sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Monteiro Lobato (O Saci) XIII – Novas Discussões; XIV – O Medo


XIII – Novas discussões

Tinham de esperar a meia-noite, porque só a essa hora é que os duendes da floresta saem de suas tocas. Para matar o tempo, o saci começou a explicar a Pedrinho o que era a vida na natureza.

— Você nunca poderá fazer idéia da vida encantada que temos por aqui — disse ele.

— Ora, ora! — exclamou o menino. — Não há o que os homens não saibam. Vovó tem lá uma História natural que conta tudo.

O saci riu-se e tirou uma baforada do pitinho.

— Tudo? Ah, ah, ah!... Livros como esse não contam nem isca do que é, e estão cheios de invenções ou erros. Basta dizer que para cada inseto seria preciso um livro inteiro só para contar alguma coisa da vidinha deles. E quantos insetos existem? Milhões...

— Em todo caso — volveu Pedrinho — nós, homens, pomos o que sabemos nos livros e vocês, sacis, não escrevem coisa nenhuma. Nunca houve livros entre vocês, e quem não escreve obras não pode ensinar aos filhos o que sabe.

— Não temos livros — disse o saci — porque não precisamos de livros. Nosso sistema de saber as coisas é diferente. Nós adivinhamos as coisas. Herdamos a sabedoria de nossos pais, como vocês, homens, herdam propriedades ou dinheiro. Nascer sabendo! Isso é que é o bom. Um pernilongo, por exemplo. Sabe como é a vidinha dele? Nasce na água, saído de um ovinho. Logo que sai do ovinho ainda não é pernilongo — é o que vocês chamam “larva” — uma espécie de peixinho que nada e mergulha muito bem. Um dia essa larva cria asas, pernas compridas e voa. E que faz quando voa?

— Vai cantar a música do fiun e picar as pessoas que estão dormindo em suas camas. É isso o que esses malvadinhos fazem.

— Muito bem! — tornou o saci. — E quem ensina o pernilongo a fazer isso? Os pais? Não, porque depois de soltar os ovos na água os pais dos pernilonguinhos morrem. Os livros? Não, porque eles não têm livros. Pois apesar disso sabem tudo quanto precisam saber. Sabem que no corpo das gentes há sangue, e que o sangue é o alimento deles. Sabem que as gentes moram em casas. Sabem que a melhor hora de sugar o sangue das gentes é de noite, porque estão dormindo. E sem que os pais lhes ensinem coisa nenhuma, ou que as aprendam nos livros, os pernilonguinhos logo que saem da água vão em busca de casas, entram, escondem-se nos escuros, esperam que todos durmam e sossegadamente picam as pessoas e enchem de sangue as suas barriguinhas. Depois escapam pelas janelas e voltam à mata ou outros sítios, em procura de agüinhas paradas onde porem os ovos. E assim eternamente. Sabem tudo direitinho — e ninguém os ensina. Logo, eles têm a ciência de tudo dentro de si mesmos, como vocês têm tripas e estômago e pacuera.

Pedrinho teve de concordar que era assim mesmo. O saci continuou:

— E como fazem os pernilongos, assim também fazem todas as outras vidinhas aqui da floresta. Cada qual nasce sabendo fazer o certo — e não erram. Os grilos nascem sabendo abrir buracos. Há um inseto chamado bombardeiro. Se outro maior o ataca, vira-se de costas e lança-lhe no focinho um líquido que se evapora imediatamente e tonteia o inimigo. Quando este volta a si, o bombardeiro já está longe. Quem o ensina a fazer isso? Ninguém. Nasce sabendo. Certos besouros, quando querem pôr ovos, fazem o seguinte: pegam uma pequena quantidade de estéreo e a vão rolando pelo chão com as patas de trás. Para quê? Para formar uma bola. Quando o estéreo está uma bola bem redondinha, eles a furam e botam lá dentro os ovos. Quem ensina esses besouros a fazer essas bolas tão redondinhas? Os pais? Não! Algum livro? Não! Eles nascem sabendo.

— Sim — disse Pedrinho. — Nascem sabendo e nós temos de aprender com os nossos pais ou nos livros. Isso só prova o nosso valor. Que mérito há em nascer sabendo? Nenhum. Mas há muito mérito em não saber e aprender pelo estudo.

— Perfeitamente — concordou o saci. — Não nego o mérito do esforço dos homens. O que digo é que eles são seres atrasadíssimos — tão atrasados que ainda precisam aprender por si mesmos. E nós somos seres aperfeiçoadíssimos porque já não precisamos aprender coisa nenhuma. Já nascemos sabidos. Que é que você preferia: ter nascido já com toda a ciência da vida lá dentro ou ter de ir aprendendo tudo com o maior esforço e à custa de muitos erros?

O menino foi obrigado a concordar que o mais cômodo seria nascer sabendo.

— Sim, nesse ponto você tem razão, saci. Mas que é que faz todas essas vidinhas viverem? Está aí uma coisa que minha cabeça não compreende.

— Ah, isso e o segredo dos segredos! — respondeu o saci. — Nem nós sabemos. Mas o que acontece é o seguinte: dentro de cada criatura, bichinho ou plantinha, há uma força que a empurra para a frente. Essa força é a Vida. Empurra e diz no ouvido das criaturinhas o que elas devem fazer. A Vida é uma fada invisível. É ela que faz o pernilongo ir picar as pessoas nas casas de noite; e que manda o grilo abrir buraco; e que ensina o bombardeiro a bombardear seus atacantes.

— Mas é invisível até para vocês, sacis, que enxergam mais coisas do que nós, homens? — perguntou Pedrinho.

— Sim. Eu que enxergo tudo nunca pude ver a fada Vida. Só vejo os efeitos dela. Quando um passarinho voa, eu vejo o vôo do passarinho, mas não vejo a fada dentro dele a empurrá-lo.

— Então ela deve ser como a gasolina dos automóveis. Sem gasolina os carros não andam.

— Perfeitamente — concordou o saci — mas com uma diferença: nos automóveis a gente vê e cheira a gasolina, mas a Gasolina-Vida ninguém ainda conseguiu ver nem cheirar.

— E morrer? Que é morrer? A Vida então acaba, como a gasolina do automóvel?

— A Vida muda-se de um ser para outro. Quando o ser já está muito velho e escangalhado, a Vida acha que não vale mais a pena continuar lidando com ele e abandona-o. Vai movimentar um novo ser. A fada invisível diverte-se com isso.

Pedrinho ficou muito impressionado. A fada invisível também morava dentro dele, e o empurrava para a frente. Era quem o fazia ter fome e comer, ter sede e beber, ter sono e dormir, querer coisas e procurá-las. Mas um dia essa boa fada enjoar-se-ia dele. Por quê? Porque ele já estaria de cabelos brancos e sem os dentes naturais, e com reumatismo nas juntas, e catacego e com a pele toda enrugada, e com o coração tão fraco que até subir a escadinha da varanda seria uma proeza. E então a fada torceria o nariz e enjoar-se-ia dele: — “Sabe que mais, Senhor Pedrinho? Você está um caco velho e eu não gosto disso. Vou procurar outro ente” — e abandoná-lo-ia e ele então morreria.

Essa idéia entristeceu Pedrinho, porque a idéia que não entristece ninguém é bem outra: é a idéia de não morrer, nunca, nunca...

Conversou a respeito com o saci.

— Ora, ora! — disse este. — O que morre é o corpo só, a parte que em nós tem menos importância. A grande coisa que há em nós, e nos diferencia das pedras e dos paus podres, que é? A Vida. E essa não morre nunca — muda-se dum ser para outro. Tal qual a eletricidade. Quando a pequena bateria daquela lâmpada elétrica que você tem se descarrega, a bateria morre — mas morreu a eletricidade? Não. Apenas mudou-se. Saiu daquela bateria e foi para outra, ou foi para as nuvens, ou foi para onde quis. Assim como a eletricidade não morre, a Vida também não morre. A Vida é uma espécie de eletricidade.

— Mas eu não queria que fosse assim — lamentou Pedrinho. — Tenho dó do meu corpo. Estas mãos, por exemplo — disse ele abrindo-as. — Estou tão acostumado com elas... Desde pequenininho que estas mãos fazem tudo o que eu quero, e fico triste de lembrar que um dia vão ficar paradas, mortas...

— Pior do que perder as mãos é perder os olhos — disse o saci. — Já reparou como é triste não ter olhos, ou tê-los e não ver nada? Feche os olhos bem fechados.

Pedrinho fechou-os bem fechados. O saci disse:

— Pois quando a fada invisível abandonar o seu corpo, Pedrinho, seus olhos vão ficar assim, cegos — como se não existissem. E nunca mais esses olhos, que hoje vêem tanta coisa, verão coisa nenhuma. Nunca mais, nunca mais...

Pedrinho sentiu uma tristeza tão grande que quase chorou — mas o saci deu uma grande risada.

— Bobo! O que nesses seus olhos enxerga, não são os olhos: é a fada invisível que há dentro de você. A fada é como o astrônomo no telescópio; e os olhos são como o telescópio do astrônomo. Qual é o mais importante: o telescópio ou o astrônomo?

— É o astrônomo — disse Pedrinho.

— Pois então alegre-se, porque o astrônomo não morre nunca. O telescópio é que se desarranja e quebra.

XIV – O medo

Longamente filosofaram os dois, lá debaixo da grande peroba que os abrigava do sereno da noite. A floresta tinha uma vida noturna tão intensa quanto a vida diurna. Entre os homens tudo pára durante certa parte da noite, mas na floresta a vida continua, porque uns seres dormem de dia e vivem de noite e outros dormem de noite e vivem de dia. Assim que os sabiás, sanhaços e tico-ticos se recolhem aos pousos ou ninhos, começam a sair das tocas as corujas e morcegos. E as borboletas e mariposas noturnas vêm substituir as borboletas e mariposas diurnas, que adormecem logo que chega a noite. E as caças medrosas, tão perseguidas pelos homens, saem de noite a pastar e beber água nos rios. E os vaga-lumes, que de dia não deixam os lugares escurinhos, começam a piscar por toda a parte com as suas lanterninhas.

— Esses eu sei — disse o menino. — A vida desses animais eu conheço mais ou menos. O que me interessa agora é a vida dos tais “entes das trevas”, como diz Tia Nastácia — os misteriosos — os que uns dizem que existem e outros juram que não existem.

— Compreendo — disse o saci. — Você refere-se aos chamados “duendes”, “monstros”, “capetas”, “gnomos”, etc....

— Isso mesmo, amigo saci. Ando desconfiado que tudo não passa de sonho. Eu não via nada na garrafa, antes de ter caído naquela modorra. Assim que a modorra chegou, você apareceu na garrafa e começou a falar. Desconfio que estou sonhando... Desconfio que isto é um pesadelo... Nos pesadelos é que aparecem monstros horríveis. Por quê? Por que é que há coisas horríveis?

— Por causa do medo, Pedrinho. Sabe o que é medo?

O menino gabava-se de não ter medo de nada, exceto de vespa e outros bichinhos venenosos. Mas não ter medo é uma coisa e saber que o medo existe é outra. Pedrinho sabia que o medo existe porque diversas vezes o seu coração pulara de medo. E respondeu:

— Sei, sim. O medo vem da incerteza.

— Isso mesmo — disse o saci. — A mãe do medo é a incerteza, e o pai do medo é o escuro. Enquanto houver escuro no mundo, haverá medo. E enquanto houver medo, haverá monstros como os que você vai ver.

— Mas se a gente vê esses monstros, então eles existem.

— Perfeitamente. Existem para quem os vê e não existem para quem não os vê. Por isso digo que os monstros existem e não existem.

— Não entendo — declarou Pedrinho. — Se existem, existem. Se não existem, não existem. Uma coisa não pode ao mesmo tempo existir e não existir.

— Bobinho! — declarou o saci. — Uma coisa existe quando a gente acredita nela; e como uns acreditam em monstros e outros não acreditam, os monstros existem e não existem.

Aquela filosofia do saci já estava dando dor de cabeça no menino, o qual suspirou e disse:

— Basta, amigo saci. Não quero mais saber de filosofias, quero conhecer os segredos da noite na floresta. Mostre-me os filhos do medo que você conhece. Desde que há tanta gente medrosa no mundo, deve haver muitos filhos do medo.

— Se há! — exclamou o saci. — Os medrosos são os maiores criadores das coisas que existem. Não tem conta o que lhes sai da imaginação. As mitologias daqueles velhos povos estão cheias de terríveis criações do medo. Aqui nestas Américas, temos também muitas criações do medo, não só dos índios chamados aborígines, como dos negros que vieram da África.

Pedrinho lembrou-se do Tio Barnabé, que era africano.

— Tio Barnabé, por exemplo — disse ele — é um danado para saber essas coisas. Conhece todos os filhos do medo. Foi ele quem me explicou o caso dos sacis. Conte-me no que é que os índios acreditavam.

— Os índios — começou o saci — não usavam durante a noite aquelas luzes que Dona Benta usa lá no sítio — aqueles lampiões de querosene. Nem usavam a luz elétrica que há nas cidades. Só usavam fogueirinhas de pouca luz e por isso o medo entre os índios era grande. Quanto maior é o escuro, maior o medo; e quanto maior o medo, mais coisas a imaginação vai criando. Já ouviu falar no Jurupari?

— Não...

— Pois é o diabo dos índios, o espírito mau que aparece nos sonhos e transforma os sonhos em pesadelos horríveis. Insônia, mal-estar, inquietação, tudo que é desagradável vem desse Jurupari.

— Mas como é ele?

— Um espírito sem forma. Um espírito mau que se diverte em agarrar os que estão dormindo e causar-lhes todos os horrores dos pesadelos. E parece que segura as vítimas pela garganta, porque elas esperneiam e se debatem, mas não podem gritar.

— Oh, eu já tive um pesadelo assim! — disse o menino. — Lembro-me muito bem. Eu ia caindo num buracão enorme. Quis gritar por vovó, mas foi inútil. A voz não saía...

— Pois era o Jurupari que estava apertando a sua garganta. O divertimento dele é esse. Anda de casa em casa provocando pesadelos horríveis nos que encontra dormindo.

Nesse momento um ruído entre as folhas chamou a atenção de ambos.

— Psit!... — fez o saci. — Atenção... Qualquer coisa vem vindo...

Ficaram os dois imóveis. O coração de Pedrinho batia apressado.

— O Curupira! — sussurrou o saci, quando um vulto apareceu. — Veja... Tem cabelos e pés virados para trás.

— Parece um menino peludo — murmurou Pedrinho.

— E é isso mesmo. É um menino peludo que toma conta da caça nas florestas. Só admite que os caçadores cacem para comer. Aos que matam por matar, de malvadeza, e aos que matam fêmeas com filhotes que ainda não podem viver por si mesmos, o Curupira persegue sem dó.

— Bem feito! Mas como os persegue?

— De mil maneiras. Uma das maneiras é disfarçar-se em caça e ir iludindo o caçador até que ele se perca no mato e morra de fome. Outra maneira é transformar em caça os amigos, os filhos ou a mulher do caçador, de modo que sejam mortos por ele mesmo.

Pedrinho achou que não podia haver nada mais justo. O saci prosseguiu:

— Esse que vai passando está a pé, mas em regra o Curupira anda montado num veado e traz na mão uma vara de japecanga.

— Que é japecanga?

— Uma planta que é remédio para doença do sangue. Também é conhecida como salsaparrilha.

— E por que anda com essa vara de japecanga? Que idéia!

— Não sei. Ele é que sabe. E o Curupira tem um cachorro, de nome Papa-Mel, que não o larga. Assim que avista um caminhante na estrada, começa logo a cantar:

Currupaco, papaco Currupaco, papaco...

— Isso é cantiga de papagaio! — lembrou Pedrinho. — Na casa do Coronel Teodorico há um que só diz isso.

— Pois foi com o Curupira que os papagaios aprenderam o currupaco. Papagaio não inventa palavras, apenas repete as que ouve.

Mas o Curupira, com os seus pés voltados para trás, não se demorou muito por ali. Descobriu um rasto de paca e lá se foi, com certeza para ver como ela ia passando em sua toca.

— Que horas serão? — perguntou o menino.

O saci respondeu que faltava pouco para meia-noite.

— Como sabe?

— Por aquela flor — respondeu o saci, indicando uma flor que não estava de todo aberta. — É o meu relógio aqui. Só abre completamente à meia-noite...
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continua... XV - O Boitatá; XVI – O negrinho
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Paulo Leminski (Erra uma Vez)


A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 2


Montagem da trova sobre imagem obtida em Allucard

JB Xavier (A Caneta Mágica)


Era uma vez um menininho muito, muito inteligente chamado Claudinho. Ele era muito sabido. Todos os seus amiguinhos vinham pedir para ele os ajudar a fazer a lição de casa, ou a construir pipas muito bonitas.

Claudinho tinha aprendido a ler muito cedo, bem antes de entrar na escola. Por isso quando ele começou a primeira série, era sempre o primeiro aluno da turma em quase tudo.

A diretora da escola do bairro onde Claudinho estudava resolveu então que ele deveria ir direto para a segunda série, antes mesmo de terminar o ano. Isso deixou Claudinho muito feliz e orgulhoso.

Claudinho sabia que era diferente das outras crianças. Por isso ele não era humilde. Ele queria ser o aluno mais notado em sua classe , no clube que frequentava, na turminha da rua onde morava e em todos os outros lugares.

Os pais de Claudinho tinham um orgulho enorme do filho, mas tinham também uma pequenina tristeza. Um dia, enquanto jantavam, disse o pai dele para sua mãe:

- Você não acha que o Claudinho está sendo mimado demais? Ele está começando a achar que é o menino mais inteligente do mundo, o mais capaz, o mais...

- Ah! Deixe o Claudinho em paz! - Respondeu a mãe – você não sente orgulho dele?

O pai ia responder quando eles ouviram Claudinho ao telefone, dar uma bronca danada num dos seus amiguinhos. Ele batia o pé, de raiva, enquanto xingava o amiguinho.

- Seu burro! Você não leu nosso trabalho antes de entregar ele para a professora? Vai ver não foi nem você que digitou! Agora tiramos só nota 5! E tudo por sua culpa! Droga! Como você é burro!!

O pai de Claudinho olhou para a mãe e disse:

- Se ele continuar assim, em pouco tempo não vai sobrar nenhum amiguinho... Não se esqueça de que no último aniversário dele fizemos uma força danada para trazer alguns meninos para festa...e a cada mês ele tem menos amigos...

Uma lágrima brilhou nos olhos da mãe de Claudinho...Ela sabia disso tudo, mas o que poderia fazer? Ele parecia ser o filho que todos os pais gostariam de ter...por isso não conseguia nem pensar em ralhar com ele.

O pai levantou-se e disse:

- Vou tentar falar com ele...

Mas, quando o pai tentou dizer ao Claudinho que ele não devia tratar os outros daquela maneira, ele ficou zangado e resmungou:

- Eu devia ter feito o trabalho sozinho! Eu ia tirar dez! O que posso fazer se eles são tão burros?

O pai abraçou Claudinho e disse:

- Vocês formaram uma equipe de trabalho, não formaram? Pois numa equipe ninguém pode querer ser mais importante do que ninguém! Você precisa respeitar os limites dos outros...e depois, ter amigos que gostam de você é mais importante do que tirar sempre dez! De que adianta você tirar sempre dez e não ter com quem comemorar essas vitórias? Você já pensou nisso?

Claudinho ficou quieto, com cara de quem não concordava. O pai passou a mão na sua cabeça e disse, enquanto se afastava:

- Um dia você vai ter que aprender que ter amigos é a coisa mais importante do mundo...espero que não demore muito...

A mãe de Claudinho que estava ainda sentada à mesa, fechou os olhos e em silêncio pediu a Deus que fizesse dele um bom homem, que não permitisse que o orgulho viesse morar em seu coração...

No domingo seguinte, o pai de Claudinho deu de presente a ele um novo jogo de computador. Claudinho ficou jogando até tarde da noite, desobedecendo a mãe.

No dia seguinte ele teve que ser acordado para ir `a escola. Entrou na sala de aula com muito sono ainda, mas logo teve que sair junto com a turma, porque iriam fazer uma pesquisa na biblioteca central da cidade.

Era a primeira vez que ele ia à Biblioteca Central. Era um prédio enorme! As fileiras de livros pareciam não ter fim, e iam do chão ao teto!

A professora que conduzia a turma, levou todo mundo para um canto de um grande salão onde havia várias mesas e cadeiras. Toda a turma sentou e cada um começou a escrever em seus cadernos. De vez em quando um deles levantava-se e ia procurar um livro nas grandes estantes.

Claudinho apoiou os cotovelos na mesa e, com o rosto entre as mãos começou a pensar por onde deveria começar a fazer sua redação. O tema era livre, e cada um podia escolher o assunto que quisesse. Por isso tinham vindo à Biblioteca Central. Ali eles poderiam pesquisar os mais variados assuntos.

Ele então lembrou-se do que seu pai lhe havia dito a respeito de amizades, e escreveu como título em letras bem grandes: O VALOR DA AMIZADE. Depois ficou a olhar para uma estante cheia de lombadas coloridas de livros tão grossos como ele nunca tinha visto antes.

De repente, ele levou o maior susto, quando viu uma letra “A” do tamanho de um caderno sair de dentro de um daqueles livros e pular para uma mesa vazia ao lado da sua. Logo em seguida, o “E”, o ”I” o “O” e o “U” pularam atrás dela e sentaram- se também formando um círculo sobre a mesa. Todas tinham cara de poucos amigos. Pareciam zangadas.

Claudinho ficou espantado, quando viu a letra “A” dizer.

- Esta reunião é inútil! Não vai adiantar para nada! Eu já disse que sou a letra mais importante do alfabeto! Ou algum de vocês não concorda com isso? Eu estou em todo lugar, vocês já perceberam? Estou nos jornais, nas propagandas, nas poesias, nos livros de crianças e de adultos...eu estou também nos frascos nos letreiros, nas placas de rua, nos adesivos...não dá para escrever quase nada sem mim!!! Eu sou a letra mais importante! Ponto final!!

Claudinho, com os olhos arregalados, viu a letra “E” ficar de pé e quase gritando, disse:

- Ah, é ? você se a acha a mais importante? Você acha que não dá para falar sem você? Pois vou mostrar que dá, sim! Vou fazer um texto em que você não apareça nem uma só vezinha!

- Ah, Ah! - Riu a letra “A”, zoando com o “E”. essa eu quero ver! Isso é impossível!

- E pode escolher o tema! – disse o “E” estufando o peito.

O “A” ficou meio preocupado com a certeza do “E”, e para não correr riscos resolveu dar um tema bem difícil. Pensou por alguns momentos e disse:

- Um poema! – Isso! Faça um poema sobre a vida sem a letra “A”! Fale das coisas da vida, de uma maneira geral. Se você conseguir isso, eu admito que não sou a mais importante, mas duvido que consiga!

As outras letras ficaram todas de olho no “E”, porque de fato esse era um desafio e tanto. Fazer um poema sem a letra “A” não era brincadeira...e ainda que falasse sobre a vida... sem o “A”? impossível – pensaram todas. Mas elas sabiam que se o “E” não conseguisse, o “A” ficaria ainda mais convencido.

O “E” limpou a garganta, esticou-se todo e começou a declamar, como se fosse um grande ator, e as demais vogais fossem uma grande platéia

Poema sem “A”

Senti como poucos
O mundo dos doces sonhos,
E os espectros medonhos
Que existem em mil superstições...
Chorei por muitos verões,
Repisei mundos guerreiros,
Revisitei meus velhos museus,
Que, por conter projetos idos,
Vertem gritos de dor
De tempos doloridos...
Deixei que meus sonhos se desfizessem,
Como se pudesse o sol existir
Em flores que em luz fenecem...
Errei por muitos penedos,
Gritei por sobre os montes
Todos os meus medos,
E selei os meus segredos
No fundo do sofrido peito...
Enfim, hoje sei
Que no fim desse tormento
No sopro do vento,
Terei,
Meu momento de sorrir,
Meu momento de sentir,
E refletir,
E rever
Esse meu modo de viver...

Quando o “E” terminou, disse:

- Viu? Você não aparece nem uma vez nesse poema, e eu não fico nem uma linha sequer sem aparecer! Eu sim, sou a letra mais importante do alfabeto! Sem mim não é possível escrever, falar, ou dizer qualquer coisa...

Claudinho estava cada vez mais espantado. Ele não conseguia acreditar no que seus olhos viam.

De repente, a letra “I” levantou-se e disse!

- Silêncio, sua convencida! Eu vou provar que você não é importante coisa nenhuma! Onde já se viu? Quer que eu faça também um poema onde você não aparece?

A letra “E” botou a mão na barriga e deu uma gargalhada.

- Você? Fazer um poema onde eu não apareço? Ouviram isso? Essa é boa!! Está bem! Faça também um poema, como eu fiz!

- Prefere algum assunto em especial? – respondeu o “I” muito seguro de si.

- Fale sobre o amor! – disse o “E”, sorrindo maliciosamente.

Todas as outras letras olhara para o “I” , porque sabiam que se fazer um poema sem “E” já era difícil, imagine então um poema que falasse de amor!

O “I” então, pôs um dos joelhos no chão, diante do “E” abriu os braços, e como se estivesse declamando à sua amada, disse:

Poema sem “E”

Quando amar
Não for mais a minha vida,
Quando o sonhar
Não mais for
A razão última
Da minha caminhada,
Vou buscar
Outros sorrisos,
Noutras plagas...
No caminho da brisa,
No calor noturno,
No raiar do sol,
Nas ondas do mar...
Quando, saudosa
A aflição já não mais habitar
Minha alma,
Quando a calma
Do luar da madrugada
Já não mais
Falar ao coração,
Vou buscar outros risos
Nos paraísos
Ainda por sonhar,
Nos haustos carinhosos
Ainda por aspirar,
No país do amor
Ainda por visitar...

Quando terminou, o “I” inclinou-se como fazem os atores para agradecer à platéia, enquanto o “E” sentava-se em silêncio, chateado.

Claudinho ia dizer qualquer coisa, mas a voz grossa do “O” o interrompeu:

- Ora, ora, ora...! Então o amigo “I” pensa ser a letra mais importante do alfabeto...! Minhas amigas, lamento informá-las de que eu não sou somente a letra mais importante, sou também a mais bonita e a mais sonora! Eu dou o som bonito das frases, e vou provar que o “I” não é necessário para coisa nenhuma!

O “I” olhou para o “O” e disse:

Ah, é? E como é que você pretende fazer isso? Acaso vai fazer também um poema, como eu fiz?
- E por que não? – respondeu o “O”? Há algum tema de sua preferência?
O “I” pensou um pouco e depois disse:

- Fale de alegria! quero ver se você é capaz! Se você conseguir admito: você é a letra mais importante do alfabeto, mas aviso de que não é possível fazer um poema sem mim!

O “O” estufou o peito e acertou o tom da voz. Era uma voz tão grossa que Claudinho pensou estar ouvindo o trombone da banda da escola. Depois, ele sentou-se sobre uma pequenina cadeira, cruzou as pernas, e começou a dedilhar um violão imaginário, como se fosse um romântico menestrel. Ele declamou o poema cantando-o numa linda melodia, bolada na hora:

Poema sem “I”

Em tudo e por tudo
Sou como o vento que sopra,
Como a água que brota
Clara, na natureza,
Sou como a leveza
Da pluma,
Flutuando ao sabor da aragem,
Sou, a um só tempo,
A saudade e a chegada,
O choro e a recompensa,
A falta e a presença,
O descanso e a jornada.
Sou como a folha dançando
Nos ventos das tempestades,
Sou o regato que murmura,
E em suave correr, jura
As juras de eterno amor...
Sou o afeto e o calor,
Sou o perfume da mata,
O espelho de uma fonte,
Sou o verdejante monte
De onde vertem essas águas...
Sou o lamento de mágoas,
O bradar de uma saudade,
Sou também o alvorecer
De uma nova alvorada,
Sou a esperança velada
Desse novo renascer,
À espera do momento
De reencontrar você...

Quando terminou de cantar a linda melodia, a foz grossa do “O” ficou a ecoar pela biblioteca, como se estivessem numa grande caverna.
Claudinho tinha a boca aberta de tanta surpresa de uma vez só. Ele estava encantado com o que via e quanto mais ouvia, mais se convencia de que ninguém era insubstituível...

Quando o som do canto do “O” parou de ecoar pelas paredes, o “U” levantou-se e disse:

- Muito bonito! Parabéns! Mas deixe-me lhe dar uma notícia ruim! Você também não é indispensável. Pode-se muito bem escrever, contar histórias e tudo o mais sem que você esteja presente!

O “O” olhou feio para o “U”. Claudinho pensou que as duas letras fossem brigar, mas o “O”, sentando-se, lançou um olhar de desprezo para o “U” e disse:

- Mil perdões, madame, mas você tem o som mais feio do abecedário! Você só serve para vaiar e para assustar pessoas...

Claudinho ia rir do que o “O” disse, mas antes que pudesse faze-lo, o “U” respondeu:

- Pode ser, mas isso não faz de você alguém indispensável. Quer que eu faça um poema em que você não aparece nenhuma vez, e eu apareço muitas? Quer?

- Se você conseguir... - murmurou o “O” – mas acho que você não consegue...

Claudinho já estava torcendo para o “U” conseguir. Ele não gostou da prepotência do “O”.

O “U” então virou-se de costas para todas as outras vogais e concentrou-se por alguns momentos. Depois disse sorrindo, enquanto olhava para o teto:

Poema sem “O”

Vinha eu,
Em alegrias pela vida,
A caminhar,
Entre alegres gargalhadas
E a cantar,
Até que, numa curva qualquer
De minha estrada
Lá estavas tu,
Linda,
A me esperar...
Mas,
Vi lágrimas brilharem,
Vi esperanças tristes,
Vi um caminhar errante,
E vi uma luz esfuziante
Que teu caminhar,
Deixava para trás...
E vi também a calma
Que nessa luz recendia...
E assim caminhavas,
Flutuavas,
Qual frágil avezinha,
E te ver assim,
Deu-me a certeza
De que eu seria teu,
E tu serias minha...
E desde aquele dia
Em nenhum instante,
Deixei nunca de te venerar...
Desde aquele dia
Mergulhei na mágica sublime de te amar...

- Viu? – disse o “U” quando terminou – e agora, quem restou para ser a letra mais importante do alfabeto?

Todas as outras letras estavam quietas, olhando para baixo, sem ter o que dizer...cada uma delas tinha percebido que não eram indispensáveis.

- E então, desafiou o “U” alguém quer tentar provar que eu não sou a letra mais importante, que sem mim não há como escrever ou falar?

Claudinho, que já estava impaciente também com o convencimento do “U” ia dizer qualquer coisa, quando uma voz muito poderosa soou na biblioteca, vinda não se sabe de onde.

- Estúpidas!

- É a Caneta Mágica! – murmuraram as vogais com muito medo no olhar, enquanto se encolhiam e se abraçavam – Ela parece brava!

A voz falou novamente, num tom mais calmo.

Olhar a noite encantado,
E contar estrelas,
E sorrir ao vê-las
Sorrindo pra mim,
É te ver assim,
Entre elas,
Sempre a protegê-las,
Eis como são minhas noites,
Noites sem fim...
Sorrir para o infinito
E conter o grito
De alegria...
Ver nascer o dia
Ensolarado e meigo...
Sorrir para a brisa
E sonhar
Mil sonhos acalentados,
Tão esperados,
Tão acorrentados,
Tão enamorados,
Tão febris e ternos...
Ir aos infernos
Apagar as chamas
Desse desespero,
Desse exagero
De amor extremo!
Sentir-te o coração
Sem poder tocá-lo,
Nessa agonia
Desse amor-paixão!

Após alguns momentos de silêncio em que as vogais tremiam de medo, disse a voz novamente:

- Eis aí o teu poema sem “U”! Estão convencidas agora de que nenhuma de vocês é indispensável?

As vogais continuaram a tremer , e a voz continuou:
Eu tenho estado na mão dos maiores escritores de todos os tempos. Tenho escrito poemas e romances, histórias de guerras, de morte, de vida, e mensagens de amor. Sou a Caneta Mágica, aquela que os grandes escritores usam para criar coisas maravilhosas.

Porque vocês tentam manchar essa criação com o desejo de serem mais importantes que suas companheiras? Pois já que vocês se sentem tão importantes e inteligentes, eu vou lhes dar um quebra-cabeças para resolver. Se vocês não o resolverem, não haverá mais escritores no mundo, porque eu vou expulsar vocês do dicionário...e o mundo será mais triste, porque não haverá mais livros nem jornais, nem revistas, nem letreiros, nem coisa alguma escrita. O mundo voltará a ficar atrasado e ignorante, porque voltarão todos a serem analfabetos.

E isto dizendo, uma folha branca caiu sobre a mesa, bem próximo das vogais que tremiam de medo. Nela havia uma escrita estranha.

A voz voltou a dizer:

Leiam para mim o que está escrito nesta folha. Se até a minha volta em 5 minutos, vocês não tiverem feito isso, o mundo não mais poderá escrever nada!

Depois ficou somente o silêncio...

Uma a uma as vogais se aproximaram da folha. Tentaram ler o que estava escrito, mas não conseguiram. À medida que o tempo passava mais e mais nervosas ficavam.

Claudinho suava torcendo para as vogais conseguirem resolver o quebra-cabeças. Ele não queria virar um analfabeto. Ele gostava muito de ler.

Então ele resolveu esticar o pescoço e espiar o que estava escrito na folha de papel. Havia um amontoado de letras sem sentido:

“ sp ç n c ss r p r str l s... r n c ss r p r m r... m r n c ss r p r p x s, p x n c ss r p r g v t ... g v t pr c s d c p r v r... nt , g v t t n c ss r q nt s str l s...n ng m d sn c ss r n m nd ...c d m t m s mp rt nc ...”

Ao ver aquela grande confusão, ele pensou que a Caneta Mágica era muito má, por não deixar nenhuma pista de solução. Ele sentia pena das vogais correndo desesperadas por cima do papel, tentando ler o que estava escrito.

Então Claudinho começou a ver palavras se formando e se desmanchando rapidamente, á medida que as vogais corriam pela folha. De repente a palavra “PEIXE” se formou e ele gritou:

-Parem! Não se mexam! Fiquem onde estão!

Então ele começou a trocar as vogais de lugar e outra palavra se formou: ESTRELAS. Ele continuou a trocar as letras de lugar tão rapidamente que elas começaram a ficar tontas. E outras palavras foram aparecendo: GAIVOTA...MAR...

O tempo passou rapidamente e eles puderam escutar a voz da Caneta Mágica se aproximando. O tempo estava se esgotando. Suando muito, e cada vez mais nervoso, Claudinho trocava as letras o mais depressa que podia enquanto a Caneta Mágica se aproximava pelos corredores silenciosos da biblioteca.

O “A” já tinha desmaiado de enjôo, o “I” nem sabia aonde estava, de tão tonto que ficou; o “U” se encantava com a correria. O “E“ e o “O” eram os únicos que ainda tinham forças para se manterem de pé.

Uma parte da mensagem já estava pronta:

“O espaço é necessário para as estrelas...o rio é necessário para o mar...o mar é necessário para o peixes... o peixe é necessário para a gaivota...

Mas ainda faltava muito...Então a Caneta Mágica chegou. Olhando a mensagem inacabada, e as letras todas desmaiadas ou quase, ela olhou feio para Claudinho e disse, numa voz de arrepiar:
- Se vocês tivessem colaborado uns com os outros desde o início, não teriam perdido tanto tempo...agora é tarde! A humanidade será para sempre analfabeta, e nunca mais poderá ler nada, porque eu expulsarei essas letras orgulhosas do alfabeto, e sem elas, nada poderá se entender do que se escreve...

Claudinho voltou a sentar-se, muito assustado, enquanto a Caneta Mágica, muito brava, continuou, apontando o dedo para ele:

- O culpado é você , que poderia ter acabado essa reunião idiota das vogais, mas não fez isso! Por sua culpa, e porque você é ainda mais burro do que elas, o mundo nunca mais poderá escrever nem ler nada!!!

- Não! – gritou Claudinho – eu não quero ser um analfabeto! por favor...!

Quando a Caneta Mágica levantou a mão para expulsar as vogais do alfabeto, Claudinho sentiu alguma coisa sacudir seus ombros. Era sua professora.

- Você está bem? Quem é analfabeto? Ou será que estava cochilando durante a aula?
- Hein? – disse Claudinho ainda meio zonzo, chorando – As vogais foram expulsas! Não vamos poder ler nem escrever mais nada! E a culpa é minha!

- Do que você está falando? – disse a professora. Depois, ao ver o título da redação de Claudinho – O Valor da Amizade – colocou à sua frente um livro bem grandão onde se via um desenho de uma linda gaivota voando num céu muito bonito, sobre o mar.

- Você está atrasado! Leia esse texto e use-o como tema de sua redação!

Embaixo desse desenho, estava escrito:

“O espaço é necessário para a estrelas...o rio é necessário para o mar...o mar é necessário para o peixes, o peixe é necessário para a gaivota...a gaivota precisa do céu para voar... então, a gaivota é tão necessária quanto as estrelas...ninguém é desnecessário no mundo...cada um tem sua importância...”

Claudinho nunca mais esqueceu do sonho que tivera e da lição que aprendera...ou teria sido realidade?

O certo é que desse dia em diante, Claudinho transformou- se no melhor amigo de todos os meninos e meninas da escola, e quando cresceu, ele tornou-se um grande escritor! Até hoje ele guarda num estojo muito bonito a caneta com a qual fez os rascunhos de seu primeiro livro. Sobre a caixa há uma placa dourada com uma gravação: Caneta Mágica.

Fonte:
JB Xavier

Ialmar Pio Schneider (Poema Gauchesco pelo Nascimento de Ramiro Barcelos)


Nascimento em 23.8.1851 Após ler Antônio Chimango de Amaro Juvenal (Ramiro Barcelos).

1

Disse Amaro Juvenal,
e aqui fala Tio Simplício,
pra que algum outro patrício
cantasse n´algum fandango,
“o mais que fez o Chimango”,
e eu me proponho a este ofício.

2

E, para tal, a cordeona
já vou sacando da mala,
atiro pra trás o pala
e me sento neste banco,
também pra lhes ser bem franco,
mando que limpem a sala.

3

E depois de tudo aquilo
que o Chimango fez na estância,
ainda teve a arrogância
de intitular-se buenacho,
mas sabemos que o muchacho
já foi maula desde a infância.

4

E tudo o que era bom
para ele não prestava,
proibiu o jogo de tava
e também o de baralho,
exigia muito trabalho,
quanto a ele, só mandava !

5

Pois assim desta maneira
muita coisa transcorria,
se cumprindo a profecia
que a cigana lhe fizera,
rancho virando tapera
e no campo pouca cria...

6

No seu desmando total,
sem compreender mais ninguém,
se dizia gente bem,
pois para trás não olhava,
sabendo que em Caçapava
sempre foi um joão-ninguém.

7

E tendo as rédeas na mão,
não precisava de esmolas,
mandou fechar as escolas
em tudo que foi vivenda,
pra que ninguém mais aprenda
e venha pisar-lhe a cola.

8

Com seu rebenque de couro
era sempre o manda-chuva,
não ajudava nem viúva
que inda chorava o finado,
e por ser do seu agrado
só mandava plantar uva.

9

E quando sentava à mesa,
primeiro pedia o vinho,
embora nunca sozinho,
sempre andava prevenido,
pois isto tinha aprendido
nos tempos do seu padrinho.

10

Mandou esparramar o gado
que se adentrou pelos matos,
coberto de carrapatos,
de bernes e de bicheiras;
nesta sequencia de asneiras
iam se passando os fatos.

11

E a tropa magra berrava
na coxilha e na canhada,
a velha estância arruinada
não tinha mais salvação,
tudo caindo pra o chão,
tudo virando em nada.

12

Não se carneava mais,
pois adeus carne no espeto
e no fogo de graveto,
crepitando no galpão
sapecava-se pinhão,
cozinhava-se feijão preto...

13

E no verão a canjica,
no inverno a batata-doce,
tudo isso o tempo trouxe
para a Estância de São Pedro
e todos levavam medo
que pra sempre assim fosse.

14

Era tudo racionado,
não se comia “a la farta”,
desta forma a sina aparta
o tempo que se passou bem,
a miséria sobrevém
e se come até lagarta.

15

Os velhos tauras sentados
ao derredor do fogão,
tomavam o chimarrão
com erva caúna, amarguenta,
enferrujava a ferramenta,
não se afiava facão.

16

Abandonado, ao relento,
lá fora estava o rebolo,
até o próprio monjolo
não batia noite e dia;
a peonada sofria,
pitando um pobre crioulo.

17

Não se domava mais potros
com firmeza e precisão,
era tudo redomão,
pra não dizer aporreado
e por todo o descampado
aquela desolação.

18

No campo o pasto está raro
em meio a caraguatás;
sem aprender, os piás
iam cruzando a existência,
tendo apenas por experiência
aquilo que vida traz.

19

Nos bolichos de campanha
somente havia cachaça,
sinuelo da desgraça
que conduz qualquer gaudério
aos bretes do cemintério
onde se entrega a carcaça...

20

O minuano mais brabo
trazia seu frio de morte,
a estância na pobre sorte
em que se encontrava, aflita,
não havia china bonita
que o nosso viver conforte.

21

O velho pago de outrora
se transformou num repente
naquilo que o guasca sente
quando tudo se transforma,
obedecer era a norma,
ficar quieto, prudente !

22

Ninguém se manifestava
neste estado de cousas,
somente as pobres esposas
iam parindo seus filhos,
as éguas os seus potrilhos,
e as viúvas chorando em lousas.

23

Não se tinha mais notícia
do que acontecia no mundo,
na macega o vagabundo
procurava um agasalho,
pois fugindo do trabalho
se embrenhava nestes fundos.

24

A velha estância sofria
o que nunca tinha passado,
e quem fora bem mandado
hoje de nada valia,
quando tinham melancia,
o mogango era guardado.

***
Canoas - RS, 1972 - na Rua da FAB próximo ao Rancho do Pára Pedro, do saudoso José Mendes, onde o autor conheceu e conviveu com muitos tradicionalistas.

Fonte:
Textoe imagem enviados pelo autor

Ramiro Barcelos (1851 – 1916)


Ramiro Fortes de Barcelos (Cachoeira do Sul, 23 de agosto de 1851 — Porto Alegre, 28 de janeiro de 1916) foi um político, escritor, jornalista e médico brasileiro.

Filho de Vicente Loreto de Barcellos e de Joaquina Idalina Pereira Fortes (irmã do Barão de Viamão), Ramiro Bacellos cursou o secundário na Escola Pública de Cachoeira do Sul, vindo a concluir o curso em Porto Alegre.

Cursou a Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. Exerceu os cargos públicos de ministro plenipotenciário no Uruguai durante a Revolução Federalista, secretário da Fazenda, procurador do estado do Rio Grande do Sul no Rio de Janeiro e superintendente das Obras da Barra de Rio Grande.

Exerceu os mandatos de deputado provincial nos períodos de 1877 a 1878, 1879 a 1880 e 1881 a 1882; elegeu-se senador da República pelo Rio Grande do Sul de 1890 a 1899 e de 1900 a 1906. Criou, em 1902, como senador, a moeda cruzeiro, que só veio a ser adotada na década de 1940, no governo de Getúlio Vargas.

Colaborou com o jornal A Federação, desde seu primeiro número, no qual escreveu Cartas a d. Izabel, com o pseudônimo de Amaro Juvenal, que continuou sendo utilizado em poemas satíricos.

O que mais literariamente notabilizou Ramiro Barcellos foi um poemeto campestre, hoje considerado uma jóia da literatura gauchesca, elaborado entre 1910 e 1915, em razão de uma briga política contra seu primo Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), então presidente do estado, ali retratado como Antonio Chimango.

Foi um dos apoiadores da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Fonte:
Wikipedia

Roberto de Paula (Sempre Tecendo a Fantasia)


Os primeiros livros que comecei a ler eram pequenos, de capas duras e escuras, de letras miúdas, de muitas páginas. Fui apresentado a eles no já longínquo 1968. Meu Deus! O tempo passou e eu estou passando pela vida tão rapidamente que não sei se vou poder ler todos os livros que prometi.

A história começa com meu pai me mandando para um internato católico de Ponta Grossa, o Verbo Divino. Faz tempo, mas me lembro muito bem da disciplina que nos era imposta: trabalho, estudo e oração, não necessariamente nesta ordem. O domingo era livre e tínhamos como opções, no período da manhã desse abençoado dia, a retirada de livros da biblioteca e a confecção de terços. O futebol estava liberado à tarde.

Como nunca fui bom em trabalhos manuais, ignorava o alicate, os arames e as contas, e ia buscar um livro, que poderia ser devolvido no domingo seguinte. Não me recordo de nenhum título. As lembranças são difusas quanto às histórias que li. Eram, em sua maioria, fábulas, ensinamentos cristãos etc etc. E põe etc nessas recordações

Eu era um moleque que adorava futebol, paixão que carreguei pela vida sem que precisassem me incentivar. Já a paixão pela leitura começou naquelas viagens catequéticas entre santos e mártires, ou mártires que se tornaram santos, a fé e a caridade, a criação do mundo…

Uma história que me marcou foi a de Maximiliano Kolbe, o padre que se ofereceu para morrer em Auschwitz no lugar de outro preso. Kolbe virou santo e eu deixei o Verbo Divino. Melhor dizendo: fui tirado de lá. A percepção do meu pai de que eu jamais me tornaria padre e a saudade que a minha mãe tinha do filho de 11 anos forçaram o retorno.

Não vou listar os colégios pelos quais passei nas décadas seguintes porque não considero relevante e também porque não sobraria espaço para contar sobre minha fissura pelos gibis.

Aliás, “fissura” é bem anos 70, não? Pois foi nessa época que fiz dos gibis os meus parceiros. Meu avô Bastião tinha um açougue em Maringá, na Vila Operária, quase em frente à Igreja São José. A banca de revistas ficava próxima ao Cine Horizonte, no prédio novo, na avenida Riachuelo.

Minha tia Léa, que também é minha madrinha, sempre me arrumava uns trocados. Invariavelmente, o dinheiro ia para a banca e para a padaria da Zeca, que ficava ao lado do açougue. Quando não estava na sala de aula ou nos campinhos jogando bola, lia gibis e comia tortas de banana. No intervalo da obrigação e da alegria maior, acompanhava as peripécias de Billy the Kid, David Crockett, Batman, todos da Disney, e do melhor, o mais temido, o inesquecível Fantasma, o espírito que anda.

Ainda naquela década surgiu a revista semanal Placar, especializada em futebol. Chegava às bancas na quarta-feira. Lia no mesmo dia. Tinha quase todos os exemplares e podia recitar escalações de times, resultados e títulos, falar da Seleção Brasileira e das Copas. O gosto pela leitura da Placar despertou em mim a escrita. Foi a minha porta de entrada no jornalismo.

Companheiro nas aventuras desses heróis intrépidos e lendários e de tantos outros, que a empoeirada memória não consegue mais se lembrar, e jogador de futebol imaginário ao lado de craques como Pelé, Tostão e Gérson, teci a fantasia da minha infância que continuo a usar até estes dias reais.

Os livros, as revistas e os gibis ainda me remetem a muitos mundos. Os sonhos ainda não foram embora. Acho que eles estarão comigo permanentemente. Assim, faço um cotidiano mais leve e tento não levar tão a sério as inevitáveis agruras diárias. As publicações são paradoxais. São fuga e tentativa de compreender a vida. Elas abrem perspectivas. São os canais para o entender o ser humano e se entender.

São muitas histórias dentro das minhas histórias. Folheando páginas intermináveis, que começaram contando a vida do agora santificado padre Kolbe; passando pelo Fantasma, montado em seu cavalo Herói; pelo romântico futebol, em que a batida da bola acelerava o coração, e o amor à camisa movia o jogador; nos romances, em que o bem sempre vencia no final; nos exemplos de vida e nas nada exemplares biografias; e hoje, ainda vagando pelo passado, no presente carimbado nos jornais, e na comportada angústia do que virá. Vou folheando páginas. Vou tecendo a fantasia. Apesar da rudeza, dos contornos reais, a fantasia nunca vai cessar.

Texto de Antonio Roberto de Paula publicado na revista Maringá Ensina, edição de agosto-setembro-outubro 2010

Fonte:
Antonio Roberto de Paula
Imagem = autor anonimo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 314)


Uma Trova Nacional

A vida é drama brutal
para a criança sem nome,
em que a lágrima de sal
tempera o prato da fome!
ADILSON MAIA/RJ

Uma Trova Potiguar

Brasil, país tropical,
das pátrias a mais risonha,
és o berço universal
onde a natureza sonha.
–JAIR FIGUEIREDO/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - São Paulo/SP
Tema : PRECE - M/H

Que o vento insista no açoite,
que o raio o espaço atravesse,
mas que o tormento da noite
não abafe a minha prece!
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova de Ademar

“Tô morrendo de saudade!”
“Vou te amar eternamente!”
São ecos da falsidade,
são palavras... Simplesmente!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Os caprichos festejados
numa glória presumida,
são os trajos requintados
da hipocrisia da vida.
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

Arte Poética...
–JURACI SIQUEIRA/PA –

Hoje,
amanheci meio peixe,
meio pássaro.

Estou aprendendo a nadar,
tomando aulas de vôo
e aprimorando o canto.

Amanhã,
pássaro pleno,
insofismável peixe,
debulharei meu canto sobre a terra
em nados abissais

e voos rasantes.

Estrofe do Dia

Ah se o mundo ainda fosse,
sincero, justo e perfeito...
A humanidade abraçada,
ombro a ombro, peito a peito,
todo mundo de mãos dadas,
brincando pelas calçadas,
sorrindo do mesmo jeito!!!
PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Velha Casa
–SÁ DE FREITAS/MA–

Esta casa quem vê não imagina
quão bela foi em tempo já passado,
com o seu terreiro todo ajardinado
encostada ao sopé de uma colina.

Embora fosse um tanto pequenina.
seu interior limpinho e perfumado,
deixava o visitante extasiado
e envolvido numa paz divina.

Mas desde quando foi abandonada,
por sujeira e insetos foi tomada
e nem mais uma planta ali floresce.

E assim também com a nossa alma ocorre:
sem Deus, o que de bom tem nela, morre...
e o que é ruim com toda força cresce.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 1


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 313)


Uma Trova Nacional

A trova que desafia
com autores a rimar,
dar voz à lusofonia
aos amigos do além-mar.
–PINHAL DIAS/PT–

Uma Trova Potiguar


Louvo a infinita beleza
da alvorada cristalina,
- feitiço da natureza,
- mistério da lei divina!...
–ANTONIO RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada

2000 – Nova Friburgo/RJ
Tema: INSTANTE -1º Lugar.

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
–EDUARDO TOLEDO/MG–

Uma Trova de Ademar

Entregue ao próprio abandono,
eu vi na rua um menino,
igualmente um cão sem dono
sem lar, sem pão, sem destino...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Pelas leis da natureza,
sem ouro e glória vivemos;
porém, com toda certeza,
nós, sem água, morreremos.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

Aspiração
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Eu quero um mundo
no qual a mulher não se sinta ultrajada
porque foi olhada.

No qual o afeto não seja reprimido
e seja assumido
como um gesto de amor.

No qual não haja medo de usar todas as palavras,
até mesmo as agressivas,
mas que sejam entendidas
como palavras de amor.

No qual não haja necessidade
de se fazer a guerra
para se alcançar a paz.

No qual viver não seja uma tragédia,
mas uma grande alegria.

Estrofe do Dia

Viajando pra o sertão um belo dia
vi na beira da estrada uma tapera,
e para o meu entender ela queria
me contar a sua vida como era...
eu fui feita de barro, sem cimento.
e hoje vivo a mercê da chuva e vento
sem porta, sem ferrolho e sem tramela;
e diga a quem passar por essa estrada:
“Toda casa de taipa abandonada,
Guarda um grito de fome dentro dela!”
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Finalmente
–DARLY O. BARROS/SP–

Batendo com os punhos na vidraça,
chega até mim o som de alguém que chora;
junto à lareira, que, a janela, embaça,
eu não consigo ver quem é, lá fora...

Envolto em denso manto de fumaça,
¾ negrume e névoa ¾ o vulto, então me implora:
“Deixa-me entrar!” e um calafrio perpassa
meu corpo ... a voz da intrusa me apavora.

“Após longa vigília e cansativa,
insone, estou mais morta do que viva,
diz, de uma vez: que queres tu de mim?”

“Acalma-te, sou tua salvação,
aqui me tens, enfim, a inspiração,
abre a janela que, eu tardei, mas vim!”

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio Roberto de Paula (Sou Maringá)


Sou Maringá é um grito apaixonado, um brado, uma declaração de amor, uma demarcação de território, um convite para uma ou muitas visitas ou para o eterno ficar.

Sou Maringá é pretender mostrar a cara da cidade para quem é de fora e também para quem é de dentro; é dar cor e som próprios à cidade, é buscar estes sons, estas cores e estas ideias gerais que vivem a vagar no tempo e no espaço chamado Maringá.

É ir ao passado, batendo poeira em fotografias em preto e branco ou em textos que a história catalogou; é trazer o futuro para mais perto, tentando dar-lhe um rosto, uma perspectiva; é viver esse presente sem pensar no compromisso de depositar algo para amanhã, e mesmo assim, inconsciente, fazer história.

Sou Maringá é se inserir entre os que criam mensagens e que das mensagens produzem arte, seja ela qual for, pois arte é sempre do tamanho do mundo. Finita jamais, perene sempre. O que sai da mente e ganha corpo, por mais frágil que seja, ganhou o mundo porque o espírito da arte é eterno.

É ver Maringá com todos os olhares; é tentar enxergar o coração da cidade por meio dos seus milhares corações. É nessa tentativa que a gente cria, produz, participa, vive para, enfim, conhecer o nosso próprio coração.

Sou Maringá. Sou!

Fonte:
http://www.antoniorobertodepaula.com/2011/08/sou-maringa.html
Imagem = SGCP

Ialmar Pio Schneider (O Folclore Gaúcho)


Aqui no Rio Grande do Sul, o folclore, considerado como ciência do povo, termo que foi pela primeira vez empregado pelo arqueólogo inglês G. J. Thoms, originando-se de Folk, povo, e lore, ciência, em 22 de agosto de 1846, portanto, há cento e cinqüenta e dois anos passados, é sobremaneira cultuado, notadamente nos Centros de Tradições Gaúchas, já difundidos, segundo me consta, por vários estados do país e até no exterior. O que mais impressiona é o amor ao torrão natal, ao pingo, à china, que o gaúcho demonstra onde quer que se encontre, e deixa extravasar através de versos e toadas nas tertúlias e fandangos galponeiros. Seja no pontear de um violão, cantando uma milonga, ou no toque de uma cordeona ou bandônio, num xote bem largado, é que o gaudério se diverte e procura esquecer os reveses da vida nos braços de uma chinoca querendona. Também mostra sua destreza na dança da chula.

Mas o folclore gaúcho é deveras portentoso e abrange, além do lazer, os costumes, crendices populares, superstições e até práticas médicas de curandeiros, velhos pajés, parteiras de campanha, benzedeiras de cobreiros, costura de rendidura (hérnia), etc. São herança dos nativos, e povoadores açorianos e castelhanos que se mesclaram para formar a estirpe gaúcha.

Bem acentuados e conhecidos temos os mitos e lendas, tais como as do Negrinho do Pastoreio, A Salamanca do Jarau e A Mboitatá e muitos outros. Discorrendo sobre as Lendas do Sul, assim registra o ínclito mestre folclorista gaúcho Augusto Meyer, que foi membro da Academia Brasileira de Letras, em seu livro GUIA DO FOLCLORE GAÚCHO - Gráfica Editora Aurora, Ltda - RIO - 1951, pág. 96: “O único mito realmente popular, com raízes profundas na tradição gaúcha, é o do Negrinho do Pastoreio; é também o único de pura cepa rio-grandense, livre de qualquer influência gringa.” Mais recentemente, o erudito folclorista gaúcho Antonio Augusto Fagundes, em seu livro MITOS E LENDAS DO RIO GRANDE DO SUL - Martins Livreiro-Editor - Porto Alegre - 1992, num trabalho muito bem elaborado, desenvolveu o assunto, abrangendo nosso Estado, externando de modo cabal o seu conhecimento e assim se expressando, magistralmente, no final do prefácio: “Há muito amor nestes estudos, amor pelo povo, que é uma forma de amarmos a nós mesmos. O Folclore é a ciência do amor, por isso eu me fiz folclorista.”

Muito expressiva é a colaboração afro-brasileira para com o folclore gaúcho, representada, principalmente, pelas Congadas que se realizavam próximo ao litoral, em Santo Antônio da Patrulha, abrangendo Conceição do Arroio (hoje Osório), Palmares e Morro Alto, como bem explica Augusto Meyer, em seu livro acima citado, à pág. 60.

Resta acrescentar as contribuições dos imigrantes ao folclore gaúcho e que não foram poucas. Os alemães trouxeram o Kerb, o jogo de bolão, as “bandinhas” e os italianos com as festas paroquiais nas igrejas católicas, a vindima, o jogo da móra, da bocha, e as suas maravilhosas melodias.

É oportuno lembrar que a riqueza de um povo também se mede pela cultura de suas tradições.

(Publicado no Diário de Canoas em 19-08-1998)

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Raquel Amélia dos Santos (Experimente o Dia e seus Sabores - "CARPE DIEM!)


Raquel é nova colaboradora do blog.
Raquel Amélia dos Santos
Pedagoga e professora no municipio de Ribeirão das Neves em Minas Gerais. Produz textos, artigos sobre temas filosóficos, do viver diário, educacionais e outros.
Blog http://amolercomaalma.blogspot.com/

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Carpe Diem" quer dizer "colha o dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente.” Rubem Alves

Maravilhoso pensar o dia como um tempo a ser vivido, que traz consigo acontecimentos que se forem comparados à uma fruta, podem ter sabores variados.

"Colha o dia, confia o mínimo no amanhã. Não pergunte, saber é proibido (...) É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho (...) seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciúmento está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã." É o que diz Horácio, poeta romano que viveu antes de Cristo.

Não se trata de um simples aproveitar o dia. É preciso vivenciar cada evento no decorrer do dia, percebendo seus cheiros, contemplando suas cores, sentindo seus sabores.

Os sabores!? Podem ser variados. Doces como o mel, amargos, azedos ou levemente adocicados.

Entre as situações que experimentamos diariamente há uma mistura de sabores. Esta mistura pode causar uma confusão no paladar, mas ao mesmo tempo proporcionar um prazer incomum e indefinido.

Nem sempre a indefinição é de todo ruim. O sabor que vai prevalecer vai depender a importância que se dá a cada um deles.

Concentrar-se no doce pode ser uma boa opção. No entanto, nem sempre é possível encontrar apenas o doce. "É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho (...)"

É preciso sentir cada momento do dia como se fosse um fruto que nos é oferecido, que nos é dado.

Diariamente cada pessoa precisa exercer o poder da escolha. Vivenciar e sentir as emoções provocadas a cada instante, requer coragem, sabedoria e sensibilidade.

Sensibilidade e habilidade para utilizar os meios de sentir o ambiente e o mundo. Isso é possível, quando usamos não apenas os orgãos dos sentidos, mas as nossas emoções sem medo.

A cada novo dia que nos é ofertado, temos o privilégio de vivencia-lo, ganhamos uma nova chance para sermos diferentes ou melhores. E ao mesmo tempo, recebemos a incumbência de assumir a responsabilidade de escolher o como lidar com as novidades que se apresentam a cada minuto. Somos assim, convocados à exercer o poder da escolha diariamente.

Ser sábio nesse exercício não é tarefa fácil. Nem sempre o fazemos acertadamente.

Pode-se colher uma fruta qualquer após avaliar seu aspecto exterior, sua cor, seu tamanho ou até a altura em que ela se encontra na árvore. Pode ser que esteja em um galho bem acessível ou no galho mais alto.

O desejável é que ela esteja ao alcance da mão. Podemos nos deparar com o indesejavel, com o imprevisto e até com o abominável.

Pensar o dia, sabendo que nele moram a novidade e os limites do tempo, ajuda a entender que podemos encontrar o desejável, o indesejável, o previsto, o imprevisto e até o abominável.

"Para curto prazo, reescale a suas esperanças"... diz Horácio.

"Reescalar as esperanças" pressupoem uma escala inicial.

Reescalar a curto prazo, requer de nós assumir a responsabilidade do poder da escolha, conscientes de que o tempo não é confiável, pois "(...) o tempo ciúmento está fugindo de nós (...)".

O dia a ser vivido, impõe que sejamos quase tão ageis como o tempo.

A esperança só ajuda quando compreendida como objetivo a ser alcançado. Nunca como algo pronto, dado por alguém. Esse tipo de esperança paralisa o ser.

O hoje é valioso demais para ser desperdiçado. Nele mora o que Fernando Pessoa afirma ser "o nascer para a eterna novidade do mundo".

"Carpe Diem"! não significa simplesmente gastar ou aproveitar o dia. É preciso exprerimentar cada uma das emoções ofertadas por ele, sabendo discernir seus sabores.

Viver o dia confiando o mínimo nas horas vindouras ou no amanhã, lembrando que no hoje moram a novidade e o eterno. Realidades das quais não temos nenhum controle.

Neste caso, resta buscar o equilíbrio para eleger nossas ações no presente, de forma conscientes de que cada escolha tem suas consequências e que somos responsáveis por nós mesmos.

"Carpe Diem"!

Fonte:
Texto enviado pela autora

JB Xavier (Céu de Estrelas)


Sobrevoaste meus sonhos como paciente condor... e como águia veloz, te apoderaste de mim.

Navegaste contra todas as correntes, em direção à minha foz, e bebeste de todas as minhas vertentes. Com perseverança, desvendaste todos os meus mistérios, revolveste todos os meus pensamentos e choraste todos os meus prantos... Viajaste comigo ao passado distante e cantaste meus acalantos, acariciando todos os meus desejos... Espantaste todos os meus espectros, sorveste todos os meus beijos, olhaste profundamente em todos os meus olhares, e viveste todas as minhas aspirações. Espiaste em meu interior, e na terra fria de minha alma, despejaste amor. Com paciência, esperaste um aceno que nunca veio, e ainda assim, encontraste o veio de minhas minas mais valiosas...Explorando-as, encontraste algumas jóias valiosas que eu há muito julgava perdidas...trataste de minhas mais antigas feridas, e trouxeste um raio de sol à escuridão de meu mundo. Iluminaste todos os meus caminhos. Quem caminha sob um céu de estrelas sabe que, para vê-las, é preciso erguer o olhar...

Foi assim que passaste pela minha vida...um céu de estrelas a alcançar…

Fontes:
http://www.jbxavier.com.br/visualizar.php?idt=89042
Imagem = Sirlei L. Passolongo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 312

alunos do 5 ano D
Uma Trova Nacional

Sou nessa vida um fingido...
Sou o maior fingidor!
Pois não passo de um vencido,
fingindo ser vencedor!
–ZÉ REINALDO/AL–

Uma Trova Potiguar


Quando parte uma jangada,
alguém sobra na partida
regando um pé de saudade
que nasceu na despedida.
–LUIZ XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada

2006 – Amparo/SP
Tema: RESPEITO -M/H

A liderança bem vista
só a possui, justa e austera,
quem o respeito conquista,
não quem dele se apodera...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Na vida o que me conforta,
está nesta frase bela:
“Deus jamais fecha uma porta,
sem que abra uma janela”!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia


Último Aviso
–ANALICE FEITOZA DE LIMA/SP–

Há muito tempo
não vem notícia.
Teu silêncio está sangrando
o pouco que resta
do meu coração.

Socorro!
Estou à beira da morte...
Essa falta de notícia
entrega-me as traças...

Por favor, vem logo!
Antes que se faça tarde
e anoiteça em mim...

Estrofe do Dia

É louvável quem respeita
os sinais de advertência,
se a esquerda é preferência
nunca passe pra direita,
a estrada não foi feita
pra ser pista de corrida,
ao cruzar uma avenida
preste atenção no espelho;
nunca transforme em vermelho
o sinal verde da vida.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia

Soneto
–FAGUNDES VARELA/RS–

Desponta a estrela d'alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando, corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias d'aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio M. A. Sardenberg (Poesia, Soneto e Trova) III


Contraste
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis / RJ

Você é fogo, a chama mais ardente,
Semente a germinar em pleno cio,
É luz que o sol espalha suavemente,
É toque de prazer, é arrepio...

É água cristalina da nascente
Que corre lentamente para o rio,
Paixão que vem assim, tão de repente,
Deixando o coração por quase um fio.

Você é o meu passado mais presente...
Calor a me aquecer durante o frio,
Loucura que enlouquece loucamente!

Você é como um sonho inocente,
É brisa mansa em manhã de estio
E muitas vezes temporal fremente!

Silêncio
MARGOT DE FREITAS SANTOS
Juiz de Fora/MG

O silêncio de hoje é preciso.
Me nego a falar, nada tenho a escutar
Que seja mais forte e intenso
Do que repousa dentro de meu peito.

O silêncio de hoje é preciso.
Tenho lágrimas guardadas que não posso ocultar
De uma ausência doída, que por mais que eu chame,
Por estar em sono profundo, não consigo acordá-la.

O silêncio de hoje é preciso.
Busco o amparo forte
De abraços adormecidos
Que não mais podem me amparar.

O silêncio de hoje é preciso
Para aceitar esta ausência sentida
Por todo o meu corpo
Que sinto
Não mais existir !

O silêncio de hoje só não mais seria preciso,
Se aqui você estivesse e, então,
A vida teria sentido: o renascer do amor a cada dia
Onde o adormecer jamais existiria !

TROVAS

Nessas manhãs de invernadas
o orvalho, na rosa nua,
põe gotas D'ÁGUA roladas
dos olhos tristes da lua!
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO/RJ

Com as palavras brincando
vou colocando-as a prova,
meus olhos ficam brilhando
quando organizo uma trova.
NEIVA FERNANDES/RJ

Descoberta genial
Me trouxe felicidade
Este site cultural
Já tem quase a minha idade!
LAIS BELLO/RJ

Quando no futuro, um dia,
esteja o verso obsoleto:
Viverá a poesia,
pela força do soneto.
FRANCISCO NEVES MACEDO/RN

O Poeta encontra um albergue
para o abrigo de seu verso,
em teu “ALMA”, Sardenberg,
onde cabe um universo.
DOROTHY JANSSON MORETTI/SP

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Monteiro Lobato (O Saci) XI – Discussão; XII – O jantar


XI – Discussão

O saci deu uma gargalhada.

— Que gabolice! — exclamou. — Casas? Qual é o bichinho que não constrói sua casa na perfeição? Veja a das abelhas ou das formigas, ou os casulos. Poderão existir habitações mais perfeitas? Todos aqui na mata moram. Cada um inventa o seu jeito de morar. Todos moram. Todos, portanto, têm suas casinhas, onde ficam muito mais bem abrigados do que os homens lá nas casas deles. O caramujo, esse então até inventou o sistema de carregar a casa às costas. É o mais esperto. Vai andando. Assim que o perigo se aproxima, arreia a casa e mete-se dentro.

— Casa, vá lá — disse Pedrinho meio convencido. — Mas aeroplano? Que bichinho daqui seria capaz de construir aviões como nós, homens, os construímos?

Outra risada do saci.

— Olhe, Pedrinho, você está-me saindo tão bobo que até me causa dó. Aviões! Pois não vê que o avião é a mais atrasada máquina de voar que existe? Aqui os bichinhos de asas estão de tal modo adiantados que nenhum precisa de mostrengos como o tal avião. Todos possuem no corpo um aparelho de voar aperfeiçoadíssimo. Não vê que voam, bobo? Outro dia assisti a uma cena muito interessante. Eu estava perto duma lagoa cheia de patos, quando um avião passou voando por cima das nossas cabeças. Os patos entreolharam-se e riram-se. Você sabe, Pedrinho, que bicho estúpido é o pato. Pois mesmo assim um deles disse com muita sabedoria: “Parece incrível que os homens se gabem de ter inventado uma coisa que nós já usamos há tantos milhares de anos...”

— Sim — continuou Pedrinho — mas nós sabemos ler e vocês não sabem.

— Ler! E para que serve ler? Se o homem é a mais boba de todas as criaturas, de que adianta saber ler? Que é ler? Ler é um jeito de saber o que os outros pensaram. Mas que adianta a um bobo saber o que outro bobo pensou?

Era demais aquilo. Pedrinho encheu-se de cólera.

— Não continue, saci! Você está me ofendendo. O homem não é nada do que você diz. O homem é a glória da natureza.

— Glória da natureza! — exclamou o capetinha com ironia. — Ou está repetindo como papagaio o que ouviu alguém falar ou então você não raciocina. Inda ontem ouvi Dona Benta ler num jornal os horrores da guerra na Europa. Basta que entre os homens haja isso que eles chamam guerra, para que sejam classificados como as criaturas mais estúpidas que existem. Para que guerra?

— E vocês aqui não usam guerras também? Não vivem a perseguir e comer uns aos outros?

— Sim; um comer o outro é a lei da vida. Cada criatura tem o direito de viver e para isso está autorizada a matar e comer o mais fraco. Mas vocês, homens, fazem guerra sem serem movidos pela fome. Matam o inimigo e não o comem. Está errado. A lei da vida manda que só se mate para comer. Matar por matar é crime. E só entre os homens existe isso de matar por matar — por esporte, por glória, como eles dizem. Qual, Pedrinho, não se meta a defender o bicho homem que você se estrepa. E trate de fazer como Peter Pan, que embirrou de não crescer para ficar sempre menino, porque não há nada mais sem graça do que gente grande. Se todos os meninos do mundo fizessem greve como Peter Pan, e nenhum crescesse, a humanidade endireitaria. A vida lá entre os homens só vale enquanto vocês se conservam meninos. Depois que crescem, os homens viram uma calamidade, não acha? Só os homens grandes fazem guerra. Basta isso. Os meninos apenas brincam de guerra.

Pedrinho nada respondeu. Estava um tanto abalado pelas estranhas idéias do saci. Quando voltasse para casa iria consultar Dona Benta para saber se era assim mesmo ou não.

XII – O jantar

O sol já estava descambando e o menino sentiu fome. Havia esquecido de trazer matalotagem.

— Amigo saci, estou sentindo uma coisa chamada fome. Mostre-me a sua habilidade em sair-se de todos os apuros, arranjando um jantar.

— Nada mais fácil — respondeu o pernetinha. — Gosta de palmito?

— Gosto, sim. Mas como poderemos derrubar uma palmeira tão alta para colher o palmito? Sem machado é impossível.

O saci deu uma risada.

— Não há impossíveis para mim, quer ver? — e metendo dois dedos na boca, tirou um agudo assobio.

Imediatamente um enorme besourão, chamado serra-pau, surgiu do seio da floresta. O saci fez-lhe uns sinais e o besourão, voando para o alto duma palmeira de tronco fino, mas muito alta, abarcou a base do palmito entre os seus ferrões dentados como um serrote e começou a girar com grande velocidade, zunindo como um aeroplano — zunnn...

Em menos de cinco minutos o tronco da palmeira estava serrado, e o palmito, acompanhado da copa, veio com grande estardalhaço ao chão.

— Bravos! — exclamou o menino. — Nunca imaginei que nesta mata houvesse serrador tão hábil. Quero agora ver como você prepara o petisco.

— Muito fácil — disse o saci. — Fogo não falta. Tenho sempre fogo no meu pitinho. Panelas também não faltam. É só procurar por aí alguma casca de tatu. Água temos dentro dos gomos de taquara; basta rachar um ou dois. E para gordura, é só quebrar uma porção de coquinhos e espremer entre duas pedras o óleo das amêndoas.

— E sal?

— É o mais difícil; mas como há mel, você comerá palmito preparado sob forma de doce, que é ainda mais gostoso.

E assim foi feito. Em menos de vinte minutos estava diante de Pedrinho uma casca de tatu cheia de um doce de palmito muito bem preparado. O menino comeu a fartar e ainda teve uma sobremesa de amoras-do-mato, que o saci colheu ali mesmo.

— Há muito tempo que não como com tanto apetite! — comentou Pedrinho depois que encheu o papo. — Você é um cozinheiro ainda melhor que Tia Nastácia, que é a primeira cozinheira do mundo.

E, dando tapinhas na barriga, pôs-se a palitar os dentes com um comprido espinho de brejaúva.

A tarde ia morrendo. Não tardou que Pedrinho visse brilhar no céu, por entre uma nesga aberta na copa das árvores, a primeira estrelinha.

Que coisa impressionante era a noite! Até aquele momento Pedrinho ainda não havia prestado atenção nisso. Noite em casa não é noite. Acende-se o lampião, fecha-se a porta da rua — e que é da noite?

Mas ali, oh, ali a noite o era de verdade — das imensas, das completamente escuras, apenas com aqueles vaga-lumes parados no céu que os homens chamam estrelas...
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continua... XIII - Novas discussões; XIV – O medo
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 311)


Uma Trova Nacional

Entre as pedras do caminho,
deixei um sonho disperso,
que morreu longe, sozinho,
nas rimas tristes de um verso!
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova Potiguar

A vida... Que importa a vida?
Cante a vida quem quiser...
que eu tenho a vida envolvida
na vida de uma mulher!...
–JUNQUILHO LOURIVAL/RN–

Uma Trova Premiada

2000 -Fortaleza/CE
Tema: FEITIÇO -2º Lugar

A mesma sorte vadia
que de mel nos enche a taça,
serve também, quem diria,
o veneno da desgraça.
–JOSÉ PEREIRA ALBUQUERQUE/CE–

Uma Trova de Ademar

Eu, cansado de sofrer
o teu retrato eu rasguei...
Mas como irei esquecer
todo esse amor que te dei?
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Trago sempre na lembrança
o meu sonho de menina:
uns olhos cor de esperança
da boneca da vitrina.
–ZENÍLIA PAIXÃO/MG–

Simplesmente Poesia

Bobo Prazer
–ILKA VIEIRA/RJ–

Já és tão bela,
tão doce e plena,
mas ainda não percebes
o fluído original
que recarrega minha ânsia
quando te vejo,
quase toco,
quase beijo,
quase roubo,
sem covardia,
com puros desejos
de envolvê-la em meus braços
e morrer por abraços
num bobo prazer.

Estrofe do Dia

Plantei um pé de roseira
dentro de uma lata rasa,
pendurei detrás de casa
numa vara da biqueira,
numa noite de fogueira
que era véspera de São João,
o danado de um barrão
pensando que era batata
furou o fundo da lata
e a terra caiu no chão.
–BELARMINO DE FRANÇA/PB–

Soneto do Dia

Labirintos
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Angústia no olhar que buscando o infinito,
é luz da minha alma... Meu eu sofredor,
na dor de não ter mais o brilho do amor
perdido em meu ontem em torpe conflito.

A lágrima quente deixando-me aflito,
cruel labirinto, caminhos de dor...
As mãos estendidas ao nada, sem cor,
total solidão, repercute meu grito!

O trilho da vida me deixa inseguro,
relâmpagos riscam o céu todo escuro,
tal qual a minha alma que vaga no espaço!

Conflitos mentais tão comuns nesta idade,
serão transformados na minha verdade...
Nos versos que agora, em conflito, eu te faço!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://www.lilianpoesias.net

domingo, 21 de agosto de 2011

Paulo Leminski ("Tarde de vento")


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 310)


Uma Trova Nacional

A ser feliz não me furto,
mas tentando te esquecer,
meu tempo ficou tão curto
que me esqueci de viver...
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Quisera saber um terço
da vida espiritual.
Vem da certidão do berço
o nosso estágio carnal.
–CHICO MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 – UBT-Natal/RN
Tema: DESTINO - M/H

Que não me julguem culpado
por não achar a saída...
Meu destino está traçado,
nos labirintos da vida!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova de Ademar

O meu EU sofreu mudança,
uma mudança sem fim.
Só não mudou a criança
que eu fui e que vive em mim!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De uma paixão incontida,
o tempo - insano juiz -
pode curar a ferida
mas nos deixa a cicatriz.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

Todos Chorarão
–PROF. GARCIA/RN–

Se não houver mais flores nos jardins,
se faltar o perfume dos rosais,
sofrerão nossos anjos querubins
ao romper das auroras matinais!

Se faltarem belezas campesinas,
sabiás e os mais lindos rouxinóis,
que serão das auroras tão divinas
sem os cantos que encantam todos nós?

Sem os perfumes virginais dos campos,
sem a voz maviosa das cascatas,
chorarão os poetas pirilampos,
no silêncio final da voz das matas.

Todos nós choraremos de desgosto,
nunca mais os poetas vão cantar,
rolarão muitos prantos pelo rosto,
"as almas dos poetas vão chorar".

Estrofe do Dia

A musa deu-me o condão
e a estrela da poesia;
no entanto, se o mau destino
quiser tomá-los, um dia,
peço a Deus: tire-me o pão,
mas não tire a inspiração,
que é o pão de minha alegria!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Quarenta Anos.
–MÁRIO DE ANDRADE/SP–

A vida é para mim, está se vendo,
uma felicidade sem repouso:
eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
disso, persisto em me enganar... Eu ouso
dizer que a vida foi o bem precioso
que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

seria, agora que a velhice avança,
que me sinto completo e além da sorte,
me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor