terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 448)

Uma Trova de Ademar

De viver sem teu amor
não tenho mais estrutura.
Você me fez morador
do palácio da tortura.
ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Jamais lamentes a chaga
que em teu peito apareceu...
– Nenhum desabafo apaga
o que a saudade escreveu!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar


Os que dizem ser ateus,
menosprezando Jesus,
são também filhos de Deus,
cada qual com sua cruz.
–LUIZ XAVIER/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Amizade é bem, riqueza,
não tem preço, nem medida,
é verdade em paz, grandeza
é benção com Deus vivida.
–JOSEFINA DA SILVA CARVALHO/SP

Uma Trova Premiada


1999 - Nova Friburgo/RJ
Tema: BILHETE - M/E


Para aumentar meu queixume,
puseste sim, por maldade,
em teu bilhete um perfume:
"A fragrância da saudade".
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Simplesmente Poesia

Mãos Desunidas
–LUIZ OTAVIO OLIANI/RJ–


não serei o poeta do passado
embora dele me alimente

canto o presente
que Drummond não vê

nada de serafins
cartas de suicida
— os homens aterraram
a palavra amor
num canteiro de obras

as mãos desunidas
traduzem: os espinhos
inda sufocam as flores.

Estrofe do Dia

E viva! LUIZ GONZAGA!
O cantador do sertão
Gonzaga – Rei do Baião!
Transformou-se em grande saga
Ninguém completa esta vaga
Do saudoso menestrel
Um sanfoneiro fiel
Que cantou nossa raiz
O nordeste é mais feliz
Com seu legado papel.
–DJALMA MOTA/RN–

Soneto do Dia

Se Eu Não Fosse Poeta
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–



Se eu não tivesse pela vida em fora
encontrado, por vezes, a poesia,
francamente, confesso que o teria
conseguido no próprio lar, agora.

Cantam as aves quando, em flor, a aurora
rompe. O paterno coração, um dia,
noutra aurora enlevada de harmonia,
canta, ilumina, devaneia, enflora.

Há no sorrir do filho pequenino
algo indizível, celestial, divino
que ao pai deleita e causa maravilha.

Hoje sou pai, e, se não fosse poeta,
sê-lo-ia com a inspiração dileta
do sorriso infantil de minha filha.
-
Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://alucard.weebly.com

Gastão de Castro (Indicações)

Guarde este ensino da estrada
Se desejar ser feliz:
-Nem tudo é bom para todos,
Nem tudo a todos se diz.

Haja o que houver no caminho,
Não pense mal de ninguém.
Cada qual vê o vizinho,
Conforme os olhos que tem.

Benefício que aconselho
E esforço nele não ponho,
Donativo imaginário,
Auxílio que faço em sonho.

Quanto à injúria e calúnias,
Não perca tempo você.
A vida fala por si,
A fé nas obras se vê.

Cultura, fama, dinheiro...
Tudo isso vale ou não.
A caridade é que mede
A força do coração.
-
Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). “Trovas Do Outro Mundo”. Digitado Por: Lúcia Aydir

Lendas e Contos Populares do Paraná (CAMPO MOURÃO – A lenda de São Tomé (o caminho do Peabiru) )

Num dos dias mais frios do mês de junho, Nhô Juca, figura muito conhecida na região, por ser uma personagem enigmática e muito amável com todos que o conheciam, estava em seu rancho, às margens do rio Piquiri, acendendo uma pequena fogueira para se aquecer. Ia assar pinhão, fruto da Araucária. Era costume dos moradores dali comer pinhão e também saborear o chimarrão, a erva nativa. 

Nhô Juca tinha muitos compadres, pois sendo uma pessoa muito antiga no lugar, ajudava todos que o procuravam, com seus remédios caseiros, seus conselhos de ancião e seus belos causos. No rústico rancho onde vivia, nos finais de tarde, recebia seus amigos. Sentados em banquinhos, ou pedaços de troncos, ouviam e contavam histórias, principalmente causos de assombração, boitatá, saci-pererê e muitas outras. Além da iluminação da fogueira, no centro do rancho usava-se uma lamparina de querosene.

Então nesse final de tarde, como um ritual, seus companheiros, após um dia de lida na roça, vieram conversar com o compadre Juca e também ver se ele não estava precisando de nada, pois era sozinho na vida. Dele não se conhecia a existência nem de mulher, nem de filhos. A conversa estava tão animada que nem perceberam a tempestade que se aproximava. O vento era tão forte que atravessava de um lado para outro do rancho, ficando impossível manter a lamparina acesa.

Os visitantes estavam assustados, porém Nhô Juca, em sua calma, começou a lhes contar uma nova história. Disse que aquela região já havia pertencido aos índios e que estes haviam construído um caminho muito importante: o caminho do Peabiru. Era uma trilha muito antiga e comprida, começava no Oceano Atlântico e terminava no Oceano Pacífico, atravessando a América do Sul. Tinha mais ou menos 3 mil quilômetros de comprimento e cerca de 1,4 metro de largura, mais parecendo uma grande valeta no meio da floresta.

– E este caminho ainda existe? Perguntou Pedro, maravilhado.

– Pois bem, os índios, nossos antepassados, tinham a sua sabedoria, não eram bobos não. Eles plantavam nesse caminho uma grama miúda que evitava que a chuva lavasse a terra e, ao mesmo tempo, impedia que as ervas daninhas invadissem a valeta. Assim, o caminho ficaria sempre limpinho, mais parecendo um corredor encarpetado de verde, bem fofinho.

– Ah! Que espertos, hein, compadre? Disse Pedro, admirado.

– Pois bem, como eu lhes falei, os índios não eram burros não, essa grama era plantada em alguns trechos e ia se reproduzindo e avançando o caminho. E também soltava umas sementinhas gelatinosas que grudavam nos pés e pernas dos que por ali passavam e a levavam pelo caminho; dessa forma, as sementes iam caindo e novos trechos iam sendo formados.

E a conversa continuou, falaram dos índios, seus costumes e até da sua saída da região. Nhô Juca, então, resolveu contar-lhes sobre a lenda que envolve este caminho milenar.

– Sabem, compadres, dizem que por este caminho andava muita gente importante da nossa história. Ouvi, certa vez, um moço lá da capital, que tava cavoucando uns buracos na beira do rio, procurando sei lá o que, dizer que por aqui passou um homem branco, pois só existiam os índios e este homem fez muita coisa boa para eles. Dizem que ele veio das águas e que seu nome era Tomé ou Pai Zumé, como os índios o chamavam. Era um homem branco, alto, com longas barbas. Usava cabelos curtos com uma tonsura no alto da cabeça, igual às que os padres tinham. A roupa branca ia até os pés, amarrada por um fino cinturão de couro. Nas mãos trazia um livro semelhante ao Breviário dos sacerdotes e também uma cruz.

– Por todos os lugares onde passava, deixava seus ensinamentos, condenando a poligamia e a antropofagia. Ele evangelizava os índios falando sobre o único Deus. Também ensinou aos índios o cultivo de outras culturas como a cana-de-açúcar e o milho. Por pregar a palavra do bem e censurar a imoralidade, causou grande revolta nos chefes e pajés que, furiosos, mandaram persegui-lo, incendiando as cabanas onde se abrigava para descansar, disparando flechas e pedras no profeta. Ileso dos atentados sofridos, sempre fugia pelas águas dos rios ou do mar.

– Muitos dos antigos dizem que o homem branco era Tomé, apóstolo de Jesus Cristo, o mesmo que duvidou da ressurreição, pois pediu para colocar seus dedos nas chagas de Cristo para ver o sinal dos cravos em suas mãos. Como foi descrente, Jesus lhe deu a missão de pregar o evangelho nas terras mais longínquas do mundo. Naquela época, o mundo era apenas o Oriente, a Europa, África e a Ásia. Dizem que Tomé foi primeiro para a Pérsia. Assim que concluiu suas pregações, entrou num barco de mercadores rumo às Índias. Alcançou a Índia chegando até a China. Depois avançou no mar, indo parar em ilhas não determinadas. Como chegou ao Brasil, não se sabe, apenas alguns padres jesuítas relatam sua passagem por estas terras. Seu percurso começava no oceano Atlântico e terminava no Pacífico.

– Nossa, compadre, esse caboclo viajou muito, hein! Exclamou Pedro.

– Pois é, era a sua missão e nada o impedia. Porém, certo dia os inimigos conseguiram pegá-lo e o amarraram numa grande pedra. Furiosos, surraram-no e o largaram desmaiado. Então, três grandes águias desceram do céu, cortaram as amarras e o libertaram.

Ele fugiu pelas águas da mesma maneira que havia chegado e nunca mais ninguém soube
do seu paradeiro.

– E esse caminho do Peabiru ainda existe, compadre? Pergunta Pedro.

– Olha, eu escutei uns moços, lá no boteco do seu João-Pé-Grande, falando desse caminho, dizem que ainda existem alguns lugares dele. Mas ainda tem mais. O Apóstolo Tomé ou Pai Zumé, dizia que era para preservarem o caminho do Peabiru, e se um dia ele fosse destruído pelos gigantes de ferro e aço, haveria muita seca, as aves e animais iriam acabar e as águas dos rios se tornariam escuras.

Nhô Juca enche a cuia com a água fervente da chaleira preta de ferro e repassa para Pedro. Todos ficam em silêncio. Apenas a fumaça dos palheiros sobe no ar.

– É preciso ver para crer.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Isabel Furini (Oficina de Crônicas, em Curitiba)

A oficina é prática e tem como objetivo conhecer as técnicas básicas desse gênero, incentivar a criatividade e a originalidade.

Data: 01,02 e 03 de fevereiro de 2012.

Horário: 19h às 21h30 horas.

Preço: R$ 180,00

Professora: Isabel Furini - www.isabelfurini.blogspot.com

Informações:
Solar do Rosário (41) 3225-6232.

Adelmar Tavares (Cantigas de Amor)

Renúncia de amor profundo
Guarda sublime troféu:
Transforma pedras do mundo
Em construções para o Céu.

Amor que eu saiba em vitória,
No rumo do firmamento,
Deve perder toda escória
No fogo do sofrimento.

Celeste amor que perdura
Atende a roteiro assim:
Ilimitada ternura
No entendimento sem fim.

Chagas de amor que se eleva
Recordam Cristo na cruz...
De cada golpe da treva
Jorra uma fonte de luz.

Amor vence espinho, ultraje,
Agravo, calúnia e lama.
Amor puro é Deus que age
No coração de quem ama.

Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). “Trovas Do Outro Mundo”. Digitado Por: Lúcia Aydir

Guerra Junqueiro (Perfeição das Obras de Deus)

A filha. – Oh! mamã, quebrou-se-me a agulha.

A mãe. – Vou dar-te outra.

A filha. – Como se fazem as agulhas, mamã?

A mãe. – Vê se adivinhas.

A filha. – Não sei, mamã.

A mãe. – Conheces os metais?

A filha. – Conheço, mamã; tenho lá dentro muitos bocadinhos dentro de uma caixa.

A mãe. – Ora muito bem, diz-me cá, as agulhas são de pau, de pedra, de mármore?

A filha. – Oh! não; são de metal; mas de que metal?

A mãe. – Antes de perguntar qualquer coisa vê sempre se a adivinhas primeiro.

A filha. – Ora espere; uma agulha é de metal; não é de prata, porque não é branca; não é de ouro, porque não é de um lindo amarelo muito brilhante; não é de cobre, porque não é de um amarelo muito feio, que cheira mal... Então é de ferro, mamã?

A mãe. – Adivinhaste.

A filha. – Mas, mamã, o ferro não é liso e brilhante como as agulhas.

A mãe. – É que primeiro é polido e preparado de certo modo, e depois já se não chama ferro, é aço.

A filha. – Bem, as agulhas são de aço. Agora quero adivinhar como é que as fazem.

A mãe. – É impossível, não és capaz disso; mas hei-de levar-te a uma fábrica onde se fazem agulhas. Hás-de vê-las fazer, e hás-de gostar muito.

A filha. – Tinha vontade de saber como se fazem todas as coisas de que nos servimos.

A mãe. – Tens razão; é uma vergonha ignorá-lo.

A filha. – Mamã, deixe-me ver as suas agulhas.

A mãe. – Olha, aí tens o meu estojo.

A filha. – Meu Deus! Que pequeninas algumas! Que lindas! São tão fininhas, tão fininhas! Muita habilidade há-de ser necessária para fazer uma coisinha tão delicada!

A mãe. – Lembras-te de ver na feira um carrinho de marfim puxado por uma pulga, presa por uma cadeia de ouro?

A filha. – Lembro-me, mamã; era tão bonito!

A mãe. – Li num jornal alemão que um operário chamado Nerlinger fez um copo de um grão de pimenta, e que dentro deste copo havia mais doze...

A filha. – Que pequeninos deviam ser os doze copos para caberem num grão de pimenta!

A mãe. – E ainda não é tudo; cada um desses copinhos tinha as bordas douradas, e sustentava-se no pé.

A filha. – Que vontade eu tinha de ver isso!

A mãe. – Tens razão de te admirares da habilidade dos homens. É efetivamente espantoso, e deve saber-se o modo por que se fabricam certas coisas; contudo ainda há outras obras mais dignas de admiração.

A filha. – Quais, mamã?

A mãe. – Já te digo. (Levanta-se).

A filha. – Que quer, mamã?

A mãe. – Quero que vejas o microscópio de teu papá.

A filha. – Pois sim; eu gosto de olhar pelo microscópio.

A mãe. – Este é magnífico, e aumenta prodigiosamente os objetos. Vais ver a mais pequenina das minhas agulhas. Repara primeiro como é fina, lisa e brilhante... Agora olha; que é que vês?

A filha. – Meu Deus, que coisa tão feia!

A mãe. – Vês-lhe buracos, riscos, asperezas, não é verdade?

A filha. – Parece um prego muito grande e muito malfeito.

A mãe. – Pois todas essas imperfeições são verdadeiras, existem na agulha; a nossa vista, por ser muito fraca, é que não dá por elas.

A filha. – O operário que fez esta agulha ficaria envergonhado, se a visse ao microscópio.

A mãe. – Tiremos a agulha e vejamos outra coisa.

A filha. – O quê, mamã?

A mãe. – O aguilhãozinho de uma abelha.

A filha. – Oh! que pequenino, que bonito!... Como é liso, como é brilhante!... Mas já sei que visto ao microscópio há-de acontecer o mesmo que com a agulha.

A mãe. – Pronto: olha.

A filha. – (Olhando). – É esquisito, mamã!

A mãe. – Então?

A filha. – Aumentou, aumentou como a agulha, mas não é áspero, pelo contrário, é perfeitamente liso... A agulha parecia que não tinha ponta, e o ferrãozinho da abelha tem uma ponta tão fina como um cabelo. Porque será isto, mamã?

A mãe. – É porque o operário que fez este aguilhão é muito mais hábil do que o que fez a agulha.

A filha. – Quem é esse operário tão hábil?

A mãe. – É o mesmo que fez o céu, os astros, a terra, as plantas e as criaturas.

A filha. – É Deus.

A mãe. – Exatamente. Pois não é Deus que fez as abelhas e todos os animais?

A filha. – Decerto.

A mãe. – Foi ele por conseguinte que fez o aguilhão desta abelha; e aí tens por que o aguilhão é superior à agulha; é obra de Deus. Mas continuemos a olhar pelo microscópio. Aqui está um pedacinho de musselina finíssima. Olha pelo microscópio; que é que vês?

A filha. – Vejo uma rede grossa, desigual, muito malfeita.

A mãe. – Aqui tens agora um pedacinho de renda delicadíssima.

A filha. – Essa estou bem certa que há-de ser linda, mesmo vista pelo microscópio.

A mãe. – Então?

A filha. – É horrorosa... Parece feita de pêlos grosseiros com grandes buracos
desiguais.

A mãe. – As obras do homem são todas assim.

A filha. – Oh! mamã, vejamos agora as obras de Deus.

A mãe. – Sabes que é isto?

A filha. – Sei, mamã, é um casulo de bicho-da-seda.

A mãe. – Os fiozinhos que o compõem são muito finos, muito Lisos; olha pelo microscópio a ver se te parecem muito desiguais.

A filha. – (Olhando pelo microscópio) – Não, mamã; os fios são todos iguais, e o casulo é sempre muito liso, muito brilhante.

A mãe. – É porque é obra de Deus. Examinemos outras coisas. Que há sobre este papel?

A filha. – Pontinhos feitos com tinta e manchazinhas redondas feitas também com tinta.

A mãe. – Estes pontinhos e estas manchas parecem-te perfeitamente redondos?

A filha. – Sim, mamã, perfeitamente redondos.

A mãe. – Vê-os agora ao microscópio.

A filha. – Oh! já não são redondo; são todos desiguais.

A mãe. – Tira o papel: vejamos a obra de Deus. É uma asa de borboleta; vês que está mosqueada de pequeninas manchas redondas; olha pelo microscópio: que é que vês?

A filha. – Vejo a mesma coisa que via sem o vidro, só com a diferença que agora é maior. Que belas são as obras de Deus!

A mãe. – Merece bem a pena estudá-las.

A filha. – Decerto. Farei sempre por isso, comparando-as com as obras dos homens.

A mãe. – E sempre e em tudo hás-de encontrar defeitos nas obras do homem, enquanto que as obras de Deus, quanto mais se observam, mais perfeitas se acham. Deve isto fazer-nos meditar em duas coisas: a primeira é que Deus merece tanto a nossa admiração como o nosso amor; a segunda é que os homens orgulhosos são insensatos, porque não podem fazer nada perfeitamente belo, perfeitamente regular, e as suas obras mais primorosas são cheias de imperfeições, se as compararmos com as obras do Criador.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Circo de Cavalinhos – III – O circo

A construção do circo deu muito trabalho. Pedrinho tinha de fazer tudo, mas o pior era abrir buracos para fincar os esteios e o mastro. E quantos buracos. Mais de trinta. Suou que não foi brincadeira; chegou a criar calos d’água nas mãos. Emília, que de vez em quando vinha sapear as obras, deu-lhe uma idéia.

— Eu, se fosse você, arranjava um tatu para fazer esse buracos. Os tatus são melhores do que cavadeira para buracos bem redondinhos.

— E eu, se fosse você — respondeu o menino de mau humor – ia pentear macacos.

Emília pôs-lhe a língua e começou a brincar com o carro de carretel. Atrelou nele o cavalo de rabo de pena, botou o tostão dentro e disse de brincadeira: “Agora, senhor cavalo, vá correndo ao palácio do rei e entregue-lhe este queijo de prata, que eu mando. Ao palácio do rei, não; ao palácio do príncipe. Ao palácio do príncipe, não; ao palácio do duque. Ao palácio do duque, não; ao palácio do marquês.

Ao palácio do... Abaixo de marquês o que é, Pedrinho? Perguntou ela, já esquecida da zanga.

Mas o menino não estava para prosa, porque justamente naquele instante havia dado uma martelada no dedo.

— É martelo — respondeu assoprando a machucadura.

— Martelo, martelo! Como é bonito! Por que você não vira o marquês de Rabicó em martelo?

— E por que você não vai lamber sabão, Emília?

A boneca botou-lhe a língua outra vez e foi queixar-se a Narizinho lá dentro. A menina estava justamente acabando o sol da roupa do palhaço; ia começar o saiote da dama que corre no cavalo.

— Aquele bobo! — disse a boneca fazendo um muxoxo.— Dei lhe uma idéia tão boa e o bobo me mandou lamber sabão. Bobão!

— Pedrinho, quando está trabalhando, não gosta que ninguém o atrapalhe, você sabe.

— Mas eu...

— Cale a boca e venha me ajudar na costura. Estou acabando este sol para começar o saiote com que você vai correr no cavalo.

— Que bom! Mas eu também quero um sol atrás.

Narizinho deu uma risada.

— Isso é um despropósito, Emília! Sol, só os palhaços usam. Você, quando muito, poderá ter uma lua.

— Lua cheia ou minguante?

— Acho que quarto crescente fica melhor. Emília bateu o pé.

— Quarto não quero. Quero sala crescente! A menina riu-se de novo e abraçou-a, dizendo:

— Assim, é assim que gosto de você, Emília. Bem asneirentazinha — e não sabichona como tem andado ultimamente. Asneira de boneca é a única coisa interessante que há neste mundo.

— E no outro mundo?

— No outro há muitas. Há fadas, ninfas, sacis, sereias e há o famoso Peter Pan que Faz-de-conta ficou de convidar.

— E ele vem?

— Não sei, mas acho que vem. Peter Pan me parece um grande moleque — e os moleques gostam muito de circo.

A conversa das duas continuou naquela toada por longo tempo.

Enquanto isso Pedrinho fez os últimos buracos e começou a fincar os paus. Finca que finca, bate que bate, soca que soca — três dias levou na luta suando que nem vidraça em manhã de frio lá fora. O circo foi tomando cara de circo de verdade e quando Pedrinho armou o pano, ficou tal qual o Circo Spinelli.

A alegria do menino foi imensa. Botou as mãos no bolso e extasiou-se diante de sua obra, cheio de orgulho. Depois gritou:

— Gentarada, venham ver!

Todos se reuniram no terreiro e admiraram a obra e bateram palmas.

— É extraordinário! — disse dona Benta à preta. — Este meu neto vai quando crescer virar um grande homem, não resta dúvida.

— É o que eu sempre digo, sinhá — confirmou tia Nastácia.

— Pedrinho é um menino que promete. Na minha opinião, ainda acaba delegado.

Ser delegado de polícia era para tia Nastácia a coisa mais importante que um homem podia ser — “porque prendia gente” — explicava ela.

Depois de construído o circo, começaram os ensaios. Pedrinho e a menina lá se trancaram com os artistas, não consentido que ninguém os fosse espiar. Maroto havia chegado e já estava no serviço de montar guarda à porta, para que nem dona Benta, ou a preta pudessem aproximar-se. Maroto tinha ordem de latir, de morder não.

Terminados os ensaios da primeira parte, Pedrinho cuidou da pantomima. Foi um custo! Essa pantomima tinha sido imaginada por Pedrinho de um certo jeito mas como todos metessem o bedelho saiu uma mexida completa. Emília fez questão de dar o título — e deu um título muito sem pé nem cabeça: O PANTASMA DA ÓPERA.

— Fhantasma, Emília, corrigiu Narizinho. Ph é igual a F, como você pode ver nesta caixa de “phosphoros”. Ninguém lê POSPORO. (Isso foi no tempo da velha ortografia etimológica.)

— Sei disso muito bem — replicou a boneca. — Mas quero que seja Pantasma, se não saio da companhia e não empresto o meu cavalinho, nem o meu carro, nem o meu tostão novo.

— Como é birrenta! A gente quando quer uma coisa precisa dar as razões e não ir dizendo quero porque quero. Isso só rei é que faz.

— Mas eu tenho minhas razões — tornou Emília. – Pantasma nada tem que ver com fantasma. Pantasma é uma idéia que tenho na cabeça há muito tempo, de um bicho que até agora ainda não existiu no mundo. Tem olhos nos pés, tem pés no nariz, tem nariz no umbigo, tem umbigo no calcanhar, tem calcanhar no cotovelo, tem cotovelos nas costelas, tem costelas no...

— Chega! — berrou a menina tapando os ouvidos. — Não precisa contar o bicho inteiro. Fica Fhantasma, como você quer. Mas esse ÓPERA, que é?

— Não sei. Acho ópera um nome bonito e por isso o escolhi. Se você faz muita questão, eu tiro o ER e fica o PANTASMA DA OPA. É o mais que posso fazer.

Os dois primos se entreolharam.

— Acho que ela está ficando louca — cochichou Pedrinho ao ouvido da menina.
––––––––––––––
Continua… Circo de Cavalinhos – IV– Chegam os convidados

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 64 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 6a. Parte


" ESTRELA CADENTE "

Ela que foi um canto de alegria
a Musa do que escrevo em seu louvor,
que pos um véu azul de fantasia
sobre o sonho impossível desse amor...

Que foi luz, que foi som, beleza e cor
no meu mundo fugaz de cada dia,
que foi tudo afinal: perfume e flor
numa vida monótona e vazia...

Que está presente no meu pensamento
como uma onde em vai-vem na praia, ou
uma estrela a luzir no firmamento...

Foi estrela-cadente... Cintilou
no alto dos céus, num ráoido momento
e... nas sombras da noite se apagou!

" ETERNIDADE "

Estamos fora do tempo...

Este instante de amor que vivemos
é a eternidade.

" EXISTO "

Seu amor me fez real, e me deu o sentido
da alegria de ser, total, completamente...
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!

Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido...

Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação...

Passo a existir, quem sabe? apenas porque a amei...
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor... em versos transformei!

" FACHO DE LUZ "

Às vezes, tua cabeça loura em minhas mãos
é como um facho de luz.

E é tanta a claridade que cega o meu desejo,
que cerro os olhos, encandeado, e para não me perder
agarro-me ao teu beijo.

" FALTA DE AR "

Há dias que posso passar sem sol, sem luz,
sem pão,
sem tudo enfim...

( Tenho até a impressão de que não preciso de nada...
... nem mesmo de mim...)

Mas há dias, amor... ( e parece mentira)
- nem eu sei explicar o porquê
de tão grande aflição -

em que não posso passar sem Você
um segundo que seja!
- de repente preciso encontrá-la, é preciso que a veja -

- Você é o ar com que respira
meu coração !

" FAMÍLIA... "

Da janela do meu apartamento, à noite, quando chego
vejo defronte, a mulher sentada à máquina de costura
sob um foco de luz.

São oito a meia. As janelas da sala, dos quartos, de todo o apartamento
estão apagadas.

A mulher continua costurando, costurando. Ao seu lado
estão sempre brincando um menino a uma menina,
(devem ter 5 a 6 anos)
e sobre a cama de casal ha um menorzinho, quase sempre pulando
sobre o colchão.

Vez por outra a mulher se volta para eles, ( não ouço o que diz)
mas faz pouca diferença porque eles continuam fazendo a mesma coisa.

De repente, ela para de costurar.
As crianças desaparecem.
Um minuto depois, ele se curva para beijá-la, ela se levanta e sai.
As crianças se agarram as pernas dele, entram e saem
correndo por todos os cômodos.
...................................................................................................................

Da janela do meu apartamento, à noite,
todas as noites,
me emociono a pensar, não sei o que...

"... Ser pai é ser esperado, é parar a costura,
é ser segurado pelas pernas, é, de repente...
acender o apartamento todo!”

" FATALIDADE "

Há muitos anos eu te escrevia
sem por endereços em meus versos.

Tu lias,
compreendias,
e esperavas... que o meu caminho
atravessasse o seu

Era uma fatalidade
o que se deu…

" FUGA ? "

Escrevo. Tento evadir-me.
Para onde? Se não há saídas
se já experimentei todas as vidas
e em vão...

Tento evadir-me, e as palavras
são como túneis
sem fim, em minha solidão…

"GOSTO QUANDO ME FALAS DE TI..."

Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranqüilos

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...

Gosto quando me falas de ti... quando aos poucos a luz
vasculha todos os cantos de sombra, e eu só te encontro
e te reencontro em teus lábios, apenas pintados,
maduros,
mas nunca mordidos antes da minha audácia.

Gosto quando me falas de ti... e muito mais adiantas
em teus olhos descampados, sem emboscadas,
e acenas a tua alma, sem dobras, como um lençol
distendido,
e descortino o teu destino, como um caminho certo, cuja
primeira curva
foi o nosso encontro.

Gosto quando me falas de ti... porque percebo que te desnudas
como uma criança, sem maldade,
e que eu cheguei justamente para acordar tua vida
que se desenrola inútil como um novelo
que nos cai no chão…

" HISTÓRIAS... "

Histórias...
Coisas loucas talvez, vagas, simplórias...
Isso tudo sou eu que imagino,
Você desculpará....

Vamos contar histórias.....
- Era uma vez..... um barco pequenino
que abriu velas ao vento do Destino.....
.......e por onde andará?

"IDENTIDADE"

Se me encontrarem morto no rua
(como um indigente, um desconhecido)
apenas com a minha poesia.

- seria bem fácil me reconhecer...

Bastaria que entregassem à primeira moça
que passasse,
a poesia, para ler,
e ela haveria logo de dizer (com a alma inquieta):
- é o meu poeta ...

... E, tenho certeza,
(desculpem-me a imodesta convicção):
- uma lágrima límpida e silenciosa
turvaria seu coração…

" IRREMEDIÁVEL... "

Nunca que aprende o coração da gente!
Sempre a eterna e inevitável necessidade
de crer no amor
irremediavelmente...

Quando um amor se vai,
nos castiga ou nos trai,
logo se esquece o insulto
ao vir a solidão...

- e o “ateu”, o descrente,
retornam ao velho culto
tão logo um outro amor acena
e ilude novamente
o coração.…

" IRREMEDIAVELMENTE "

Hoje, quando me encontras
sou um homem amargurado
a tentar esconder-se em sua alegria triste
e em seu triste humor.

Sou um homem ferido, que ainda vive e resiste
desfeiteado
por um amor morrido:
inacabado amor.

Por que não foges? Por que te contaminas
com o fel
dessa melancolia,
que em vão, de risos e cantos
se fantasia,
procurando encobrir um pessimismo cruel
e medonho?

e por que partilhares esse amargor doentio
tu que és toda Primavera
e tens direito ao sonho?

Se há tantos corações iguais ao teu,
no estio,
por que tua ternura ingênua persevera
em vir morar num coração tão frio
e tristonho?

Percebo, - e basta um segundo só, se me concentro:
- sou um homem morrido, irremediavelmente triste
por dentro
a pintar-se, entretanto, por fora de alegria,
por orgulho, pudor, por estranha ironia...

E a tentar disfarçar em vão, seu cansaço
e seu tédio...

Desiste, amor, desiste!
Não gaste tua vida assim, inutilmente,
para salvar um doente, a quem o amor fez doente
sem remédio...
--
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Versos Verdes (Parte 3)


EDILSON NASCIMENTO LEÃO
Urandi / BA

A ABELHINHA


A abelhinha invadiu a cozinha...
Entrou zumbindo, foi um escarcéu.
Os meninos com medo do seu ferrão,
Se esconderam e deitaram no chão.
Ela sobrevoou... zum! zum! zum!
E acentou-se num pedaço de melão.
Dele saboreou e tornou a sobrevoar,
Mas era do mamão que ela queria se deliciar.
Comeu a sobremesa, os meninos
Deitaram-se debaixo da mesa.
Saiu sorrateira, voando até a prateleira.
E com seu jeitinho à brasileira,
Beijou uma florzinha que estava
Em uma estantezinha.
Depois saiu abanando suas asinhas,
Se achando também,
A rainha da cozinha.

ELIZABETH MARIA CHEMIN BODANESE
Pato Branco / PR

BRISA...


Ah! Brisa...
Vento suave e fresco deste amanhecer
Beija as folhas verdes,
Das montanhas vestidas de Verde,
Da verde mata que acabo de ver.

Verde da Mata Atlântica...
Verde de folhas vivas!
Verde da vida...

Ah! Brisa...
Acaricia o verde e desliza...
Abraça essas montanhas cheias de vida...
Beija o Verde...
O Vivo Verde...
A Vida…

ERITÂNIA CASTRO MACHADO DE SOUSA BRUNORO
Rio Branco / AC

VERDES SUSPIROS


Entre que a porta está aberta!
Venha sem medo de chegar.
Observe como o Sol ora desperta
Vendo a Lua no céu se afastar.

Tu, que és a brisa nascente,
Enche de alegria a gaivota que voa
Por entre as veredas e sente,
Que com seu voo, a floresta povoa.

Respiram as folhas em seus verdes dias,
Admirando o nascer e o adormecer do horizonte
E deixando de lado suas vãs agonias.

À espera de se fazerem libertas,
Respiram o sonho da eternidade
E o vento no rosto da saudade.

FÁTIMA MOTA
Natal / RN

MEU CORAÇÃO PRIMAVEROU


Sob meus pés há um tapete de flores
traçando caminho entre hortênsias azuis
margaridas e belos girassóis.

O sentimento retira as vestes dos pudores
desarroxeia e joga fora tudo que polui.
A saudade é uma aurora e abriga novos sóis.

A vida habita-me e polvorosa é minha cidadela
há pedregulhos e rios caudalosos, há flores no asfalto
paredes cobertas de heras. Há o outro lado da moeda.

O meu desejo por ti, esperança
e ao te avistar, este incauto coração, primavera.
Sossegam enfim... todas as esperas.

GÉLCIO DE BARROS SORMANI
Mainz / Alemanha

O QUE RESTA


Os calos sobrando nas mãos
os dentes faltando na boca
as palavras que nunca entendeu
o prato que nunca provou
as coisas que nem imagina
o céu onde nunca voou
a honra acima de tudo
o direito que nunca chegou
a prece das seis da tarde
a fé que nunca faltou
a corformação com a sina
da miséria a toda prova
e o tempo passando sem graça
com a graça de Nosso Senhor.
Sua certeza de terra, uma cova
pois até seu resto de sonho
secou.

HELEN DE ROSE
Sorocaba / SP

PÉ DE MANACÁ


Lá no alto do morro só restou
Um pé de manacá entristecido
Que a terra molhada não levou
Depois das nuvens terem chovido

Sua sombra traz uma esperança
E suas flores um lindo colorido
Depois da tempestade, vem a bonança
De algo mais eterno e bendito

Suas folhas balançam com as lágrimas
Dos que ficaram na fria saudade
Olhando o que restou de suas lástimas
Soterradas no pé do morro em calamidade

A morte passeou pela madrugada
Sem olhar nos olhos dos destinos
Arrancou da vida apressada
Na calada da noite destes abrigos

Um lamento trazido pelos ventos
Trouxe suas flores aos jazigos
Colorindo os corpos nestes fragmentos
Em que todos nós sentimos os perigos

É a natureza gritando por socorro
Aos Homens de boa vontade
E lá no alto daquele morro
Um pé de manacá chora de saudade

ISMAR CARPENTER BECKER
Rio de Janeiro / RJ

SERTÃO


Nasci no sertão árido
Galhos retorcidos
A abelha zuadeira no pé da aroeira
Mandacarú que florece entre as pedras
Que maltratam meus pés desnudos
Sertão água pardacenta
A juriti que pia solitária
Solo pedregoso
Arenoso
Aparentemente sem vida
Nasci no sertão
Do repentista e violeiro
Que canta a dura realidade da vida
Sol inclemente castiga a pele
A alma
Na mata acinzentada
Espinhos furam o bucho das estrelas
Que despencam do céu lúgubre
Nasci no sertão árido como uma alma sem fé
Sem esperança
Sem a chama que aquece meu coração de pedra
--
Fonte:
Versos Verdes. RJ: Câmara Brasileira dos Jovens Escritores, 2010

Paraná em Trovas Collection - 40 - Elias Domingos (Pinhalão)