quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lendas e Contos Populares do Paraná (Planalto – Santo Inácio – São José dos Pinhais)


PLANALTO
Tiracisma


Tudo começou na década de 1950, onde próximo da ponte do rio Capanema, a cerca de um quilômetro, no município de Planalto, havia uma estrada de chão que dava aceso a todos que vinham de Realeza a Planalto. Estes deveriam passar por um morro, o morro do Tiracisma. A estrada foi aberta por volta do ano de 1955 e o morro foi batizado com esse nome porque tirava a “cisma” de qualquer motorista que se aventurasse a subir em dias de chuva. Qualquer motorista de caminhão que tentasse subir, ali ficava. Os moradores puxavam os caminhões com juntas de bois. A partir dos anos 1970 utilizavam tratores agrícolas até subir o morro, e a partir daí os motoristas podiam seguir as suas viagens.

Em 1965, o GETSOP batizou o riacho que atravessa a estrada no início do morro, com esse nome. Em 1979, a inauguração da estrada asfaltada PR-281 acabou com o drama dos motoristas nos dias de chuva, embora a estrada que corta o morro no seu lado oposto continue com forte declive.

Contam os populares que no morro houve um desastre. Um lenhador que por ali passava, com uma carga de madeira em seu carro de boi, ao descer o morro teve o azar de seu carro tombar, matando-o. Até hoje, as pessoas que passam pelo morro do Tiracisma dizem ouvir as madeiras rolando e fortes ruídos na mata que o circunda.

Rio Siemens e suas lendas

Por volta do ano de 1974 na localidade de Santa Cecília pesquisadores encontraram ouro em moedas na margem do rio Siemens. Essas pessoas não eram da região e nunca mais se ouviu falar delas. À altura do morro, perto do suposto pé de cactos onde foi tirado o ouro, existe uma grande área de flores de diversas cores, batizada na época pelos alemães de Palzamina. O curioso sobre as flores é que se uma pessoa colhe muda das flores, algo de diferente passa a acontecer na família, como a queima de uma casa, acidentes, assassinatos, separações. O local possui várias nascentes. Inclusive, foram feitos exames da água pela Paranapanema, empresa que asfaltou o trecho até Planalto. O laudo atestou que a água é de excelente qualidade. Existem inúmeras outras lendas associadas ao rio Siemens. Contam que uma mulher de branco aparecia para os rapazes nas noites de sexta-feira, numa estrada próxima ao rio Siemens, aparecia e sumia repentinamente.

Conta-se que, certa vez, dois amigos estavam pescando à noite e foram surpreendidos por uma forte tormenta. O vento balançava fortemente a mata ao lado do rio. Os dois homens saíram correndo, com a finalidade de retornar para casa, quando chegaram próximo à pedreira perceberam que não havia vento algum, o céu estava estrelado, sem indício qualquer de tormenta.

Alguns dias depois, um caçador de pombas encontrava-se no mesmo local e, sem explicação alguma, os dois canos de sua espingarda dispararam, levando-os a cair dentro do rio. Uma outra noite, na mesma localização, um morador local estava pescando e avistou um animal estranho, que lhe pregou um grande susto. Ele estava um pouco distante, porém resolveu atirar no animal. Quando disparou na direção deste, ele duplicou de tamanho e correu em direção ao homem. No ataque, o homem perdeu anzóis e espingarda, sem contar seus apetrechos de pescaria.

Por volta do ano de 1980, na residência de Silvino Kipper, em Santa Cecília, moravam Silvino e esposa, a filha mais nova com seu esposo e seu primeiro filho. Ao jogar comida para os cães, dona Idalina Maria Kipper chamou o genro para ver o bonito cachorro branco, que estava em meio aos cães policiais. Era um lindo cachorrinho peludo branco luzente.

Sugeriram pegá-lo para que ficasse morando com eles. Porém, toda vez que tentavam pegar o cão ele sumia e aparecia alguns metros à frente. Alguém atiçou os cães, que eram ensinados, para que esses o pegassem, mas os cães não conseguiam, nem sequer pareciam ver o cachorrinho. A perseguição continuou até 800 metros do rio Siemens. Quando estava perto do rio o cão branco pulou na água e sumiu. Era uma noite de lua cheia. E o senhor Irineu se deu conta de que estava no meio do mato, perto do rio; o medo foi seu companheiro até chegar em casa, ofegante pelo susto. O pequeno cão peludo e luzente está presente na memória dele até hoje. Jamais encontrou alguma explicação pelo fato vivido.

SANTO INÁCIO
O barulho das correntes


O município de Santo Inácio fica no noroeste do Estado do Paraná. A região na margem esquerda do rio Paranapanema foi ocupada por diferentes sociedades. No século XVII, jesuítas espanhóis fundaram a Redução de Santo Inácio Mini, destruída por bandeirantes em 1628/29. No século XIX, padres capuchinhos criaram aldeamentos indígenas, que sobreviveram por alguns anos. A partir de 1924, ela foi colonizada por agricultores no bojo da frente pioneira do norte do Paraná. Essas várias ocupações legaram diferentes histórias na memória coletiva dos moradores.

Daí surgiu a lenda das correntes. Contam os mais antigos e, principalmente, os que moram perto das ruínas, que na época da redução um navio espanhol atracava e era amarrado por correntes, numa figueira que existe até hoje no local. Dizem que esse navio afundou, devido ao massacre e destruição por parte dos bandeirantes, e que, às vezes, se ouve barulho de correntes batendo à beira do barranco e gritos agonizantes das pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela ganância dos bandeirantes.

SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
As cruzes da ponte velha


Em 1930, na antiga estrada que ligava nossa cidade a Curitiba, uma mãe e sua filha, uma criança de cerca de um ano de idade, retornavam da capital quando logo após a ponte do rio Iguaçu, o cavalo, possivelmente assustado por uma cobra, disparou, causando acidente no qual morreram as duas ocupantes da charrete.

Pessoas bastante conhecidas na pequena comunidade de São José, as finadas receberam o pranto da cidade e a homenagem do marido e pai, que para assinalar o local da tragédia mandou ali erigir cruzes, como ainda hoje é costume. Entretanto, como forma de evidenciar a amplitude do desastre, do braço direito da cruz maior edificou-se uma menor, simbolizando portanto a mãe com a filha ao colo. A partir daí, o local tornou-se estéril ao ponto de não se ouvir sequer um passarinho, embora esses cantassem a poucos metros além. As árvores tornaram-se ressequidas e o lugar revestiu-se de um clima lúgubre, invocando luto e dor.

Não se sabe quem foi o passante que ouviu, primeiramente, os lamentos das mortas, mas a expressão de pavor com que chegou à cidade demonstrou desde logo que não se tratava de pilhéria. O lugar, triste durante o dia, tornava-se horripilante à noite, pois os cavalos assustavam-se e seus condutores ouviam nitidamente o choro da mulher e da criança, seus gemidos de dor e a angústia que suplantava a morte.

Os sãojoseenses passaram a evitar a estrada à noite, os menos corajosos utilizavam um contorno de muitas horas pela estrada da Cachoeira, quando não conseguiam retornar à luz do dia; mesmo os mais bravos passavam com os cavalos à toda brida, não obstante o risco de acidentes. Conta-se que até os raros automóveis existentes na época apresentavam problemas ao passar por ali. Muitas foram as pessoas, todas de integral credibilidade, que chegaram a ver a mulher com a filha nos braços, envoltas, ambas, em fantasmagóricas brumas e chorando copiosamente.

A cidade, já naturalmente pequena, fechou-se por completo. Quando, após o cair da noite ouvia-se o tropel de cavalos vindos de Curitiba, automaticamente concluía tratar-se de forasteiros, que, desconhecendo o fato, chegavam esbaforidos e apavorados. Vários meses passaram em tal situação, até que um sãojoseense, ausente da região há muito tempo e portanto desconhecedor da crise, passou pelo local. Apenas havia cruzado a ponte, sentiu o cavalo tornar-se amedrontado e indócil, como que querendo retroceder; habituado ao animal, não compreendeu a atitude, até que viu, à esquerda da estrada e poucos metros à frente, o vulto fantasmagórico, que com a criança no colo vinha em sua direção. Certamente, foi o susto que o fez distrair-se da montaria, que num salto súbito jogou ao chão o cavaleiro e fugiu, a todo galope na direção de São José.

Ninguém soube ao certo, se foi por coragem que o homem dialogou com a morta, ou se foi o medo que, paralisando-lhe as pernas, impediu sua fuga. Mas o fato é que depois de meses de terror finalmente alguém aproximou-se dos fantasmas e indagou o motivo de suas penas, a razão de não se encontrarem no repouso eterno.

“Tirem a criança de meu braço, ela é muito pesada, já não suporto mais”. Foi a resposta do espírito. Nada mais disse, apenas continuou chorando e segurando a criança, que também chorava.

Dizem que aquela noite ninguém dormiu em São José dos Pinhais, a notícia trazida pelo passante espalhou-se como fogo na pólvora e os notáveis do lugar viram o dia amanhecer na casa do viúvo, onde haviam ocorrido para a busca da realização do desejo da morta, cuja solução libertaria não somente os espíritos, mas também a cidade de sua sina.

O preguiçoso nevoeiro de inverno ainda não começava a levantar quando, trêmulos pela falta de sono, ou pelo justo receio, mais de vinte sãojoseenses, acompanhando o viúvo desceram da cidadezinha em direção ao Iguaçu. As mulheres rezavam o terço liberadas pelo vigário, os homens iam silenciosos, talvez pensando se lhes valeriam de alguma coisa as pistolas ocultas sob os paletós. A pequena multidão, rezando, postou-se em frente às cruzes, até que alguém, olhando-as, lembrou-se das palavras da finada e sugeriu que fossem desmanchadas, já que efetivamente eram a mãe com a criança ao colo e talvez essa fosse a causa do sofrimento. Após alguma discussão, finalmente resolveu-se pela retirada das cruzes, já que nada custava tentar.

Foi a solução. Segundo as testemunhas, um momento após o desmanche das cruzes, o lugar pareceu ganhar vida, todos sentiram uma leve brisa e os passarinhos, até então ausentes, encheram de sons o anteriormente lúgubre local. As cruzes foram posteriormente substituídas por uma minúscula capela e as madeiras que as confeccionaram atiradas ao rio. Após algumas semanas de desconfiança, finalmente concluíram os habitantes que a assombração havia desaparecido e a cidade voltou ao normal, embora todos apressassem o passo quando transitavam pelo local.

Algumas décadas mais tarde, com a construção da avenida Marechal Floriano, o local passou a chamar-se Ponte Velha e foi caindo em desuso, até que a própria ponte ruiu. Reparada anos depois, tornou a envelhecer e desapareceu. Hoje, não existe mais a estrada e o mato tomou conta de tudo, da ponte velha restaram apenas alguns vestígios de estacas cravadas no Iguaçu. Do episódio pouca gente se lembra, embora ninguém entenda porque aquela região tão antiga nunca foi convenientemente povoada.

Há, atualmente, pouquíssimas testemunhas da crise, além do velho rio e algumas das árvores antigas. Contudo, mesmo sem conhecer a história, há quem jure que em certas noites de lua pode-se ouvir por ali o riso inocente e alegre de uma criança, mas isso não sabemos se é verdade.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 464)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

A fraqueza é um artifício
que leva alguém, sem escalas,
a abrir as portas do vício
e não saber mais fechá-las!...
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

Uma Trova Potiguar


A palavra mais bonita
que busquei com tanto ardor,
em meu peito estava escrita:
era simplesmente amor!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Mais do que a cobra, a meu ver,
você pode envenenar:
- a cobra tem que morder,
mas você só basta olhar!
–ANTONIO ROBERTO/RJ–

Uma Trova Premiada


2006 - Fortaleza/CE
Tema: ESQUINA - 1º Lugar


A velha esquina esquecida,
toda enfeitada de flor,
sem querer, fez-se guarida
de nossa história de amor.
–MARA MELINNI GARCIA/RN–

Simplesmente Poesia

“Trovas que Sonhei Cantar!”
“Livro de Trovas do Prof. Garcia”
–ADEMAR MACEDO/RN–


Trovador e menestrel,
Garcia escreve ao luar
e transpõe para o papel
“Trovas que sonhei cantar!”

Sua inspiração não finda
e, Garcia, ao se inspirar,
escreveu de forma linda
“Trovas que sonhei cantar!”

Com seus dons inspiradores
este trovador sem par,
mandou pra nós, trovadores
“Trovas que sonhei cantar!”

Um sonho que eu vislumbrei
não pude realizar,
até hoje não cantei...
“Trovas que sonhei cantar!”

Disse Garcia ao seu ego:
neste livro eu vou guardar
mágoas que já não carrego...
“Trovas que sonhei cantar!”

“Trovas que sonhei cantar!”
nos dar verdadeiras provas,
como se deve editar
um best-seller de Trovas.

Estrofe do Dia

Por exemplo, cantando eu nada sinto
sobre a história de Roma, Grécia e Creta,
mas na hora que escuto um bom poeta
um repente me surge com instinto,
me inspiro vendo um boi correr faminto
a procura de um saco de ração,
uma porca sumir sem ter razão
e esconder por um tempo a sua cria;
eu só sinto o sabor da poesia
quando eu canto essas coisas do sertão.
–JÚNIOR ADELINO/PB–

Soneto do Dia

Ninho Roubado.
–CANCÃO/PE–


Aquela rolinha do meu sombrião
sem o seu ninho, seu primeiro leito
já cantou tanto que feriu o peito
sem saber dos filhos, o lugar que estão.

Percorre, às vezes toda vastidão
volta de novo a reparar direito
de galho em galho, a espreitar com jeito
procura ainda, mas procura em vão.

Assim a pobre e infeliz rolinha
levando as horas a gemer sozinha
eriça as penas, depois as sacode.

Ela não chora porque não tem pranto
se ela tivesse choraria tanto...
mas sem ter pranto quer chorar não pode.
--
Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Montagem da trova do Ademar por José Feldman com imagem enviada pelo autor

O Índio na Literatura Brasileira (Estante de Livros) 7


ROCHA, Antonio. Fura-nuvens na Amazônia.

Narra a aventura de Luizinho, Loca e Tramela, numa grande viagem pelo Brasil, visitando vários estados, até chegarem à Amazônia, onde convivem com os índios Munduruku, seguindo viagem até se embrenharem pela ilha de Marajó, onde vivem a mais extraordinária das aventuras. Quem foi capaz de construir um avião de caixote, vassoura e escada coberta por pedaços de pano – um avião que voa de verdade, com seu motor-segredo – também é capaz de enfrentar os mistérios de um disco-voador e da grande cobra de boiúna, devoradora de gente. São terríveis mistérios que Luisinho, Loca e Tramela irão enfrentar e decifrar.

ROSA NETO, Ernesto. Geometria na Amazônia.

Trata da aplicação prática dos conceitos de geometria, por meio de construções geométricas. Tudo começa quando André, sua irmã, Isabela, e o comandante Wander são envolvidos numa aventura na Amazônia, após a queda do monomotor em que viajam. Perdidos na floresta, são capturados por estranhos índios e levados como escravos para as
minas, onde índios de diversas etnias estão submetidos à escravidão. Isabela é levada separadamente do irmão, sem que este saiba de seu paradeiro. Aliados aos outros escravos, André e Wander fogem para a aldeia dos Iaumuara. A convivência com este povo acaba por ser um grande aprendizado a respeito de geometria, aplicada à sobrevivência na selva e à construção de um balão, que os levará de volta para casa, após o reencontro com Isabela, resgatada dos Astepec por Aukê, chefe Iaumuara.

SALDANHA, Paula. Um sonho na Amazônia.

Relata a experiência de migrantes vindos do Sul do país para a Amazônia, na pontinha de Rondônia, quase no limite com o Acre. No início, tudo se passa como num sonho. Depois vêm as dificuldades, a falta de dinheiro, de comida e de saúde. A experiência de colonos no Sul não se aplica às terras fracas, protegidas pela floresta tropical densa. As lavouras fracassam. Mas a luta por um ideal acaba se transformando num lindo projeto agrícola, o Projeto Reca.

SALES, Herberto. O mistério das sete estrelas.

Conta a história de sete indiazinhas Makuxi que estão sendo preparadas para as suas funções de mulheres adultas. A vida na mata e seus aprendizados transcorrem normalmente, até que, um dia, tem início uma grande seca. O rio seca e a comida começa a acabar na roça e na mata. Mas, numa certa noite, as sete indiazinhas, de mãos dadas, começam a cantar e dançar, para agradar Ueré, a estrela, pedindo que esta as auxilie. Assim, as sete de mãozinhas dadas vão subindo para o céu, ficando perto de Ueré. Recebem, dos Makuxi, o nome Tamecã, e de “outras gentes”, Sete-Estrelo.

SALOMÉ, Vovó. Rói-Rói,o último índio Pé Verde.

Aborda a questão da preservação da natureza, por meio da história de Rói-Rói, o último índio Pé-Verde, vítima da ambição dos homens brancos, que dizimam seu povo em busca de pedras verdes. Rói-Rói fica só, vagando pela floresta sem sua gente, até que encontra uma família das terras secas que o acolhe. Para ajudar sua nova família, Rói-Rói põe em risco o segredo dos Pé-Verde, mas não o revela nem quando os homens brancos o prendem. Quando recupera a liberdade, Rói-Rói, por meio de um sonho com seus antepassados, descobre que sua missão é replantar o mundo outra vez.

SANTOS, Durvalina. Como apareceu a noite.

Mostra como os índios, em sua cultura, explicam o aparecimento da noite, quando rios cantam, pássaros piam, bichos berram, insetos zumbem, criando um ambiente cheio de mistério e magia, complementado pela lua e pelas estrelas, a dançar sua eterna trajetória no céu.

SANTOS, Joel Rufino dos. O curumim que virou gigante.

Conta a história de um menino indígena, chamado Tarumã, que sonha em ter uma irmã. Ele fica imaginando como ela poderia ser, e começa a agir como se ela existisse. A meninada acredita nele e escolhe presentes para ela. Porém, quando os meninos chegam em sua casa, Tarumã avisa que vai chamá-la e não volta mais. No próximo dia, ele diz que sua irmã foi carregada por um monte de formigas. Mas ninguém acredita. Envergonhado, sai pelo mundo e deita-se na beira do mar. Vira um gigante – seus pés são o Corcovado, seu corpo as montanhas e, em seu rosto, uma estrela, que é a sua irmã.

SANTOS, Joel Rufino dos. Cururu virou pajé.

Narra a história de Baíra, um corajoso índio Kaiowá, que está disposto a roubar o fogo, o qual é guardado pelo urubu-rei, para que seu povo cozinhe os alimentos.

SANTOS, Joel Rufino dos. O Saci e o Curupira.

Narra a divertida história de um casal que faz acordo com o Saci e o Curupira para conseguir alimento.

SCLIAR, Moacyr. Câmera na mão, o Guarani no coração.

Relata aventura de um grupo de adolescentes que participa de um concurso de vídeo, filmando O Guarani, de José de Alencar. Para isso, estudam a obra e a comparam com nossa atualidade.

SIERRA, Ione Maria Artigas de. (Coord.). Contos,mitos e lendas para crianças da América Latina.

Apresenta mitos, lendas e contos populares característicos dos países latino-americanos, para crianças. Cada história contém um pequeno glossário de palavras não conhecidas apresentadas no texto.

SILVA, Aracy Lopes da; RODRIGUES, Maria Carolina Young. Histórias de verdade.

Narra a experiência de Pedro e sua mãe, que vão viver entre os índios, com o objetivo de ensiná-los a cantar, a escrever, a ler, e, em troca, querem aprender com eles sobre sua cultura e o seu jeito de viver.

SILVEIRA, Marcelo Renato da. Taigoara, quer dizer: árvore que floresce.

Mostra as conseqüências devastadoras dos primeiros contatos de índios com não-índios. Taigoara é o principal personagem desta narrativa, um menino indígena que vive feliz e livre em sua aldeia, até o dia em que chegam “os esquisitos homens brancos”, violentando e destruindo a vida de Taigoara e de seu povo.

SOUSA, Maurício de. Manual do índio Papa-Capim.

Conta um pouco da história dos povos indígenas e sua maneira de viver. Fala sobre os índios do Brasil e de povos indígenas de outros lugares, como os Navajos, da América do Norte, os Esquimós do Ártico, entre outros. Também ensina brincadeiras e jogos muito divertidos.

SOUZA, Iza Ramos de Azevedo. Pequenos contos para gente pequena.

Apresenta contos da tradição popular, incluindo alguns de origem indígena, como: Cantor das matas, Lenda do fogo, Lenda do guaraná, Árvore curupira, entre outros.

TAPAJÓS, Paulinho. Amor de índio.

Narra a lenda de Jaci, a lua. No tempo em que a noite era escuridão, sem lua nem estrela, havia uma indiazinha que, à noite, ia banhar-se nas águas calmas de um certo lago das almas. Por lá também vivia Guaraci, um indiozinho que também gostava do lago. Certa noite, encontram-se e se apaixonam. Mas não podem se ver direito e Guaraci, como forma de descobrir quem é sua amada, pinta-lhe o rosto com tinta bem forte, para de manhã reconhecê-la. Quando a encontra, descobre que está prometida, sendo seu amor impossível. Então, Guaraci, com suas flechas, forma uma escada até o céu, por onde Jaci sobe. Hoje, toda vez que anoitece, lá no céu a tal menina ilumina a noite e do seu pranto se formam as estrelas.

Fonte:
Moreira, Cleide de Albuquerque; Fajardo, Hilda Carla Barbosa. O índio na literatura infanto-juvenil no Brasil. - Brasília: FUNAI/DEDOC, 2003.

Guerra Junqueiro (Os Animais Agradecidos)


Um rei, que viajava nos seus estados, encontrou um homem a quem perguntou como se chamava, donde era, e que ofício tinha. Este respondeu:

– Senhor: eu sou um desgraçado, um miserável; nasci no vosso reino e chamo-me Ingratidão.

– Se pudesse contar com a tua fidelidade, disse o rei, tomava-te ao meu serviço.

O nosso homem prometeu ser fiel, e o rei ordenou-lhe que o acompanhasse. Desde que chegaram ao palácio, deu tais provas de habilidade, mostrou-se tão esperto e tão solícito que o rei afeiçoou-se a ponto de o nomear seu intendente, confiando-lhe a administração da sua casa. Deslumbrado por uma fortuna tão rápida, o seu orgulho desde então não conheceu limites; maltratava os inferiores, e não tinha compaixão dos desventurados.

Ora, na vizinhança do palácio, havia uma floresta cheia de animais selvagens e perigosíssimos. O intendente mandou aí fazer por toda a parte covas profundas, cobertas com folhas, de modo que as feras, caindo dentro, pudessem ser agarradas. Um dia que o intendente atravessava a floresta, ia tão absorvido pelos seus pensamentos orgulhosos, que se precipitou ele mesmo dentro de uma das covas.

Passado um instante, caiu um leão dentro do mesmo poço; caiu depois um lobo e em seguida uma enorme serpente, de aspecto pavoroso. O governador, ao ver-se em tão extraordinária companhia, ficou tão horrorizado, que lhe embranqueceram os cabelos; e toda a esperança de salvação lhe parecia perdida, que por mais que gritasse ninguém o vinha socorrer.

Esqueceu-nos dizer que havia na cidade um homem extremamente pobre, chamado António, que todos os dias ia rachar lenha à floresta, para ganhar o pão necessário à mulher e aos filhos. O António também lá foi nesse dia, corno de costume, e pôs-se a trabalhar não longe da cova em que caíra o intendente, cujos gritos de aflição não tardou a ouvir. O pobre rachador aproximou-se, e perguntou quem era que estava ali.
– Sou o governador do palácio do rei, e se me tirares daqui, prometo encher-te de riquezas; estou em companhia de um leão, de um lobo e de uma enorme serpente.

– Eu, respondeu o lenhador, sou um miserável jornaleiro, que não tenho para sustentar a minha família, mais que o produto do meu trabalho; bastava um dia perdido para me causar um grande desarranjo; vê lá, pois, se cumpres a tua promessa!

O intendente continuou:

– Pela fé que devo a Deus e a el-rei nosso senhor, juro-te que cumprirei a minha palavra.

Confiado nisto o rachador de lenha foi à cidade, e voltou com uma corda muito comprida, que deixou correr dentro do abismo. O leão atirou-se a ela, e suspendeu-se com uma tal energia que o lenheiro julgava que era o intendente.

Quando chegou acima, o leão agradeceu ao seu salvador com a maior amabilidade, e foi-se embora à procura de jantar, porque tinha fome.

António deitou outra vez a corda ao fundo do poço, e, julgando tirar o governador, enganou-se, porque era o lobo; à terceira vez subiu a serpente; e foi necessário fazer uma quarta tentativa para sair o governador. Este não perdeu tempo em agradecimentos, e partiu a correr para o palácio. O jornaleiro voltou para casa, e contou à mulher tudo o que se tinha passado, não lhe esquecendo, é claro, as brilhantes promessas do intendente. No dia seguinte, logo pela manhã, foi o pobre homem bater à porta do palácio. O porteiro perguntou-lhe o que queria.

– Faça-me o favor, respondeu o rachador, de dizer a S. Exª o intendente, que o homem com quem ele esteve ontem na floresta, lhe deseja falar.

O porteiro foi levar o recado, mas o intendente zangou-se e exclamou:

– Vai dizer a esse homem que eu não vi ninguém na floresta; que se ponha a andar, porque o não conheço.

O porteiro voltou, e repetiu o que o governador lhe tinha dito.

O pobre homem tornou para casa muito descoroçoado, e contou à mulher a odiosa perfídia de que fora vítima.

A mulher disse-lhe:

– Tem paciência, o senhor intendente estava hoje certamente muito ocupado, e foi talvez por esse motivo que te não pôde receber.

Estas palavras sossegaram o rachador que outra vez nutriu esperanças.

Na manhã seguinte, ainda muito cedo, bateu de novo à porta do palácio. Mas o intendente mandou-lhe dizer em termos ásperos, que não tornasse ali a aparecer, quando não, ver-se-ia obrigado a empregar meios violentos. A mulher ainda desta vez procurou consolá-lo:

– Experimenta terceira e última vez, disse-lhe ela. Talvez Deus o inspire melhor. E se assim não for, ainda que te custe, não penses mais nisso.

No dia seguinte o bom do homem voltou à carga; e tendo o porteiro consentido à força de súplicas em anunciá-lo ainda ao governador, este, encolerizado, atirou-se praguejando fora do quarto, e crivou o pobre homem de uma tal chuva de bengaladas, que o deixou quase morto no meio do chão. A mulher dele, sabendo disto, correu imediatamente com um burro, pôs-lhe em cima o marido, e levou-o para casa. As feridas levaram-lhe seis meses a curar, estando sempre de cama, e vendo-se obrigado a contrair dívidas para pagar ao médico. Quando finalmente tinha recobrado algumas forças, voltou ao bosque segundo o costume para fazer alguma lenha. Apenas lá chegou, apareceu-lhe o leão, que ele tinha ajudado a sair do poço.

O leão conduzia um burro diante de si, e este burro estava carregado de sacos cheios de preciosidades. O leão, vendo o António, parou e inclinou-se diante dele com um ar de respeitoso agradecimento. Depois disto continuou o seu caminho, fazendo-lhe sinal de que ficasse com o jumento. António, doido de alegria, levou o animal para casa, abriu os sacos, e viu que estava rico.

No dia seguinte, voltando de novo à floresta, apareceu-lhe o lobo, que o ajudou no seu trabalho, querendo provar-lhe desta maneira o quanto lhe era agradecido. Quando a tarefa estava concluída, e tinha carregado o burro com a lenha, viu vir ao seu encontro a serpente, que ele tinha tirado do fojo, e que trazia na ponta da língua uma pedra preciosa, em que brilhavam três cores – o branco, o preto e o vermelho. Quando a serpente chegou ao pé do rachador de lenha, deixou cair a pedra junto dele, e depois, dando um salto, desapareceu no matagal. António levantou a pedra, examinou-a por todos os lados, para ver que propriedade ou virtude ela teria. Para isto foi ter com um velho, afamado pela sua habilidade em decifrar o que diziam os astros. Este, assim que viu a pedra, ofereceu-lhe por ela uma grande quantia. António respondeu-lhe que não queria vender, mas simplesmente saber se seria boa.

O velho respondeu:

– São três as virtudes desta pedra: abundância contínua, alegria imperturbável, e luz sem trevas. Se alguém ta comprar por menos dinheiro que vale, tornará imediatamente para a tua mão.

António ficou muito contente com esta resposta, agradeceu ao velho da ciência maravilhosa, e correu a contar à mulher a sua felicidade. Como se imagina, graças à virtude da famosa pedra, não lhe faltaram daí em diante, nem honras, nem riquezas.

Tendo chegado aos ouvidos do rei a notícia destas prosperidades, mandou chamar o António, e mostrou-lhe desejos de adquirir o precioso talismã.

O António, vendo que semelhante desejo era uma ordem, respondeu:

– Devo prevenir a Vossa Majestade, de que se esta pedra me não for paga pelo que vale, tornará ela mesma para o meu poder.

– Descansa, hei-de pagar-ta bem, disse o rei.

E mandou-lhe dar trinta mil libras de ouro. No dia seguinte de manhã, o António achou outra vez a pedra em cima da mesa; e a mulher sabendo isto, disse-lhe:

– Torna a levá-la ao rei imediatamente; não vá ele persuadir-se de que lha furtaste.

O nosso homem seguiu este conselho, e, quando chegou à presença de sua majestade, pediu-lhe que lhe dissesse onde tinha guardado a pedra preciosa.

– Mandei-a meter com todo o cuidado dentro de um cofre de ferro, fechado com sete chaves, disse o rei.

O António mostrou-lhe então a jóia preciosa, e o rei ficou extraordinariamente espantado, e quis saber como ele tinha adquirido semelhante tesouro.

António contou-lhe tudo o que tinha havido, a ingratidão do governador e o reconhecimento dos animais ferozes. O rei indignado, mandou chamar o seu intendente, e disse-lhe:

– Homem perverso, com justo motivo te puseram o nome de Ingratidão, porque és falso e mais pérfido que os animais ferozes, e pagaste com o mal o bem que te fizeram. Mas justiça será feita. Dou ao António as tuas honras e os teus bens, e a ti hoje mesmo o castigo de seres enforcado.

Admiraram todos a sentença do rei, e o António desempenhou as suas altas funções com tanta sabedoria e bondade, que depois da morte do rei foi escolhido para o substituir, e reinou pacificamente durante longos anos gloriosos.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Pena de Papagaio - VI - A formiga coroca


A cigarra estava cantando num galho seco, perto dum formigueiro. Ao aproximar-se da árvore o senhor de La Fontaine parou.

— Gosto do canto das cigarras — disse ele. — Dá-me idéia de bom tempo, sol quente, verão. Este inseto é um pouco boêmio como em geral todos os cantores.

— Há muitas cigarras e enormes no sítio de vovó – disse Pedrinho. — Às vezes cantam até rebentar.

— Morrem cantando, como os cisnes — confirmou o sábio. – Já escrevi uma fábula sobre a cigarra e a formiga, que é outro inseto muito curioso, símbolo do trabalho incessante. Aqui temos um formigueiro onde vocês podem observá-las.

Todos se abaixaram em redor do formigueiro.

— Não param nunca, sempre ocupadas nos trabalhos caseiros — prosseguiu. — Cortam folhas, picam-nas em pedacinhos e guardam nas em perfeitos celeiros para que fermentem. Nessas folhas um cogumelozinho se desenvolve, com o qual se alimentam. São insetos de alta inteligência. A muitos respeitos a formiga está mais adiantada que nós, homens. Há mais ordem e governo na sociedade delas. São mais felizes.

— Felizes? — exclamou Emília com carinha incrédula. — Bem se vê que o senhor nunca sentiu o horrível cheiro de bebida que dona Benta costuma dar a elas lá no sítio, um tal formicida...

O fabulista riu-se com vontade e, voltando-se para Narizinho, disse que a boneca tinha uma “estranha e viva personalidade”. A menina não entendeu muito bem, mas começou dali por diante a olhar para Emília com mais respeito. Se a boneca tinha uma “estranha personalidade”, então tinha alguma coisa, não sendo simplesmente a boba, como lhe costumava chamar.

Nisto a fábula da cigarra e da formiga principiou de novo.

— Psiu. — fez o fabulista. — Silêncio, agora. Vamos ver se é mesmo como eu escrevi.

Todos se calaram, imóveis em roda do formigueiro. A célebre cigarra tuberculosa, que tossia, tossia, tossia, vinha chegando, embrulhada no seu xalinho esfarrapado. Vinha de rastos, como quem está nas últimas, a morrer de fome e frio. Parando à porta do formigueiro, bateu toc, toc, toc.

— Como ela bate direitinho! — murmurou Emília. — Bate tal qual uma gente.

A cigarra bateu e ficou esperando, toda encolhida. Instantes depois apareceu uma formiga coroca, sem dentes, com ares de ter mais de mil anos. Era a porteira da casa e rabugenta como ela só.

Abriu a porta e disse, na sua voz rouca dos séculos:

— Que é que a senhora deseja?

Vendo tanta cara feia, a pobre cigarra quase desmaiou de medo, e foi tomada de outro acesso de tosse. Nem podia falar. Em vez de sentir piedade, a formiga fechou ainda mais a carranca e disse:

— Errou de porta, minha cara. Isto aqui não é asilo de inválidos. Se está doente, vá para a casa do seu sogro.

— Perdão — disse a triste mendiga. — É que não tenho casa, nem sogro, e estou morrendo de fome e frio. Se a senhora não me dá uma folhinha para comer e um cantinho para me abrigar, certo que morrerei à míngua.

— É o melhor que tem a fazer — respondeu a formiga. — Que fazia no bom tempo?

— Eu? Eu cantava, senhora formiga. Sou cantadeira de nascença.

— Hum, já sei! Era a senhora quem cantava em cima dessa árvore o dia inteiro. Bem me lembro disso.

A cigarra sorriu, certa de que a lembrança das suas passadas cantorias tinha amolecido o coração da formiga. Ah, ela não imaginava o que era o coração duma formiga coroca de mais de mil anos!

— Bem me lembro — continuou a formiga. — Cantava de nos pôr doidas aqui dentro. Muita dor de cabeça tive por causa da sua cantoria, sabe? Agora está tísica e não canta mais, não é isso? Pois dance! Cantou enquanto era moça e sadia? Pois dance agora que está velha e doente, sua vagabunda!

E — plaf! deu-lhe com a porta no nariz. A triste cigarra, com o nariz esborrachado, ia pendendo para trás para morrer, quando Emília a susteve.

— Não morra, boba! Não dê esse gosto para aquela malvada. Está com fome? Vou já trazer um montinho de folhas. Está com frio? Vou já acender uma fogueirinha. Em vez de morrer, feito uma idiota, ajude-me a preparar uma boa forra contra a formiga.

A cigarra comeu as folhinhas que a boneca lhe trouxe, aqueceu o corpo na fogueirinha que a boneca lhe acendeu. Sarou da tísica imediatamente e quis começar a cantar.

— Não ainda — disse Emília. — Primeiro temos de ajustar contas com a formiga. Depois você canta até rebentar.

O senhor de La Fontaine, curioso de ver qual seria a vingança da boneca, pôs-se de lado, a observar disfarçadamente. Vendo isso, Narizinho não teve coragem de ralhar com Emília e deixou-a em paz. Emília mandou que a cigarra batesse na porta outra vez. A cigarra obedeceu, batendo três toc-tocs.

Veio a formiga espiar quem era. Dando com a mesma cigarra, disse-lhe um grande desaforo e já lhe ia batendo com a porta no nariz outra vez, quando Emília a agarrou pela perna seca e a puxou para fora.

— Chegou tua vez, malvada! Há mil anos que a senhora me anda a dar com essa porcaria de porta no focinho das cigarras, mas chegou o dia da vingança. Quem vai levar porta no nariz és tu, sua cara de coruja seca!

E, voltando-se para a cigarra:

— Amor com amor se paga. Eu seguro a bruxa e você malha com a porta no nariz dela. Vamos!

A cigarra cumpriu a ordem, e tantas portadas arrumou no nariz da formiga, que a pobre acabou pedindo socorro ao senhor de La Fontaine, seu conhecido de longo tempo.

O fabulista interveio.

— Basta, bonequinha! — disse ele. — A formiga já sofreu a sova merecida. Pare, se não ela morre e estraga-me a fábula.

Emília soltou a formiga surrada, que lá se foi para o fundo do formigueiro com o nariz deste tamanho e mais tonta do que se tivesse bebido um cálice de formicida.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – VII - Esopo

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 71 - Wanda de Paula Mourthè (MG)

Primeros Juegos Florales de Concepción - Chile - 2012 (Classificação Final)


Tema: IDENTIDADE

VENCEDORES:
(Por ordem alfabética)


A A de Assis (PR)
Entre o pássaro e o poeta
há perfeita identidade:
seu canto só se completa
se há completa liberdade.

A A de Assis (PR)
Bendita seja a nação
que tem como identidade
a cultura, a educação,
sobretudo a honestidade!

Carolina Ramos (SP)
Quem abraça a caridade,
sem esperar recompensa,
demonstra maior bondade,
se a identidade dispensa!

Clênio Borges (RS)
Felizes os corações
se a paz, em vez da maldade,
unir todas as nações
pela mesma identidade.

Ivone Taglialegna Prado (MG)
Se na saudade me enlaço,
e as esperanças se vão,
a identidade refaço
com retalhos de ilusão!

Mara Melinni de Araújo Garcia (RN)
Meu senhor, por caridade,
não me julgue em atos vãos...
Trago a minha identidade
nos calos das minhas mãos.

Renata Paccola (SP)
É na busca pela paz
e o conhecimento novo
que tantas vezes se faz
a identidade de um povo!

Rodolpho Abbud (RJ)
Prisioneiro da saudade,
escravo eterno do amor,
que, na minha identidade,
conste apenas, "Trovador"!

Vanda Fagundes Queiroz (PR)
Deus, oleiro de artes santas,
com saber, amor e zelo,
molda identidades... tantas...
sem repetir o modelo!
----
MENÇÃO HONROSA:
(Por ordem alfabética)


Carolina Ramos (SP)
Mostrando a mão calejada,
exibe o trabalhador,
a identidade sagrada,
a prova do seu labor!

Clenir Neves Ribeiro (RJ)
Tenho tanta afinidade
e te amo,com tal apreço,
que na minha identidade
tem teu nome e endereço!

Edmar Japiassú Maia (RJ)
Da identidade ou do amor,
quando a perda se anuncia,
não se assuma um perdedor:
-Recorra à segunda via!

Mara Melinni de Araújo Garcia (RN)
Identidade é o segredo
que revela muito mais
do que a marca do teu dedo
e das tuas digitais...

Mara Melinni de Araújo Garcia (RN)
A identidade que encobre
cada não e cada sim,
vem da verdade mais nobre
que eu trago dentro de mim...!

Maurício Cavalheiro (SP)
Podem tentar arrancar
a identidade de um povo;
mas a raiz vai ficar
e a fará brotar de novo.

Nei Garcez (PR)
Só quem vive sem vaidade,
difundindo o que é o amor,
tem a mesma identidade
de seu próprio Criador.

Neide Rocha Portugal (PR)
Quando a vida não descora
a identidade dos brilhos,
o nosso brilho de outrora
se reflete em nossos filhos.

Relva do Egypto Rezende Silveira (MG)
Tu partiste!... E, no abandono,
perdi minha identidade,
pois nem de mim sou mais dono,
sendo escravo da saudade.

Renato Alves (RJ)
Brasileiro, professor,
casado, Terceira Idade
e aprendiz de trovador...
- Eis a minha identidade!

Rodolpho Abbud (RJ)
De um sonho de amor, perfeito,
que ela sem dó desprezou,
resta-me a placa,no peito,
que indaga, apenas:"Quem sou?"

Rodolpho Abbud (RJ)
Já fui sonho, fui saudade,
sombra e luz, frio e calor...
Perdi minha identidade,
quando perdi seu amor!

Wanda de Paula Mourthé (MG)
Pode ser uma utopia,
mas persigo a identidade
– que espero alcançar um dia –
entre o sonho e a realidade!

Wanda de Paula Mourthé (MG)
Nada deixou... nem saudade,
porque levou, na partida,
não só minha identidade,
mas a minha própria vida!

Wandira Fagundes Queiroz (PR)
Dos pais nos vêm a genética,
identidade e valores,
e de Deus a alma poética,
que acalanta os sonhadores.

Wandira Fagundes Queiroz (PR)
Mesmo em trovas mais dispersas,
por laços universais,
identidades diversas
congregam sonhos iguais.
---
MENÇÃO ESPECIAL:
(Por ordem alfabética)


Ademar Macedo (RN)
Eu, tal qual num dossiê,
confesso e juro...É verdade:
de tanto eu “viver você,”
perdi minha identidade...

Delcy Canalles (RS)
Era tanta a identidade
que, entre nós dois, existia,
que até nossa intimidade,
nos versos , aparecia!

Dodora Galinari (MG)
Em toda manhã nascida
vê-se a mesma identidade:
dar mais vida à própria vida,
acordando a humanidade!

João Costa (RJ)
A perfeita identidade
de um poeta sonhador
é sua autenticidade
de Mensageiro do Amor.

Josafá Sobreira da Silva (RJ)
Teu jeito grácil me cega,
mas me aponta uma verdade:
se, entre dois, irrompe a entrega,
brota a mesma identidade!

Maria Conceição Fagundes (PR)
A UBT fez seu aceno
e encontrou identidade,
e a "rosa" em solo chileno
floresce em fraternidade!

Maria Lucia de Godoy Pereira (MG)
Encantar a humanidade
seja sempre a nossa meta,
fazer jus à identidade
de ser simplesmente poeta.

Roberto Resende Vilela (MG)
A educação esmerada,
ao preparar para o novo,
conduz, em sua escalada,
à identidade de um povo.

Sérgio Ferreira da Silva (SP)
Ante à multiplicidade
dos sentimentos que lavra,
o poeta é a identidade
de toda e qualquer palavra.

Thereza Costa Val (MG)
Tantas vezes disfarcei
o que sinto de verdade
que, agora, nem mesmo eu sei
qual a minha identidade!

Thereza Costa Val (MG)
Somos dois... mas somos um!
Temos tanta afinidade
que, entre nós, tudo é comum,
até mesmo a identidade...

Vanda Alves da Silva (PR)
Amizade e lealdade,
sempre juntas, de mãos dadas,
correntes de identidade
entre almas entrelaçadas!

Vanda Fagundes Queiroz (PR)
Temos vida paralela:
- a identidade pessoal
e o valor de ser parcela
na amplitude universal.

Comissão Julgadora para os I Jogos Florais de Concepción- Chile-2012:
Tema: IDENTIDADE- para Trovadores do Brasil e Portugal

Eduardo A O Toledo
Luiz Antonio Cardoso
Dorothy Jansson Moretti
Domitila Beltrame
Jose Ouverney
Marcos Medeiros

Coordenadores: Gislaine Canales
Jairo Gerak Millalonco Velásquez


Fonte:
Gislaine Canales, enviado por A. A. de Assis

José Expedito Rêgo (Vaqueiro e Visconde)


Em 1981, José Expedito de Carvalho Rego, publicou seu primeiro livro, Né de Sousa, biografia romanceada do Visconde da Parnaíba. Esse livro teve uma segunda edição, sob o título de Vaqueiro e Visconde.

Neste romance, José Rego retrata a trajetória de Manoel de Souza Martins, o Visconde de Parnaíba, revelando uma possibilidade de trajetória infantil no Piauí do século XIX, construída em meio rural, dando conta da existência de práticas diversas, construídas fora dos quadrantes escolares. O menino Né de Sousa, personagem do romance, embora tenha até aprendido a ler e a realizar alguns cálculos aritméticos com familiares, recebeu do vaqueiro Afonso as lições que o iniciaram na arte de campear o gado, de saber achar as vacas manhosas que escondiam as crias, a manusear o ferrão para auxiliar na captura dos bois, a laçar e derrubar os mais renitentes, a encaretá-los e levar até o curral, a curar as bicheiras, a conhecer a hora de cobrir os animais, saberes práticos que eram repassados às gerações mais novas no contato direto e cotidiano.

A obra aborda a vida de uma figura muito discutida da história piauiense e que lutou pela causa da emancipação política do estado: Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. A ficção e a história são formulações da linguagem que apresentam um estreitamento de relações. Vários escritores buscam na História recursos para escreverem os seus romances.

José Expedito de Carvalho Rêgo soube retratar perfeitamente fatos históricos nesta obra. O romance cobre um vasto período de tempo, desde o nascimento do herói, em 1767 até a mudança da capital de Oeiras para Teresina, quando ele já se encontrava velho e em declínio.

Para uma melhor compreensão da obra, faz-se necessário que o leitor tenha alguma noção da História do Piauí.

Né Martins, pai de Né de Sousa, era pobre, mas portador de muita saúde e disposição para o trabalho. Ao se casar com Donana Rodrigues, recebeu como presente de casamento do seu sogro a fazenda Serra Vermelha, onde moravam quando nasceu Né de Sousa, primeiro filho do casal.

Né de Sousa, como era conhecido na redondeza, teve uma instrução que se resumia em aprender a ler e a contar, iniciando-se na língua latina com um tio afim – o Sargento-Mor Marcos Francisco de Araújo Costa.

Órfão de pai, teve que fazer-se homem prematuramente. Antes dos dezesseis anos já era o braço direito da mãe viúva. Auxiliava nos trabalhos da fazenda e na educação dos irmãos mais novos. Ingressou na carreira militar, o que representava a possibilidade de ascensão social e aquisição de títulos. Durante sua adolescência e mocidade trabalhava com afinco no intuito de aumentar o patrimônio da família, que fora herdado do pai e da avó e madrinha.

Casou, na flor da idade com sua prima Josefa Maria dos santos, com quem teve três filhos. Aos setenta e sete anos, contraiu segundas núpcias, a pedido do seu filho João, com a viúva Maria Benedita Dantas. Desse segundo casamento não teve filhos. Homem muito sensual, mesmo nos primeiros anos de casamento Josefa não lhe satisfazia mais completamente e, após o terceiro parto, tornou-se inútil para o amor.

Obrigado a encontrar uma saída para as suas necessidades sexuais, envolve-se com Sebastiana, conhecida carinhosamente como Tiana, uma mulata bem clara, filha do vaqueiro de uma de suas fazendas, a quem amou muito, quiçá até mais que sua esposa, que tinha uma saúde debilitada.

Quando Tiana faleceu, repentinamente, sentiu-se mais viúvo do que se tivesse perdido a esposa legítima, que passou a cuidar das filhas da amante do marido. Deixou numerosos bastardos, a quem amparou e educou com desvelo.

Manuel de Sousa Martins, homem de grande influência, prestou relevantes serviços à causa da emancipação política do Piauí, governando-o, depois por largos anos. Recebeu prêmios honoríficos como a Comenda da Ordem de Cristo, o Oficialato, Dignatário do Cruzeiro, o foro de Fidalgo Cavaleiro da Casa Imperial, o título de Barão da Parnaíba e por fim o de Visconde.

A partir da derrota na eleição de 7 de abril de 1822 começou a desarmonia entre Manuel de Sousa Martins e o governo, o que o levou a abraçar a causa do partido separatista e a trabalhar pela realização da Independência.

Sousa Martins é a figura mais discutida da história piauiense. À frente do Governo Provisório, tomou medidas acertadas e trabalhou com afinco, dirigindo a luta em toda a Província. Passou quase vinte anos no governo, desde a independência, em 1823, até 1843, na qualidade de presidente, o que garantiu ao Piauí a estabilidade social exigida pelo momento nacional. Fiel aos princípios e ditames de sua fé: a ordem e a disciplina, governou a província com pulso seguro e firme:

Estava caduco, podia morrer. Cumprira a missão. Os filhos criados dele não precisavam, nem Oeiras, a capital ia mudar para a Vila Nova do Poti. Os velhos fantasmas de Serra Vermelha brincavam na mente do velho visconde. (pág. 239)

Cometeu erros e tinha conhecimento dos mesmos porém esses erros eram frutos da malquerença e de paixão, foram antes do sistema de governo que do governante. Foi um instrumento do regime nascente, personalista e arbitrário de Pedro I.

A 24 de janeiro de 1823, Manuel de Sousa Martins aclamou D. Pedro Imperador do Brasil, com a adesão de todo o povo ao novo regime. Foi em Oeiras que se deu a Independência, estabelecendo-se novo Governo e destituindo-se as autoridades portuguesas.

O Visconde nunca esqueceu sua origem humilde. Foi um presidente que boa convivência. Inspirava respeito, foi temido. Recebia a todos com afabilidade, na simplicidade de seus trajes caseiros. Muitas vezes, seu despotismo serviu para abrandar as calamidades públicas.

Né de Sousa aparece na obra Vaqueiro e Visconde como um ser humano, com suas amantes e filhos bastardos, cercado por figuras adejam sempre ao lado dos poderosos. É um romance sócio-político. Em todas as atividades e movimentos dos quais participou (Guerra pela Independência, Batalha do Jenipapo, Revolução dos Balaios, Rebelião de Pinto madeira) assumia compromisso de fidelidade para com os fatos e a história do Estado.

Conseguira tudo o que um homem poderia conquistar em uma cidade como Oeiras: poder, riqueza, prestígio, admiração de amigos, amor das mulheres e ódio dos inimigos. Teve a lealdade incondicional de muitos, foi bajulado por outros, desprezou o rancor dos invejosos. Dedicou-se acima de tudo à família e aos amigos. A morte levara as odiosidades, afastara os seres de sua maior estima, mas o desgosto maior de sua vida era a desunião da família, principalmente com seu irmão Joaquim Martins de Sousa.

Depois de exonerado da política, da administração, do prestígio, do sexo, aos oitenta anos, Né de Sousa assistia à decadência de Oeiras e na sua mente brincavam os fantasmas de sua meninice e de sua adolescência na Serra Vermelha:

Oeiras entrava em agonia, em decadência, se não viesse a desaparecer por completo. Ouvia-se falar em cidades extintas. Talvez se preservasse Oeiras, quando menos como cidade-relíquia. Oeiras era a própria história do Piauí. E Né de Sousa participava dessa história. Seu nome estaria ligado para sempre ás lutas da Independência e da Balaiada. Se Oeiras morrer, o Piauí perderá grande parte de sua vida. (pág. 239)

Vale ressaltar que, além do caráter histórico-instrucional, encontramos na obra vários aspectos relevantes a todo grande romance, como: o choque de ambições, a análise profunda da natureza humana, a revelação de ideologias, cenas idílico-amorosas, o amor na extensão dos desejos, tramas, conspirações, deslealdades, traições, ou seja, tudo que torna a leitura agradável e envolvente, integram o vasto universo de uma narrativa ficcional, mas com a presença de uma realidade humana e social exposta com segurança e equilíbrio.

A quase totalidade das personagens é real: Né Miranda é Manuel Inácio de Miranda Osório, figura muito conhecida no cenário político da Oeiras antiga; Padre marcos, Padre Pinto do Lago, o médico José Luiz de quem fala Gardner em seu livro Viagens pelo interior do Brasil são reais e familiares do autor de Vaqueiro e Visconde.

Apesar de o livro basear-se na História, apresenta partes de pura ficção. Lacunas da História foram preenchidas com a imaginação.

Todos os que conhecem a história do Visconde da Parnaíba sabem que ele teve amantes e filhos bastardos, mas ninguém conhece o nome das amantes. José Expedito criou então Tiana e Miquelina, amantes de Manuel de Sousa Martins. A obra apresenta também outros personagens de ficção: Zé Rolinha, apesar de fictício é perfeitamente verossímil; Dr. Pedroso, personagem inventado, que representa a oposição da classe média ao governo do famoso Né de Sousa.

José Expedito Rego diz que o Visconde da Parnaíba: Foi um grande homem, com defeitos e qualidades inerentes a todo ser humano e que foi sobretudo um produto da época em que viveu.

Com uma linguagem leve, apurada, acessível, com o uso de frases e expressões comuns ao seu tempo, o autor de Vaqueiro e Visconde expôs as virtudes e defeitos próprios do ser humano comum, descrevendo o visconde à imagem e semelhança dos homens simples e corajosos que construíram a história do Piauí.

José Expedito, um dos maiores romancistas da cidade de Oeiras soube com perfeição abordar temas dentro da obra, tudo dentro de um único contexto, onde o personagem protagonista, Manuel de Sousa Martins, se apresenta de forma sutil e ao mesmo tempo marcante, num cenário bastante diversificado.

Fonte:
Profa. Maria Cristina Araújo de Sousa, in Passeiweb.

Emilio de Menezes (Poemas Esparsos I)


TUAS TRANÇAS
A’ ...
.

Tudo o que eu vejo, me rodeia e fala,
Desde o arrulo das pombinhas mansas
Até dos sinos o tanger monótono,
Venham falar-me de tuas longas tranças...

Ai quantas noites em que o luar flutua
E a brisa geme dos pinheirais nas franças...
Eu vou sozinho, soluçando a medo
Beijar a sombra de tuas negras tranças

Ai... a lembrança dessa noite infinda
Em que voavas na rapidez da valsa
Deixou minh'alma retalhada em dores
Presa nos elos que essa trança enlaça;

É que inda hoje eu conservo intactas
As doces frases do valsar em meio
É que inda agora julgo estar sentindo
Arfar teu seio em delirante anseio;

O doce hálito que exalavas rindo
As meigas falas... o teu sorrir de então
Ai ... tudo... tudo para mim recorda
Louca esperança que alimentava em vão.

É que eu nutria essa esperança frívola,
Falsa quimera que se esvai e finda,
É que eu te adoro, te venero, santa
E curto em silêncio essa dor infinda

Por isso eu hei de como sempre amar-te
Preso nas chamas que do ar tu lanças
Dizer-te, sabes o que eu desejo, louco?
— Morrer envolto nas tuas negras tranças.

CONSOLO

Tudo! ... tudo morreu, mas n'alma brota Uma esperança ainda.
SÊNIO


A alma aberta. . . e chega-me a saudade
Do meu amor — coitado! — a enchê-la. . . a enchê-la...
Como me enchia o peito a felicidade
Dos bons sorrisos, dos carinhos dela.

E o martírio e a tristeza agora é tê-la
Ausente — ausente! ... e a cruel vontade
Que avulta e eu a tenho e é de vê-Ia,
Inda mais cresce aqui na soledade.

Mas nesta ausência em que — só de pensar —
Sinto que a vida vai-se me acabando,
Inda vem-me — feliz! — acalentar

As esperanças que ela dava quando,
— Cego de amor que a luz vai mendigando —
Ia pedir-lhe a esmola de um olhar.

SÚPLICA
Deixa esses mortos graves,Quero a luz desse olhar ase me consola.
( L. CORREIA: "Canção" — Volatas )


Se o teu olhar me conta, magoado,
Quando a dor me tem feito dentro d'alma,
Inda que o lábio cale, descorado,
Este martírio que o teu riso acalma,

E se deste sofrer encontro a palma
No teu piedoso riso, imaculado,
Por que não volves à alegria, à calma?
Por que me deixas triste e amargurado?

Descerra o lábio! A dor, o esquecimento;
Lança-me o sol do teu sorriso, basta
Para aquecer-me a alma em desalento.

A nuvem do pesar do rosto afasta:
— longe de nós a mágoa, o sofrimento;
Limpa-me o céu da tua fronte casta!

A UM RETRATO

Até vós! até vós! talismã sagrado
Daquele morto amor, daquele amor eterno,
Ides deixar-me só, e triste, e abandonado!
Ó meu fiel amigo, inseparável, terno!

Oh! meu leal companheiro, oh! testemunho amado
Deste sofrer sem termo, este martírio interno;
Até vós! até vós! a quem só hei confiado
Os meu dias de céu e os meus dias de inferno,

Ides abandonar-me, ides voltar contente,
Sujeitar-vos, feliz, ao doce julgo dela;
Mas quero que volteis tão límpido e nitente,

Que na morta expressão de vossa fronte bela
Não se note o vestígio, — esse vestígio ardente
Das lágrimas de dor que derramei por ela!

ASPIRAÇÃO

De uma vida sem fé ao glacial inverno
Furtei-me sacudindo o gelo da descrença.
Aquece-me outra vez este calor interno,
Anima-me outra vez uma alegria intensa.

Sinto voltar-me a minha antiga crença,
Creio outra vez no céu e no descanso eterno,
Pois creio em teu olhar, e na ventura imensa
Que ele encerra, e me mostra apaixonado e terno.

E quando deste corpo a alma arrebatada
Seja, e procure, flor, essa região sagrada
Que aos bons é concedida, esplêndida, a irradiar,

Aos sons celestiais de apaixonado hino
Abra-se para ela, olímpico, divino,
O infinito céu do teu sereno olhar.

O VIOLINO

São, às vezes, as surdinas
Dos peitos apaixonados
Aquelas notas divinas
Que ele desprende aos bocados...

Tem, ora os prantos magoados
Dessas crianças franzinas,
Ora os risos debochados
Das mulheres libertinas...

Quando o ouço vem-me à mente
Um prazer intermitente...
A harmonia, que desata,

Geme, chora... e de repente
Dá uma risada estridente
Nos "allegros" da Traviata.

A UM PESSIMISTA

Olhas o céu e o céu, todo em atra gangrena,
Se te mostra corroendo as rútilas esferas.
Baixas à terra o olhar e a terra, em outras eras,
Plena de gozo e amor, ora é de horrores plena.

Sangra a etérea região, sangra a região terrena
E o horizonte, que as une, inda mais dilacera-as.
E as próprias linhas — louco! em que a sânie verberas,
Podres vêm ao papel, podres brotam-te à pena.

Mas, se ao céu e se à terra, e se ao horizonte e ao verso,
Asco e náusea tressuando, a podridão atrelas
E nela vês tombar e fundir-se o universo,

Sobe do chão o olhar, baixa-o das nuvens belas
E volve-o dentro em ti, pois fora o tens imerso
Na própria irradiação das tuas próprias mazelas.

DIAFANEIDADES

Brumas, névoas, no espírito doentio
Passem-me, embora veladoramente,
Tu surgirás eterna flor do estio,
Radiante, rubra, tentadora, ardente.

Toldem-me a vista sóis, e fio a fio,
Trama ofuscante me perturbe a mente,
Eu te verei, eterna flor do frio,
Fria, polar, consoladora, albente.

Visão de fogo, aparição de gelo,
O mágico poder, estranho e raro,
Dás-me de tudo a ver, nítido e belo.

Pois tudo em ti, de amor abrigo e amparo,
Faz-se como este amor que tu'alma fê-lo
Diáfano, leve, transparente, claro.

LESMA

Passas. Ouço o rugir do vento que te leva!
Quando, da Arte, me ajoelho, no mystico delubro
Tu vens, lúdicro arfando, e ao espaço, a crocitar na treva.
E o impotente, o bêbado eu descubro.

Alimenta-te a inveja. O despeito te ceva.
O álcool atou-te a voz rouca e deu-te esse olhar rubro,
Que é o único clarão que do teu ser se eleva.
Mísero, a que do orgulho do régio manto encubro.

Anda! Beija-me nos pés, a clâmide inconsútil.
Eu piedoso Ca estendo ao desespero inerme!
Tu não és venenoso, o teu esforço é inútil!

O teu dente sutil não me passa a epiderme,
Oh! fonte do banal! oh! nascente do fútil!
Larva! tens o perdão! Tens a piedade, oh! verme!

INSTANTE NEGRO

Anda, acima de nós, na abóbada infinita
Em sinistro remígio, algum sinistro corvo
Que grasna ao nosso mal e à nossa dor crocita
Pondo, entre nós e o sol o seu feral estorvo!

Anda, abaixo de nós, uma víbora aflita
Que assalta o nosso sangue e o suga sorvo a sorvo!
A terra é para nós uma furna maldita.
O céu é para nós um teto negro torvo!

Terra e céu, contra nós, se conspiraram ambos.
A vida é um volutabro, e o sofrer não se exprime
Com que andamos por ela esfalfados e bambos.

Nem mais ao próprio poeta há um amor que o reanime,
— Em vez dele hoje entoar, himnos e dithyrambos,
Canta a glória suprema e a volúpia do Crime! ...

Fonte:
Obra Reunida, de Emílio de Menezes. RJ: Livraria José Olympio, 1980.

Pedro Malasartes (De como Malasartes Faz Mais Uma que Parecia Duas )


Eram já por umas dez da noite. O Malasartes bateu à porta e pediu pousada, dando o nome de doutor Fulano, que vinha visitar aquela terra. O Juiz costumava entrar tarde, pois ficava até à meia-noite fora de casa, jogando marimbo com um seu compadre. E vai então o filho do Juiz na sua simplicidade, mandou entrar o hóspede e, depois de um bom chá, deu-lhe pousada, no quarto da sala, onde o Juiz costumava se vestir. E quando o Juiz chegou, o filho lhe contou o que se tinha passado e o tolo ficou muito satisfeito daquela hospedagem.

E vai então lá pela madrugada o Malasartes começou a sentir umas coisas na barriga...Procurou o vaso e, não o encontrando, abriu a janela... mas lá fora havia uma cachorrada, que foi um barulho de latidos que nunca se viu.

O Malasartes estava suando frio: Mas nisto avistou na prateleira uma caixa. Abriu, havia dentro uma cartola de pelo. Estava salvo! Tirou a cartola, fez nela o que quis, pôs outra vez na caixa e esta no lugar onde antes estava.

De manhã, quando ouviu tropel dos criados saiu e... este mundo é meu!...

Quando vieram chamar o Malasartes para o café, não o acharam mais.

À hora do almoço, o Juiz saiu do quarto e foi para o cômodo em que se costumava vestir.

Era dia de júri. Vestiu a sobrecasaca, e, distraído, tirou a cartola que enterrou, de um golpe, na cabeça.

Para que tal fizeste! Ficou com a cara enlameada e sentiu um cheiro que quase o afogou. Começou então a gritar. A família veio toda, pensando que tinha acontecido alguma desgraça. Ao vê-lo naquele estado, correram todos a buscar socorro. O filho trouxe-lhe um banho, a filha água florida, a mulher sabonete de cheiro.

E depois houve risada que não foi brinquedo, enquanto o Juiz bufava de raiva. E os jurados já estavam cansados de esperar por ele...

Mas o Malasartes já estava longe. Até parecia que tinha parte com Beizebum.

Machado de Assis (Queda que as Mulheres Têm para os Tolos)


ADVERTÊNCIA

Este livro é curto, talvez devera sê-lo mais.

Desejo que ele agrade, como me sai das mãos; mas é com pesar que me vanglorio por esta obra.

Falar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?

Diz-se que a matéria é rica e fecunda; eu acrescento que ela tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois, a pretensão de ser breve, não tenho a de ser original.

Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas páginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escritos. Propriamente falando, é uma comparação científica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéia de aprofundar um tão importante exemplo.

Quanto à imparcialidade que presidiu à redação deste trabalho, creio que ninguém a porá em dúvida.

Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.

I

Il est des noeuds secrets, il est des sympathies.

Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em matéria de fazendas, pérolas e rendas, e que, desde que adotam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausíveis.

Partindo deste princípio, entraram os filósofos a indagar se elas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.

Muitos duvidaram.

Alguns emitiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituído por outro, não tinha esse outro senão o mérito de ter chegado antes do terceiro.

Permaneceu por muito tempo este sistema irreverente.

Hoje, graças a Deus, a verdade se descobriu: veio a saber-se que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nele a preciosa qualidade que procuram.

Essa qualidade é... a toleima!

II

Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.

Alcibíades, Sócrates e Platão foram sacrificados por elas aos presumidos do tempo. Turenne, La Rochefoucauld, Racine e Molière, foram traídos por suas amantes, que se entregaram a basbaques notórios. No século passado todas as boas fortunas foram reservadas aos pequenos abades. Estribadas nesses exemplos, as nossas contemporâneas continuaram a idolatrar os descendentes dos ídolos das suas avós.

Não é nosso fim censurar uma tendência, que parece invencível; o que queremos é motivá-la.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quase sempre um penhor de triunfo. Desgraçadamente ninguém pode por sua própria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinária: é um dom, é uma graça, é um selo divino.

"O tolo não se faz, nasce feito."

Todavia, como o espírito e como o gênio, a toleima natural fortifica-se e estendesse pelo uso que se faz dela. É estacionária no pobre-diabo, que raramente pode aplicá-la; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva à prática do mundo. Este concurso da toleima inata e da toleima adquirida é que produz a mais temível espécie de tolos, os tolos que o acadêmico Trublet chamou "tolos completos, tolos integrais, tolos no apogeu da toleima."

O tolo é abençoado do céu pelo fato de ser tolo, e é pelo fato de ser tolo, que lhe vem a certeza, de que, qualquer carreira que tome, há de chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito que lhe é próprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um conviva que se espera.

O que opor-lhe como obstáculo? É tão enérgico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua própria massa.

Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistiu nunca a um tolo. Nenhum homem de espírito teve ainda impunemente um parvo como rival. Por quê?... Há necessidade de perguntar por quê? Em questão de amor, o paralelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso, não é para confusão do último?

III

Em matéria de amor, deixa-se o homem de espírito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para ele entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos ele empresta-lhes as próprias idéias, supõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como ele, de generosidade, nobreza e grandeza.

Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades acima do vulgar. Naturalmente tímido, exagera mais ao pé delas a sua insuficiência; o sentimento de que lhe falta muito, torna-o desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até à timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exala-o por meio de uma não interrompida série de meigos cuidados, ternos respeitos e atenções delicadas. Como nada quer à custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé daquela que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessá-la em suas mágoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrário, esforça-se por ser sempre bom, afetuoso e alegre junto dela.

Quando se retira da sua presença, é que mostra o que sofre, e derrama as suas lágrimas em segredo.

O tolo, porém, não tem desses escrúpulos. A intrépida opinião que ele tem de si próprio, o reveste de sangue frio e segurança. Satisfeito de si, nada lhe paralisa a audácia. Mostra a todos que a ama, e solicita com instância provas de amor. Para fazer-se notar daquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetáculos. Arma-lhe laços grosseiros. À mesa, oferece-lhe uma fruta para comerem ambos, ou passa-lhe misteriosamente, com muito jeito, um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flores no fim do baile. Numa noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!", porquanto revela-lhe o instinto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continuam como antes a dissipá-la nos jogos, nos salões e nos passeios.

IV

O amor, disse alguém, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitável a sensação. Se é isto verdade, o que há a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possível ao fim. Ora, quem melhor do que o homem de espírito sabe parolar à beira do caminho, parar c colher flores, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas?

Um caracol de cabelos mal arranjado, um cumprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e compreendem o encanto dessas paradas à borda de uma veia límpida que reflete o céu? Elas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes oferece é-lhes bastante, por mais insípido que seja.

V

O homem de espírito, quando chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorizado com a sua ventura, trata antes de saber por que é feliz! Pergunta por que e como é amado; se, para uma amante, é ele uma necessidade, ou um passatempo; se ela cedeu a um amor invencível; enfim, se é ele amado por si mesmo. Cria ele próprio e com engenho as suas mágoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flores, sentia-se incomodado pela dobra de uma folha de rosa. Num olhar, numa palavra, num gesto, acha ele mil nuanças imperceptíveis, desde que se trata de interpretá-las contra si. Esquece os encômios que levemente o tocam, para lembrar-se somente de uma observação feita ao menor dos seus defeitos e que bastante o tortura. Mas, em compensação desses tormentos, há no seu amor tanto encanto e delícias! Como estuda, como extrai, como saboreia as volúpias mais fugitivas até a última essência! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frívolas, dos invisíveis atrativos, dos nadas adoráveis!

O tolo é um amante sempre contente e tranqüilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra à mulher a quem dedica os seus eflúvios. Não lhe deve felicidade; ele é que lha dá; e como tudo o leva a exagerar o benefício, não lhe vem à idéia de que se possa ter para com ele ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saboreia ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é ele próprio o objeto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para ele não é mais que um entretenimento que passa, os últimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-no pela sociedade.

VI

O homem de espírito vê no amor um grande e sério negócio, ocupa-se dele como do mais grave interesse de sua vida, sem distração, nem reserva. Pode perder nele algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Suporta tudo daquela que ama sem nada exigir dela. Quando ela atende a alguns dos seus votos, quando previne alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma efusão mesclada de surpresa. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece, nem o medo que faz calar. Oh! que inferno, se a má ventura lhe depara uma mulher bela e má, uma namoradeira fria de sentidos, ou uma moça de rabugice precoce!

Sofre então vivamente com a perfídia da mulher amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo. A sua indulgência pode então conduzi-lo à degradação. Ele segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abismo, sem que a queixa, a ambição, a fortuna possam retê-lo.

O néscio escapa a estes perigos. Como não é ele quem ama, é ele quem domina. Para vencer uma mulher finge por alguns momentos o excesso de desespero e de paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tática de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra ele a tirania, e não a abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu método, as suas regras, a sua linha de conduta.

É indiscreto por princípio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromete a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É suscetível pela razão, cioso por cálculo, a fim de promover estes proveitosos amuos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrifício. Mostra uma cruel indiferença, indicando pouca confiança nas provas de simpatia que lhe dão. Num baile, proibindo à sua amante de dançar, não faz caso dela, de propósito. Aflige-a com aparências de infidelidade, falta à hora marcada para se encontrarem, ou, depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas equívocas de sua demora. Hábil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer à força de ser tirano, e acaba por inspirar uma afeição sincera à força de promovê-la.

VII

O homem de espírito, assustado com o vácuo imenso, que deixa no coração uma afeição que se perde, só rompe o laço que o prende à causa de dilacerações interiores.

Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar. Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapelinho de sol, não o faz recair no seu antigo cativeiro!

De resto, a mulher, a quem ele tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para ele como ser à parte. Não a esquece nunca.

Morta, ou separado, nutre por aquela que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que dela conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têm o mérito de se parecerem com ela. Dá-se ele então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fora de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu falar alguma coisa que lhe recorde o seu implacável ideal.

E se é ele o abandonado, que de torturas que sofre!

Viver sem ser amado parece-lhe intolerável. Nada pode consolá-lo ou distraí-lo. No caso de tornar a ver os sítios que foram testemunhas da sua felicidade, evoca à sua memória mil circunstâncias perseverantes e cruéis. Ali está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véu da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja areia fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janela as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flor, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outrora se sentaram.

É possível que ela tenha mudado tão de repente? Pois não foi ainda ontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se prendia em doce e estranho amplexo?...

Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ébrias em que todo o passado ficava esquecido! Ele está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delírio do desespero.

O tolo está acima dessas misérias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação aflitiva. Sempre acobertado pela bandeira da inconstância, desfaz-se de uma amante sem luta, nem remorsos; utiliza uma traição para voar a novas aventuras. Para ele nada há de terrível em uma separação, porque nunca supõe que se possa colocar a vida numa vida alheia, e que fazendo-se um hábito dessa comunidade de existência, faz-se pouco novamente sofrer, quando ela tiver de quebrar-se.

Da mulher, que deixa de amar, ele só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o ao número das suas campanhas.

VIII

Há uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permite aproximar-se sem perigo das mais belas e sedutoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que elas inspiram, mas é uma admiração de artista, um entusiasmo sem ternura. Além disso, ganha-se uma penetração cruel para ver, através de todos os artifícios de casquilha, o que vale a submissão que elas ostentam, a doçura que afetam, a ignorância que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!

De ordinário, é entre trinta a trinta e cinco anos, que o coração do homem de espírito fecha-se assim à simpatia e começa a petrificar-se. É possível que nele tornem a aparecer os fogos da mocidade, e que ele venha a sentir um amor tão puro, tão fervente, tão ingênuo como nos frescos anos da adolescência; longe de ter perdido as perturbações, as apreensões, os transportes da alma amorosa, sente-os ele de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto ele está certo de não os ver renascer.

Oh! então lastima-se o pobre insensato! Ei-lo obrigado a ajoelhar-se aos pés de uma mulher para quem é nada o mérito de caminhar pouco e pouco atrás de sua sombra, de fazer exercício em torno aos seus vestidos, de se extasiar diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! esses longos suplícios o revoltam, e, Pigmalião desesperado, afasta-se de Galatéia, cuj o amor se não pode reanimar.

Esses sintomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais difícil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos reveses da vida, continuando a ver as mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lágrimas e os mesmos suspiros que lhes reserva para pintar os antigos tormentos. E como ele só exigiu sempre delas aparências de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir, persevera e — triunfa.

IX

O homem de espírito é o menos hábil para escrever a uma mulher. Quando se arrisca a escrever uma carta, sente dificuldades incríveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se há de fazer entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Comete o crime de não ser comum ou vulgar. As suas cartas saem do coração e não da cabeça; têm o estilo simples, claro e límpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exatamente o que faz com que elas não sejam lidas, nem compreendidas. São cartas decentes, quando as pedem estúpidas.

O tolo é fortíssimo em correspondência amorosa, e tem consciência disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por aí que ele começa. Tem uma coleção de cartas prontas para todos os graus de paixão. Alega nelas em linguagem brusca o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas fórmulas são enfáticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é medíocre e ridículo, tanto melhor. Efetivamente o estranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a própria menina não esperava outra coisa. Todos estão satisfeitos, até os amigos. Que querem mais?

X

Enfim, o homem de espírito, em vista do que é, inspira às mulheres uma secreta repulsa. Elas se admiram com o ver tímido, acanham-se com o ver delicado, humilham-se com vê-lo distinto.

Por muito que ele faça para descer até elas, nunca consegue fazê-las perder o acanhamento; choca-as, incomoda-as, e esse acanhamento, de que ele é causa, torna frias as conversações mais indiferentes, afasta a familiaridade e assusta a inclinação prestes a nascer.

Mas o tolo não atrapalha, nem ofusca as mulheres. Desde a primeira entrevista, ele as anima e fraterniza-se com elas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se como elas. Compreende-as e elas o compreendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, elas a procuram, porque brilham nela. Podem diante dele absorver todos os assuntos e conversar sobre tudo, inocentemente, sem conseqüência. Na persuasão de que ele não pensa melhor, nem contrário a elas, auxiliam o triste, quando a idéia lhe falta, suprem-lhe a indigência. Como se fazem valer por ele, é justo que lhe paguem, e por isso consentem em ouvi-lo em tudo. Entregam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um belo dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!

XI

Compreende-se, por este curto esboço, como e quanto diferem os tolos e os homens de espírito nos seus meios de sedução. A conclusão final é, que os tolos triunfam, e os homens de espírito falham, resultado importante e deplorável, nesta matéria sobretudo.

XII

Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos homens de espírito: perderemos tempo precioso em acusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espírito, como fez o profundo Champcenets.

Por que não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imitá-los? Há de custar-vos muito fazer um tal papel: mas há proveito sem desar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrair o belo sexo a império dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é coisa em que ninguém deve pensar, é uma loucura; fora o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.

Porquanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são senhoras de si próprias; que nelas tudo é instinto ou temperamento, e que portanto elas não podem ser culpadas de suas preferências. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual delas pode dizer que predileção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dita as malignidades? Debalde procurareis delas tão cruel prodígio; nenhuma é cúmplice do mal que causa: a este respeito, o seu estouvamento atesta-lhes a candura.

Por que vos obstinais em pedir-lhes o que a Providência não lhes deu? Elas se apresentam belas, apetitosas e cegas: não vos basta isto? Querê-las com juízo, penetrantes e sensíveis, é não conhecê-las.

Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexível, afagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como um brinquedo o seu desdém, aceitai os seus ultrajes sem azedume, e às suas cóleras mostrai indiferença. Para conquistar esses entes frágeis e ligeiros, é preciso atordoá-los pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuário, pela publicidade das vossas homenagens.

XIII

Sim, sim, é mister ousar tudo para com as mulheres.

Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente em A Marmota, Rio de Janeiro, 19, 23, 26 e 30/04 e 03/05/1861.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 463)


Uma Trova de Ademar

Perdido, pois, nas rotinas,
nos labirintos da dor,
encontrei entre as ruínas
pedaços do nosso amor...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A travessia é mais triste
se, no meio do caminho,
nossa esperança desiste
e a gente segue sozinho!
–THEREZINHA BRISOLLA/SP–

Uma Trova Potiguar


Onde há fé, nada termina...
Jesus Cristo, o Redentor,
lá do céu, abre a cortina
enchendo o mundo de amor!
–EVA GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Restou do “conto de fada”
que a gente outrora vivia,
uma cama desmanchada
numa palhoça vazia.
–ALFREDO VALADARES/MG–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema: FRUTO - M/H


Nos becos da iniquidade,
os órfãos do ter e ser
são frutos que a sociedade
semeia... e não quer colher!...
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Simplesmente Poesia

O Beija-Flor!
NEMÉSIO PRATA/CE


No jardim ensolarado,
repleto de belas flores
exalando seus olores,
dava-se um lindo bailado
que nos deixou encantado!

Um pequeno beija-flor,
com roupagem multicor,
saltitando, todo prosas,
sorvia das lindas rosas,
seu doce néctar do amor!

Estrofe do Dia

Tenho feito repente sobre a Síria,
explorando as belezas de Damasco,
o que seria o rio sem o Vasco
e da história do caso de Walquíria?
Mas o verso legítimo não tem gíria
e o improviso só chega a perfeição
se for feito sentado num oitão
com os bichos fazendo companhia;
eu só sinto o sabor da poesia
quando eu canto essas coisas do sertão.
–HELENO ALEXANDRE/PB–

Soneto do Dia

Aos Poetas
–ADEVAL SOARES/PE–


Quem é poeta e tem a liberdade
Escreve os versos que a mente cria
E vive às regras da simplicidade
Buscando os raios da sabedoria.

Corre na busca da felicidade
Debulha a mágica que há na poesia,
Mostra talento e tem na humildade
Os instrumentos da sua alegria.

Descreve a paz na paz do seu sorriso,
Caminha firme com olhar conciso
Mantendo sempre seu jeito comum.

Transforma a vida pelos versos seus
Recebe as luzes do amor de Deus
E as distribui, sem problema algum.

Fonte:
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