quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte final


FUNÇÕES SECUNDÁRIAS:

5- FUNÇÃO DE SUPORTE DE PENSAMENTO:

            O homem também se comunica consigo mesmo. É o uso intra-subjetivo da linguagem que se apresenta ora como suporte ou estímulo das reflexões pessoais, ora  como apelo interior.

            Vejamos o exemplo:
“Brincava a criança
  com um carro de bois.
  Sentiu-se brincando
  E disse: eu sou dois”.
(PESSOA, Fernando)

6- FUNÇÃO FÁTICA ou DE CONTATO:

            Procura estabelecer uma aproximação, manter a comunicação, controlar sua eficiência e eficácia, prender a atenção, sondar o ânimo entre os interlocutores. Exige uma participação na mesma situação social em que se encontram destinador e destinatário. É o que acontece no início de um diálogo ou nas chamadas telefônicas. Suas expressões são de conteúdo bastante reduzido: alô!, não é?, Bem!, Sabe!? , etc... É a função das relações sociais.

            Exemplos:
Bom dia! Boa tarde! Boa Noite! Como vai?

7- FUNÇÃO METALINGUÍSTICA:

            Centrada no código. Seu objetivo é a própria linguagem. É a decifração do código, a inquirição e explicação do significado das palavras. O locutor explica seu sistema linguístico. Uma Gramática é altamente dotada da função METALINGUÍSTICA.

            Como estamos tratando do assunto “Funções da Linguagem” ao definirmos o que é função neste momento é um bom exemplo de função metalinguística:

Função é a relação que existe entre dois elementos da comunicação.

8- FUNÇÃO MÁGICA ou ENCANTATÓRIA:

            Uso de palavras cabalísticas em rituais secretos, na feitiçaria e na magia.

            Alguns exemplos:

“Abra Cadabra!”- “Alacazém-Alacazam”- “Abra-te Sézamo!”
“Ignoratus tuum vos assegnatarum meo”.
“Velai! Velai! linda Esmeralda, para que me seja descortinado o meu porvir!”

9- FUNÇÃO LÚDICA:

            Com finalidade de divertir: nas charadas, adivinhações, nos trocadilhos, e também, nas rimas soantes, com a única finalidade de fazer um jogo de fonemas:  Exemplos:

- O que é que é?

Cai da torre
Não se lasca
Cai na água
Se espapaça
D’água nasce
N’água cresce
Se botar  n’água
Desaparece
Campo grande
Gado miúdo
Moça bonita
Velho carrancudo
Uma caixinha
de bom parecer
nenhum carapina
pode fazer
Meu destino é abre e fecha
vivendo sempre a cantar;
mas quando o fôlego acaba
me calo, faltando o ar.

10- FUNÇÃO CRÍPTICA:

            Faz uso do palavrão. Palavras de baixo calão, com objetivo de ofender o interlocutor.
================
FIM

Erasmo Figueira Chaves (Poemas Escolhidos)


TEMA 1:

Quem do passado pretérito
vem com zelo a labutar
abrindo  seu peito emérito
a tentar certo acertar,
também é  quem tem o mérito,
a certeza lapidar,
sem sofisma e sem inquérito,
de amar e ter o que amar

TEMA 2:

Quem é livre para errar
livre  o é para aprender,
é livre para acertar
 livre pois para o dever
e mais ainda pra amar e tornar Vida um Prazer !  . . . 

TEMA 3:

Não basta o aspeto estético,
a aparência pulcra e sã,
Importante é o sentir ético,
a palavra, a ação cristã
que cura e afasta o tétrico
pensar que a vida é tão vã,
sem haver sistema métrico
que a difira da pagã,
do egoísmo  patético,
de ironia charlatã ! . . .

SAUDADE


Esta palavra “saudade”,
que a lusa língua domina
e a distingue, na verdade
doutamente nos inclina
às sutilezas da alma,
à vocação de amizade
plena, como simples raridade,
cujo fluir é a calma,
doce expressão da bondade,
o amor, a tristeza,  fruir
carinho,  beleza,
intimidade, certeza,
ansiedade, grandeza,
um sentir puro e estranho,
tal dimensão e tamanho
que outra língua não ensina
nem tem  a expressividade
ou a concisa lição.
Por isso é que nunca deixo
de cultivar amizade,
na mais pura singeleza,
- com brio, com qualidade
e sentimentos perfeitos,
 com toda a profundidade,
delicadeza,  resguardo, -
sem  o que, só o desleixo
e a ausência de humano anseio,
falta à espontaneidade,
à sutileza,  à verdade,
e explica a temeridade
que é viver sem o receio
de ao descuidar da bondade
menosprezando amizade,
desprezar língua e saudade ! . . .

MÃOS

Mãos não mentem
 quando moldam
quando esculpem
quando instigam,
quando mostram,
quando assentam
tateando a forma afeita
ao espaço indivisível,
à dimensão sem menção
por tão grande e indizível;.

mãos não mentem
quando afagam,
quando tentam,
quando ajeitam,
quando curam,
quando aplaudem,
quando acenam,
quando indicam,
quando aliciantes argúem,
quando afirmam,
quando assentem,
quando intentam descobrir,
o que n’ alma já vem feito;
Quando criativamente
Ao aludir não se iludem.

Mãos não mentem,
Usando melhor o  seu jeito,
ao mostrar
mais que perfeito
que Amor
arfando no peito
do autor
ou do
sujeito
tem
arcabouço  escorreito
                                                
ATIRE A PRIMEIRA PEDRA

Que atire a primeira pedra
quem tiver muita coragem
pra manter sua viagem
em preito de vassalagem
ao mundo dos que só agem
por medo ou por abordagem
a padrões que ao ego fazem
.render qualquer homenagem.

Que atire a primeira pedra
quem se sentir sem pecado
ou nunca tiver andado
por caminho que não medra
e não ache, desgraçado,
que assim esconde o passado.

Que atire a primeira pedra
quem nunca tiver sentido
a consciência pesada,
a injustiça vivido,
ou jamais tenha sofrido
por traição à sua amada,
por caprichos do azar,
por um amor escondido
sem jamais o confessar
que eram favas contadas
a viver alma enganada
no néctar de mau lagar.

Que atire a primeira pedra
quem não saiba perdoar,
quem nunca tenha aprendido
a sentir dor por amar,
nem jamais se arrependido
pela pressa em prejulgar
ou espere que de pedra
venha um dia a se livrar ! . . .

Erasmo Figueira Chaves


Nasceu na cidade de Niteroi no Rio de Janeiro.

Fez seu curso “científico”, pré universitário, na A.C.M. do Rio de Janeiro.

Cursou a Escola Superior de Guerra. Adesguiano.

Pós-graduado M.D. em Filosofia da Educação e Teologia – U.P. Princeton, USA - Sociologia - Administração - Educação Física, no Inst.Técnico da Y.M.C.A. em Montevidéu- Uruguai. (diplomação em seu poder).

Casado com Beatriz Sylvia Areco Chaves, professora. Uruguaia. Tem três filhos e três netos.

Reside em Cabreúva, SP. onde há mais de vinte e cinco anos, exerce sua cidadania e colabora em seus programas culturais e projetos cívicos.

Durante a sua vida desenvolveu destacadas atividades culturais, educacionais e administrativas no campo nacional e internacional, ajudando a infância e a juventude.

Por períodos, lecionou e treinou líderes e voluntários, no Brasil e em Portugal.

Posteriormente, de regresso ao Brasil, aceitando o desafio e convite de uma nova experiência professional e rumo vivencial, orientou cursos e leccionou em várias empresas, preparando liderança.

Participou de extensas e repetidas viagens e congressos, na Europa, EUA, América Latina, África e Oriente.

Autor da pesquisa e livro “Cesário Motta – Paladino da Educação”.

Coordenou algumas publicações e 4 Antologias para a APML.

Colaborou como membro da Secretaria de Cultura da GLESP, editando duas Antologias.
Participa como “colunista” da publicação eletrônica semanal www.itu.com.br.

É membro de várias entidades culturais, cívicas ou educacionais, com participação ativa, entre elas
Academia Ituana de Letras,
Academia Pan Americana de Letras,
Academia Paulistana Maçônica de Letras, da qual foi seu presidente por dois períodos consecutivos.
Foi Presidente da Academia Maçônica Internacional de Letras,
Membro da Academia MilitarTerrestre do Brasil,
Membro da Secretaria de Cultura da Glesp, do Rotary Clube de Itu,
Participou ativamente do Conselho Cultural da Secretaria de Cultura do Governo da Prefeitura de Cabreúva.
Foi galardoado com o título de cidadão cabreuvence, e com a comenda Eurothydes de Campos, pela Câmara Municipal de Cabrerúva.
Membro da Casa do Poeta,
Associação Cristã de Moços, (YMCA) da qual foi membro de sua diretoria na Lapa,S.P.,
Sociedade Cabreuvana de Cultura, da qual foi seu presidente e fundador;
Associado do IHGGS Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba, tendo como patrono Gonçalves Ledo.
Membro da Secretaria de Cultura da GLESP, para a qual coordenou duas antologias,
Foi também agraciado com diversas outras comendas e homenagens cívicas e públicas, nacionais e regionais, pelo IHGGS, e outras entidades culturais.

Site: www.apml.org.br = Linguagem Viva – www.itu.com.br (visitar colunistas = Análises, Penas Temas e Lemas)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Contos Africanos (Lenda do Tambor Africano)


Dizem na Guiné que a primeira viagem à Lua foi feita pelo Macaquinho de nariz branco. Segundo dizem, certo dia, os macaquinhos de nariz branco resolveram fazer uma viagem à Lua a fim de traze-la para a Terra. Após tanto tentar subir, sem nenhum sucesso, um deles, dizem que o menor, teve a idéia de subirem uns por cima dos outros, até que um deles conseguiu chegar à Lua.

Porém, a pilha de macacos desmoronou e todos caíram, menos o menor, que ficou pendurado na Lua. Esta lhe deu a mão e o ajudou a subir. A Lua gostou tanto dele que lhe ofereceu, como regalo, um tamborinho. O macaquinho foi ficando por lá, até que começou a sentir saudades de casa e resolveu pedir à Lua que o deixasse voltar.

A Lua o amarrou ao tamborinho para descê-lo pela corda, pedindo a ele que não tocasse antes de chegar à Terra e, assim que chegasse, tocasse bem forte para que ela cortasse o fio. 

O Macaquinho foi descendo feliz da vida, mas na metade do caminho, não resistiu e tocou o tamborinho. Ao ouvir o som do tambor a Lua pensou que o Macaquinho houvesse chegado à Terra e cortou a corda. O Macaquinho caiu e, antes de morrer, ainda pode dizer a uma moça que o encontrou, que aquilo que ele tinha era um tamborinho, que deveria ser entregue aos homens do seu país. A moça foi logo contar a todos sobre o ocorrido. 

Vieram pessoas de todo o país e, naquela terra africana, ouviam-se os primeiros sons de tambor.

Fonte: 
http://tatianflor.vila.bol.com.br/tatiana.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 740)



Uma Trova Nacional 

Um mundo melhor... queria, 
para deixar aos meus netos, 
onde imperasse a alegria 
numa transfusão de afetos! 
–Gislaine Canales/SC– 

Uma Trova Potiguar  

Eu pus a minha jangada 
no mar revolto da vida, 
onde, às vezes, foi "quebrada", 
mas logo, reconstruída. 
–Tarcício Fernandes/RN– 

Uma Trova Premiada  

1998   -   Ribeirão Preto/SP 
Tema   -   SONHO   -   2º Lugar 

Meus pobres sonhos, tão fracos,
a vida em escombro os fez,
mas, teimosa, eu junto os cacos...
e eis-me a sonhar outra vez! 
–Dorothy Jansson Moretti/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Quanto mais disciplinado, 
mais valor terá seu filho; 
o diamante lapidado 
se conhece pelo brilho. 
–Carorina A. de Castro/PE– 

U m a P o e s i a  

A jura do amor primeiro 
a gente nunca se esquece, 
fica gravada na mente 
vez por outra ela aparece... 
Se compara a uma semente, 
que regada, brota e cresce. 
–Hélio Pedro/RN– 

Soneto do Dia  

A ALMA DA PEDRA.
–Hegel Pontes/MG– 

Longa pesquisa. E o mestre hindu descobre 
que existe uma fadiga nos metais; 
que o descanso renova, do ouro ao cobre, 
o reino singular dos minerais. 

Eu também sinto que a matéria encobre 
estranhas vibrações emocionais. 
É que a pedra tem alma, simples, nobre, 
sonhando evoluções espirituais. 

E a alma da pedra imóvel é a energia 
que evolui, na ilusória letargia, 
entre seres gigantes e pigmeus. 

E sonha, nos milênios que a consomem, 
ser um cacto que sonha ser um homem, 
ser um homem que sonha ser um Deus. 

Teatro de Ontem e de Hoje (Bugiaria - O Processo de João Cointa)


Com dramaturgia formada por fragmentos de documentos históricos, Moacir Chaves concebe uma linguagem que confronta dois tipos de estética para falar de colonizadores e colonizados.

A pesquisa histórica que dá origem ao espetáculo parte do processo movido pela inquisição brasileira contra o luterano João Cointa.

Os documentos selecionados são de basicamente duas fontes: os arquivos do processo, que relatam depoimentos e procedimentos - como a tortura, por exemplo - com relatos de historiadores sobre o Brasil Colônia. O diretor Moacir Chaves vê neste material a possibilidade de confrontar duas éticas: a dos selvagens brasileiros e a das instituições colonizadoras. A cada trecho histórico corresponde uma cena independente, cada cena com sua própria técnica de teatralização. Esta diversificação cênica ajuda a delinear uma narrativa, na medida em que o texto do espetáculo é desprovido de ação dramática e a linguagem dos documentos se repete. O contraste entre uma cena e outra faz com que a platéia passe por vários modos de fruição.

Há sempre dois discursos em curso, o da palavra e o da ação, que nunca são uníssonos. O texto que se ouve pertence a um português de muitos termos em desuso e de termos técnicos do meio judiciário. A história de João Cointa se oculta em vários momentos por trás de textos que não dão pistas da trajetória do dito protagonista. Ao mesmo tempo, o discurso da ação traz um alto grau de teatralidade - seja por meio do circo, do elemento musical, da comicidade rasgada, do humor chulo, do histrionismo do ator. O resultado deste confronto é que a maior parte do público tende a desistir de extrair uma história daquilo que se passa em cena - e se diverte com as macaquices (bugiarias) dos atores. Para o público que insiste e, além de perseguir a história, procura extrair um sentido do confronto entre o texto e a cena, o espetáculo oferece algumas surpresas. Um exemplo dos mais claros é a cena em que a única atriz do elenco, Josie Antello, no meio de uma roda de homens, é inesperadamente erguida do chão e rodopiada no ar. O texto descreve o processo de tortura. O susto da atriz se repete. Até que ela começa a temer a repetição. Mas tudo se realiza sem nenhum clima de seriedade. Pelo contrário, toda a cena é preparada de forma a se tornar o mais hilariante possível. Os movimentos da atriz a fazem parecer uma boneca; seu grito agudíssimo no final, surpreende e faz rir pela sua impotência.

Em alguns poucos momentos o contraste se inverte - a palavra passa a ser a portadora da bugiaria enquanto a cena é construída com solenidade. O exemplo mais evidente é a música pornográfica cantada com arranjo vocal e posição empostada de quem entoa um madrigal; ou o hino nacional tocado em um serrote. 

Enfim, a linguagem de Bugiaria se forma pela investigação das possibilidades de confronto entre o grotesco e o elevado, por meio do texto e da interpretação. O desempenho dos atores é o que dá sustentação a uma proposta que necessita ser francamente cômica e teatralmente irresistível para atingir seu objetivo. Alberto Magalhães, que também atua como pianista, e Cláudio Baltar, que assina a preparação corporal, se encarregam dos trechos circenses e de virtuosismo físico. Cândido Damm, Cláudio Mendes e Orã Figueiredo compõem os vários tons de comicidade do espetáculo. O cenário de Fernando Mello da Costa acompanha a proposta da direção, construindo um espaço caótico, composto de pedaços de outros cenários, de restos de objetos, de volumes sem identificação.

O crítico Macksen Luiz observa que: "Os hábitos antropofágicos dos índios, o processo contra o francês João Cointa, julgado pela simpatia pelo luteranismo, e os rituais de execução da Santa Inquisição saltam dos relatórios para o palco sem qualquer preocupação de torná-los atuais ou com linguagem acessível. Conservam-se a terminologia empolada e o detalhamento de minudências, e apenas quando uma palavra soa desconhecida recorre-se a uma pausa didática, sempre bem-humorada, para revelar seu significado. É a única concessão ao "didatismo", já que Bugiaria deixa tudo evidente sem recorrer a explicações desnecessárias sobre os ritos de aniquilação dos índios e dos europeus".[1]

O espetáculo recebe o Prêmio Governador do Estado do Rio de Janeiro.

Notas
1. LUIZ, Macksen. Relatório irreverente e empolado. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 dez. 1999.

Fonte:

Carla Caruso (O Segredo da Vó Maria)


Outro dia, eu estava na casa da vovó Maria e, enquanto ela assistia à novela, aproveitei para brincar em seu quarto. Estava brincando de cabeleireira de minhas bonecas na penteadeira da vó quando vi pelo espelho o velho guarda-roupa onde eram guardados os lençóis e as toalhas. Sempre tivera vontade de abrir aquele móvel. Fui até ele, escancarei a porta e vi que era grande, tão grande que eu podia até entrar e sentar em seu interior. E foi o que fiz. Fechei a porta por dentro e tudo ficou escuro e em silêncio, um silêncio abafado que me isolou do resto da casa. Fui me ajeitando entre os lençóis e as toalhas. Tateando no escuro descobri uma lâmpada bem pequena e consegui acendê-la. Vi então duas gavetinhas com puxadores de metal. Tentei abri-las, mas estavam emperradas, como se não fossem usadas há muito tempo. Precisei usar toda minha força para conseguir puxar uma delas. A primeira coisa que vi lá dentro foi um envelope com uma carta e uma foto de meu avô Pedro quando era moço. Eu tinha uma vaga lembrança dele, velhinho, magro e alto. Uma lembrança distante, porque quando ele morreu, eu era muito pequena. Tentei ler a carta, mas não entendi a letra, toda enfeitada. Como os antigos escreviam diferente! Só entendi o final: "...com afeto e saudades, Pedro, 1928". Acho que era uma carta de amor para a minha vó, escrita há 70 anos! 

Logo depois, achei um bolo de fotos de gente que nunca ouvi falar. As pessoas pareciam de cera. As fotos eram todas em marrom e branco, e estavam desbotadas, algumas rasgadas. As mulheres de chapéu e os homens de bengala. As crianças bem penteadas: as meninas com fitas no cabelo e os meninos com o cabelo repartido de lado. Foi estranho pensar que hoje esses meninos e meninas deviam ser velhinhos iguais à minha vó. 

Continuei remexendo a gaveta, que era bem comprida e funda. Não podia ver direito as coisas porque a lampadinha a toda hora se apagava. Eu só podia sentir os objetos com as mãos. Foi num desses momentos de escuridão total que peguei um saquinho pequeno, que parecia de veludo e era bem leve. Dentro dele senti que havia papéis enroladinhos como se fossem canudinhos e amarrados com uma fita. Quando enfim consegui acender de novo a lâmpada, vi que os canudinhos eram pedaços de papel amarelados, roídos pelo tempo e pelas traças. A fitinha era velha, toda desfiada. Fui desenrolando um dos canudinhos com muito cuidado, pois tinha medo que se rasgasse. Nesse primeiro papelzinho estava escrito, com letra de criança, o seguinte:

Segredo de Amabília
Tenho um  segredo que ninguém  pode saber: morro de medo do escuro

Era o segredo de uma criança que vivera em outro tempo, bem distante, e que eu nem sabia quem tinha sido. Será que essa Amabília era uma irmã da vó? Uma prima? Uma amiga? Resolvi fechar esse primeiro segredo enrolando devagar o papel. Em seguida, abri todos os outros, um a um. 

Segredo de Henrieta
Detesto a  tia Adélia. Principalmente quando ela vem nos beijar.
Ela tem cheiro de naftalina.

Segredo de Giulia
Gosto do meu primo Tadeu. Mas ninguém pode saber disso nunca!

Segredo de Maria
Tenho um esconderijo secreto na minha casa: é dentro do guarda-roupa de lençóis e toalhas. Lá eu passo horas e ninguém me encontra. Acendo a lanterninha e leio os livros de histórias que eu mais gosto.

Tomei um susto. Não sei, a única coisa que fiz foi guardar aqueles velhos segredinhos dentro do saquinho de veludo, apagar a lâmpada e sair de fininho daquele guarda-roupa cheio de histórias.

Depois disso, toda vez que olho pra vó Maria tenho vontade de contar que descobri o segredo dela. Mas logo desisto, porque agora o segredo também é meu.

Beatriz

Fonte:
Revista Nova Escola

Jornais e Revistas do Brasil (Città di Caxias – periodico semanal)


Período disponível: 1913 a 1922 
Local: Caxias do Sul, RS 

Fundado em Caxias do Sul (RS) em 1º de janeiro de 1913, Città di Caxias se definia como “periodico settimanale d’interesse coloniale”, ou seja, um semanário voltado para os interesses da colônia italiana, em especial aquela formada no Sul do Brasil. Foi dirigido inicialmente por Ernesto Scorza, embora o proprietário tenha sido sempre Emilio Fonini. Circulando tanto em italiano quanto em português, era impresso em tipografia própria, primeiro a vapor e depois elétrica, em tamanho standard.

Desde que foi lançado, o jornal teve boa aceitação de público e grande adesão de anunciantes. Inicialmente com quatro páginas por edição, em pouco tempo aumentou o número para seis. Um ano depois de sua fundação, quando engrossou sua cobertura internacional por causa da Primeira Guerra Mundial, Città di Caxias já circulava com oito ou dez páginas. Em geral, eram publicados artigos, reportagens, crônicas, editais municipais, telegramas internacionais, informes a pedidos, discursos de autoridades italianas, além de muitos anúncios.

Crítico e opinativo, sempre enaltecendo o labor e os valores morais da colônia italiana, o semanário abordou assuntos diversos, em geral de interesse local – sobretudo em seus primeiros tempos. Tiveram destaque em suas páginas questões relativas ao sistema de trabalho em cooperativas, aplaudindo-se o empreendedor cooperativista local Giuseppe de Stefano Paternò, e o deficiente transporte férreo regional, na série “La compagnia della morte”, que criticava provavelmente a belga Compagnie Auxiliare, a qual desde 1905 administrava a ferrovia que ligava Porto Alegre a Caxias. Por ocasião de grandes acontecimentos na Europa ou, sobretudo, na Itália, o foco se voltava para o velho continente. Durante a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, Città di Caxias acompanhou detidamente o conflito, porém sob ponto de vista italiano. Isto o levou a divulgar propaganda de guerra, como a suposta notícia de que marinheiros da frota alemã teriam oferecido um berço tingido de sangue francês a uma princesa da família imperial germânica (edição de 30 de agosto de 1916). 

O jornal tratava de economia e comércio, agricultura (sobretudo viticultura), enologia, indústria, impostos, serviços, variedades em colônias dos arredores de Caxias (Nova Milão, Nova Pádua, Nova Vicenza etc.), cotidiano administrativo oficial e forense, infraestrutura, política brasileira, saúde e atendimento médico, educação e instrução pública, eventos e festividades, questões ligadas à infraestrutura e peculiaridades urbanas de Caxias, futebol, cultura e entretenimento, atualidades científicas, personalidades ilustres regionais, casos de polícia, lições morais e comportamento, acontecimentos políticos e variedades internacionais, religião, turismo, entre outros assuntos.

Simpático à intendência municipal do major José Penna de Moraes, o periódico chegou a lançar em 1915 um suplemento de cerca de 40 páginas “dedicato all’Esimo Presidente dello Stato Del Rio Grande do Sul”, Antônio Augusto Borges de Medeiros, autoridade sempre louvada pelo jornal. Ali, entre registros fotográficos de Caxias e informações gerais sobre os municípios de Bento Gonçalves, Alfredo Chaves e Antônio Prado, aplaudia-se ainda a figura de Pinheiro Machado e diversas iniciativas comerciais locais. 

A partir da edição nº 137, de 20 de outubro de 1915, o jornal passou a ter Silvio Dal Zotto como gerente. No nº 165, de 18 de maio de 1916, ainda com Ernesto Scorza como diretor-geral, o cargo passou a Mario Rey Gil. Pouco tempo depois, novas mudanças: com o falecimento de Scorza, em 14 de julho de 1916, Giuseppe Buzzoni e Luigi Bancalari assumiram a direção da folha. Rey Gil também não figurava mais ali, tendo a gerência ficado diretamente com o proprietário Emilio Fonini. No nº 185, de 16 de novembro do mesmo ano, Ercole Donadio acabou substituindo a dupla Buzzoni-Bancalari. Mesmo mantendo-se em seu cargo, Donadio desapareceria do expediente do jornal em outubro de 1917, momento em que nenhum nome aparecia como responsável pela direção.

Città di Caxias terminou 1917 fazendo campanha para a reeleição de Borges de Medeiros à presidência do Rio Grande do Sul. Nesse momento, seu expediente vinha apenas com Ernesto Scorza como fundador e com o endereço da redação: o nº 28 da rua Sinimbú. 

Iniciando 1918, o periódico deixava de lado questões mais ligadas ao cotidiano colonial e à economia agrícola locais, dando maior atenção à realidade italiana e à política brasileira e europeia. O número de páginas reduzira-se para quatro e a quantidade de anúncios não era a mesma, embora ainda tomassem boa parte das edições.

Ercole Donadio mudou-se para Porto Alegre, deixando a direção do semanário a José Joaquim de Vargas. Com a morte deste último em outubro do mesmo ano (ver edição do dia 19), o jornal passou a ser dirigido por Adolpho Peña, que cerca de um mês depois deixou o cargo para Benício Dantas. Na ocasião, M. Marchetinni tornou-se o redator principal.

Em 1919, Benício Dantas substituiu Marchetinni no cargo de redator-chefe por Ulysses Castagna, até então responsável principalmente pela coluna de viticultura e enologia do jornal (mesmo com a promoção, a coluna continua sendo publicada, com mais destaque). No ano seguinte, a direção passou a Arthur de Lavra Pinto.

Segundo as informações disponíveis, Città di Caxias circulou apenas até 30 de setembro de 1922, quando foi publicada edição nº 464. Em seus últimos momentos, a folha publicava mais textos em português do que em italiano. 

Foram também colaboradores do jornal Giuseppe de Stefano Paternò, Octavia Paternò, V. Bornancini, Guido d’Andrea, Antonio Casagrande, Mario Mariani, Silvio Becchia, Jacintho Godoy, Samorim Gustavo de Andrade, entre outros.

Fontes
 1. Acervo: edições do nº 1, ano 1, de 1º de janeiro de 1913, ao nº 464, ano 10, de 30 de setembro de 1922. Disponível em http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/città-di-caxias

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 739)



Uma Trova de Ademar  

Eu, num desejo medonho, 
quis tê-la, mas nunca pude... 
Transformar desejo em sonho, 
foi minha grande virtude! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Na primavera, cheguei...
Neste inverno, te aqueci...
No outono, te desfrutei,
veio o verão... Te esqueci.
–Ester Figueiredo/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Pelo teu rosto risonho,
eu pensei que era virtude
o sortilégio de um sonho
que a vida inteira me ilude!
–José Lucas de Barros/RN– 

Uma Trova Premiada  

1991   -   Acad. Bras. de Trovas/RJ 
Tema   -   CONQUISTA   -   4º Lugar 

Não temas portas fechadas,
nem mesmo fracassos temas,
há sempre forças guardadas
para as conquistas supremas.
–Carolina Ramos/SP–

...E Suas Trovas Ficaram  

Cidade grande, e o pirralho, 
nos trapos do desafeto,
parece um pobre espantalho 
na lavoura de concreto!... 
–Paulo Cesar Ouverney/RJ– 

U m a P o e s i a  

Quando o mundo Deus fazia, 
para cumprir sua meta, 
viu que faltava a poesia 
e que a obra estava incompleta; 
depois da luz fez a terra 
e nela pôs o poeta. 
–Hélio Pedro/RN– 

Soneto do Dia  

...E O AMOR SE FEZ SONETO. 
–Francisco Macedo/RN– 

Sono esquecido, a acolho, nos meus braços, 
ouço o teu respirar, lindo, ofegante, 
nos seus carinhos, mil beijos e amassos, 
instante lindo, não mais que um instante! 

Tomo-te, assim, vasculho teus espaços, 
orgasmos loucos, sonhos fascinantes! 
Por tudo que fizemos, os cansaços, 
se fazem adrenalina nos amantes. 

Respiração... A voz que enleva a gente, 
agora se faz terna, mas, ardente. 
Voz que em louco prazer se faz dueto. 

Onde estiver, é certo estar presente, 
cada suspiro, que trará na mente, 
este momento, que se fez soneto! 

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 25 de fevereiro: Foi-se o Carnaval


Foi-se o carnaval. Passou como um turbilhão, como sabá de feiticeiras, ou como um golpe infernal.

Nesses três dias de frenesi e delírio a razão fugiu espavorida, e a loucura, qual novo Masaniello, empunhou o cetro da realeza.

Ninguém escapou ao prestígio fascinador desse demônio irresistível: cabeças louras, grisalhas, encanecidas, tudo cedeu à tentação.

Entre as amplas dobras do dominó se disfarçava tanto o corpinho gentil de uma moça, travessa, como o porte grave de algum velho titular, que o espírito remoçava.

Dizem até que a política – essa dama sisuda e pretensiosa – se envolveu um momento nas intrigas do carnaval, e descreveu no salão uma parábola que ninguém talvez percebeu.

Deixemos, porém, dormir no fundo do nosso tinteiro esses altos mistérios que se escapam à pena do folhetinista. Já não estamos no carnaval, tempo de livre pensamento – tempo em que se pode tudo dizer – em que é de bom gosto intrigar os amigos e as pessoas que se estimam.

Agora que as máscaras caíram, que desapareceu o disfarce, os amigos se encontram, trocam um afetuoso aperto de mão e riem-se dos dissabores que causaram mutuamente uns aos outros.

O nosso colega do Jornal do Comércio, que se disfarçou com três iniciais que lhe não pertenciam, compreende bem essas imunidades do carnaval.

Hoje, que o reconhecemos, não é preciso explicações: ele tem razões de sobra para acreditar que sinceramente estimamos o seu valioso auxílio na realização de uma idéia de grande utilidade para o país.

Nunca desejamos o monopólio; ao contrário, teríamos motivos de nos felicitar, se víssemos geralmente adotada pela imprensa do nosso país uma tentativa, um ensaio de publicação, cuja falta era por todos sentida.

Quando deixamos cair do bico da pena um ligeiro remoque à publicação do colega, não era que temêssemos uma imitação;não era porque receássemos uma emulação proveitosa entre os dois mais importantes órgãos da imprensa da corte.

Esta luta, mantida com toda a lisura e toda lealdade, nós a desejamos em bem do pais, embora nos faltem os recursos para sustenta-la com vantagem. É dela, é do calor da discussão, do choque das idéias, que têm nascido e que hão de nascer todos os progressos do jornalismo brasileiro.

O que nós receávamos era a reprodução de uma dessas lutas mesquinhas, indignas de nós ambos, e das quais a história da nossa imprensa apresenta tão tristes exemplos. Era um desses manejos impróprios de jornalistas, e aos quais o mecanismo complicado da nossa administração tanto favorece. Era enfim uma representação dessa ridícula farça de publicidade tão em voga nas nossas secretarias, nas quais se dão por favor as cópias dos atos oficiais ao jornal que quer fazer um favor publicando-as.

Temíamos uma luta desta natureza, porque não estamos ainda afeitos à chicana; porque, do momento em que ela se tornasse necessária, seríamos forçados a abandonar uma idéia, pela qual trabalhamos com todo o amor que nos inspira a nossa profissão.

É tempo, porém, de voltarmos ao carnaval, que preocupou os espíritos durante toda a semana, e deu matéria larga às conversas dos últimos dias.

Entre todos os festejos que tiveram lugar este ano cabe o primeiro lugar à sociedade Congresso das Sumidades Carnavalescas, que desempenhou perfeitamente o seu programa, e excedeu mesmo a expectativa geral.

No domingo fez esta sociedade o seu projetado passeio pelas ruas da cidade com a melhor ordem; foi geralmente recebida, nos  lugares por onde passou, com flores e buquês lançados pelas mãozinhas mimosas das nossas patrícias, que se debruçavam graciosamente nas janelas para descobrirem entre a máscara um rosto conhecido, ou para ouvirem algum dito espirituoso atirado de passagem.

Todos os máscaras trajavam com riqueza e elegância. Alguns excitavam a atenção pela originalidade do costume; outros pela graça e pelo bom gosto do vestuário.

Nostradamus – uma das mais felizes idéias deste carnaval – com o seu  longo telescópio examinava as estrelas, mas eram estrelas da terra. Um Merveilleux dandinava-se na sua carruagem, repetindo a cada momento o seu c’est admirable! quando a coisa mais incrível deste mundo é a existência de um semelhante tipo da revolução francesa.

Luis XIII, livre do Cardeal de Richelieu, tinha ao lado uma Bayadère, e parecia não dar fé do seu rival Lord Buckingham, que o seguia a cavalo no meio de um bando de cavaleiros ricamente vestidos.

Esquecia-me dizer que ao lado do Merveilleux ia um Titi de marinha, que atirava concetti em vez de confetti. Era o mais fácil de conhecer, porque a máscara dizia o que ele seria se as moças que o olhavam fossem cordeirinhos.

Em uma das carruagens iam de companhia Temistovles, Soulouque, Benevenuto Cellini, Gonzalo Gonzáles, quatro personagens que nunca pensaram se encontrar neste mundo, e fazerem tão boa amizade.

Se fosse  possível que Temístocles e Benevenuto Cellini passassem esta tarde por uma das ruas por onde seguiu o préstito, estou persuadido que o artista florentino criaria uma nova Hebe mais linda que a da Canova; e que o general antigo rasgaria da história a página brilhante da batalha de Salamina por um só desses sorrisos fugitivos que brincam um momento numa boquinha mimosa que eu vi, e que apenas roçam os lábios como um sopro da aragem quando afaga o seio de uma rosa que se desfolha.

Quanto a Van Dick – que seguia-se logo após – este quebraria o seu pincel de mestre, desesperado por não achar na sua paleta essas cores suaves e acetinadas, essas linhas puras, esses toques sublimes que o gênio compreende, mas que não pode imitar.

Eram tantos os máscaras e os trajes ricos que se apresentaram, que me é impossível lembrar de todos; talvez que aqueles que agora esqueço sejam os mais geralmente lembrados; e, portanto, está feita a compensação.

Como foi este o primeiro ensaio da sociedade, de propósito evitamos fazer antes algumas observações a respeito do seu programa, com receio de ocasionar, ainda que involuntariamente, dificuldades e embaraços à realização de suas idéias. Hoje, porém, essas reflexões são necessárias, a fim que não se dêem para o futuro os inconvenientes que houve este ano.

O entrudo está completamente extinto; e o gosto pelos passeios de máscaras tomou este ano um grande desenvolvimento. Além do Congresso, muitos outros grupos interessantes percorreram diversas ruas, e reuniram-se no Passeio Público, que durante os três dias esteve literalmente apinhado.

Entretanto, como os grupos seguiam diversas direções, não foi possível gozar-se bem do divertimento; não se sabia mesmo qual seria o lugar, as ruas, donde melhor se poderia aprecia-lo.

A fim de evitar esse dissabor, a polícia deve no ano seguinte designar com antecipação o círculo que podem percorrer os máscaras, escolhendo de preferência as ruas mais largas e espaçosas, e fazendo-as preparar convenientemente para facilidade do trânsito.

Desta maneira toda a população concorrerá para aqueles pontos determinados: as famílias procurarão as casas do seu conhecimento: os leões arruarão pelos passeios; e o divertimento,  concentrando-se, tomará mais calor e animação.

Tomem-se estas medidas, preparem-se as ruas com todo esmero, e não me admirarei nada se no carnaval seguinte aparecerem pelas janelas e sacadas grupos de moças disfarçadas, intrigando também por sua vez os máscaras que passarem, e que ficarão desapontados não podendo conhecer através de um loup preto o rostinho que os obrigou a todas estas loucuras. 

Se o Sr. Desembargador chefe de polícia entender que deve tomar essas providências, achamos conveniente que trate quanto antes de publicar um regulamento neste sentido, designando as ruas por onde podem  circular os máscaras, e estabelecendo as medidas necessárias para a boa ordem e para a manutenção da tranqüilidade pública.

Estas últimas medidas são fáceis de prescrever, quando se tem um povo sossegado e pacífico, respeitador das leis e da autoridade, como é o desta corte. Nestes três dias que passaram, o divertimento e a animação foi geral; e entretanto numa população de mais de trezentas mil almas não tivemos um só desastre a lamentar. Exemplos como estes são bem raros, e fazem honra à população desta cidade.

Na terça-feira sobretudo houve no Passeio Público uma concorrência extraordinária. Grande parte das Sumidades Carnavalescas aí se achava; e a curiosidade pública não se cansava de vê-los, a eles e a muitos outros máscaras que também tinham concorrido ao rendez-vous geral deste dia.

Às oito horas da noite o Teatro de São Pedro abriu os seus salões, nos quais por volta de meia-noite passeavam, saltavam, gritavam ou conversavam perto de cinco mil pessoas; era um pandemônio, uma coisa sobrenatural, uma alucinação fantástica, no meio da qual se viam passar figuras de todas as cores, de todos os feitios e de todos os tamanhos.

Muitas vezes julgareis estar nos jardins do profeta, vendo brilhar entre a máscara os olhos negros de uma huri, ou sentindo o perfume delicioso que se exalava de um corpinho de lutin que fugia ligeiramente.

Foi numa dessas vezes que, ao voltar-me, esbarrei face a face com Lorde Raglan, que acabava de chegar da Criméia e que deu-me algumas balas, não das que costuma dar aos russos; eram de estalo. Conversamos muito tempo; e o nobre deixou-me para voltar de novo à Criméia, onde naturalmente não deram pela sua escapula.

À meia-noite em ponto serviu-se no salão da quarta ordem uma bela ceia, que o Congresso ofereceu aos seus convidados e sócios. A mesa estava brilhantemente preparada; e no meio das luzes, das flores, das moças que a cercavam, e dos elegantes trajes de fantasia dos sócios, apresentava um aspecto magnífico, um quadro fascinador.

Bem queria vos dizer todas as loucuras deste último baile até as derradeiras arcadas do galope infernal; mas na quarta-feira de cinzas esqueci tudo, como manda a religião. Por isso ficais privados de muita crônica interessante, de muito segredo que soube naquela noite, mas que já não me lembro.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte 5


4- FUNÇÃO ESTÉTICA, POÉTICA, RETÓRICA ou TEXTUAL:

Aqui a atenção se dirige para os elementos da mensagem utilizados; o signo chama a atenção ou provoca uma reação pelo que ele é, não pela função prática que desempenha ou para que serve. É uma ruptura da norma, não uma ruptura do código. A intenção é produzir obra de arte e não informar. Não cabe aqui explicar as elaborações lingüísticas mas tão somente compreendê-las, fluí-las. É a função do discurso literário. Ela pode, inclusive, englobar as outras funções da linguagem.

Veja-se o seguinte exemplo:

Parolagem da Vida  C.Drummond de A.

“Como a vida muda.
     Como a vida é muda.
    Como a vida é nuda.
    Como a vida é nada.
     Como a vida é tudo.”

Você pode observar que as palavras foram selecionadas e combinadas de maneira que pudessem ser obtidos efeitos sonoros especiais. Para tanto, o poeta utilizou os seguintes recursos:

– a repetição, no início de cada verso da expressào: “como a vida...”
= o emprego, no final dos três primeiros versos, de palavras com finais idênticos: “muda”(verbo), muda (adjetivo) e “nuda”(adjetivo);
– o emprego, no 4o verso, da palavra “nada”(advérbio), de diferente vogal tônica, mas com os demais fonemas idênticos aos da palavra “nuda”, empregada no final do verso precedente;
– o emprego, no último verso, da palavra “tudo”, cuja vogal tônica coincide com as vogais tônicas das palavras finais dos três primeiros versos.
Além de combinar as palavras de forma pouco usual, visando à produção de efeitos sonoros na comunicação da mensagem, o poeta teve ainda o cuidado de selecioná-las a partir de sua expressividade significativa, conforme pode ser observado na antítese nada/tudo, nos dois últimos versos. Esse recurso procura sugerir o sentido contraditório da vida - ao mesmo tempo que “é nada”, “é tudo”, pois é a única coisa concreta de que dispomos.

Vamos agora comentar um aspecto morfossintático observado na estrofe. No 1o verso, o poeta empregou o vocábulo “muda” como verbo (intransitivo), para, no 2o verso, repeti-lo, mas como adjetivo, funcionando como predicativo do sujeito “vida”. É de grande efeito estilístico essa construção sintática, ainda mais quando conjugada com os aspectos de sonoridade e significação, já anteriormente comentados.

Os aspectos relacionados com sonoridade, significação e estruturação sintática, observados na construção da estrofe, não devem, pois, ser vistos dissociados, mas como elementos que se completam para veicular, de uma forma especial, a mensagem a ser comunicada.
Quando as palavras são selecionadas e combinadas segundo critérios semelhantes aos observados na estrofe de C.D.A. que acabamos de comentar, atribui-se à Linguagem a função denominada “estética” (ou “poética”). Esta é a função dominante na linguagem literária (sobretudo nos textos em verso), mas pode ser observada em outras situações de comunicação lingüística, como em ditados populares, letras de música e na linguagem publicitária.

A função estética traduz a intenção deliberada do autor em realçar a mensagem. A linguagem é, portanto, trabalhada de forma especial, a fim de que produza no recebedor os efeitos esperados pelo emissor. Esses efeitos podem ser de naturezas variadas.

Com a função estética a associação não é tão simples e imediata como foi vista nas outras três funções da linguagem estudadas anteriormente.

No trecho do poema de C.D.A. que comentamos, por exemplo, as palavras foram empregadas para exteriorizar o pensamento do autor. Já vimos que foram selecionadas, combinadas e organizadas cuidadosamente, de maneira a sugerir, indiretamente, que o recebedor se detenha na mensagem e reflita sobre ela. O texto não deixa, portanto, de ser uma espécie de “apelo”, se bem que subentendido.

Retomando a classificação de Bühler, podemos considerar, então que a função estética é determinada pelo arranjo especial das palavras, que são usadas simultaneamente como “exteriorização” e “apelo”.

Vejamos mais um exemplo da função estética na literatura. Desta vez, vamos encontrá-la num texto em prosa, extraído do romance GABRIELA, CRAVO E CANELA, de Jorge Amado:

   “Gabriela ia andando, aquela canção ela cantara em menina. Parou a escutar, a ver a roda rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios. Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar. Arrancou os sapatos, largou na calçada, correu pros meninos. De um lado Tuísca, de outro lado, Rosinha. Rodando na praça, a cantar e a dançar”.

A função poética se faz presente no texto:

– no ritmo progressivo e ascendente observado na seqüência dos períodos, sugerindo o desejo de Gabriela, crescente e incontido, de brincar de roda com as crianças. Desejo que acaba por se concretizar, conforme se lê nos dois últimos períodos do texto.
– na seleção de palavras terminadas em -ar: escutar, rodar, dançar, brincar.
– na estrutura sintática de alguns trechos:“Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar”
– nas combinações de vocábulos do mesmo radical: “roda rodar”, “brinquedo de roda adorava brincar”.
– nas repetições: “antes da morte... antes de ir...”, “de um lado, Tuísca de outro lado, Rosinha”.
Observação importante: A função estética pode perfeitamente existir no texto, ao lado de outras funções da linguagem. No trecho de Jorge Amado, comentado acima, ocorrem, por exemplo, mais duas funções da linguagem: a INFORMATIVA (“Gabriela ia andando...”) e a EMOTIVA (“Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar!”).
Outros exemplos da função estética da linguagem:

– em ditados populares:

“Quem casa, quer casa”.
“Quem não tem cão, caça com gato”.

– em letras de música:

Há muito tempo
que eu sei o que eu quero
Preparo, planto, espero,
Reviro, viro, arreviro (Virá!)
(Gonzaga Jr. - “Meu Segredo”)

Das considerações feitas e dos exemplos dados, podemos concluir que:
a função da linguagem será ESTÉTICA, quando, na veiculação de uma MENSAGEM, for observada a preocupação do emissor em selecionar e combinar as palavras de FORMA ESPECIAL, a fim de se obter maior efeito na comunicação dessa mensagem.

Duas observações importantes:

a)- Do que concluímos acima, pode-se deduzir que a função estética está orientada para a própria MENSAGEM.

b)- Quando estudamos as outras funções, vimos que uma outra relacionava-se diretamente com a mensagem - a função informativa. Temos, portanto, duas funções da linguagem orientadas para a MENSAGEM - a estética e a informativa.

Convém ter em mente que a diferença entre ambas se explica pelo tratamento que o emissor dá à linguagem empregada na formulação da mensagem. Para que fique bem clara essa diferença, vamos retomar um pequeno trecho do texto de Jorge Amado que comentamos anteriormente:

“Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar”.

  Só que o efeito não seria o mesmo observado no texto original. Na segunda construção, a função observada é a INFORMATIVA.

Continua…