quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Assis Brasil (Concerto Campestre)


Concerto Campestre, de Luís Antonio de Assis Brasil, é, numa definição redutora, uma alegoria sobre um tempo (meados do século passado) e um lugar (as fronteiras vazias dos pampas) do Rio Grande do Sul e que o autor apresenta em plena decadência moral, social e política.

Há os nascidos ali e os intrusos, e todos giram à volta do Major Antônio Eleutério de Fontes que, cansado de mandar e ser obedecido, delega na esposa, D. Brígida, a sua prepotência para se dedicar ao mecenato da música. Faz isso com tanta generosidade que não se conhece nas aldeias e cidades mais próximas quem possua orquestra própria (a Lira Santa Cecília) de melhor qualidade. Com dois filhos boçais e uma filha bonita, Clara Vitória, o Major transfere para a sua orquestra grande parte do seu afeto e do seu dinheiro, para desespero silencioso de D. Brígida, que não se resigna a que se gaste tanto dinheiro com a música, mas que não pode, por dever social, hostilizar publicamente o marido. Assim, tudo parece correr sobre as rodas: há dinheiro, a orquestra já toca afinada e até há um fazendeiro rico e de boa figura para casar com Clara Vitória; e há um padre que tudo abençoa: a música e a felicidade, o amor, o bem-viver, a boa comida. Há um senão: um maestro femeeiro arranjado pelo padre, que o Major instalou no quarto de hóspedes, ao lado do quarto da filha. O resultado desta vizinhança foi catastrófico. Curiosamente, é o Major quem reage de forma mais violenta: expulsa Clara Vitória grávida, dá cabo da Lira Santa Cecília e ia dando cabo do fazendeiro que julgou ser o responsável pela afronta, para sorte do Maestro, a quem só restou fugir.

É uma narrativa realista tradicional, do ponto de vista da linguagem e da estrutura da obra.

O que logo ressalta em Concerto Campestre é o conhecimento da história, na sua multiplicidade de envolvências. E é esse conhecimento que provoca no leitor a certeza que está revivendo a verdade de um tempo e de um lugar que, tratada sob a forma de ficção, toca as fronteiras mágicas do fantástico. Daí, o encantamento deste livro, apoiado por uma escrita de grande rigor formal, que respira, alegoricamente, ao ritmo musical, fraseado por andamentos que alternam, por oposição, entre o suave e o forte, entre o trágico e o cômico, entre o sossego lírico e a inquietação dos medos.

Com esse rigor narrativo, Assis Brasil define as personagens do seu romance, através de traços fortes, porventura caricaturais, tornando-as paradigmáticas das diversas classes sociais que povoam os pampas do Rio Grande do Sul de então e que o autor descreve de forma radiográfica. E assim, ele imbrica as personagens nas sucessivas situações a que estão sujeitas, sem nunca perder a sua colocação no tempo ou no lugar e não deixando que estes se sobreponham ao desenvolvimento dos conflitos. Para tanto utilizou "pinceladas" de envolvência discretas, mas suficientemente definidoras de um surpreendente sentido plástico.

Flui mansa a narrativa de Concerto campestre e nela se inserem informações, indicando que muitas outras haviam sido, até então, subtraídas. Anunciam, ao fim de capítulo, uma situação de crise que irá determinar a continuação do relato sem que, no entanto, ocorram mudanças no seu ritmo.

O primeiro capítulo narra a chegada do Maestro na fazenda e de seus progressos frente à orquestra; brevemente, de suas relações com a família do estancieiro. Nas últimas linhas, informa, e quase nada o fizera prever, da paixão de Clara Vitória por ele.

O segundo capítulo retoma o dia em que o Maestro chegou para narrar dos primeiros interesses de Clara Vitória: espiara pela fresta da cortina enquanto ele, sentado, esperava que o fazendeiro lesse a carta que trazia. Os repetidos encontros e as palavras trocadas e o perceber-lhe os movimentos no quarto ao lado vão arquitetando os sentimentos.

Nas últimas linhas do segundo capítulo, a inesperada revelação: o esgueirar-se de Clara Vitória fora de casa para entrar no quarto do Maestro e lá ficar até de madrugada. Então, novamente, a volta da narrativa para um momento anterior e, assim completar o que não fora dito e, outra vez, tratar dos sucessos da orquestra para terminar o terceiro capítulo com uma nova revelação.

São três momentos da narrativa em que, primeiramente é anunciado um fato inesperado, abruptamente como um relâmpago, levando a um retorno no tempo e a um relato linear que o irá completar, mostrando o quanto Concerto campestre é um romance de exímia construção. Também feita de alguma graça, de alguma crítica, do sábio dizer dessa música que se eleva nos campos, da sedução do personagem feminino, buscando seu destino para, então, aceitar-lhe os desígnios.

O que torna Concerto campestre um momento de extraordinária vitalidade, no conjunto notável da ficção de Luiz Antonio de Assis Brasil, é a transfiguração de duas vertentes, ambas presentes desde seus primeiros textos.

A primeira é a vertente crítica, que vem do desejo de revisar a História, com notado influxo social.

Em Concerto campestre, curiosamente, a vertente crítica não se mostra apenas como formulação discursiva, mas como forma de conceber o mundo. Ao invés de seguir apenas a racionalidade mimética da narrativa tradicional, Assis Brasil acolhe, na lógica do texto, mundos simultâneos que alteram as passagens entre o universo mimético e real e a insurgência do sonho, do alegórico e do espectral. A oposição real-imaginário, como captação de matéria ficcional determina, por sua vez, a articulação da novela como forma acabada e redonda, semelhante ao poema, onde cada elemento ocupa um determinado espaço, não podendo ser alterado ou substituído.

Se pela vertente irônica Concerto campestre pune a sociedade e os costumes com a ironia, o pastiche, a paródia, ao mesmo tempo que relata o debater-se inútil das vítimas, fantoches de um mundo decaído, pela segunda vertente, a obra instaura o grotesco como manifestação formal de uma ordem de mundo essencialmente barroca. As antíteses poderosas deslocam-se da forma tradicional e compõem a ordenação do universo novelesco, como se pode ler fartamente através das articulações das personagens e dos demais elementos narrativos. A seleção de episódios, por sua vez, manifestam as oposições desses mundos em que a chuva de sangue é o castigo bíblico: a ordem fora rompida. A fantasmagoria da videira, o caráter sepulcral da tapera onde Clara Vitória será confinada pelo pai, deixam claro tratar-se de texto que trabalha a alegoria barroca.

Mais uma vez, chama a atenção o modo hábil como Assis Brasil apresenta suas personagens, sempre justificadas pela ação que realizam. Não obstante, o narrador experiente dos romances anteriores surpreende o crítico ao deformá-las propositadamente, acentuando-lhes os traços definidores. Essa deformação caricaturesca, própria da sátira, transforma os entes humanos em marionetes rígidas, a moverem-se mecanicamente.

Note-se, porém, que na Estância de Fontes, o jogo das distorções grotescas não é gratuito. Pode-se entendê-lo como montagem parodística e, portanto, como paródia de uma literatura edificante que se mostra, no caso, pervertida. E essa é a sua qualidade. O cômico deformante impõe mais a reflexão do que o riso. E se, no início da narrativa, julga-se perceber no aguçamento caricatural das personagens o zelo de um crítico da sociedade, como ensina Kayser, os acontecimentos irão mostrar que o grotesco, como categoria da estética barroca, reside propriamente na mistura de coisas incompatíveis: de um lado, os dramas mais cruéis da vida; de outro, o riso contrafeito das máscaras.

Em Concerto campestre o autor ultrapassa a crítica à sociedade: farsa e tragédia, máscara e face não se deixam separar. Não obstante, a máscara deixa a face - e isso ocorre quando Clara Vitória e o Maestro encolhem-se diante das circunstâncias, reconhecendo seus limites e sua pequenez. Resistindo ao desespero, separam-se, embora mantendo um amor sem projetos, desejo epifânico de que tudo terminasse bem. A experiência dolorosa do Maestro, no decorrer dos concertos na Estância, fizera-o ver o fosso que separava os dois mundos, o dos pardos e dos pobres e o mundo dos brancos e ricos, cujos códigos ele jamais poderia atingir. Como na commedia del'arte, a fuga dos amantes para além da sociedade, dos amigos, da lei, de tudo converte-se em fuga do mundo. Os pressentimentos, as súbitas consciências da insânia cometida, a relação conflituosa entre o Vigário, Deus e os escravos, que mais sofriam do que pecavam, confirmam a alegoria dos mundos antagônicos.

Entretanto, a confusão entre aparência e realidade decorre também da própria concepção dos sentidos e de seus deslocamentos: se ouvir, isso não é com a orelha, é com a alma, e se ouve-se também com os olhos, como dizia o músico Rossini, certamente um alter-ego do escritor, Concerto campestre tem de ser lido como um poema. A frase melódica, a harmonia formal recobrem, paradoxalmente, o jogo de distorções grotescas nessa comédia moralizante contra a natureza cruel do homem.

Resumo

A história acontece numa fazenda do interior gaúcho, em meados do século XIX. O fazendeiro e charqueador é o Major Antônio Eleutério de Fontes, casado, dois filhos, uma filha, Clara Vitória.

O fazendeiro mantém em sua propriedade rural uma pequena orquestra, vista por alguns de seus vizinhos como uma extravagância absurda, um desperdício de dinheiro.

O livro explica que o Major acumulou recursos contrabandeando gado e vendendo aos dois lados da Guerra dos Farrapos.

Passando por sua fazenda, dois índios missioneiros, músicos, encantaram o Major com seus instrumentos. Interessado, a partir daí, cada vez mais, por música, o Major acaba montando a orquestra, tendo contratado como regente um mineiro conhecido por 'Maestro'. A escolha deste sujeito foi feita a partir da indicação do vigário de São Vicente, povoado próximo à fazenda: o vigário queria livrar o Maestro de complicações amorosas. A orquestra recebe o nome de Lira Santa Cecília e causa indignação em D. Brígida, esposa do Major.

Todavia, D. Brígida tem como grande preocupação encaminhar o casamento da filha Clara Vitória.

Na propriedade de Antônio Eleutério há um lugar com poderes místicos, o 'boqueirão': trata-se de uma tapera, local ermo e de difícil acesso, que, no entanto, dá excelentes uvas, onde ninguém costuma pisar.

Com o tempo, a Lira Santa Cecília vai ficando famosa: os concertos na fazenda são concorridos, a orquestra vai tocar em Rio Pardo. O Major compra novos uniformes e aumenta o salário dos músicos. Até aqui o livro é quase uma crônica, relatando amenidades e curiosidades.

Eis que aparece o nó da trama: Clara Vitória, a única filha, já encaminhada para o casamento com o Silvestre Pimentel, sobrinho e possível herdeiro de um fazendeiro vizinho que está doente, apaixona-se pelo Maestro. Em retrospectiva, a obra nos mostra Clara Vitória, enquanto posava, mesmo sem vontade, de futura esposa de Silvestre Pimentel, fazia visitas noturnas ao alojamento do Maestro, passava lá a noite, voltando para seu quarto pouco antes do amanhecer.

O segundo elemento em importância da orquestra, um músico velho e experiente, apelidado Rossini, sabe do caso e, amante de óperas, prevê um final operístico para a história.

A tensão da obra aumenta quando Clara se descobre grávida. Vai escondendo de todos enquanto é possível; ao visitar a parteira, vê que não é mais possível interromper a gravidez. Numa audição da orquestra, Clara passa mal. O vigário desconfia, pressiona a menina, ela confessa. O vigário já desconfiava de algo, mas não imaginava que a história envolvesse o Maestro. Chama Silvestre para antecipar o casamento. O noivo topa. Vai à fazenda com a mesma proposta, que é rechaçada de imediato pelo Major. Até que D. Brígida descobre: 'Você está grávida!'.

Segue-se uma consternação na família. D. Brígida dá uma surra em Clara que é protegida pelas criadas. O Major sai para fazer 'o que deve ser feito': justiça. Mas, todos eles - o Major, D. Brígida, os familiares - pensam que o pai da futura criança é o noivo Silvestre Pimentel. O Major vai à casa de Silvestre para matá-lo. Silvestre tenta dialogar, mas o major atira, atingindo o ex-noivo. Volta para casa e avisa D. Brígida que matou o sujeito. Mais tarde, descobre-se que Silvestre apenas ficara ferido. Antônio Eleutério toma as decisões: expulsa Clara Vitória de casa, obrigando-a a viver sozinha no boqueirão; proíbe qualquer pessoa, com exceção do capataz, de aproximar-se do local, mantendo inclusive vigilância armada; não mais permite a citação do nome de Clara na residência.

Em meio a este desenredo familiar, tudo em volta se transtornou. D.Brígida não sabe o que faz da vida; o Major passa os dias solitário, quieto, tendo inclusive desativado a orquestra Lira Santa Cecília. O Maestro, na impossibilidade de ver Clara, abandona a fazenda e vai para Porto Alegre. Seu amigo Rossini ainda faz previsões: 'Ainda não ocorreu o último ato desta ópera. E eu não quero perder'.

O Maestro e Rossini tentam sobreviver em Porto Alegre. Numa noite, abandonando uma ópera no meio do espetáculo, o Maestro pergunta a Rossini, que conhecia o final da história: 'Como termina?'. 'Em casamento', responde o amigo. Enquanto o Maestro angustiava-se em Porto Alegre, sofrendo pela separação de Clara, o Major Antônio Eleutério ia definhando, já perdendo a razão. E Clara vivia solitária, exilada na tapera abandonada, vivendo consigo mesma, com a natureza que a cercava e com imagens do passado, confusas em sua mente. Ajudada somente pela criada, Clara tem seu bebê: é uma menina.

Num momento mágico, o Maestro redescobre a partitura de uma música que compusera para Clara. Toca a peça na missa em Porto Alegre, horrorizando o Bispo, Despedido, retorna com Rossini e os outros músicos à estância do Major. A ressurreição da Lira Santa Cecília reanima o Major. Mas Antônio Eleutério já está definitivamente perturbado. Ordena um concerto no qual ele é o único assistente. Briga com a mulher, que resolve abandoná-lo. Em meio a uma chuva, na presença do vigário, vendo seu mundo desmoronado, suicida-se. O maestro dirige-se ao 'boqueirão'. Rossini aplaude, como se estivesse na platéia de uma ópera. Final feliz:

Ela foi até a margem, tirou a roupa e lavou-se. Estava assim, meio submersa, refrescando-se na delícia da tarde, quando sentiu que alguém vinha em sua direção, atravessando as águas. E logo soube quem era, sempre saberia dali por diante, pelos anos afora: não precisou cobrir-se, nem correr de vergonha, apenas abriu os braços e entregou-se ao primeiro beijo de todos os beijos de sua longa vida.

Fonte:
Passeiweb

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 19

Teófilo Braga (O Caldo de Pedra)


Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:

– Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:

– Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.

Responderam-lhe:

– Sempre queremos ver isso.

Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:

– Se me emprestassem aí um pucarinho.

Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.

– Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.

Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:

– Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.

Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:

– Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.

Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:

-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.

A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.

Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:

– Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...

Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:

– Ó senhor frade, então a pedra?

Respondeu o frade:

– A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.

E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

Fontes:
Projeto Vercial
Imagem = http://www.cm-almeirim.pt/

Teófilo Braga (1843 – 1924)


Joaquim Teófilo Fernandes Braga (Ponta Delgada, 24 de Fevereiro de 1843 — Lisboa, 28 de Janeiro de 1924) foi um político, escritor e ensaísta português. Estreia na literatura em 1859 com Folhas Verdes. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, fixa-se em Lisboa em 1872, onde leciona literatura no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Da sua carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia (com especial destaque para as suas recolhas de contos e canções tradicionais), poesia, ficção e filosofia, tendo sido ele o introdutor do Positivismo em Portugal.

Teófilo Braga nasceu na cidade de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, nos Açores, filho de Joaquim Manuel Fernandes Braga, oriundo de Braga, engenheiro militar e oficial do exército miguelista e posteriormente professor de Matemática e Filosofia no Liceu de Ponta Delgada, e de Maria José da Câmara Albuquerque, natural da ilha de Santa Maria. Os pais estavam ligadas a famílias da aristocracia. O pai fazia parte da expedição miguelista enviada para os Açores no início da Guerra Civil Portuguesa, tendo sido feito prisioneiro na tomada da ilha de São Miguel pelas forças liberais e desterrado para a ilha de Santa Maria, onde conheceu a futura esposa, originária da melhor aristocracia daquela ilha.

Foi o último dos sete filhos do primeiro casamento de seu pai, dos quais cinco faleceram na infância. A mãe também faleceu precocemente a 17 de Novembro de 1846, quando Teófilo tinha apenas 3 anos de idade. A sua morte, e a má relação que teria com a madrasta, com quem seu pai casou dois anos depois, marcaram decisivamente o seu temperamento fechado e agreste.

Iniciou muito cedo actividade profissional, empregando-se na tipografia do jornal A Ilha, de Ponta Delgada, no qual também colaborou como redator. Nesse período colaborou com outros periódicos da ilha de São Miguel, entre os quais os jornais O Meteoro e O Santelmo.

Frequentou o Liceu de Ponta Delgada e em 1861 partiu para Coimbra, cidade em cujo Liceu concluiu o ensino secundário. Apesar de ter saído de Ponta Delgada com a intenção de cursar Teologia e enveredar por uma carreira eclesiástica, em 1862 optou pela matrícula no curso de Direito da Universidade de Coimbra.

Enquanto estudante em Coimbra, face a uma ajuda paterna insuficiente, trabalhou como tradutor e recorreu a explicações e à publicação de artigos e poemas para financiar os seus estudos. Fortemente influenciado pelas teses sociológicas e políticas positivismo, cedo aderiu aos ideais republicanos.

Aluno brilhante, quando em 1867 terminou o curso foi convidado pela Faculdade de Direito a doutorar-se, o que fez defendendo em 26 de Julho de 1868 uma tese intitulada História do Direito Português: I: Os Forais. Contudo, a sua pública adesão aos ideais republicanos levaram a que fosse preterido quando em 1868 concorreu para professor da cadeira de Direito Comercial na Academia Politécnica do Porto. O mesmo sucedeu em 1871 quando concorreu para o cargo de lente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Fixou-se então em Lisboa, iniciando a sua actividade como advogado e, nesse mesmo ano de 1868, casou com Maria do Carmo Xavier, irmã de Júlio de Matos, de quem teve três filhos. Tanto a esposa como os filhos faleceram muito jovens, ela em 1911, os filhos antes dessa data, sendo pois já viúvo e sem filhos quando ascendeu ao cargo de Presidente da República.

A 18 de Maio de 1871 foi um dos doze signatários[8] do programa das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, interrompidas por uma portaria do também açoriano António José de Ávila, ao tempo presidente do Governo.

Em 1872, concorreu a lente da cadeira de Literaturas Modernas do Curso Superior de Letras, sendo provido no lugar na sequência de um concurso onde teve como opositores Manuel Pinheiro Chagas e Luciano Cordeiro.

No Curso Superior de Letras dedica-se ao estudo da literatura europeia, com destaque para os autores franceses, e iniciou uma carreira académica que o levou a publicar uma extensa obra filosófica fortemente influenciada pelo positivismo de Auguste Comte. Essa influência positivista foi decisiva no seu pensamento, na sua obra literária e na sua atitude política, fazendo dele um dos mais destacados membros da geração doutrinária do republicanismo português.

Em 1878 fundou e passou a dirigir com Júlio de Matos a revista O Positivismo. Nesse mesmo ano iniciou a sua ação na política ativa portuguesa concorrendo a deputado às Cortes da Monarquia Constitucional Portuguesa integrado nas listas dos republicanos federalistas. A partir desse ano exerceu vários cargos de destaque nas estruturas do Partido Republicano Português.

Em 1880 passou a colaborar com a revista A Era Nova. Nesse mesmo ano, com Ramalho Ortigão, organizou as comemorações do Tricentenário de Camões, momento alto da articulação do Partido Republicano, de onde sai com grande prestígio. As comemorações camoneanas foram encaradas por Teófilo Braga como uma aplicação do projeto positivista de substituir o culto a Deus e aos santos pelo culto aos grandes homens.

A partir de 1884 passa a dirigir a Revista de Estudos Livres, em parceria com Teixeira Bastos, um seu antigo aluno no Curso Superior de Letras que se revelaria como um dos principais divulgadores do positivismo em Portugal.

Colaborou ainda no jornal humorístico A Comédia Portuguesa, começado a editar em 1888.

Em 1890 foi pela primeira vez eleito membro do diretório do Partido Republicano Português (PRP). Nessa condição, a 11 de Janeiro de 1891 foi um dos subscritores do Manifesto e Programa do PRP, em cuja elaboração colaborara. Este manifesto, e a sua apresentação pública, precederam em três semanas a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, à qual Teófilo Braga, como aliás a maioria dos republicanos lisboetas, se opôs.

Em 1 de Janeiro de 1910 torna-se membro efetivo do diretório político, conjuntamente com Basílio Teles, Eusébio Leão, José Cupertino Ribeiro e José Relvas.

A 28 de Agosto de 1910 é eleito deputado republicano por Lisboa às Cortes monárquicas, não chegando contudo a tomar posse por entretanto ocorrer a implantação da República Portuguesa.

Por decreto publicado no Diário do Governo de 6 de Outubro do mesmo ano é nomeado presidente do Governo Provisório da República Portuguesa saído da Revolução de 5 de Outubro de 1910. Naquelas funções foi de facto chefe de Estado, já que o primeiro Presidente da República Portuguesa, Manuel de Arriaga, apenas foi eleito a 24 de Agosto de 1911.

Quando Manuel de Arriaga foi obrigado a resignar do cargo de Presidente da República, na sequência da Revolta de 14 de Maio de 1915, Teófilo Braga foi eleito para o substituir pelo Congresso da República, a 29 de Maio de 1915, com 98 votos a favor, contra um voto de Duarte Leite Pereira da Silva e três votos em branco. Sendo um Presidente de transição, face à demissão de Manuel de Arriaga, cumpriu o mandato até ao dia 5 de Outubro do mesmo ano, sendo então substituído por Bernardino Machado. Foi a sua última participação na vida política ativa.

Já viúvo quando da sua eleição, após o mandato, Teófilo Braga, que desde que enviuvara passara a ser um misógino enfiado na sua biblioteca, isolou-se, dedicando-se-se quase em exclusivo à escrita. Faleceu só, no seu gabinete de trabalho, a 28 de Janeiro de 1924

Obras

A vasta obra de polígrafo de Teófilo Braga cobre áreas vastas, da poesia e da ficção à filosofia, à história da cultura e à historiografia crítico-literária, e excede os 360 títulos, não contando com os artigos dispersos pela imprensa da época. Abrange temas tão diversos como o da História Universal, História do Direito, da Universidade de Coimbra, do teatro português e da influência de Gil Vicente naquela forma de manifestação artística, da Literatura Portuguesa, das novelas portuguesas de cavalaria e do romantismo e das ideias republicanas em Portugal. Também inclui artigos de polémica literária e política e ensaios biográficos, como o referente a Filinto Elísio.

Como investigador das origens dos povos, seguiu a linha da análise dos elementos tradicionais desde os mitos, passando pelos costumes e terminando nos contos de tradição oral, que lhe permitiram escrever obras como Os Contos Tradicionais do Povo Português (1883), O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições (1885) e História da Poesia Portuguesa, obra em que levou anos a trabalhar, procurando as suas origens nas várias épocas e escolas.

A presença de Teófilo Braga no pensamento português é pautada pela forma como defendeu o ideal positivista, que alcançara considerável projeção da segunda metade do nosso século XIX. Todavia, na fase inicial da sua evolução intelectual, Teófilo foi um pensador romântico. Daí o seu interesse pelas manifestações espirituais do povo português, desde a literatura à religião, à arte, às tradições e aos costumes, aspecto que aliás nunca abandonaria a sua conformação intelectual, mesmo depois da adesão ao positivismo. A esta fase pertencem obras como História da Poesia Popular Portuguesa (1867); Romanceiro Geral (1867-69); Contos Populares do Arquipélago Açoriano (1869); História do Direito Português -- Os Forais (1868); História da Literatura Portuguesa - Introdução (1870).

Nesta fase, marcado por um intrínseco patriotismo, que nunca o abandonaria, partiu em busca do espírito do seu povo, que julgava poder encontrar no período anterior ao triunfo da monarquia absoluta e dos modelos de inspiração clássica, na linha de Michelet e de Vico. Em Vico, dissera Teófilo ter encontrado o interesse pelo estudo das tradições das raças, através dos símbolos com que a humanidade exprimia as suas aspirações, traduzidas nos contos populares, nos mitos, nas lendas, nas alegorias, nas fábulas.

Assim prosseguiu até à década de setenta em que, mergulhado o país na conjuntura política do fontismo, se deixou envolver pela dinâmica das ideias de Augusto Comte. Desde então, o universo das suas preocupações alarga-se com a atenção que passa a dedicar à sociologia e à organização política das sociedades, norteado pelo poderoso ideal republicano. Deixa-se então seduzir pelo triunfalismo positivista, defendendo que à segunda metade do século XIX estava destinada a realização plena da última fase do espírito, com a entrada final da consciência no estado positivo e com a consequente transformação pacífica das instituições políticas e sociais, que, a não operar-se, geraria fenómenos revolucionários de trágicas consequências . Entre as obras mais marcantes deste período contam-se:Traços Gerais de Filosofia Positiva (1877) e Sistema de Sociologia (1884).

Daí também o seu crescente interesse pela história das ideias -- neste caso das ideias republicanas -- e das instituições, com relevo para a sua monumental História da Universidade de Coimbra (1892-1902). À luz de uma concepção unilinear e universalizante, deitando o passado no leito precursor do estado positivo e do republicanismo, considerou, na sua História Universal-Esboço de Sociologia Descritiva (1879-82) que a história era uma «filosofia concreta, na qual a parte narrativa é a escolha dos factos e a filosofia é a conexão íntima que os explica», traçando as vias e os meios «por onde cada presente procede de cada passado». A confluência necessária entre a história e a filosofia radicava na necessidade de deduzir, através da multiplicidade dos factos «as leis gerais, e por assim dizer, orgânicas da vida», as quais, uma vez submetidas à grande síntese, permitiriam descortinar a realização do que chamava «a lei primária que dirige o movimento fatal».

Assim, atribuiu tanto à história universal como à história de Portugal um curriculum bem ordenado, da infância à maturidade, e num defendido paralelismo entre a filogénese e a ontogénese, rumo a um estado final em que o espírito humano renunciaria, definitivamente, à indagação do absoluto, tendência característica dos seus momentos de infância, aprendendo antes a circunscrever os factos, no domínio estrito da observação e da experimentação, com posterior coordenação geral que à filosofia positiva incumbiria. Curiosamente, essa história, a partir do estado positivo, atingira o seu cume, sendo então o progresso nada mais do que o desenvolvimento da ordem, e assim, a historicidade dos fenómenos sociais era admitida na medida em que sublinhava a perenidade desse último e definitivo degrau da evolução.

Deve notar-se, no entanto, que o positivismo de Teófilo, como de um modo geral o positivismo em Portugal, não acompanhou em tudo as ideias de Comte. Em primeiro lugar nunca nos deixámos seduzir pelo ideal conteano de um estado ditatorial e de um governo forte, inimigo do sufrágio. Sob este ponto de vista Teófilo bateu-se arduamente pelos ideais de uma democracia republicana.

Por outro lado, também não colheram entre nós as teses conteanas sobre a religião da humanidade, predominando antes um vincado anticlericalismo. Nestes dois aspectos, Teófilo seguiu mais as ideias de Littré que as do pai do positivismo.

Finalmente, é de sublinhar o esforço a que se entregou, nos Traços Gerais de Filosofia Positiva, para completar o sistema de Augusto Comte, chamando a atenção para a importância da psicologia, a que Comte não atendera.

No positivismo, na sua extraordinária base científica, na classificação ordenada e hierarquizada dos saberes, desde a matemática à sociologia encontrou, como ele próprio escreveu, a possibilidade de «dar disciplina a esse desalento, o fazer-nos compreender, através dos actos descoordenados das pessoas, a marcha evolutiva das coisas, livrando-nos da fascinação revolucionária que nos levaria à desgraça».

Por isso se orientou para a tarefa de colocar as instituições políticas de acordo com a nova consciência do século, liberto das tentações revolucionárias que animavam os socialistas seus companheiros da Geração de 70, com relevo para Antero e Oliveira Martins, marcando-o o primado da «questão política». Preocupava-o o facto de o estado da consciência moderna estar em manifesta dessincronia com as instituições políticas vigentes em Portugal, vendo o nascimento dessa mesma consciência no século XVII europeu, marcado pelo apogeu das ciências.

Esse foi o projeto que norteou a sua História das Ideias Republicanas em Portugal, e de um modo mais geral, toda a sua filosofia da história: «A história, determinando com clareza o advento das ideias democráticas, levará os espíritos dirigentes à previsão da marcha para uma formação política não remota; e dessa previsão resultará uma maior coordenação política do trabalho, e desse trabalho uma revivescência nacional».

Determinismo e previsibilidade, por um lado, ordem e progresso pelo outro, tais eram as balizas fundamentais com que enquadrava o movimento das sociedades.

Todavia, a questão que legitimamente se coloca a partir de um esquema desta natureza é a da liberdade de disposição dos indivíduos e dos grupos. A liberdade para Teófilo é directamente proporcional à capacidade de compreender e dar expressão às necessidades de evolução orgânica da humanidade, rematando em texto síntese da sua História Universal - Esboço de sociologia descritiva: «pela história se descobre o justo limite até onde o homem pode individualmente exercer ação sobre a sociedade; como um meio, a sociedade domina fatalmente o indivíduo nos costumes, nas noções usuais, pela forma das instituições, mas por seu turno, o homem reage sobre esse meio transformando-o, elevando-o, convertendo os seus movimentos empíricos em racionais».

Queria isto dizer que os fenómenos sociais podiam ser dirigidos nas mesmas condições em que a natureza submetia ao homem os fenómenos físicos e químicos. Por isso, o conhecimento era a primeira condição da liberdade e do combate social eficaz e progressivo, realçando a exigência de uma liberdade que se pratica e se exerce, seja pela liberdade de consciência que se expressa na liberdade dos cultos, seja pela liberdade de ensino, pela liberdade de imprensa, pela liberdade política e pela liberdade civil, facetas, cada uma a seu modo do que chamou «liberdade filosófica».

É interessante notar que a filosofia da história unilinear e universalizante que perfilhou, na esteira de Comte, não matou no seu espírito a antiga tendência romântica, continuando nesta fase o seu trabalho a pesquisa dos factores que individualizariam a nossa raça (A Pátria Portuguesa - O Território e a Raça, 1894; O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, 1885), vindo a desenvolver a muito contestada teoria do moçarabismo, mediante a qual nos diferenciaríamos dos restantes povos da Península.

Aliás, a este respeito, deixou-se seduzir, na senda dos grandes espíritos portugueses da segunda metade do século XIX, pelo federalismo, mas, curiosamente, de «base étnica», ou «orgânica», relativa esta ao respeito pelas singulares características da raça portuguesa, nunca pondo em causa a soberania nacional, tema que desenvolve com mais pormenor na sua História das Ideias Republicanas.

Poesia

Visão dos Tempos (1864)
Tempestades Sonoras (1864)
Torrentes (1869)
Miragens Seculares (1884)

Ficção

Contos Fantásticos (1865) (eBook)
Viriato (1904) (eBook)

Ensaio

As Teocracias Literárias -­ Relance sobre o Estado Actual da Literatura Portuguesa (1865) (eBook)
História da Poesia Moderna em Portugal (1869)
História da Literatura Portuguesa [Introdução] (1870)
História do Teatro Português (1870 - 1871) - em 4 volumes
Teoria da História da Literatura Portuguesa (1872)
Manual da História da Literatura Portuguesa (1875)
Bocage, sua Vida e Época (1877)
Parnaso Português Moderno (1877)
Traços gerais da Filosofia Positiva (1877)
História do Romantismo em Portugal (1880)
Sistema de Sociologia (1884)
Camões e o Sentimento Nacional (1891)
História da Universidade de Coimbra (1891 - 1902) - em 4 volumes
História da Literatura Portuguesa (1909 - 1918) - em 4 volumes

Antologias e recolhas

Antologias: Cancioneiro Popular (1867)
Contos Tradicionais do Povo Português (1883)
O cancioneiro portuguez da Vaticana (eBook)
Floresta de vários romances (eBook)

Fontes:
wikipedia
Instituto Camões

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 340)

Uma Trova Nacional

–JEANETTE DE CNOP/PR–

Uma Trova Potiguar

Por mais, notória, a cultura,
que em versos, se vê, à prova,
é transformada em candura,
ante a ternura, da trova...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Projeto-Vida Melhor/SP
Tema: PERDÃO - 2º Lugar.

Perdão é a esponja macia
que se passa numa ofensa
por se crer na luz do dia
contra a noite da descrença.
–NILTON MANOEL/SP–

Uma Trova de Ademar

Uma carícia envolvente,
quando no peito se inflama,
transforma-se em chama ardente
no coração de quem ama!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Diz ser amarga a fatia
do pão que come, e nem vê
que do seu pão, cada dia,
quem faz a massa é você.
–ALICE ALVES NUNES/DF–

Simplesmente Poesia

Paixão
–VIVI VIANA/RN–

“Penso em ti...
Sonhos e medos atormentam meu ser
sofro a condenação por te querer
choro, gosto, quero, não quero...
E assim vive minha pobre alma
tentando desvendar
o livro do teu ser.”

Estrofe do Dia

Num sopro de nostalgia
a tarde flameja tensa
por cumprir sua sentença
de morrer no fim do dia,
a noite medrava fria
trazendo um raro torpor,
e não querendo se opor
em soluços pranteava;
a noite escura chorava
obrigando o sol se por.
–HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

A Rua dos Cataventos
–MARIO QUINTANA/RS–

Dorme, ruazinha... E tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos.

Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... Não há nada...

Só os meus passos... Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração…

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Pedro Ornellas (Trovas: Saudade é…) Parte 3 e 4


Trovas que Definem Saudade

41
Que este consolo recolhas
da existência consumida:
saudades são verdes folhas
nos ramos secos da vida...
Luiz Rabelo - Natal RN

42
Vou definir a saudade
e não sei se estarei certo:
saudade é aquela vontade
de que o longe fique perto.
Luiz Carlos Abritta – Belo Horizonte MG

43
Dia e noite em algazarra,
depois que te viu partir,
a saudade é uma cigarra
que não me deixa dormir...
Izo Goldman – São Paulo SP

44
A saudade é como o espinho
que entra no peito da gente:
no início – dói um pouquinho,
depois... dói profundamente!
Edmilson Ferreira Macedo - BA

45
Saudade é a areia moída,
que, devagar, grão por grão,
cai da ampulheta da vida
e pousa no coração.
Amélia Tomaz - RJ

46
Saudade, lembrança acesa,
não de um amor que passou,
mas, sim, com toda certeza,
daquele amor que ficou! ...
Antônio Vanzella - São Bernardo do Campo-SP

47
Saudade!... Raio de lua,
suprindo o Sol que brilhou...
Tábua solta, que flutua,
depois que o amor naufragou!
Waldir Neves – Rio de Janeiro RJ

48
Meu amor foi-se acabando...
mas a saudade chegou:
– chuva boa refrescando
o chão que o sol causticou.
Lilinha Fernandes – Rio de Janeiro RJ

49
Saudade! Bendita mágoa,
que inesperada nos vem,
cristalina gota d’água
dos olhos tristes de alguém.
Antídio Azevedo - RN

50
Vi teu retrato, revivo
um velho amor que foi meu...
A saudade é um negativo
de foto que se perdeu...
J. G. de Araújo Jorge – Nova Friburgo RJ

51
Presença eterna do ausente,
perfume em frasco vazado,
saudade é sombra incoerente
num coracão apagado.
Dorothy Moretti – Sorocaba SP

52
Saudade – rede vazia
a balançar tristemente...
ninando a melancolia
que dorme dentro da gente.
Anis Murad – Rio de Janeiro RJ

53
Saudade, uma imensa conta,
com juro que sempre dobra.
Se chega um dia a tal monta
vem a solidão e cobra!
Francisco Macedo – Natal RN

54
A saudade é um bem guardado
que nos volta, de repente,
num presente do passado,
quando o passado é presente.
Maria Nascimento Carvalho – Rio de Janeiro RJ

55
Saudade é a incontida ânsia
que me faz, sem ser peão,
querer domar a distância
no dorso de uma paixão!
José Ouverney – Pinda SP

56
Saudade, quase se explica
nesta trova que te dou:
Saudade é tudo que fica
daquilo que não ficou.
Luiz Otávio - Rio de Janeiro RJ

57
Saudade palavra doce
que traduz tanto amargor;
saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor...
Bastos Tigre – Recife PE

58
Saudade é tarde chorando
um tempo em que foi aurora,
ao ver a noite levando
o brilho do sol embora.
Adélia Victória Ferreira – São Paulo SP

59
Quando estás longe, querida,
na minha angstia sem fim,
saudade é o nome da vida
que morre dentro de mim...
J. G. de Araújo Jorge – Nova Friburgo RJ

60
Saudade, ninguém por certo
a definiu deste jeito:
– saudade é um mundo deserto
que temos dentro do peito!
Dulce Siqueira - PE

61
Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou...
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou!
Edgard Barcelos Cerqueira – Rio de Janeiro RJ

62
Saudade, sombra querida
de um alguém que já se quis...
Felicidade perdida,
final de um sonho feliz.
Edna A. de Souza – Resende RJ

63
Saudade - palavra triste -
que nos remete à alegria,
pois essa dor só persiste
em quem foi feliz, um dia...
Andra Valladares - Portugal

64
Saudade... uma velha estrada...
um rancho que o mato invade...
uma porteira quebrada...
um lar sem fogo... Saudade...
Esther dos Santos – Rio de Janeiro RJ

65
Saudade... Divina essência...
É tudo quanto ficou
do bem que à nossa existência
a vida trouxe e levou.
Ana Rolão Preto – Benguela, Angola

66
Toda saudade consiste
neste contraste evidente:
uma alegria tão triste
numa ausência tão presente.
João Rangel Coelho – Rio de Janeiro RJ

67
Saudade – estranha ilusão
que a solidão recompensa;
presença no coração
maior que a própria presença!
J. G. de Araújo Jorge - Nova Friburgo RJ

68
Saudade... perfume triste
de uma flor que não se vê.
Culto que ainda persiste
num crente que já não crê.
Menotti Del Pichia – São Paulo SP

69
Saudade, coisinha atoa
com que tanto me comovo,
lembrança de coisa boa
que se deseja de novo.
Vicente Guimarães –Rio de Janeiro RJ

70
Saudade é chuva caída
na calha do coração;
é centelha revivida,
em noite de escuridão!
Carlos Cunha – São Luís MA

71
Ao mesmo tempo em que mata,
mata e faz viver também...
Saudade é dor que maltrata,
maltrata fazendo bem!
Pedro Emílio de Almeida e Silva - RJ

72
És, saudade, realmente,
artesã que em hábil lida,
encaderna, no presente,
páginas soltas da vida...
João Paulo Ouverney – Pinda SP

73
Do nosso amor acabado
não pode esquecer, a gente...
Porque a saudade é o passado
que nunca sai do presente.
Lilinha Fernandes – Rio de Janeiro RJ

74
Saudade, meu bem, existe
nessa distância sem fim!
- É tudo aquilo de triste
que te separa de mim...
Aparício Fernandes – Acari RN

75
Saudade é o tempo guardado
dentro do peito da gente...
nó, que se dá no passado
e se desfaz no presente.
Francisco Pessoa – Fortaleza CE

76
Saudade!... Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!...
Waldir Neves – Rio de Janeiro RJ

77
Vou definir a saudade
em claro e bom português:
A saudade é uma vontade
de fazer tudo outra vez...
Ana Cecília Ferri Soares – SP

78
Saudade, luz pequenina,
nas sombras da solidão.
No entanto, como ilumina
as trevas do coração!
Maria Izabel Miranda – Rio de Janeiro RJ

79
Percorrendo triste rota,
só quem amou é que sente...
- A Saudade é uma gaivota
planando dentro da gente...
Pedro Melo – São Paulo SP

80
A saudade, uma constância
nos trilhos da solidão,
é um trem que apita à distância,
mas nunca chega à estação!...
João Freire Filho – Rio de Janeiro RJ

Fonte:
Trovas enviadas por Pedro Ornellas

Lima Barreto (Porque não se Matava)


Esse meu amigo era o homem mais enigmático que conheci. Era a um tempo taciturno e expansivo, egoísta e generoso, bravo e covarde, trabalhador e vadio. Havia no seu temperamento uma desesperadora mistura de qualidades opostas e, na sua inteligência, um encontro curioso de lucidez e confusão, de agudeza e embotamento.

Nós nos dávamos desde muito tempo. Aí pelos doze anos, quando comecei a estudar os preparatórios, encontrei-o no colégio e fizemos relações. Gostei da sua fisionomia, da estranheza do seu caráter e mesmo ao descansarmos no recreio, após as aulas, a minha meninice contemplava maravilhada aquele seu longo olhar cismático, que se ia tão demoradamente pelas coisas e pelas pessoas.

Continuamos sempre juntos até à escola superior, onde andei conversando; e, aos poucos, fui verificando que as suas qualidades se acentuavam e os seus defeitos também.

Ele entendia maravilhosamente a mecânica, mas não havia jeito de estudar essas coisas de câmbio, de jogo de bolsa. Era assim: para umas coisas, muita penetração; para outras, incompreensão.

Formou-se, mas nunca fez uso da carta. Tinha um pequeno rendimento e sempre viveu dele, afastado dessa humilhante coisa que é a caça ao emprego.

Era sentimental, era emotivo; mas nunca lhe conheci amor. Isto eu consegui decifrar, e era fácil. A sua delicadeza e a sua timidez faziam a compartilha com outro, as coisas secretas de sua pessoa, dos seus sonhos, tudo o que havia de secreto e profundo na sua alma.

Há dias encontrei-o no chope, diante de uma alta pilha de rodelas de papelão, marcando com solenidade o número de copos bebidos.

Foi ali, no Adolfo, à Rua da Assembléia, onde aos poucos temos conseguido reunir uma roda de poetas, literatos, jornalistas, médicos, advogados, a viver na máxima harmonia, trocando idéias, conversando e bebendo sempre.

E uma casa por demais simpática, talvez a mais antiga no gênero, e que já conheceu duas gerações de poetas. Por ela, passaram o Gonzaga Duque, o saudoso Gonzaga Duque, o B. Lopes, o Mário Pederneiras, o Lima Campos, o Malagutti e outros pintores que completavam essa brilhante sociedade de homens inteligentes.

Escura e oculta à vista da rua, é um ninho e também uma academia. Mais do que uma academia. São duas ou três. Somos tantos e de feições mentais tão diferentes, que bem formamos uma modesta miniatura do Silogeu.

Não se fazem discursos à entrada: bebe-se e joga-se bagatela, lá ao fundo, cercado de uma platéia ansiosa por ver o Amorim Júnior fazer sucessivos dezoitos.

Fui encontrá-lo lá, mas o meu amigo se havia afastado do ruidoso cenáculo do fundo; e ficara só a uma mesa isolada.

Pareceu-me triste e a nossa conversa não foi logo abundantemente sustentada. Estivemos alguns minutos calados, sorvendo aos goles a cerveja consoladora.

O gasto de copos aumentou e ele então falou com mais abundância e calor. Em princípio, tratamos de coisas gerais de arte e letras. Ele não é literato, mas gosta das letras, e as acompanha com carinho e atenção. Ao fim de digressões a tal respeito, ele me disse de repente:

— Sabes por que não me mato?

Não me espantei, porque tenho por hábito não me espantar com as coisas que se passam no chope. Disse-lhe muito naturalmente:

—Não.

— Es contra o suicídio?

— Nem contra, nem a favor; aceito-o.

— Bem. Compreendes perfeitamente que não tenho mais motivo para viver. Estou sem destino, a minha vida não tem fim determinado. Não quero ser senador, não quero ser deputado, não quero ser nada. Não tenho ambições de riqueza, não tenho paixões nem desejos. A minha vida me aparece de uma inutilidade de trapo. Já descri de tudo, da arte, da religião e da ciência.

O Manuel serviu-nos mais dois chopes, com aquela delicadeza tão dele, e o meu amigo continuou:

— Tudo o que há na vida, o que lhe dá encanto, já não me atrai, e expulsei do meu coração. Não quero amantes, é coisa que sai sempre uma caceteação; não quero mulher, esposa, porque não quero ter filhos, continuar assim a longa cadeia de desgraças que herdei e está em mim em estado virtual para passar aos outros. Não quero viajar; enfada. Que hei de fazer?

Eu quis dar-lhe um conselho final, mas abstive-me, e respondi, em contestação:

— Matar-te.

— E isso que eu penso; mas...

A luz elétrica enfraqueceu um pouco e cri que uma nuvem lhe passava no olhar doce e tranqüilo.

— Não tens coragem?—perguntei eu.

— Um pouco; mas não é isso o que me afasta do fim natural da minha vida.

— Que é, então?

— E a falta de dinheiro!

—Como? Um revólver é barato.

— Eu me explico. Admito a piedade em mim, para os outros; mas não admito a piedade dos outros para mim. Compreendes bem que não vivo bem; o dinheiro que tenho é curto, mas dá para as minhas despesas, de forma que estou sempre com cobres curtos. Se eu ingerir aí qualquer droga, as autoridades vão dar com o meu cadáver miseravelmente privado de notas do Tesouro. Que comentários farão? Como vão explicar o meu suicídio? Por falta de dinheiro. Ora, o único ato lógico e alto da minha vida, ato de suprema justiça e profunda sinceridade, vai ser interpretado, através da piedade profissional dos jornais, como reles questão de dinheiro. Eu não quero isso...

Do fundo da sala, vinha a alegria dos jogadores de bagatela; mas aquele casquinar não diminuía em nada a exposição das palavras sinistras do meu amigo.

— Eu não quero isso—continuou ele. Quero que se de ao ato o seu justo valor e que nenhuma consideração subalterna lhe diminua a elevação.

— Mas escreve.

— Não sei escrever. A aversão que há na minha alma excede às forças do meu estilo. Eu não saberei dizer tudo o que de desespero vai nela; e, se tentar expor, ficarei na banalidade e as nuanças fugidias dos meus sentimentos não serão registradas. Eu queria mostrar a todos que fui traído; que me prometeram muito e nada me deram; que tudo isso é vão e sem sentido, estando no fundo dessas coisas pomposas, arte, ciência, religião, a impotência de todos nós diante de augusto mistério do mundo. Nada disso nos dá o sentido do nosso destino; nada disto nos dá uma regra exata de conduta, não nos leva à felicidade, nem tira as coisas hediondas da sociedade. Era isso...

— Mas vem cá: se tu morresses com dinheiro na algibeira, nem por tal...

— Há nisso uma causa: a causa da miséria ficaria arredada.

— Mas podia ser atribuído ao amor.

— Qual. Não recebo cartas de mulher, não namoro, não requesto mulher alguma; e não podiam, portanto, atribuir ao amor o meu desespero.

— Entretanto, a causa não viria à tona e o teu ato não seria aquilatado devidamente.

— De fato, é verdade; mas a causa-miséria não seria evidente. Queres saber de uma coisa? Uma vez, eu me dispus. Fiz uma transação, arranjei uns quinhentos mil-réis. Queria morrer em beleza; mandei fazer uma casaca; comprei camisas, etc. Quando contei o dinheiro, já era pouco. De outra, fiz o mesmo. Meti-me em uma grandeza e, ao amanhecer em casa, estava a níqueis.

— De forma que é ter dinheiro para matar-te, zás, tens vontade de divertir-te.

— Tem me acontecido isso; mas não julgues que estou prosando. Falo sério e franco.

Nós nos calamos um pouco, bebemos um pouco de cerveja, e depois eu observei:

— O teu modo de matar-te não é violento, é suave. Estás a afogar-te em cerveja e é pena que não tenhas quinhentos contos, porque nunca te matarias.

— Não. Quando o dinheiro acabasse, era fatal.

— Zás, para o necrotério na miséria; e então?

— E verdade... Continuava a viver.

Rimo-nos um pouco do encaminhamento que a nossa palestra tomava.

Pagamos a despesa, apertamos a mão ao Adolfo, dissemos duas pilhérias ao Quincas e saímos.

Na rua, os bondes passavam com estrépido; homens e mulheres se agitavam nas calçadas; carros e automóveis iam e vinham...

A vida continuava sem esmorecimentos, indiferente que houvesse tristes e alegres, felizes e desgraçados, aproveitando a todos eles para o seu drama e a sua complexidade.

Fonte:
BARRETO, Lima. A Nova Califórnia - Contos. São Paulo: Brasiliense, 1979. Texto proveniente de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Carlos Lúcio Gontijo (Outono dos Homens)

Fonte:
Poema e imagem enviadas pelo autor. Montagem por José Feldman.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 339)


Uma Trova Nacional

Forra com jornal o chão,
sob o toldo do armazém,
e dorme, abraçado a um cão,
– toda a família que tem...
–DARLY O. BARROS/SP–

Uma Trova Potiguar

O cão é mais um parente
na família da pessoa,
é um amigo paciente,
não deixa seu dono à-toa.
–ZÉLIA FIGUEIREDO/RN–

Uma Trova Premiada

1985 - Tambaú/SP
Tema: CONFIANÇA - M/H

Quisera ter e não nego,
entre amigos sempre à mão,
a confiança que um cego
deposita no seu cão.
–JOÃO FIGUEIREDO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Tem cão que mora num morro
e outro morando em mansão...
Porque nem todo cachorro
leva uma vida de cão!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Embora invertendo o nome
do que lhes dás por almoço,
teu cão não ilude a fome,
pois osso invertido é osso.
–APRYGIO NOGUEIRA/MG–

Simplesmente Poesia

Órion
–EDLA FEITOSA/PE–

Não está escuro !
Existe um jogo de luz e sombra
E um certo silêncio.
Órion muda de lugar
E me confunde ….
Um cão ladra ao longe
Um gato ágil escala telhados
A taça enche e esvazia
Como a maré que sussurra ao longe.
As nuvens cobrem as estrelas ….
E dói a solidão.

Estrofe do Dia

O mendigo que sofre só reclama
pede a bênção de Deus, nossa senhora
quando entra na loja vão embora
quando passa na rua ninguém chama
uma calça que veste é cor de lama
a camisa que usa é cor do chão
ele é mais humilhado que um cão
sem família, sem pão e sem abrigo
os fiapos das roupas do mendigo
são visíveis sinais de humilhação.
NONATO COSTA/CE–

Soneto do Dia

Migalhas
–HUMBERTO RODRIGUES NETO/SP–

Que mais desejas, afinal, que eu faça
pra ter por meu o que de ti não tenho,
se já cansado estou com tanto empenho
de haurir de ti a mais suprema graça?

Há quanto tempo mendigando eu venho
um pouco mais que esta ventura escassa!
Do amor apenas pingos pões-me à taça
que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!

Somente a um outro, nas liriais toalhas
da mesa de Eros serves tua paixão,
mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!

E ali enjeitado, a farejar o chão,
o meu amor vive a lamber migalhas
que tu lhe atiras qual se fora a um cão!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Machado de Assis (O Alienista) IX – Dois lindos casos ; X – Restauração


CAPÍTULO IX - DOIS LINDOS CASOS

Não se demorou o alienista em receber o barbeiro; declarou-lhe que não tinha meios de resistir, e portanto estava prestes a obedecer. Só uma coisa pedia, é que o não constrangesse a assistir pessoalmente à destruição da Casa Verde.

— Engana-se Vossa Senhoria, disse o barbeiro depois de alguma pausa, engana-se em atribuir ao governo intenções vandálicas. Com razão ou sem ela, a opinião crê que a maior parte dos doidos ali metidos estão em seu perfeito juízo, mas o governo reconhece que a questão é puramente científica e não cogita em resolver com posturas as questões científicas.. Demais, a Casa Verde é uma instituição pública; tal a aceitamos das mãos da Câmara dissolvida. Há entretanto—por força que há de haver um alvitre intermédio que restitua o sossego ao espírito público.

O alienista mal podia dissimular o assombro; confessou que esperava outra coisa, o arrasamento do hospício, a prisão dele, o desterro, tudo, menos...

—O pasmo de Vossa Senhoria, atalhou gravemente o barbeiro, vem de não atender à grave responsabilidade do governo. O povo, tomado de uma cega piedade que lhe dá em tal caso legitima indignação, pode exigir do governo certa ordem de atos; mas este, com a responsabilidade que lhe incumbe, não os deve praticar, ao menos integralmente, e tal é a nossa situação. A generosa revolução que ontem derrubou uma Câmara vilipendiada e corrupta, pediu em altos brados o arrasamento da Casa Verde; mas pode entrar no animo do governo eliminar a loucura? Não. E se o governo não a pode eliminar, está ao menos apto para discriminá-la, reconhecê-la? Também não; é matéria de ciência. Logo, em assunto tão melindroso, o governo não pode, não quer dispensar o concurso de Vossa Senhoria. O que lhe pede é que de certa maneira demos alguma satisfação ao povo. Unamo-nos, e o povo saberá obedecer. Um dos alvitres aceitáveis, se Vossa Senhoria não indicar outro, seria fazer retirar da Casa Verde aqueles enfermos que estiverem quase curados e bem assim os maníacos de pouca monta, etc. Desse modo, sem grande perigo, mostraremos alguma tolerância e benignidade.

—Quantos mortos e feridos houve ontem no conflito? perguntou Simão Bacamarte depois de uns três minutos.

O barbeiro ficou espantado da pergunta, mas respondeu logo que onze mortos e vinte e cinco feridos.

—Onze mortos e vinte e cinco feridos! repetiu duas ou três vezes o alienista.

E em seguida declarou que o alvitre lhe não parecia bom mas que ele ia catar algum outro, e dentro de poucos dias lhe daria resposta. E fez-lhe várias perguntas acerca dos sucessos da véspera, ataque, defesa, adesão dos dragões, resistência da Câmara etc., ao que o barbeiro ia respondendo com grande abundância, insistindo principalmente no descrédito em que a Câmara caíra. O barbeiro confessou que o novo governo não tinha ainda por si a confiança dos principais da vila, mas o alienista podia fazer muito nesse ponto. O governo, concluiu o barbeiro, folgaria se pudesse contar não já com a simpatia senão com a benevolência do mais alto espírito de Itaguaí e seguramente do reino. Mas nada disso alterava a nobre e austera fisionomia daquele grande homem que ouvia calado, sem desvanecimento nem modéstia, mas impassível como um deus de pedra.

—Onze mortos e vinte e cinco feridos, repetiu o alienista depois de acompanhar o barbeiro até a porta. Eis aí dois lindos casos de doença cerebral. Os sintomas de duplicidade e descaramento deste barbeiro são positivos. Quanto à toleima dos que o aclamaram, não é preciso outra prova além dos onze mortos e vinte e cinco feridos.—Dois lindos casos!

—Viva o ilustre Porfírio! bradaram umas trinta pessoas que aguardavam o barbeiro à porta.

O alienista espiou pela janela e ainda ouviu este resto de uma pequena fala do barbeiro às trinta pessoas que o aclamavam:

—...porque eu velo, podeis estar certos disso, eu velo pela execução das vontades do povo. Confiai em mim; e tudo se fará pela melhor maneira. Só vos recomendo ordem. E ordem, meus amigos, é a base do governo...

—Viva o ilustre Porfírio bradaram as trinta vozes, agitando os chapéus.

—Dois lindos casos! murmurou o alienista.

CAPÍTULO X - RESTAURAÇÃO

Dentro de cinco dias, o alienista meteu na Casa Verde cerca de cinqüenta aclamadores do novo governo. O povo indignou-se. O governo, atarantado, não sabia reagir. João Pina, outro barbeiro, dizia abertamente nas ruas, que o Porfírio estava "vendido ao ouro de Simão Bacamarte", frase que congregou em torno de João Pina a gente mais resoluta da vila. Porfírio vendo o antigo rival da navalha à testa da insurreição, compreendeu que a sua perda era irremediável, se não desse um grande golpe; expediu dois decretos, um abolindo a Casa Verde, outro desterrando o alienista. João Pina mostrou claramente com grandes frases que o ato de Porfírio! era um simples aparato, um engodo, em que o povo não devia crer. Duas horas depois caía Porfírio! ignominiosamente e João Pina assumia a difícil tarefa do governo. Como achasse nas gavetas as minutas da proclamação, da exposição ao vice-rei e de outros atos inaugurais do governo anterior, deu-se pressa em os fazer copiar e expedir; acrescentam os cronistas, e aliás subentende-se, que ele lhes mudou os nomes, e onde o outro barbeiro falara de uma Câmara corrupta, falou este de "um intruso eivado das más doutrinas francesas e contrário aos sacrossantos interesses de Sua Majestade", etc.

Nisto entrou na vila uma força mandada pelo vice-rei e restabeleceu a ordem. O alienista exigiu desde logo a entrega do barbeiro Porfírio e bem assim a de uns cinqüenta e tantos indivíduos que declarou mentecaptos; e não só lhe deram esses como afiançaram entregar-lhe mais dezenove sequazes do barbeiro, que convalesciam das feridas apanhadas na primeira rebelião.

Este ponto da crise de Itaguaí marca também o grau máximo da influência de Simão Bacamarte. Tudo quanto quis, deu-se-lhe; e uma das mais vivas provas do poder do ilustre médico achamo-la na prontidão com que os vereadores, restituídos a seus lugares, consentiram em que Sebastião Freitas também fosse recolhido ao hospício. O alienista, sabendo da extraordinária inconsistência das opiniões desse vereador, entendeu que era um caso patológico, e pediu-o. A mesma coisa aconteceu ao boticário. O alienista, desde que lhe falaram da momentânea adesão de Crispim Soares à rebelião dos Canjicas, comparou-a à aprovação que sempre recebera dele ainda na véspera, e mandou capturá-lo. Crispim Soares não negou o fato, mas explicou-o dizendo que cedera a um movimento de terror ao ver a rebelião triunfante, e deu como prova a ausência de nenhum outro aro seu, acrescentando que voltara logo à cama, doente. Simão Bacamarte não o contrariou; disse, porém, aos circunstantes que o terror também é pai da loucura, e que o caso de Crispim Soares lhe parecia dos mais caracterizados.

Mas a prova mais evidente da influência de Simão Bacamarte foi a docilidade com que a Câmara lhe entregou o próprio presidente. Este digno magistrado tinha declarado, em plena sessão, que não se contentava, para lavá-la da afronta dos Canjicas, com menos de trinta almudes de sangue; palavra que chegou aos ouvidos do alienista por boca do secretário da Câmara entusiasmado de tamanha energia. Simão Bacamarte começou por meter 0 secretário na Casa Verde, e foi dali à Câmara à qual declarou que o presidente estava padecendo da "demência dos touros", um gênero que ele pretendia estudar, com grande vantagem para os povos. A Câmara a princípio hesitou, mas acabou cedendo.

Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia dar nascença ou curso à mais simples mentira do mundo, ainda daquelas que aproveitam ao inventor ou divulgador, que não fosse logo metido na Casa Verde. Tudo era loucura. Os cultores de enigmas, os fabricantes de charadas, de anagramas, os maldizentes, os curiosos da vida alheia, os que põem todo o seu cuidado na tafularia, um ou outro almotacé enfunado, ninguém escapava aos emissários do alienista. Ele respeitava as namoradas e não poupava as namoradeiras, dizendo que as primeiras cediam a um impulso natural e as segundas a um vício. Se um homem era avaro ou pródigo, ia do mesmo modo para a Casa Verde; daí a alegação de que não havia regra para a completa sanidade mental. Alguns cronistas crêem que Simão Bacamarte nem sempre procedia com lisura, e citam em abono da afirmação (que não sei se pode ser aceita) o fato de ter alcançado da Câmara uma postura autorizando o uso de um anel de prata no dedo polegar da mão esquerda, a toda a pessoa que, sem outra prova documental ou tradicional, declarasse ter nas veias duas ou três onças de sangue godo. Dizem esses cronistas que o fim secreto da insinuação à Câmara foi enriquecer um ourives amigo e compadre dele; mas, conquanto seja certo que o ourives viu prosperar o negócio depois da nova ordenação municipal, não o é menos que essa postura deu à Casa Verde uma multidão de inquilinos; pelo que, não se pode definir, sem temeridade, o verdadeiro fim do ilustre médico. Quanto à razão determinativa da captura e aposentação na Casa Verde de todos quantos usaram do anel, é um dos pontos mais obscuros da história de Itaguaí a opinião mais verossímil é que eles foram recolhidos por andarem a gesticular, à loa, nas ruas, em casa, na igreja. Ninguém ignora que os doidos gesticulam muito. Em todo caso, é uma simples conjetura; de positivo, nada há.

—Onde é que este homem vai parar? diziam os principais da terra. Ah! se nós tivéssemos apoiado os Canjicas...

Um dia de manhã—dia em que a Câmara devia dar um grande baile,—a vila inteira ficou abalada com a notícia de que a própria esposa do alienista fora metida na Casa Verde. Ninguém acreditou; devia ser invenção de algum gaiato. E não era: era a verdade pura. D. Evarista fora recolhida às duas horas da noite. O Padre Lopes correu ao alienista e interrogou-o discretamente acerca do fato.

—Já há algum tempo que eu desconfiava, disse gravemente o marido. A modéstia com que ela vivera em ambos os matrimônios não podia conciliar-se com o furor das sedas, veludos, rendas e pedras preciosas que manifestou logo que voltou do Rio de Janeiro. Desde então comecei a observá-la. Suas conversas eram todas sobre esses objetos; se eu lhe falava das antigas cortes, inquiria logo da forma dos vestidos das damas; se uma senhora a visitava na minha ausência, antes de me dizer o objeto da visita, descrevia-me o trajo, aprovando umas coisas e censurando outras. Um dia, creio que Vossa Reverendíssima há de lembrar-se, propôs-se a fazer anualmente um vestido para a imagem de Nossa Senhora da matriz. Tudo isto eram sintomas graves; esta noite, porém, declarou-se a total demência. Tinha escolhido, preparado, enfeitado o vestuário que levaria ao baile da Câmara Municipal; só hesitava entre um colar de granada e outro de safira. Anteontem perguntou-me qual deles levaria; respondi-lhe que um ou outro lhe ficava bem. Ontem repetiu a pergunta ao almoço; pouco depois de jantar fui achá-la calada e pensativa.—Que tem? perguntei-lhe.—Queria levar o colar de granada, mas acho o de safira tão bonito!—Pois leve o de safira.—Ah! mas onde fica o de granada?—Enfim, passou a tarde sem novidade. Ceamos, e deitamo-nos. Alta noite, seria hora e meia, acordo e não a vejo; levanto-me, vou ao quarto de vestir, acho-a diante dos dois colares, ensaiando-os ao espelho, ora um ora outro. Era evidente a demência: recolhi-a logo.

O Padre Lopes não se satisfez com a resposta, mas não objetou nada. O alienista, porém, percebeu e explicou-lhe que o caso de D. Evarista era de "mania santuária", não incurável e em todo caso digno de estudo.

—Conto pô-la boa dentro de seis semanas, concluiu ele.

E a abnegação do ilustre médico deu-lhe grande realce. Conjeturas, invenções, desconfianças, tudo caiu por terra desde que ele não duvidou recolher à Casa Verde a própria mulher, a quem amava com todas as forças da alma. Ninguém mais tinha o direito de resistir-lhe—menos ainda o de atribuir-lhe intuitos alheios à ciência.
Era um grande homem austero, Hipócrates forrado de Catão.
–––––––––––––
continua… Capitulo XI – O Assombro de Itaguaí; Capítulo XII – O final dos § 4º.
––––––––––––-
Fonte:
ASSIS, Machado de. O Alienista.

domingo, 18 de setembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 338)

Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar

Pelos mais árduos caminhos
da vida por onde fores,
verás sempre entre os espinhos
nascer as mais belas flores.
–GIOVANI XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - ATRN-Natal/RN
Tema: IDADE - 12º Lugar.

Quando a velhice é surgida,
esqueça dos desenganos...
não dê mais anos à vida
e sim, dê mais vida aos anos!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova de Ademar

Nessa ausência tão sofrida
que o “ciúme” nos impôs,
vejo o grande mal que a vida
fez na vida de nós dois...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não pisco os olhos ao vê-la
para não correr o risco
de, por momentos, perdê-la,
a cada instante em que pisco.
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

Vida Reinventada
–JOSÉ ALBERTO COSTA/AL–

A noite minh'alma percorre
o infinito espaço
das lembranças perdidas.
Enquanto durmo,
recolhe pedaços
dispersos de mim,
reinventando uma vida
de coisas esquecidas,
revolvendo escaninhos
de desejos contidos
repletos de sonhos
da adolescência
que deixei fugir.

Estrofe do Dia

Os carinhos de mãe estremecida,
os brinquedos dos tempos de criança,
o sorriso fugaz de uma esperança
e a primeira ilusão da nossa vida,
o adeus que se dá por despedida,
o desprezo que a gente não merece,
o delírio da lágrima quando desce
nos momentos de angustia e de desgraça,
passa tudo na vida tudo passa
mas nem tudo que passa a gente esquece.
DIMAS BATISTA/PE–

Soneto do Dia

Ironia de Lágrimas
–CRUZ E SOUZA/SC–

Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda criatura
numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
e a marteladas lúgubres e tredas
das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
faminta, absconsa, imponderada cega!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Montagem da trova nacional por José Feldman

Aníbal Lopes (Quem me Quiser Conhecer)


Quem me quiser conhecer
terá de perguntar ao vento
e saberá nesse momento
que nem tudo se pode saber.

Montargil me viu nascer
quando não era esperado.
não é fácil aparecer
sem ter sido convidado.

Sonhei guitarras e violinos
mas só tive brinquedos de papel
como os que não foram meninos
também senti o gosto do fel.

Em muitos caminhos andarilho
alguns que não escolhi
outros me impuseram o trilho
que obedientemente segui.

Nem sempre fui bem recebido
nem sempre tive a porta aberta
mas quando a gente desperta
já não se sente tão perdido.

Morei em muito lado
e vagueei entre pinhais
fui vendedor de jornais
e marçano de super-mercado.

Já morei no estrangeiro
lá longe ao pé do mar
fui ajudante de pedreiro
e construí castelos no ar.

Bebi agua em muitas fontes
e tracei muitas metas
já morei em muitos horizontes
e um dia, num livro de poetas.

Fontes:
Poema enviado por Lino Mendes
Imagem = http://www.montargil.com

Pedro Du Bois (Resultado)


Certos jogos gritam resultados
trancados em gargantas
afogadas em líquidos

reaparecem em esbirros
espirros
no acordo
desacordado em regras:

ao vencedor
cabe o barulho
infernal do nada
quantificado no instante.

Depois a vida segue o trajeto
previamente decorado: ao vencedor
resta a tênue lembrança
do que esquece.

Fonte:
Poema enviado pelo autor

J. P Mahaffy (A Literatura na História)

Biblioteca de Alexandria
RARAS vezes é inteiramente apreciado que grande parte da literatura do mundo é a história, de qualquer espécie. O primitivo selvagem é provavelmente a única espécie de homem que nela não toma interesse; deve notar-se que a memória dos mortos é muitas vezes cuidadosamente obliterada por ele a os nomes ou ainda palavras sugerindo os nomes dos seus antepassados, evitados nos seus discursos. Mas logo que uma centelha de civilização ilumina esta treva primitiva, os homens começam a tomar interesse pelos outros homens, não somente no que lhes diz respeito directo, mas além dos limites das suas próprias gerações. O interesse pelo passado a previsão para o futuro, são talvez as essenciais diferenças mentais entre o homem civilizado e o selvagem.

A medida que o cuidado pelo passado a pelo futuro aumenta, toda a literatura se divide entre aquela que diz respeito às forças da natureza a aquela concernente à história do homem. Quase toda a literatura de imaginação parte desta última. Os poemas épicos pretendem cantar a história de heróis. Os poemas trágicos pretendem analisar as suas emoções em algumas grandes crises das suas vidas. Os poemas líricos são interessantes principalmente relatando-nos a história da alma do poeta. Até o romance moderno, que é manifestamente fictício, tem que se basear sobre a história de homens vulgares a buscar a maior parte dos seus enredos a ocorrências das suas vidas. O romance histórico é corno que uma ponte entre as verdadeiras ocorrências do tempo passado e o desejo de saber mais dos motivos, da espécie, do caráter dos atores, dos conhecimentos transmitidos até aos nossos tempos por documentos contemporâneos. Este gênero de romances, quando didático, como por exemplo nos livros egípcios de Ebers, pode ser pouco mais do que um simples relatório de fatos; quando artístico, como nos livros de Walter Scott, pode ser uma obra de Aura fantasia.

Contudo, existe neles sempre o interesse histórico, e é ponto discutível se a história de qualquer criatura inventada a formalmente divorciada dos anais dos homens conhecidos poderá jamais despertar esse vívido a permanente interesse que inspirará sempre a história de homens como Alexandre de Macedônia ou Napoleão. Todo o extenso repertório de ficções aglomerado em volta do nome do primeiro pretende impor-se como história; a vasta biblioteca de livros napoleônicos contém muitíssima fantasia; porém a ficção torna-se de pouco interesse se a compararmos com a história verdadeira dessa extraordinária existência.

Assim, visto a história, na acepção mais ampla da palavra, abranger a maior parte da literatura mundial, deveremos limitar-nos aqui a referir os esforços feitos por escritores nos últimos 3.000 anos, para investigar a história de homens que os precederam na vida ou passaram longe deles a existência, ou ainda para nos descrever a sociedade em que eles próprios viveram. Enquanto imperou na imaginação do homem a crença em uma idade de ouro, a de um heróico passado, os anais a os poemas épicos também se ocuparam de um passado incerto a lendário.

A História de Heródoto, justamente considerada a obra-prima de uma nova escola, tentou a narrativa de um formidável combate, cujos pormenores ainda se não haviam apagado na memória dos velhos, e demonstrar ainda as causas que levaram a realizar-se este combate. Assim, pela primeira vez se tornou importante a parte literária de urna obra, em contraste com os anais secos e monótonos ou a simples relação de fatos, adotada pelos escritores a fim de fugirem das fábulas dos contistas para entrar no domínio dos fatos. Porém o antagonismo manifestado nestes anais contra a maneira poética e ornada, tornou-se demasiado forte.

Os homens graves de então enganaram-se como os de agora ainda se enganam;
julgaram que bastava investigar e narrar os fatos cruamente, para haver a história verídica do passado. É quimérica tal ideia; nunca se poderá obter a verdadeira história da humanidade sem a descrição dos homens, das suas paixões e da lógica dos seus sentimentos. O romance histórico aproxima-nos muito mais da verdade dos fatos do que poderá jamais consegui-lo um relatório cronológico. Eis a razão por que o gênio de Heródoto, como o gênio dos historiadores do Velho Testamento, descobriu que os únicos retratos verdadeiros são os que expressam o caráter do retrato e que a perfeição desse retrato depende tanto do pintor como do assunto que ele tenta reproduzir. Os homens e
as mulheres de Heródoto e até os estados e cidades que ele descreve, vivem na nossa imaginação. Ele, mais do que outro qualquer, conseguiu tornar a história da Grécia em assunto de eterno interesse. Neste sentido, Plutarco é o seu único rival. Se não houvesse existido estes dois escritores o público educado de todas as nações europeias teria há muito perdido o contacto com os Gregos, e apenas uma restrita minoria de artistas e estudiosos se interessariam ainda pelas coisas da Grécia.

Se existe a ideia de que Heródoto conserva ainda a obscura tendência de fazer da História um poema épico e que é demasiado pródigo em digressões e pontos de paragem - todavia preciosos! - os gregos fornecem-nos um forte antídoto. Em virtude da curiosa lei que não admite que apareça esporadicamente o gênio literário (como no caso excepcional de Dante), mas antes surja em grupos (como na época de Péricles, Isabel e Napoleão) - temos como grande rival contemporâneo de Heródoto, o historiador Tucídides. Em intencional antagonismo com a livre e fácil palestra do viajante da escola antiga, que se detém com frequência na marcha da sua epopéia imortal, a fim de deleitar os seus leitores com ramalhetes colhidos nos campos da anedota, este outro gênio literário ensina-nos claramente, sem se dignar dizê-lo mais do que uma vez e em uma leve frase, que (na sua opinião) o valor permanente da história consiste, não na parte social ou artística mas sim no progresso dos movimentos políticos, nos conflitos dos grandes princípios em que se amoldam o caráter e as condições das nações. Para ele a guerra entre Atenas e Esparta, até nas suas mais insignificantes e monótonas insurreições, é bem mais importante do que a escultura de Fídias, a poesia de Sófocles, a arquitetura de Ictinos e de Mnesicles. Para ele, como para um grande número de historiadores modernos - desde Macchiavelli até Seeley - a política domina o mundo e portanto a história política excede a todas as outras em interesse e em valor.

Será possível, todavia, que algum pensador, vivendo em certo meio e tomando parte nos debates políticos do seu tempo possa dar-nos uma relação objetiva do que em volta dele se passe? É isto que Tucídides pretende fazer; e soube tão bem ocultar a sua parcialidade, com a sua seriedade e afetada exatidão, que o seu gênio literário tem-se imposto no mundo dos eruditos desde então até aos nossos dias. Sabemos agora que a sua subjetividade não era menos dominadora do que a de Heródoto. Estava porém disfarçada, como a subjetividade de um grande pintor se disfarça - para a maioria vulgar - sob a fidelidade do retrato que executa. É provável que os contemporâneos de Rembrandt insistissem na exatidão com que ele reproduzia os seus burgomeisters, as suas velhas e os seus judeus. Nós, hoje em dia, avaliamos os seus quadros não como retratos fiéis, mas como a expressão do gênio do pintor. Ora, o mesmo nos acontece com a História de Tucídides. Se Heródoto é um Van Dick, que nos oferece uma galeria das personagens da Hélada e da Ásia, Tucídides é o Rembrandt que representa o seu próprio povo, embora seja rude e feio, com toda a energia e vigor do seu sombrio gênio.

Assim são eles dois protótipos imortais até entre os Gregos, nossos mestres, porque
ao lado deles todos os seus sucessores parecem fracos. Xenofonte possui toda a técnica de um artista historiador: falta-lhe porém a energia de caráter, a subjetividade que produz a harmonia de uma obra transcendente. Políbio é dotado da subjetividade e do forte caráter de um historiador, mas é tão deficiente a sua técnica, que se encontra esquecido por todos.

Não deixa de ser interessante inquirir até que ponto se manifestam estes eternos contrastes nos grandes escritores que têm conservado aceso, em tempos modernos, o luminoso facho da história artística; porém é demasiado vasto o assunto para que nos seja aqui permitido fazer mais do que algumas ligeiras reflexões gerais. A solidariedade da Europa, as miríades de relações dos grandes reinos em constante comunicação uns com os outros, tornaram tão imensa a tarefa, que nenhum cérebro humano pode encher a tela completa da história contemporânea, com um quadro adequado e harmonioso.

Assim a Europa de Alison tinha de ser um fracasso como grande obra de arte e nenhum verdadeiro gênio histórico teria tentado escrevê-la. A única história contemporânea do autor ocupando um elevado lugar na Arte é a que se publica sob a forma de Memórias, como as de St. Simon ou de Boswell, que a refletem dia a dia à superfície de uma sociedade interessante. Aqueles que têm demonstrado verdadeiro talento como historiadores em tempos modernos, escolheram épocas dos séculos passados, em que existiram caracteres e factos de bastante importância, para não deixar de interessar ainda hoje o espírito do mundo civilizado.

O primeiro entre os historiadores ingleses foi Gibbon, o Heródoto dos tempos modernos pela amplitude do assunto, pela clareza da compreensão e pela riqueza da fantasia. É porém inferior a Heródoto como artista, tornando-se tão excessiva a pompa artificial do estilo, que chega frequentes vezes a distrair da narrativa a atenção do leitor; enquanto o velho grego havia atingido o elevado grau em que a arte se assemelha à natureza pela sua aparente simplicidade e total ausência de afetação. Apesar disto a história de Gibbon é uma grande e permanente obra de arte, que nunca será excedida pelas produções mais pragmáticas dos modernos escritores. Servia-lhe de lema o velho princípio clássico que exige ao historiador imaginação rica e fácil eloquência.

Depois do Decline and Fall de Gibbon, entre as histórias escritas na língua inglesa deve figurar, tia minha opinião, a História da Grécia, de Grote. Assemelhando-se a Tucídides, na forma grave e sóbria, na exclusiva tendência para a política, no mal velado desejo de refutar os pontos de vista dos seus predecessores, Grote carecia contudo de hábil retórica e ainda mais daquela maravilhosa concisão, que torna tão impressionante a narrativa de Tucídides.

É, de fato, na sua forma de parafrasear os seus antigos modelos, que Grote mais brilha; mas, apesar de se haver chamado à sua história um enorme panfleto de radicalismo filosófico, a sua latitude, a sua ciência, a conscienciosa forma por que procura todas as fontes de informação, fazem destacar a sua História da Grécia, acima de muitas outras histórias mais curtas produzidas por eruditos europeus. É que ele não foi apenas erudito, foi também político; sabia como se podem evitar contradições teóricas em uma constituição, por meio de transições práticas, e se cuidava pouco de arte, de arqueologia e, em geral, da nota pitoresca do assunto de que tratava, pode contudo ainda ser utilizado para corrigir a falta de conhecimentos políticos, tão frequentemente demonstrada pelos historiadores profissionais de França e da Alemanha.

As investigações dos alemães e o espírito brilhante do franceses não produziram qualquer obra de valor igual às de Gibbon e Grote, apesar de haverem contribuído para a história com excelentes e até grandiosos elementos. Entre as produções alemãs, na minha opinião destacam-se duas: a História Romana de Mommsen e as histórias de Atenas e de Roma, por Gregorovius. Ambas são tratadas com uma perfeição de estilo geralmente desusada na Alemanha e são ambas monumentos de notável e exatíssima erudição. No livro de Mommsen esta erudição acha-se - para assim dizer - encoberta pela ausência de notas no fim da página e ainda mais por uma petulância de estilo que parecia indicar um certo faciosismo sobre algumas questões políticas de capital importância. Esta suspeita, originada pelo estilo desse livro notável, podia ser confirmada fazendo-se uma cuidadosa investigarão acerca das autoridades em que ele se apoia. Por outro lado, o conhecimento dos estudos especiais de Mommsen demonstra o gigantesco poder de que dispunha na arte de coligir elementos para a história. Niebuhr, o mais notável dos predecessores destes homens, apesar de ser autor de um método novo, como escritor não soube ser grande bastante para manter a sua situação contra os competidores modernos. Apesar disso os sucessores dele, excetuando Mommsen, serão pessoas muito respeitáveis, mas não são com certeza artistas de valor. Muitos deles são eruditos de primeira ordem; porém isso aqui não vem ao caso.

Como seria de esperar da parte de uma nação que produz tão excelente prosa, a França deu-nos uma série completa de eminentes historiadores, mas foi talvez devido ao elevado nível do seu estilo que nenhum deles conseguiu obter supremacia sobre os colegas. Guizot, Taine, Thiers, Renan, Montalembert, Henri Martin e muitos outros têm-nos oferecido brilhantes exposições de várias épocas na história europeia; raras vezes, porém, conseguem libertar-se dessa subjetividade que caracteriza os franceses e prejudica a sua autoridade como juízes em assuntos históricos. Além disso, existe na maioria deles a visível preocupação do estilo, o desejo de dizer coisas brilhantes que tende mais a deslumbrar o espírito do leitor do que a iluminar o assunto de que tratam. É de crer que qualquer deles seria mais facilmente substituído do que Tocqueville, cujos estudos sobre a democracia são contudo antes exemplos de política do que de história.

Mas estas generalidades acerca de historiadores estrangeiros tornam-se pouco valiosas sem mais amplas justificações. Ocupemo-nos novamente dos escritores ingleses que tornaram célebre o século actual, e mesmo a presente geração, pelos seus estudos históricos. Entre os que mais sobressaem há dois americanos - Motley, o historiador do período mais notável da história holandesa, e Parkman que, numa tela de menores dimensões, mas com pincel seguro, nos descreveu a prolongada contenda entre a França e a Inglaterra, pela posse da América do Norte. Na nossa Inglaterra, acabam de desaparecer dois homens eminentes, apresentando tais contrastes, que merecem ser discutidos e comparados: estes homens chamaram-se Freeman e Froude.

Este último era um grande escritor, e possuindo ainda uma brilhante imaginação – faculdade esta que pode ser censurável em um historiador mas que se torna completamente indispensável para sua grandeza. Assim, apesar de haver sido acusado de muitas inexatidões, a sua compreensão e perspicácia tornaram-no frequentes vezes tão acertado nas considerações, que não posso deixar de o julgar um historiador muito superior a Freeman, seu adversário e crítico. Este, embora possuísse em mais elevado grau a ciência de investigar, e fosse muito mais exato nos pormenores, serve-se de um certo estilo grosseiro que afastará dele os leitores. Além de ostentar constantemente e com pedantesco orgulho a sua erudição, ainda afirma ou dá a entender com insolência a inferioridade dos que trabalham no mesmo campo. Desvia-se da sua História das federações gregas a fim de escrever notas sobre Napoleão III, que poderiam ser escritas por Vítor Hugo. Assim, apesar da sua grossa ciência, dos seus conhecimentos acerca da história do mundo, das suas cuidadosas investigações, Freeman será esquecido, quando ainda for lido o brilhante e gracioso Froude, que falará a milhares ele leitores, enquanto aquele já apenas o escutam algumas dezenas de ouvintes. Assim, também, os mestres do povo inglês na história são antes Shakespeare e Walter Scott do que o bispo Stubbs ou sir John Seeley, porque é esta a forma extrema do contraste entre o escritor pitoresco e o laborioso investigador. Sei que é regra entre os discípulos da escola de investigação negar-se qualquer mérito ou valor como historiadores aos escritores imaginativos.

Todavia, sustento a opinião de que para cada pessoa que arranjou alguns conhecimentos acerca de Luís XI, rebuscando-os entre crônicas contemporâneas, existem dez mil que obtiveram dele uma ideia mais geral e verdadeira pela leitura de Qentin Durward ou de Notre, Dame de Paris. Devo acrescentar que não é fácil tarefa interessar o público vulgar na leitura histórica e have-lo conseguido representa um grande passo na civilização moderna.

Ocupando um lugar intermédio entre Froude e Freetnan, coloco os meus dois amigos pessoais, Green e Lecky, os quais me aventuro a considerar como os mais populares escritores de história que a Inglaterra produziu depois de Gibbon. Green faleceu antes de poder dar a sua medida. Lecky é ainda hoje uma figura proeminente em Inglaterra; mas é considerado mais político do que historiador, visto ter trocado o estudo pelo Senado, e substituído a vida contemplativa pela atividade prática.

É pouco provável, portanto, que ele nos apresente um novo livro de história. Contudo, os oito volumes da sua História de Inglaterra no Século XVIII, já apresentariam suficiente e ampla confirmação do seu gênio, ainda que os não houvessem precedido esses outros notáveis volumes sobre a história da cultura europeia, que tornaram conhecido e popular o seu nome por todo o império britânico. Pode ser posto em dúvida se o estilo acabado e leve de Lecky iguala o de Froude, ou se as suas investigações podem ser comparadas as de Freeman; contudo. ele reúne qualidades que eles não possuíam e portanto pode ser classificado acima deles por tino crítico independente. Torna-se talvez impossível a qualquer escritor escrever com o brilhantismo de Froude, se quiser escrever com judiciosa serenidade, se for indulgente para com os seus adversários, esforçando-se pela imparcialidade em controvérsias políticas. A narrativa de Lecky não se assemelha ao impetuoso Áufido, que arrasta homens e gado nas suas inesperadas cheias; parece-se mais com o tranquilo Líris, que vai lentamente desgastando os outeiros com a sua mansa corrente.

Mas, por muito bem que Lecky saiba avaliar quanto é necessária a eloquência na confecção da história, sa igualmente subordiná-la aos seus propósitos. Nos últimos dois volumes, que relatam a revolta irlandesa de 1798, ele, convencendo-se de que era pouco provável que alguém tratasse novamente desses factos, pôs de parte beleza da sua obra, a fim de nos fornecer uma compilação de todas as mais fidedignas notas contemporâneas, transcritas com as próprias palavras das autoridades que cita. Assim, estes valiosíssimos volumes dão-nos pouco mais do que um catálogo de extratos, compilados e expresso com cuidado e perícia, aliadas a uma modéstia que o torna ainda mais admiráveis. Podem, portanto, ser imparcialmente apreciados, mais como prova real do seu espírito investigador, do que do seu estilo, além de demonstrar-nos que, longe de ser o escravo deste, sabe subordiná-lo, a fim de atingir mais elevados fins. E contudo, se o livro fosse todo escrito sob essa forma, teria sido apenas lido por estudiosos especialistas e não por toda a gente.

João Ricardo Green foi um homem notável de outro tipo, e o seu único volume sobre o progresso e a educação do povo inglês logo atingiu e conserva ainda uma excepcional popularidade; mas assim como este livro não foi executado na larga escala do Século XVIII de Lecky, também nos dá ideia de uma menos cuidada investigação. Por exemplo, o relato de operações militares é manifestamente feito por forma tão superficial que não elucida bem o leitor. Jamais saberia descrever uma batalha como sir G. Trevellyan (que poderia figurar entre os nossos primeiros historiadores se não fossem as distrações de política partidária) descreveu recentemente a de Bunker's Hill. Por outro lado, as suas narrativas de movimentos populares, como por exemplo, a que trata da reação do povo abandonando o Protetorado para abraçar a antiga soberania, são das mais brilhantes páginas que existem na literatura histórica inglesa.

Não há lugar neste estudo para a filosofia política -` para a história das ideias, independentemente das realizações políticas, como as de Mr. Lecky, acima mencionadas. Não deporei, contudo, a minha pena sem afirmar que em uma dessas obras - o imenso fragmento da vasta concepção de Buckle sobre a civilização da Europa – encontrei maior estímulo, mais sugestão, mais incitamento à reflexão e ao estudo do que jamais encontrei em livro algum do nosso tempo. Não conheço tão pouco outra obra que a possa substituir completamente na educação intelectual de um historiador. Esta confissão é apenas pessoal; outros homens haverá que não aceitariam Buckle, levados por outras considerações. Green começou a concentrar a sua atenção na história por uma mera casualidade. Sendo ainda rapaz, foi felicitado, por ter ganho um prêmio, por um velho professor-mor do colégio da Madalena, que lhe disse:

"Lembra-te que esta mão que agora apertas, já foi apertada pela mão do grande dr. Johnson".

E quantos outros homens haverá a quem uma casualidade, muitas vezes trivial em aparência, desperta faculdades dormentes? Se me for permitido citar o meu próprio caso, direi que a libertação de trabalhos escolares, a falta de ocupações suficientes e o acaso que me deparou um volume da Grécia de Grote, foram as causas determinantes que me impeliram, aos quatorze anos, para o estudo da história clássica, não obstante faltarem a Grote tanto a imaginação com eloquência tendentes a atraírem as atenções de uma criança. Todavia ambas estas qualidades existem no livro: sob a forma de uma clareza extrema, quando trate de descrições complicadas; em impressiva gravidade nas lições políticas, e em um certo tom geral digno e ponderado, que só um escritor de mérito pode atingir. Os homens variam nas suas predileções e nos seus gostos mas a história fornece uma galeria de tipos e de variedades suficientes para satisfazer todas as formas de inteligência por muito elevadas que sejam; pois acaso não é ela, segundo as eloquentes palavras de Cícero:

Testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae, nintia vetustatis?

Fonte:
Suplemento Literário “Portal dos Sonhos” n.4 junho de 2002 – Elaborado pela ALIUBI – Associação dos Literatos de Ubiratã – Presidente: Odair Roberto da Silva; Vice Presidente: José Feldman. Ubiratã/PR: TV Aymoré.