. Faleceu na madrugada de 16 de maio de 2011. Era meu amigo e companheiro de Literatura. Chegou a fundar uma Academia Canoense de Letras.

Velho amigo e confrade de poesia,
que após uma longeva e produtiva
existência, na madrugada fria,
desencarnou a sua imagem viva !…

“Sonetos e Sonatas” têm magia,
que demonstram uma alma sensitiva,
de nobre realidade e fantasia,
que hão de ficar, lembrança rediviva !

Foi Nemézio Miranda de Meirelles,
exemplo de Cultura e honestidade,
para a Literatura que o seduz…

Seus versos derradeiros são aqueles
que transmitem vivências, na saudade
de sua obra final “Raios da Luz”!

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Nemézio Miranda de Meirelles (Livro de Sonetos)


INTROSPECÇÃO

A vida se me vai para o acaso
Mas prezo este ideal que a mim inflama:
O ideal que não tem espaço ou prazo
E queima em mim como agradável chama.

Não tenho este ideal por mero acaso,
Pois meu ser o cultiva e o proclama
E busca reduzir todo o atraso
De um tempo que se foi em vaga trama.

Não maldigo o castigo que redime,
Pois o bem que nos traz é tão sublime
Que a vida nos dá gosto de viver.

Sorrio por ter feito os bens que fiz
Lamento não ter feito os bens que quis
E ter custado tanto a me entender…

INGRATIDÃO


Raiava o dia e logo começava
A pobre mãe o seu penoso afã.
Na busca, para o filho a quem amava,
De um louro para os dias do amanhã.

E ele crescia enquanto ela minguava
Feliz, por nele ver o seu Tupã.
Pobre mãe! O destino reservava
Um triste pago à sua alma tão sã.

Ele hoje possui nome e fidalguia.
E ela pelo seu sonho e sacrifícios,
Doente, esmola o pão de cada dia.

Dos prazeres desfiando a alegre malha,
Ele esquece a mãe em meio aos vícios
E a justiça divina que não falha.

RUSGAS DE AMOR


Depois de tanto afago aprimorado,
Tantas promessas, beijos mil, abraços...
E de sonhos um mundo inacabado,
Azuis, bailando no éter dos espaços,

Não podia passar, apaixonado,
Sem o abraço divino dos teus braços.
Tu, por fugaz momento não pensado,
Não deixarias de seguir meus passos.

Tais rusgas, visão minha de altar mor,
Não fazem nosso amor muito maior:
Impossível se amar com mais ardor...

Ninguém querido como tu me queres.
Sinto-te a mais amada das mulheres.
Não há maior amor que o nosso amor.

ESPERANÇA

Adolescente ainda, eu te deixei um dia,
Tal forte condoreiro, o peito rico em sonhos...
Buscaria ventura - eu levava alegria
E um saco de ideais. Como eu ia risonho!...

E o tempo ia passando e a luta recrescia.
E hoje se às vezes só, o tudo recomponho
Vejo quanto lutei... Como a vida é sombria...
Se não fora tão forte eu cairia tristonho.

O saco de ideais quase completo ainda,
Mais difícil a vida, o corpo mais cansado,
E essa enorme esperança amiga que não finda.

Se por descuido digo às vezes deseolado:
Acho melhor parar... Ouço o peito bramir:
Zomba do teu passado! É lindo teu porvir.

DIAS VAZIOS


É um grande castigo imerecido,
Oito dias sem ter-te nos meus braços.
Sem a tua doce voz, de espaço a espaços.
Planja baixinho o termo de querido.

Meu pobre coração, triste e ferido,
Tem achado esses oito dias baços.
São saudades dos teus quentes abraços,
Do teu suave carinho estremecido.

Na distância através que nos separa,
sinto-me nos teus braços, em teu ninho,
Dando-me essa carícia que sonhara...

Contigo a sós e cheio de desejo,
Eu teço em teus ouvidos um carinho
E esmago teu sorriso com meu beijo.

ESTA MULHER

Esta mulher, meus senhores,
A rainha do meu lar,
É deusa dos meus amores,
É musa do meu sonhar.

É grande nos dissabores,
É grande no seu cantar,
Merece hinos e flores,
Merece sol e luar.

Pra sermos sempre felizes
Ela perdoa os deslizes
Com tal graça que encanta.

E pensativo eu contemplo,
O nosso lar como um templo,
E dentro dele uma santa.

CONSELHOS (Ao meu filho)

Filho adorado ! Surges para a luta,
Para essa luta que se chama vida.
Antes porém de começar escuta
A voz da experiência, adquirida

Por teu amigo e pai, que já labuta
Há cinco lustros, de alma enobrecida,
Bem alheio ao pesar que a alma enluta,
Sem blasfemar no mundo em grande lida.

Ama e respeita a Deus, eternamente,
Teus pais e mestres teus, respeita e ama,
Ama tua pátria e toda Humanidade.

Aos que errarem ensina a ser clemente,
Respeita a virgindade e a sã velhice,
Ama o saber, o bem, ama a verdade.

QUE MUNDO É ESTE?

Que mundo é este, de miséria e lama,
De tanta corrupção e tanto crime,
Que o homem ao mesmo homem oprime
Por instinto infernal, inglória fama?!

Que mundo é este que põe num mesmo time
E retrata por igual, na mesma gama,
A meretriz vulgar, a casta dama,
Lupanar que cai, templo que redime?!

Justas leis não têm soluções mágicas.
E por isso teremos horas trágicas
Quando chegar o dia do juízo.

Somento a volta a Deus, ao seu rebanho,
Transmutará toda derrota em ganho,
Males do inferno em bens do paraíso.

VERSO E REVERSO


A vida eu levava assim aos trambolhões,
Entre sonhos de amor, entre noites de orgia.
Acostumei a dar para minhas paixões,
Todo o grande esplendor de minha fantasia...

O perfume, a mulher, a música, os serões
E o retinir de taça eram minha alegria.
Por um prazer qualquer eu semeava ilusões,
Desenganos em troca era quanto colhia.

Por fim cansou-me um dia essa existência inglória,
E o passado esqueci, sem remorso e sem ais.
Soava ao longe um toque, um toque de vitória.

E dei tudo por ti, entre albores serenos...
Foste na minha vida uma ilusão a mais,
Que me viria dar quão desenganos menos.

RESSURREIÇÃO

Ressuscitar para a luz é o caminho
E voltar para o bem, seja quem fores.
Não programes solver o bem sozinho
Nem aos outros querer doar tuas dores.

Por mais que tenhas semeado espinho,
Tenhas haurido fétidos odores,
Ainda há tempo de trocar carinho,
De respirar o ar puro dos condores.

Vamos, dá-me tuas mãos, olvida o ontem.
Torna-te outro, não queiras que te contem
Onde chegaste após errar a trilha.

E se voltares um dia ao abismo,
Que seja por amor e altruísmo
Para levar alguém à luz que brilha.

BIFURCAÇÃO

E chegou-se a um profeta, de joelhos,
Um homem que se sentia amargurado.
E desatou pecado por pecado.
E o refletir atroz de seus espelhos.

- Que me dizes? Mudar quero meu fado.
Reclarear os meus olhos vermelhos.
Diz-lhe o profeta: - Vai. Estás mudado !
- Mas te relembro, à guisa de conselhos:

Se viveres no mal, foge ao acúmulo.
Na natureza há sempre vago um túmulo,
Pra todo aquele que descumpre a Lei.

Não condena o bem ao abandono.
Na natureza há sempre vago um trono,
Pra todo aquele que se faz um rei.

Nemézio Miranda de Meirelles (1913 – 2011)


Natural de Salvador, Bahia, Nemézio Miranda de Meirelles nasceu em 19 de dezembro de 1913. Faleceu em 16 de Maio de 2011.

Aos 16 anos, foi revisor do Diário da Bahia, em Salvador. Aos 18, em 1932, foi para o Rio de Janeiro e, no ano seguinte, fazia parte de um grupo de jovens idealistas que fundou a edição “O Ideal”, no bairro Marechal Hermes.

Meirelles chegou em Canoas em 1935, transferido da Escola de Aviação Militar, sediada em Campo dos Afonsos, no Rio de janeiro.

Em 1953, formou-se em Odontologia pela UFRGS - Universidade do Rio Grande do Sul. Exerceu a profissão até 1965, em Porto Alegre e Canoas.

Casou-se com Filomene Nienow, com quem teve dois filhos: Flávio (1938 - 2000), e Ângela (1949).

Fundou “O Cruzeiro”, o primeiro jornal de Canoas.

Em 8 de agosto de 1985, recebeu da Câmara de Vereadores, por iniciativa do então vereador Ivo Lech, uma homenagem pelo cinqüentenário da imprensa canoense, sendo agraciado como Patrono da Imprensa.

Em 2001, foi patrono da 17ª Feira do Livro de Canoas. Meirelles foi agraciado com a Medalha Duque de Caxias pelo Exército Brasileiro e recebeu do Ministério da Aeronáutica Brasileira três condecorações: Medalha Santos Dumont, Cavaleiro da Ordem do Mérito e Membro Honorário.

O escritor presidia a Academia Canoense de Letras, a qual criou e é co-fundador da Associação Canoense de Comunicação Social.

Fundou e presidiu a liga Atlética Canoense, que dirigia o voleibol, o basquete e o atletismo.

Foi diretor do Interior da Federação Rio-Grandense de Futebol e diretor na Federação Atlética Rio-Grandense (Farg), cargo no qual desempenhou a missão de receber e acompanhar as delegações estrangeiras participantes do Campeonato Sul-Americano de Voleibol.

Como atleta, foi campeão de voleibol pelo Exército, no Nordeste (6º R.M.), campeão universitário gaúcho e campeão regional.

No basquete, foi campeão canoense muitas vezes e campeão regional.

No futebol foi campeão canoense vários anos.

Praticou capoeira, box, luta-livre e jiu-jitsu. Disputou provas de corrida de fundo, como a São Silvestre de 1932, pelo Botafogo carioca, como preparativo para as Olimpíadas de 1932, nos Estados Unidos.

A revolução paulista desfez o sonho e a aspiração de competir com os melhores do mundo. Além de dirigente e atleta, foi árbitro de futebol , voleibol e boxe, no Rio de Janeiro e em várias cidades do Rio Grande do Sul.

A Liga Canoense de Futebol concedeu-lhe o título de Presidente Benemérito, por unanimidade de votos, em reconhecimento ao seu trabalho em prol do esporte canoense.

Cidadão Canoense Honorário, Meirelles é o único remanescente dos que lutaram pela emancipação política de Canoas. Militar no ar e em terra, disciplinado e disciplinador, foi também suplente de deputado federal.

Escritor, pensador, palestrante e jornalista, contactou pessoalmente com importantes vultos e personalidades, como Ruy Barbosa, Santos Dumont, vários presidentes da República, Sacadura Cabral e Gago Coutinho (os primeiros aviadores a atravessar o Atlântico), além de testemunhar grandes fatos e acontecimentos da História do Brasil.

Publicou os livros “Sonetos e Sonatas” e “Raios da LuLinkz”, além de ser autor de inúmeros artigos em jornais e revistas do RGS e do Brasil.

Lançou o seu novo livro "Estrelas cadentes" durante a 24ª Feira do Livro de Canoas / 2008.

Fonte:
Casa do Poeta de Canoas.

Cecília Meirelles (Antologia Poética II)


RUA DOS ROSTOS PERDIDOS

Este vento não leva apenas os chapéus,
estas plumas, estas sedas:
este vento leva todos os rostos,
muito mais depressa.

Nossas vozes já estao longe,
e como se pode conversar,
como podem conversar estes passantes
decapitados pelo vento?

Não, não podemos segurar o nosso rosto:
as mãos encontram o ar,
a sucessão das datas,
a sombra das fugas, impalpável.

Quando voltares por aqui,
saberás que teus olhos
não se fundiram em lagrimas, não,
mas em tempo.

De muito longe avisto a nossa passagem
nesta rua, nesta tarde, neste outono,
nesta cidade, neste mundo, neste dia.
(Não leias o nome da rua, - não leias!)

Conta as tuas historias de amor
como quem estivesse gravando,
vagaroso, um fiel diamante.
E tudo fosse eterno e imóvel.

CANÇÃO A CAMINHO DO CÉU

Foram montanhas? foram mares?
foram os números...? - não sei.
Por muitas coisas singulares,
não te encontrei

E te esperava, e te chamava,
e entre os caminhos me perdi.
Foi nuvem negra? maré brava?
E era por ti!

As mãos que trago, as mãos são estas.
Elas sozinhas te dirão
se vem de mortes ou de festas
meu coração.

Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for.

Tudo que tenho é haver sofrido
pelo meu sonho, alto e perdido,
- e o encantamento arrependido
do meu amor.

OS GATOS DA TINTURARIA

Os gatos brancos, descoloridos,
passeiam pela tinturaria,
miram policromos vestidos.

Com soberana melancolia,
brota nos seus olhos erguidos
o arco-íris, resumo do dia,

ressuscitando dos seus olvidos,
onde apagado cada um jazia,
abstratos lumes sucumbidos.

No vasto chão da tinturaria,
xadrez sem fim, por onde os ruídos
atropelam a geometria,

os grandes gatos abrem compridos
bocejos, na dispersão vazia
da voz feita para gemidos.

E assim proclamam a monarquia
da renúncia, e, tranqüilos vencidos,
dormem seu tempo de agonia.

Olham ainda para os vestidos,
mas baixam a pálpebra fria

O CANTEIRO ESTÁ MOLHADO

O canteiro está molhado.
Trarei flores do canteiro,
Para cobrir o teu sono.
Dorme, dorme, a chuva desce,
Molha as flores do canteiro.
Noite molhada de chuva,
Sem vento, nem ventania,
Noite de mar e lembranças..."

DEPOIS DO SOL

Fez-se noite com tal mistério,
Tão sem rumor, tão devagar,
Que o crepúsculo é como um luar
Iluminando um cemitério . . .

Tudo imóvel . . . Serenidades . . .
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!

Oh! Paisagens minhas de antanho . . .
Velhas, velhas . . . Nem vivem mais . . .
— As nuvens passam desiguais,
Com sonolência de rebanho . . .

Seres e coisas vão-se embora . . .
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar,
Que parece Nossa Senhora

Pelos silêncios a sonhar . . .

O MENINO AZUL

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

SONHOS DA MENINA


A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

O CAVALINHO BRANCO


À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

LAMENTO DO OFICIAL POR SEU CAVALO MORTO


Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

Fonte:
http://www.astormentas.com/

A. A. De Assis (O Dente Penhorado)


O distinto entrou numa fase de vento contra, perdeu tudo, ficou devendo a meio mundo, inclusive ao verdureiro. Uma nota comprida em tomate, alface, cenoura, a salada completa. Acontece que o verdureiro, homem pacato mas inimigo dessa coisa de levar cano, bateu pé firme. Encostou na parede o infeliz, a peixeira na mão, a voz enfezada: “Se o senhor não tem dinheiro, me pague com algum objeto... de mão vazia não volto”.

Nada havia a oferecer: a casa, o carro, os eletrodomésticos, os passarinhos com gaiola e tudo, os ternos, a bicicleta do filho, os outros credores já haviam levado. Mas o homem insistia: “Alguma coisa havera de ter sobrado... já sei... esse dente aí, esse dentão de ouro que o senhor tem na boca, levo ele, deve estar valendo pacas. Ou levo ou o senhor penhora ele e me paga o que deve”.

“Penhorar não dá – explicou o devedor – eu acho que ninguém aceita dente no prego. Que ideia mais estapafúrdia...”. O credor não quis saber de desculpa: “Se ninguém aceitar, eu aceito. Quando o senhor puder, me paga com juro, e aí então devolvo a joia”.

Era um dente de estimação, belo canino colocado nos bons tempos, adorno que lhe garantiu muitos sorrisos irresistíveis, um tesouro mesmo. Tudo, menos penhorar tal peça.

A peixeira brilhou, a voz do verdureiro cada vez mais medonha, era ceder ou ter a barriga furada. Mas como extrair o dente, se ele não tinha como pagar ao dentista? “Não tem mistério – emendou o credor – pago eu a conta ao doutor e debito em sua dívida. O ouro tá subindo de preço, deve cobrir tudo isso”.

Recibo passado, o homem levou a joia e um documento em que o devedor lhe dava autorização para vender o objeto empenhado, caso a dívida não fosse paga após seis meses.

Nesse meio tempo o devedor se encalacrou mais ainda, sumiu, dizem que se mandou para a Amazônia, sabe-se lá. Terminado o prazo, o verdureiro esperou mais algumas semanas, até que de repente começou a desfilar sorrindo mais que nunca. Achou melhor não vender o dente, seria um desperdício. Instalou a preciosidade na boca e se realizou.

Se algum dia você encontrar por aí um verdureiro ostentando vislumbroso dentão, pode ser que não seja o mesmo, mas também pode ser que seja. Por via das dúvidas, melhor pagar pontualmente as alfaces que dele comprar...

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

William Shakespeare (Depois de algum tempo)


“Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoa-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.

Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distancias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem da vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendermos que os amigos mudam, perceber que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas que você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa – por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pois pode ser a última vez que as vejamos.

Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nos somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.

Aprende que não importa aonde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute quando você cai, é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.

Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.

Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.

Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.

E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida”!

“Nossas dádivas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar”.

Fonte da Imagem:
http://anormal-anm.com/?p=3750

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas no. 225)


Uma Trova Nacional


A distância não me impede
de te querer e esperar...
porque o coração não mede
nada além do verbo amar!...
–MARISAVIEIRA OLIVAES/RS–

Uma Trova Potiguar

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - J.F. de Fortaleza/CE
Tema: FEITIÇO - 1º Lugar

Quem se vale da mentira
deve lembrar-se, primeiro,
que um dia o feitiço vira
contra o próprio feiticeiro!
–ANTONIO JURACI SIQUEIRA/PA–

Uma Trova de Ademar

Quando o destino é cruel
na vida de um pecador...
Seu pão tem gosto de fel,
feito com massas de dor!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O teu agrado me acorda,
o teu carinho me esquenta.
Sou um boneco de corda
que tua mão movimenta.
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.
-CECÍLIA MEIRELES/RJ-

Estrofe do Dia

Poesia é sentimento,
tudo que contem beleza,
os feitos da natureza
os pássaros, o firmamento
a chuva, a neblina, o vento
a maré, a maresia,
uma aragem branda e fria
sussurrando seus rumores;
são todos esses primores
os focos da poesia.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

–RACHEL RABELO E GILMAR LEITE/PE–
Quimera

No meu sonho, deleite de prazer,
abraçada no teu verso moreno,
sinto o gosto vibrante do querer,
derramando os orvalhos no sereno.

Envolvido nas flores do viver
descobri no teu corpo acuçeno,
um perfume suave me aquecer
que deixou meu desejo bem ameno.

Quando acordo, voltando pra verdade,
vejo o sol mostrar a realidade:
nossos corpos distantes, separados.

Mas resta o navio do sentimento
onde os sonhos viajam como o vento
pra tornar os desejos atracados.

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José Faria Nunes (A Confissão)


Mente em conflito, Jurandir caminha. Cabisbaixo, remoendo a dúvida, aproxima-se da igreja, ou melhor, do templo. Confessa ou não confessa?

Católico por tradição, busca sua igreja para harmonizar-se com seu interior.

Já na praça olha o templo que se abre acolhedor à sua frente com sua arquitetura barroca. Nem imagina que dois séculos passados, durante o governo do príncipe regente (a rainha perdera as condições de governar), fosse ali o local de evidência da elite de então, da nobreza de sangue azul e de títulos. Mais de títulos. Combinação perfeita de novos ricos em ascensão e uma nobreza esfacelada, maior parte permanecida em além mar, na velha Lisboa.
Sangue azul ou não, era a elite o centro das decisões políticas, econômicas e sociais. Dos tempos áureos restaram apenas os detalhes físicos do prédio e do mobiliário, dando ares de sobriedade, lembrança dos tempos em que as jovens com seus véus e vestes brancas entoavam cânticos ao som do órgão e as senhoras com véus pretos rezavam o terço, pois da missa em latim nada entendiam. Apenas a homilia ou o sermão eram na língua pátria.
Hoje os freqüentadores do templo são de classe média, de pobres e alguns até abaixo da linha de pobreza.

A nave da igreja vazia revela os novos tempos de uma comunidade onde os valores ganham novas significações. Por certo nos bares as mesas e cadeiras já invadem as calçadas e em alguns deles até as pistas de rolamento dos veículos.

Jurandir, homem que daqui a menos de dois anos entra na conta dos sexagenários, ajoelha-se no confessionário entalhado, ornado em ouro, assim como o altar e o teto do templo. Do outro lado da treliça do confessionário o confessor mal ouve o seu ato de contrição. Lê o Missal para, logo mais, mais uma missa celebrar.

- Quanto tempo faz que não confessa? – Pergunta o padre, ao interromper a leitura.

- Nem sei, padre. Faz muito tempo. - Responde Jurandir, modos desajeitados, peixe fora do aquário, muito tempo fora da igreja.

- Tudo bem. Conta seus pecados. – Diz o padre voltando a atenção para o missal.

- Pois é, padre. Eu, que cheguei a esbravejar a igreja quando jovem e até a negar a proficiência da fé, estou arrependido. Muito erro fiz. Erro, inclusive, de interpretação de textos da bíblia, a exemplo dos referentes ao matrimônio. Explico melhor. Nos Evangelhos, onde se diz que o homem é a cabeça da mulher, eu entendia que a ele caberia administrar a sociedade conjugal. Onde diz que a mulher deve ser submissa ao marido, eu entendia submissão como no dicionário: “ato ou efeito de submeter-se”; ou então “disposição para aceitar a dependência”. Isso conforme o Aurélio, que acrescenta no termo submisso: “que se submete ou se sujeita”; “obediência, humildade, respeito”. Enquanto isso, ao homem caberia amar a mulher, sacrificar-se nos trabalhos mais duros, se necessário, mas com a prerrogativa dos dizeres bíblicos. Hoje sei de meu equívoco ao interpretar referidos textos e venho confessar meu erro. Admito que tenha entendido tudo às avessas. Não quanto nas responsabilidades dos homens, ou até mesmo nestas. Além de provedor deve também o homem ombrear-se nas tarefas domésticas, ajudar a mulher nas atribuições que antes pensava eu que não fossem responsabilidade do homem. Errei mais uma vez. Errei quando não aceitei que aquela que me foi declarada esposa, nos termos do texto bíblico fizesse o contrário. A mim caberia também o dever de obediência a ela, de submissão, de aceitar suas ordens e imposições, seu direito de falar e o meu dever de apenas ouvi-la. Ouvi-la e atender a sua vontade, ampla, geral e irrestrita. Errei, padre, pois resisti e não a obedecia em tudo. Errei quando pensei que eu, de acordo com o texto bíblico com a interpretação dos dicionários, poderia ter autonomia de locomoção, de livre arbítrio, de decisão em meus negócios, de agir como sujeito. Mas a realidade é outra, não é, padre? Ainda bem que o senhor não se casou. Já pensou o senhor ter que perder sua autonomia até de pensar ou de falar? Nem de escrever ou ler? Já nem digo de fazer, de agir. A mulher é quem pode, ao homem cabe obedecer. Sabe qual o verbo que ela mais aprecia? O impositivo verbo ter: você tem que... isso, tem que... aquilo, etc. e tal. E eu só percebi que estava errado quando entendi melhor a pregação religiosa. Os padres, os diáconos, os pastores, têm apresentado interpretações diferentes para aqueles dizeres bíblicos. Os dicionários bíblicos, por certo, têm conceituações diferentes das dos dicionários de sinônimos, não é, padre? Para a bíblia submissão tem outro sentido, não é? Ser cabeça do casal, conforme a bíblia, quer dizer diferentemente do que eu entendia, não é? Pelo menos de uns tempos para cá, não é? Por tudo isso é que estou arrependido, padre, e estou aqui para confessar meus pecados.

Pecados de entender errado a bíblia e agir de acordo com o que eu entendia antigamente. Mas agora é diferente, padre. Eu sei que estava errado e quero me redimir. Venho pedir perdão por todos os meus pecados. E para terminar, padre, considerando que eu sou fraco e não vou dar conta de seguir a bíblia de acordo com as novas regras que agora sei que são as corretas, preciso de uma nova postura de vida. Não quero mais desobedecer as ordens, as diretrizes, o comando daquela com quem me casei. E como não dou conta de cumprir esses mandamentos bíblicos de submissão e obediência, agora conforme os dicionários, decidi: para não mais errar ou para errar menos, só tenho um caminho, padre: o divórcio.
Agora pode ditar a penitência que devo fazer, padre. Por tudo isso, peço perdão.

Jurandir percebe que o padre caiu em sono profundo, certamente pela desimportância de sua confissão.

Levanta-se com cautela, olha a igreja agora quase cheia, caminha contrito para ajoelhar-se diante do altar. Começa a rezar o terço, penitência que julga compatível com os tantos pecados confessos. O padre determinaria penitência menor?

Na parede de acesso ao confessionário, uma fila de fiéis que aguardam para se confessar.

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