quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Wagner Marques Lopes (Onde Estão os Azulões?)


Azulão – um azul-tinto
a mergulhar no azul do céu!...
Naquele tempo, muito mais gente ouvia
o canto em surdina dos azulões!...
Rompiam das matas para beirar nossas casas.

Certas tardes, um casal era visto...
A fêmea com traje azulíneo
e sua cauda negra... Elegante,
pousada na cerca do fundo do quintal...

Passaram-se os verões...
Foram queimadas, estilingues,
tantos senões...
Um tempo que vai distante -
o azul-tinto mergulhando no azul-celeste!...
Não mais os vemos,
nem mais se ouve falar dos azulões.

Por onde voam?
Ou quiçá, por onde andam?
Nas gaiolas?!...
O quanto isso me enfastia!...
Espero ainda aquele encantado dia
para que eu possa ver azulões
pousados na cerca do fundo do quintal!...
***

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor

Júlia Lopes de Almeida (Brutos!)


Daqui a umas largas dezenas de anos, quem for amigo de ler crônicas deste século XX, que despontou com aspirações de paz universal e bondades aperfeiçoadoras do coração humano, poderá dizer que nestes dias houve um rei, que por amor da sua dama quebrou as mais rijas lanças. Para conquistá-la, expulsou ele o seu real pai e senhor, deportando-o para fora do reino, onde o mísero morreu sem amigos, no desamparo da ingratidão... Para colher dos lábios dela a cheirosa flor do beijo, houve o rei de arcar com a basta chusma dos preconceitos da época. A pobre não era de sangue real, e por isso, mal estimada pelos súditos da enfeitiçada majestade, todos se opunham a que o rei se unisse àquela mulher, que nem era moça como Julieta, nem era portadora de um título de princesa, como Cordélia.

Por sua parte a imprudente, fascinada pelo prestígio daquele homem, caminhava para ele como a fina agulha de aço para um grande pedaço de imã. As mulheres não se emendam, e tanto mais amam quanto menos devem amar. Com o perigo, aumentava o encanto da paixão. Não amar, quando se recebeu do céu uma alma feita para o amor, é privar-se, a si e a outrem, de uma grande felicidade. Seria como uma laranjeira que não florescesse com medo de pecar, — como dizia Stendhal, um escritor de então... É verdade que em páginas adiante ele acrescentava, em outras conclusões: a firmeza de que resiste ao seu amor, é a coisa mais admirável que pode existir na terra; todas as outras provas possíveis de coragem são bagatelas ao pé desta, tão forte e tão penosa.

Raciocinando a dama que esses heroísmos são bons para os livros, e que, sendo a missão da mulher obedecer à natureza, mais lhe quadrava a alegoria da laranjeira, assim fez, como devia, a vontade ao seu sentimento e ao seu rei: casou com ele.

Desditosa! O povo, que já não a via com bons olhos, entrou a aborrecê-la. Para que todas as antipatias chovessem sobre a sua cabeça fraca, o velho rei exilado, homem que fora sempre de amores efêmeros e costumes fáceis, morreu longe da pátria, e logo começaram a dizer que ele se finara de paixão, ressentido daquele filho ingrato, e que a culpada de tudo era a rainha, que por não ser de estirpe real não devia merecer o amor de um rei. Teceram logo uma trama de enredos e falsidades, dizendo que ela mentia à sua religião e à sua consciência. O beijo do amor não a fecundara, e na sua murcha esterilidade ela divulgava um sonho
que embevecia a corte e o rei.

O sonho da maternidade.

Gente do palácio, muito embusteira, inventou logo que a rainha simularia um parto, vindo uma criança estranha ocupar no berço principesco o lugar que só deveria competir ao filho do soberano... Intriga foi esta que se espalhou por toda a nação e transbordou para países alheios e terras de além mar. E, como formiguinhas, iam as perfídias entrando pelos ouvidos do rei...

No seu grande palácio sumptuoso vivia a mísera rainha desconfiada, sem se poder lavar das máculas que lhe atribuíam. Assim, a flor da sua beleza outoniça enlanguescia, e o rei, aturdido, cheio das queixas dos vassalos, que lamentavam a morte de um rei que nunca tinham amado, só por acinte à rainha intrusa, caiu em acreditar que a esposa só o quisera por vaidade e ambição de reinar. Por isso, quanto mais ela se debulhava em pranto, mais ele se enfastiava dela, que sempre as lágrimas foram causa de aborrecimento aos olhos dos maridos. Todo o seu grande afeto se tornou depressa em ojeriza que também do pai naturalmente herdara uma certa inconstância no amor: e ver sempre os mesmos olhos, de mais a mais queixosos, não lhe sabia bem.

Correram meses nesse desagrado, até que um dia, em pleno palácio, a macia e régia mão de um rei da culta Europa caiu com bruteza sobre a pálida face de uma rainha.

No triunfo da alegria correram damas de honor e fiéis criados de el-rei a soprar aos quatro ventos aquela ignomínia, rindo da triste rainha ofendida.

Esta, humilhada, quis matar-se; mas não a deixaram acabar com a vida, guardando-a dia e noite de perto, com os olhos arregalados e as unhas afiadas.

Os vendavais desnudam as mais floridas laranjeiras; a alma da rainha já não tinha perfumes, só tinha espinhos; e o rei, por onde andasse, lá ouvia o eco das canções maliciosas das ruas e dos teatros, em que se dizia a aventura de uma mulher que só se unira a um rei pela vaidade e o desejo de reinar...

Entendiam no século XX que o Amor devia viver encarcerado, e ainda com muitos selos nas portas e nas janelas gradeadas, que lhe atestassem a legalidade.

De modo que, quando cansado da reclusão, ele quisesse fugir, teria de debater-se e deixar na cadeia o sangue de seu corpo e as penas de suas asas.

Ele arrependido, ela resignada, parecia até que tinham voltado a amar-se, foram uma alta noite surpreendidos no seu castelo por uma imensa horda de assassinos, que arrombando portas, derrubando sentinelas, alcançou-os a ambos e os matou sem dó...

Não fosse ele fraco; não fosse ela ambiciosa...

Dirá mais coisas a lenda do rei da Sérvia, tratando com injustiça a pobre Draga, sua mulher, só porque não tinha nas veias sangue real.

Outra lenda, sua contemporânea, provará daqui a uma centena de anos, que as mulheres, mesmo rainhas, não tinham no começo deste século XX as prerrogativas que hão de ter então. Esta será talvez em forma de balada. Uma soberana moça, de perfil doce, elevando ao seu trono um príncipe estrangeiro, recebeu dele a mesma injúria que a pobre Draga, do seu real senhor! Somente, à dor da linda Guilhermina acudiu chorando todo o seu povo. Enquanto que à outra...

O que pensarem deste nosso tempo os futuros comentadores da história, parecer-se-á de perto com o que pensamos das velhas idades, em que esposos ciumentos prendiam pelas tranças ao ferrolho dos seus castelos as esposas ultrajadas pelo seu ciúme.

E então, como hoje, a queixa ouvida e que perdure pela sua sinceridade, será a exalada pelos lábios femininos...

Michelet, que tão bem penetrou no coração da mulher, escreveu em L'Amour:

"Os insetos e os peixes são mudos; o pássaro canta, querendo articular; o homem tem a linguagem distinta, a palavra clara e luminosa, o verbo límpido. Mas a mulher, acima do verbo do homem e do canto do pássaro, tem uma linguagem mágica com que intercala esse verbo ou esse canto; o anhelo, o suspiro apaixonado."

Feita para o amor, ela é o ser mais sensível do universo. Toda ela vibra às blandícias ou às crueldades daquele que entre todos os homens escolheu e a quem não sabe fazer compreender a sua paixão, porque as suas expressões são apenas balbucios com que interrompe os gorgeios da sua alegria ou os temores do seu raciocínio. Ele, que passa, pune, mata ou esquece; que olha para ela como o jequetibá para a roseira, do alto da sua superioridade e da sua grandeza, não percebe que, na sua humildade doce, a voz da mulher, como o perfume das rosas, pode chegar muito mais alto, até ao céu, que só se abre para a sinceridade dos sentimentos grandes e verdadeiros!

E é por não a compreender que ainda um ou outro a brutaliza.

Ainda não há muitos anos uma pobre rainha asiática sentiu no rosto a pesada valentia da mão de seu marido. Como no palácio da Servia, o mesmo alvoroço no da China.

A pressa com que o telégrafo anuncia ao mundo estas misérias!

Mas o que não deixaram fazer a Draga, consentiram que fizesse a imperatriz chinesa. Matou-se.

Afigura-se-nos que uma imperatriz, mesmo da China, deve olhar para todo o seu povo, não com a doçura com que um pastor olha pai a o seu rebanho, mas com fria altivez e soberana indiferença. Ela está ali, no trono brilhante e forte, para que a vejam e para que a amem. Não querendo deixar penetrar os seus pensamentos, torna-se impassível e austera; sentindo em cada beijo a baba da adulação, começa a desgostar-se da humanidade e a ter repugnância dos cortesãos mentirosos. Os seus pensamentos devem ser estranhos, bem analisados, sentidos com inteligência.

Nós não compreendemos as rainhas senão assim. Uma imperatriz que ame o marido, que discuta com vivacidade, que o censure com paixão, e que (santo e misericordioso Deus, como isto até custa a escrever!) leve dele pancada... Uma rainha que, em vez do cinismo de salvaguardar aparências para que o seu povo a julgue invulnerável, encontra rancor no peito e sangue vivo nas veias, para acabar com a vida, vingando a ofensa recebida, é digna de figurar na galeria feminina dos últimos tempos, como um dos mais interessantes tipos de mulher.

A verdade é que não é suportável a idéia de que um homem, seja ele quem for, possa levantar a mão para uma mulher, seja ela quem for também.

Se ele se julga e se proclama o forte, o senhor dominador e poderoso, deve encontrar na palavra todo o fel da censura, sem se rebaixar num aviltamento que oamesquinha. É melhor matar do que bater. Uma mulher apunhalada poderá perdoar, mas uma mulher esbofeteada, nunca!

Lã ficará sempre o ressentimento, quando não fique imediatamente o nojo, ou não haja a coragem da vingança.

Dizem por aí que as mulheres que apanham pancada são as que mais amam... Não acrediteis! A mulher descida a essa ignomínia é incapaz de tudo. É preciso que se compreenda bem, que afinal de contas os mesmos ramos de veias que fazem circular no corpo do homem o sangue que os altera, fazem nascer na mulher os mesmos desejos, as mesmas violências. Somos mais tenazes, talvez, mais frias no amor, mas mais excessivas no ódio.

O exemplo do imperador da China levou tempo a medrar, mas medrou e desponta na velha Europa civilizada, em velhos tronos de ouro e púrpura, que dão norma ao povo, como uma lei de justiça e um direito da força indiscutível.

Dizem que a mulher do povo gosta do amor cruel, que a brutalize; se assim é, que bons maridos e que magníficos trabalhadores de enxada se perderam naqueles régios senhores coroados!

Baladas e lendas destas rainhas, nossas contemporâneas, atrairão a magoada simpatia de outras mulheres que, chegado o tempo do amor, do céu azul e do sol dourado, se vejam, como laranjeiras floridas, cobertas de ilusões!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte XI


HARPAS ETERNAS

Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vívidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.

Passam, nos sóis da Glória redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivos

E as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando...

E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.

DUPLA VIA-LÁCTEA

Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.

E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos...
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.

E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldada

Dentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!

TITÃS NEGROS

Hirtas de Dor, nos áridos desertos
Formidáveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os céus abertos...

Negros e nus, negros Titãs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonâmbulos, incertos...

Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsão de trágicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes...

Têm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiões escravas,
De dantescos e torvos Satanases!...

ENTRE CHAMAS...

Sonhei que de astros no Infinito presa
Vagavas, brandamente adormecida,
Nas chamas siderais resplandecida,
A carne, em chamas, no Infinito, acesa...

E eu pasmava de encanto e de surpresa
Vendo a constelação indefinida
Da tua carne flamejando vida,
Dentre os íris radiantes da beleza...

E o teu corpo, nas chamas palpitando,
Os astros em redor maravilhando,
Por entre a auréola dos clarões cantava...

Então, de sonho em sonho, absorto, mudo,
Eu senti alastrar, vibrar por tudo
Toda a infinita sensação da lava!...

O ANJO DA REDENÇÃO

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mão de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sóis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do ódio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodígios
Nos olhos, chega dos azuis litígios
Desce à tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

[SONETO]

Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.

Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.

Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso...

Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trêmulo nevoeiro,
Magoada de vigílias e cansaço...

VIOLINOS

Pelas bizarras, góticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visões mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula...

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso céu que além se azula...
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula...

Rezam de joelhos anjos de mãos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando...

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
Magnólias e lírios desfolhando...

GUERRA JUNQUEIRO

Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões -- quebrando o que não serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;

Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais -- as liras do estupendo,
Pejadas de prodígios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;

Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular -- rasgando das misérias
O ventre do Ideal na forte hematemese.

Clamando -- é minha a luz, que o século propague-a,
Quando ele avassalou os píncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!

CAMPESINAS

AO AR LIVRE
A Virgílio Várzea

Tu trazes agora o peito
Como essas urnas sagradas,
Repleto de gargalhadas,
Sonoro, bom, satisfeito.

Por dentro cantam assombros
E causAs esplendorosas
Como latadas de rosas
Dos muros entre os escombros.

Quando o ideal nos alaga,
Embora as lutas do mundo,
Levanta-se um sol fecundo
Do peito em cada uma chaga.

Voltou-se a seiva de outrora,
De outro, mais forte e destro,
Iluminado maestro,
Das harmonias da aurora.

Fulgurem por isso as musas,
As belas musas, por isso...
Voltou-te o passado viço,
Foram-se as mágoas, confusas.

Agora, quando eu dirijo
Meus passos, à tua porta,
Sinto-te um bem que conforta,
Vejo-te alegre e mais rijo.

Porque afinal pela vida
Nem tudo se desmorona
Quando se vaga na zona
Da mocidade florida.

Gostas de ver pelos ramos
Das verdes árvores novas,
A chocalhar umas trovas,
Coleiros e gaturamos.

Já podes bem comer frutas,
Os teus simpáticos jambos,
E ouvir alguns ditirambos
Da natureza nas grutas.

Podes olhar as esferas,
Com ar direito e seguro,
De frente para o futuro,
De lado para as quimeras.

Não tenhas cofres avaros
De santos -- na luz te afoga,
E a alma arremessa e joga
Por esses páramos claros.

Reúne os sonhos dispersos
Como andorinhas vivaces
E o colorido das faces
Ao coberto dos versos.

Como uns lábaros vermelhos,
Contente como os lilazes,
As crenças dos bons rapazes
Tem prismas como os espelhos.

NOS CAMPOS

Por entre campos de seara loura
De alegre sol puríssimo batidos,
Passam carros chiantes de lavoura
E raparigas sãs, de coloridos

Que a luz solar que as ilumina e doura
Lembram pomares e jardins floridos,
Por entre campos de seara loura.
A Natureza inteira reverdece

Pelos montes e vales e colinas;
E o luar que freme, anseia e resplandece,
Movido por aragens vespertinas,
Parece a alma dos tempos que floresce...

Enquanto que por prados e campinas
A Natureza inteira reverdece.
A paz das coisas desce sobre tudo!
E no verde sereno d’espessuras,

No doce e meigo e cândido veludo,
Tremem cintilações como armaduras
Ou como o aço brunido dum escudo;
Enquanto que das límpidas alturas
A paz das coisas desce sobre tudo!

A casa, a rude tenda construída,
Onde habitam as mães e as crianças
Promiscuamente, nessa mesma vida
De perfume lirial das esperanças,
Como é feliz, dos astros aquecida!

Aquecida do Amor nas asas mansas
A casa, a rude tenda construída.
As bocas impolutas e cheirosas
Das raparigas, pródigas belezas
De finos lábios púrpuros de rosas,
Abrem, cheias de angélicas purezas,
As cristalinas fontes murmurosas
De risos, refrescando em correntezas
As bocas impolutas e cheirosas.

Da vida aurora rica do seu sangue
Flameja a carne em báquicas vertigens!
E quem tiver uma epiderme exangue
Para ficar com essas faces virgens,
Para não ser mais pálida nem langue,
Tem de beber das cálidas origens
Da viva aurora rica do seu sangue.

Lindas ceifeiras percorrendo. searas
Nos campos, ó bizarras raparigas,
Pelas manhãs e pelas tardes claras
Vós desfolhais sorrisos e cantigas
Que deixam ver as pérolas mais raras
Dos dentes brancos, frescos como estrigas...
Lindas ceifeiras percorrendo searas!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo II – O Enterro da Vespa

II O enterro da vespa

De noite, à hora de deitar-se, Narizinho lembrou-se de que havia deixado a boneca debaixo da jabuticabeira.

— Pobre da Emília! Deve estar morrendo de medo das corujas... e pediu a tia Nastácia que fosse buscá-la.

A negra foi e trouxe Emília, toda úmida de orvalho, danadíssima com o esquecimento da menina. E só com a promessa de um belo vestido novo é que desamarrou o burro. Um vestido de chita cor-de-rosa com pintinhas.

E de saia bem comprida.

— Por que, Emília? — indagou a menina estranhando aquele gosto.

— Porque sujei a perna aqui no joelho e não quero que apareça.

— O mais fácil será lavar o joelho.

— Deus me livre! Tia Nastácia diz que sou de macela por dentro e por isso não posso me molhar. Emboloro. Um dia ainda posso virar condessa e não quero ser chamada a condessa do Bolor.

— Testo, panela, bolor, fedor! Tem razão, Emília. O melhor é fazer um vestido de cauda. Para condessas fica bem. Mas condessas de quê?

— Quero ser a condessa de Três Estrelinhas! Acho lindo tudo que é de três estrelinhas.

— Pois muito bem, Emília. Desde este momento fica você nomeada condessa de Três Estrelinhas e para não haver dúvida vou pintar três estrelinhas na sua testa. Todas as criaturas do mundo vão torcer-se de inveja!...

— Todas menos uma — observou a boneca.

— Quem?

— A vespa que ferrou sua língua.

— Explique-se, Emília. Não estou entendendo nada.

— Quero dizer que a tal vespa está morta e bem enterrada no fundo da terra — explicou a boneca. — Assisti a tudo. Quando ela mordeu sua língua e você fez pluf! antes de berrar ai! ai! ai!, a jabuticaba cuspida, ainda com a vespa dentro, caiu bem perto de mim. Vi então tudo o que se passou depois que você desceu da árvore, berrando que nem um bezerro, e lá foi de língua de fora.

E a boneca contou direitinho o triste fim da pobre vespa.


— Ela ficou ainda quase uma hora metida dentro da casca, toda arrebentadinha, movendo ora uma perna, ora outra. Afinal parou. Tinha morrido. Vieram as formigas cuidar do enterro. Olharam, olharam, estudaram o melhor meio de a tirar dali. Chamaram outras e por fim deram começo ao serviço. Cada qual a agarrou por uma perninha e, puxa que puxa, logo a arrancaram de dentro da jabuticaba. E foram-na arrastando por ali afora até à cova, que é o buraquinho onde as formigas moram. La pararam à espera do fazedor de discursos...

— Orador, Emília!

— FAZEDOR DE DISCURSOS. Veio ele, de discursinho debaixo do braço, escrito num papel e leu, leu, leu que não acabava mais. As formigas ficaram aborrecidas com o besourinho (era um besourinho do Instituto Histórico) e apitaram. Apareceu então um louva-a-deus policial, de pauzinho na mão. “Que há?” — perguntou. “Há que estamos cansados e com fome e este famoso orador não acaba nunca o seu discurso. Está muito pau”, disseram as formigas. “Para pau, pau!” — resolveu o soldado — e arrolhou o orador com o seu pauzinho. As formigas, muito contentes, continuaram o serviço e levaram para o fundo da cova o cadáver da vespa. Em seguida apareceu uma trazendo um letreiro assim, que fincou num montinho de terra:

“AQUI NESTE BURACO JAZ UMA POBRE
VESPA ASSASSINADA NA FLOR DOS ANOS
PELA MENINA DO NARIZ ARREBITADO.
ORAI POR ELA!”

Feito isso, recolheu-se. Era noite quase fechada. No pomar deserto só ficou o besourinho, sempre engasgado com o pau. Queria à viva força continuar o discurso. Por fim conseguiu destapar-se e imediatamente continuou: “Neste momento solene...” Nisto um sapo, que ia passando, alumiou o olho dizendo: “Espere que eu te curo!...” Deu um pulo e engoliu o fazedor de discursos!

— Não reparou, Emília, se esse sapo era o Major Agarra-e-não-larga-mais? — perguntou a menina.

— Não era, não! — respondeu a boneca. — Era o Coronel Come-orador-com-discurso-e-tudo...
–––––––––
Continua... A Pescaria

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 384)


Uma Trova Nacional

Felicidade é conquista
que a gente persegue em vão...
- Sempre ao alcance da vista,
nunca ao alcance da mão!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova Potiguar

Trinam pássaros nos galhos...
a brisa é leve e sombria;
a aurora sobre os orvalhos
abre as cortinas do dia.
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - ATRN-Natal/RN
Tema: INSPIRAÇÃO - 7º Lugar

És a musa, minha fada
meu talismã, meu troféu,
minha inspiração sagrada
meu pedacinho de céu...
–JOSÉ MOREIRA MONTEIRO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Numa gestação tão pura,
Deus, em forma de decreto,
determinou que a ternura
fosse irmã gêmea do afeto.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Felicidade é um recado
sem data, sem remetente
que chega sempre atrasado
na caixa postal da gente!
–AURORA PIERRE ARTESE/SP–

Simplesmente Poesia

Mar de Deslembrar.
–BRASIGÓIS FELÍCIO/GO–

O murmúrio do mar
me traz lembranças
de antigas
cantigas de ninar

É como se eu fosse
de novo Ulisses
e nunca tivesse saído do berço
imemorial de água e algas.

Estrofe do Dia

Não me acho inteligente,
Sou apenas criativo,
Meu raciocínio ativo
É um flash reluzente;
Às vezes a minha mente
Cria uma historia completa,
Às vezes ela deleta
O que não serve pra mim,
Gostem ou não sou assim:
Original e Poeta...
–DAMIÃO METAMORFOSE/RN–

Soneto do Dia

Palavras
–ADAMO PASQUARELLI/SP–

Doces palavras que o amor inspira
sussurradas no arroubo da paixão;
palavras castas, meigas, que se vão
diluindo nas cordas de uma lira;

será que formam elas grande pira
que o vento leva pelo ar, ou então
chegam até às estrelas que estão
nos páramos do céu que a gente mira?

Será que a brisa as leva ao mar sereno,
ou entre as moitas em flor ela as esconde?
Mas como pode um mundo tão pequeno

ocultar as palavras dos amantes?
- Vós que o sabeis ou procurastes antes,
dizei-me: Onde estão elas? Onde? Onde?

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

57a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 4 de Novembro, Sexta-Feira)


Encontro de Educação e Patrimônio Histórico: estratégias para o desenvolvimento de cidade
04/11/2011 - 08:00
Possibilidades de desenvolvimento de cidades a partir da intersecção da Educação e do Patrimônio Cultural

Sessão de Autógrafos
04/11/2011 - 09:00

Oficina de Ilustração com Renata Bueno
04/11/2011 - 09:00

O Autor no Palco
04/11/2011 - 09:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Mostra do Projeto Conversar, Canoas
04/11/2011 - 09:00

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
04/11/2011 - 09:30

Lançamento e distribuição dos Estatutos: Crianças e dos Adolescentes e Estatuto do Idoso, em Cordel
04/11/2011 - 10:30

O Autor no Palco
04/11/2011 - 10:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Oficina de Libras
04/11/2011 - 13:30
Aprendendo libras: técnicas e curiosidades. Módulo 2/2

Oficina: O narrador no cinema
04/11/2011 - 14:00
Abordagem sobre a narrativa cinematográfica. Módulo 2/3

Encontro com autor
04/11/2011 - 14:00

Seminário Adaptações de textos clássicos: Convite para novas leituras? Como usar as adaptações nas escolas e nas bibliotecas?
04/11/2011 - 14:00

Sessão de Autógrafos
04/11/2011 - 14:00

As boas maneiras
Contação de Histórias com a Equipe do QG
04/11/2011 - 14:00
O Negrinho do Pastoreio - Lenda popular

O Autor no Palco
04/11/2011 - 14:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Tenda.doc: Coletivo Catarse - O grande tambor
04/11/2011 - 14:00
Projeto Tambor Sopapo: Resgate histórico da cultura negra do extremo sul do Brasil

Estudos da Língua Brasileira de Sinais
04/11/2011 - 14:30

Encontro com autor
04/11/2011 - 15:30
Bate-papo sobre Cultura Popular e cordel

Cine SESC
Exibição do filme O pequeno Nicolau

Oficina do Poesia Inclusiva
04/11/2011 - 15:30

O Autor no Palco
04/11/2011 - 15:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A vida em quatro dimensões e o Lambdacismo
04/11/2011 - 15:30

Releitura de Orfeu e a flor de ouro do poeta de Betty Borges
04/11/2011 - 15:30

Oficina: Entre parlendas e lendas, a cultura oral chega à escola
04/11/2011 - 16:00
Atividades de leitura e de escrita que transitam da literatura oral para o universo da produção artística. Oficina em módulo único

Oficina: O voo da gaivota
04/11/2011 - 16:00
A crônica, da busca do assunto à aventura fonológica, passando pela discussão do gênero e o exemplo dos grandes mestres. Módulo 1/2

Causos Gauchescos
04/11/2011 - 16:00

Contação de histórias sobre o Rio Grande do Sul
A Arte Levada a Sério
04/11/2011 - 16:00

Continhos suspirados com poesia para depois das cinco
04/11/2011 - 16:00

A história do navegador João de Calais e sua amada Constança
04/11/2011 - 16:00

Coletânea Joaquim Monks & Amigos
04/11/2011 - 16:00

O Inventário do Comendador Domingos Faustino Correa: Mito ou Realidade?
04/11/2011 - 16:30

Dos Açores ao litoral - rastros de cultura
04/11/2011 - 16:30

A Peleja de Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau
04/11/2011 - 16:30

O Coelho e o Jabuti
04/11/2011 - 16:30

Poesia e arte
04/11/2011 - 17:00
No diálogo das artes, qual o papel da poesia?

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
04/11/2011 - 17:00

Mesa-redonda - Tema: A narração oral na biblioteca escolar

Sessão de Autógrafos da Escola Balão Vermelho
04/11/2011 - 17:00

Maria Teresa e o Javali
04/11/2011 - 17:00

Sistema Nacional de Cultura - ação do Estado e Município
04/11/2011 - 17:30
O que existe e o que tem que se fazer na construção de políticas culturais

Duas faces
04/11/2011 - 17:30

Oficina: O trânsito criativo entre os gêneros
04/11/2011 - 18:00

Um trânsito entre as formas de criação e gêneros. Módulo 1/2
Viola e cordel - poesia cantada
04/11/2011 - 18:00
Desafios em rimas e trechos de modas de viola

Antologia A.G.U.I.A. 2011
04/11/2011 - 18:00

Revista Justiça & História, vol.8, nºs.15 e 16
04/11/2011 - 18:00

Oficina: O processo criativo do conto
04/11/2011 - 18:30

Criando um conto: da ideia primeira ao ponto final. Oficina em módulo único
Arte às 18:30
04/11/2011 - 18:30

A Eloquência do Bambu e do Fogo
04/11/2011 - 18:30

A Voz do Self
04/11/2011 - 18:30

Simpatias
04/11/2011 - 18:30

Conexões Inteligentes
04/11/2011 - 18:30

Celebração à vida: verticalizando sentimentos
04/11/2011 - 18:30

Me toque - A Expressão da Emoção
04/11/2011 - 18:30

As Melhores Histórias da Mitologia Japonesa//Fúria Nórdica
04/11/2011 - 18:30

A chama azul
04/11/2011 - 18:30

Bula de Remédio
04/11/2011 - 18:30

Novo evento (Sandra)
04/11/2011 - 18:30

Oficina de Twitter
04/11/2011 - 19:00
Oficina de aforismos, máximas e frases altamente defeituosas, para pensar diferente, para desejar diferente. Módulo 2/2

Cine Santander Cultural
Sessão Comentada

Coleção Medo - Mesa redonda
04/11/2011 - 19:00

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
04/11/2011 - 19:30

Sessão de Histórias
Vendas na saúde
04/11/2011 - 19:30

O Coronel é o lobisomem e outras histórias incríveis
04/11/2011 - 19:30

Nós desfeitos de nós. Desafios
04/11/2011 - 19:30

PORTO ALEGRE, 1820 a 1890: Aspectos urbanísticos através do olhar dos viajantes estrangeiros
04/11/2011 - 19:30

Festa, Religião e Cidade: corpo e alma do Brasil
04/11/2011 - 19:30

Guia Prático do Chimarrão
04/11/2011 - 19:30

O nosso Rock - A história do Rock de Guaíba
04/11/2011 - 19:30

24 horas na esquina do pecado
04/11/2011 - 19:30

Cordão da Saideira: Acorda Cordel
04/11/2011 - 20:00
Adaptação de textos literários para o cordel

Encontro com autor
04/11/2011 - 20:00

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Trova 206 - Arlene Lima (Maringá/PR)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 383)


Uma Trova Nacional

Ao perder-se um grande amor
o coração dá um brado:
– Por favor, tire essa dor!
Oh, pranto! Fique calado!!!
–JOSÉ FELDMAN/PR–

Uma Trova Potiguar

A vida é palco, onde há canto
de maldade, espanto e dor...
Não há cortina, entretanto,
que feche um palco de amor!
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Bandeirantes/PR
Tema: SEMBLANTE - Venc.

Teu semblante, mesmo mudo,
na foto, escuta o que falo
e assim, calado, diz tudo,
e ao dizer tudo... me calo.
JOAQUIM CARLOS/RJ–

Uma Trova de Ademar

Entre sonos e cochilos,
numa deslumbrante rota,
meus sonhos voam tranquilos
nas asas de uma gaivota...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Felicidade encontrada
- vela, de noite, na mão...
Basta um ventinho de nada
e estamos na escuridão.
–ELIAS BARBOSA/MG–

Simplesmente Poesia

Legado
–LUIZ OTÁVIO OLIANI/RJ–

quando eu me for
ficarão as palavras
-aprendizado em surdina

no fundo do peito
dos ancestrais
entre lírios e versos
lição guardada:
engenho fincado à terra

Estrofe do Dia

Na máquina do tempo, eu embarquei
pra curar minha angústia e minha ânsia,
fui rever o meu tempo de infância
e a casinha na qual eu me criei;
minha primeira escola que estudei
quando eu tinha na época pouca idade,
de entrar nela, outra vez senti vontade
mas na hora meu acesso foi negado;
eu invadi o espaço do passado
viajando nas asas da saudade.
–JÚNIOR ADELINO/PB–

Soneto do Dia

Viajante do Tempo
–JOÃO COSTA/RJ–

Venho de longe, nos ombros trazendo
peso de vidas outrora vividas.
Venho de longe, venho de outras vidas,
tempo afora vivendo e revivendo.

De tempos idos, priscas eras idas
venho volvendo tempo-espaço, sendo
em cada ciclo (vivendo e aprendendo)
preparado para futuras vidas.

E sigo nesta contínua viagem
pelo que chamam tempo. Na bagagem
vou transportando infinitas memórias.

Venho de longe e vou rumo ao futuro
– destino infinito. Sigo seguro
de que ainda viverei muitas histórias.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Hermoclydes S. Franco (Arco-Íris)


Ao regar, em meu lar, plantas e flores
Numa linda manhã primaveril,
A esquecer-me os percalços que, entre dores,
Dão à vida, de fato, um cunho hostil,

Eis que um raio de sol, suave e gentil,
Colore o jato d’água em sete cores,
De mutantes matizes, qual sutil
Arco-íris – encanto dos pintores!...

Que alegria! Que orgulho tão profundo!
Sentir tal maravilha, num segundo,
No milagre ocorrido em meu jardim!

Os mistérios sem fim da natureza,
Insondáveis sabemos, com certeza,
Só acontecem... Se Deus quiser assim!...

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Carlos Drummond de Andrade (O Poeta Singrando Horizontes III)


TURNO À JANELA DO APARTAMENTO

Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração da noite.
Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação
de um mundo enorme e parado.
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder:
na escuridão absoluta,
como líquido, circula.
Suicídio, riqueza ciência...
A alma severa se interroga
e logo se cala. E não sabe
se é noite, mar ou distância.
Triste farol da ilha rosa.

TRÊS PRESENTES DE FIM DE ANO

I

Querida, mando-te
uma tartaruguinha de presente
e principalmente de futuro
pois viverá uma riqueza de anos
e quando eu haja tomado a estígia barca
rumo ao país obscuro
ela te me lembrará no chão do quarto
e te dirá em sua muda língua
que o tempo, o tempo é simples ruga
na carapaça, não no fundo amor.

II

Nem corbeilles
nem letras de câmbio
nem rondós
nem carrão 69
nem festivais
na ilha d’amores
não esperes de mim
terrestres primores.
Dou-te a senha para
o dom imperceptível
que não vem do próximo
não se guarda em cofre
não pesa, não passa
nem sequer tem nome.
Inventa-o se puderes
com fervor e graça.

III

Sempre foi difícil
ah como era difícil escolher
um par de sapatos, um perfume.
Agora então, amor, é impossível.
O mau gosto
e o bom se acasalaram, catrapuz!
Você acha mesmo bacana esse verniz abóbora
ou tem medo de dizer que é medonho?
E aquele quadro (objeto)? aquela pantalona?
Aquela poesia? Hem? O quê? não ouço
a sua voz entre alto-falantes, não distingo
nenhuma voz nos sons vociferantes...
Desculpe, amor, se meu presente
é meio louco e bobo
e superado:
uns lábios em silêncio
(a música mental)
e uns olhos em recesso
(a infinita paisagem).

TOADA DO AMOR

E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga

Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele,
também que graça que a vida tinha?

TEMPO EM FATIAS!

Quem teve a idéia de cortar o tempo
em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial;
industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite
da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação, e tudo
começa outra vez, com vontade
de acreditar que daqui por diante vai ser diferente.

TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA

Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para a casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

SOCIEDADE

O homem disse para o amigo:
– Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
– Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
– Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: – Que idiota.

A casa é um ninho de pulgas.
– Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.