quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Manoel Fernandes Menendes (Sete Notas Tem a Trova)


Ouço, freqüentemente, as pessoas que assistem aos nossos Jogos Florais, e que gostariam de participar, uma pergunta: 

– Como se aprende a fazer trova? 

Queixam-se, essas pessoas, de que os manuais de versificação ou, mesmo, os decálogos divulgados pela UBT, apesar de considerados excelentes, não lhes fornecem uma informação clara e precisa sobre o tema, isto é, não indicam, desde logo, um meio prático e rápido de compor, com segurança e acerto, a quadra setessilábica consagrada entre nós com o nome de “trova”, objeto de nossos concursos. 

Procurarei, neste breve espaço, resumir, a pedido do Presidente Milton Nunes Loureiro, a palestra que, sobre essa questão e com o título “A Música e a Poesia”, tenho feito, em diversas oportunidades e lugares, para facilitar a tarefa dos trovadores aprendizes. 

Dizem alguns antropólogos que o ser humano, antes de falar, cantou. Que a palavra primitiva – imitação das vozes e dos sons da natureza – era cantada. Verdade ou não, certo é que, desde remotas eras, em cerimônias religiosas ou manifestações políticas ou festas propiciatórias, a música andou de mãos dadas com a poesia, não raro também acompanhada da dança. Recordem-se, aqui, as odes líricas gregas, os salmos de Davi, os cantos heróicos de Homero, para citar apenas esses. Com o tempo, a poesia passou a ser simplesmente recitada – lida ou falada. Mas guardou indeléveis sinais de sua origem, sendo exato que a medida do verso ritmado nasceu do compasso melódico (música e dança.). Por isso, para atender ao meu propósito, sugiro um reencontro da poesia com sua velha companheira das épocas primordiais. 

Recorro, para ensejar essa reaproximação, à música popular, dela retirando exemplos que tornam acessíveis aos leigos as normas próprias do gênero literário. 

Os tratados de versificação ensinam que o verso tradicional é composto de pés ou sílabas, e que a métrica portuguesa admite os versos de uma (1) até doze (12) sílabas, alguns deles (os de 8, 9, 10, 11 e 12) com pausas obrigatórias peculiares, remanescência das velhas pausas musicais, base do ritmo. A contagem dessas sílabas é algo complicado e obedece a regras específicas. Mas, se utilizarmos o processo (que adotei) de acomodar a letra (as palavras do verso) a um molde musical preestabelecido, escolhendo uma forma para enchê-la com palavras, todas as dificuldades ficam superadas. 

Vamos à prova. 

Para modelo do verso de 12 sílabas, (o alexandrino), escolhi uma belíssima valsa de Paulo Medeyros, cantada por Sílvio Caldas: 

“Sorris da minha dor, mas eu te quero ainda, 
sentindo-me feliz, sonhando-te mais linda...” 

Com essa melodia, pode-se cantar o célebre soneto de Alceu Wamosy, “Duas almas”, escrito em versos alexandrinos: 

“Ó tu, que vens de longe! ó tu, que vens cansada...” 

Ou o famoso soneto de Bilac, “Virgens Mortas”: 
“Quando uma virgem morre, uma estrela aparece...” 

Para os versos de 10 sílabas, encontramos vários moldes, que podem ser aproveitados de diversas maneiras. 

Temos o Hino Nacional Brasileiro (“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...”), “A voz do violão” de Francisco Alves (“Não queiras, meu amor, saber da mágoa...”), “Chão de estrelas” de Orestes Barbosa (“Minha vida era um palco iluminado...”), o bolero “La barca” (“Dicen que la distancia es el olvido...”), por exemplo. Com qualquer desses conhecidos moldes, poderemos cantar estes conhecidos decassílabos: 

1 – “As armas e os barões assinalados...” 
(Camões) 

2 – “Sete anos de pastor, Jacó servia...” 
(Camões) 

3 – “Só a leve esperança, em toda a vida, 
disfarça a pena de viver, mais nada...” 
(Vicente de Carvalho) 

4 – “Vai-se a primeira pomba despertada...” 
(Raimundo Corrêa) 

5 – “Se a cólera que espuma, a dor que mora...” 
(Raimundo Corrêa) 

No caso do verso de sete (7) sílabas, metro obrigatório da trova, a coisa ainda fica mais simples, porque esse é o verso mais comum da Música Popular Brasileira. Os cantores de seresta sabem-no por experiência própria. Se não, vejamos: 

1 – “Fugindo da nostalgia, 
fui procurar alegria 
na ilusão de um cabaré...” 
(A mulher que ficou na taça) 

2 – “Olho a rosa na janela, 
sonho um sonho pequenino...” 
(Modinha) 

3 – “Vestida de azul e branco, 
trazendo um sorriso franco...” 
(Normalista) 

4 – “Nosso amor que eu não esqueço, 
e que teve o seu começo 
numa festa de São João...” 
(Último desejo) 

5 – “Estava à toa na vida, 
o meu amor me chamou 
pra ver a banda passar 
cantando coisas de amor...” 
(A banda) 

Para aplicar essas noções ao exercício da trova, costumo indicar três moldes, tomados à MPB, ao folclore e, até, à música popular italiana: “Peguei um Ita no Norte”, de Dorival Caymmi; “Meu limão, meu limoeiro”, canto folclórico; e “Torna a Surriento”, do cancioneiro napolitano. Uma trova corretamente feita, sem a necessidade de contarmos as sílabas pelos dedos, mas apenas com apoio num bom ouvido, ligando-se as palavras naturalmente, como na linguagem falada, encaixa-se, como numa luva, em qualquer desses moldes musicais. Querem experimentar? Comecemos pela toada de Caymmi: 

“Peguei um Ita no Norte, 
pra vir no Rio morá, 
adeus, meu pai, minha mãe, 
adeus, Belém do Pará...” 

Com a melodia dessa toada, é possível cantar estas trovas: 

1 – “Eu quis, na cara ou coroa 
saber se és minha ou do Zé 
fiquei na mesma. Esta é boa! 
O níquel caiu de pé!” 
Colbert Rangel Coelho 

2 – “Maria da Graça é uma 
cachopa de olhos em brasa 
vive sozinha, não fuma, 
e tem cinzeiros em casa!” 
Augusto Gil 

Com a melodia de “Meu limão, meu limoeiro” e de “Torna a Surriento” obtém-se o mesmo efeito: 

1 – “Meu limão, meu limoeiro, 
meu pé de jacarandá: 
Uma vez, tindô-lelê, 
outra vez, tindô-lalá...” 

2 – “Vide ‘o mare quant’è bello, 
spira tantu sentimento, 
comme tu a chi tiene mente, 
ca scetato ‘o faie sunná...” 

Penso que bastam essas explicações para demonstrar que o processo é prático e rápido. 

No início, o aprendiz pode exercitar-se com frases e palavras sem sentido, ligadas arbitrariamente, desconexas, procurando adaptá-las ao molde musical. Depois, adquirindo o hábito, os versos irão formar-se naturalmente, até pelo cotejo com as trovas de autores mais experimentados. E no meio, como diria o poeta espanhol, no meio “hay que poner talento”. Quanto a isto, não tenho dúvida: existe, por aí, de sobra.

Fonte:
Seleções em Folha. Ano 4. N.1 – janeiro 2000. São Paulo/SP

Manoel Santos Neto (Universo Poético da Cidade de São Luís do Maranhão I)


Na semana em que se celebraram os 393 anos de fundação da  cidade, o Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante iniciou esta série especial sobre o trabalho de grandes autores que, no mundo das letras e da canção popular, homenageiam São Luís, sobretudo retratando seus espaços urbanos, que hoje tanto encantam aos turistas e visitantes. São ruas, praças, becos, escadarias, largos e ladeiras que – pelo seu caráter singular e expressivamente poético – têm sido fonte de inspiração para inúmeras obras literárias. Uma das fontes fundamentais desta pesquisa foi o livro Breve História das Ruas de São Luís, publicado em 1962 pelo escritor Domingos Vieira Filho (1924-1981), por ocasião das comemorações dos 350 anos de fundação da cidade. 

O autor reconhece, nesta obra, que não é tarefa fácil recompor a fisionomia e a história das ruas de São Luís no passado. “Outrora nossas ruas tiveram nomes tão pitorescos quanto líricos, mudados depois à força para o de ilustres desconhecidos que, em sua maioria, não se sabe o que fizeram para merecer a honra de batizar um logradouro público”, afirma Domingos Vieira Filho. Como ele, a professora Magnólia Sousa Bandeira de Melo teve igual propósito e publicou, em 1990, o Índice Toponímico do Centro Histórico de São Luís, enfocando as ladeiras, os becos, as ruas estreitas e as escadarias de pedras da cidade. 

O escritor Pedro Braga, no livro A ilha afortunada, analisa a arquitetura de São Luís, com a imponência dos sobrados de pedra e cal, com sacadas de ferro batido, com portada em pedras de Lioz e com fachadas revestidas de azulejos. 

Outro estudioso importante nessa matéria é o professor Clóvis Ramos, autor de São Luís do Maranhão é Poesia, publicado pelo Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado (Sioge), em 1992, para marcar a passagem dos 380 anos de fundação da capital maranhense. Ele publicou antes Minha terra tem palmeiras – trovadores maranhenses; Onde canta o sabiá – com os 101 mais belos sonetos de poetas do Estado; Nosso céu tem mais estrelas – 140 anos de literatura maranhense; Nossas várzeas têm mais flores – poetas modernos do Maranhão; e As aves que aqui gorjeiam – dedicado às poetisas maranhenses. Aliás, são muitas e, por isso, nem todas puderam figurar no estudo e antologia organizados pelo autor. 

Como tantos outros compatriotas históricos – Gonçalves Dias (1823-1864), Humberto de Campos (1886-1934), Bandeira Tribuzi (1927-1977), Odylo Costa, filho (1914-1979), Lago Burnett (1929-1995), Bernardo Coelho de Almeida (1927-1996) e Lopes Bogéa (1926-2004) –, autores contemporâneos como José Chagas, Josué Montello, Ferreira Gullar, Nauro Machado, Jomar Moraes, Ubiratan Teixeira, Chagas Val, João Alexandre Júnior, Paulo Oliveira, Eloy Coelho Neto, Luís Augusto Cassas, Luís Alfredo Neto Guterres, Cunha Santos, José Maria Nascimento, Manoel Lopes, Herbert de Jesus Santos e outros também se aventuraram a explorar, poeticamente, a geografia sentimental de São Luís. Não é à toa que a cidade é louvada na melodia dos versos de vários de seus poetas e compositores. 

Além destes, cronistas e cantadores, com suas crônicas e seus cantos, louvam e engrandecem São Luís. Tanto na prosa quanto no poema e na música popular – incluindo-se aí toadas de grupos de bumba-meu-boi – a cidade é tema recorrente. Não é por outro motivo que, com freqüência, São Luís é enaltecida na veia inventiva de artistas de alma e cores maranhenses, como o lendário João do Vale, Antônio Vieira, Lopes Bogéa, César Nascimento, Beto Pereira, Alcione, Rosa Reis, Cláudio Fontana, Josias Sobrinho, Roberto Ricci, César Teixeira, Joãozinho Ribeiro, Escrete e de “amos” como Coxinho, João Chiador, Mané Onça, Mestre Leonardo Martins Santos, Apolônio Melônio, Francisco Naiva e Ivaldo, do Bumba-boi de Axixá; Chagas, da Maioba e Humberto, de Maracanã.

Insuperável no retrato da vida, tanto nos seus aspectos domésticos (como no enredo de Um beiral para os bentevis) quanto nos heróicos (no painel histórico de Os tambores de São Luís), Josué Montello teve o cuidado de construir a maioria de seus romances, com as pedras da cidade, com o azulejo dos casarões, com os mirantes dos sobrados e com o nome das ruas, praças e igrejas. Contido na prosa, no verso e na vida, ele eventualmente se derrama se o assunto é São Luís, tema obsessivo de uma boa parte de seus livros. Paixão comparável, talvez, só a que revela também por Alcântara. Num de seus volumosos Diários, Montello confirma que, no conjunto de sua obra romanesca, preocupou-se em reunir quase todos os espaços urbanos da cidade, resgatados da mesma forma em livros de diversos pesquisadores, entre os quais o escritor Jomar Moraes, autor do Guia de São Luís do Maranhão, publicado em 1989. 

Nesta obra, o presidente da Academia Maranhense de Letras mostra a cidade sob dois planos: o que ela foi e o que ela é, da poesia aos movimentos religiosos, passando pelas questões políticas, comércio e indústria, ruas, becos e sobrados, além das lendas, festas e culinária, em um passeio que se eterniza a cada página. O próprio Jomar revela que a idéia de escrever um guia de São Luís surgiu em 1980, quando ele passou um ano no Rio de Janeiro. A saudade da cidade que adotou como sua (o escritor nasceu em Guimarães) deu forma a este passeio. Ainda no Rio, montou o esquema de todos os capítulos. O projeto ficou pronto quase 10 anos depois, graças ao grande amor pela cidade e à cobrança e incentivo dos amigos. 

Viés telúrico - Uma das frases mais conhecidas do escritor russo Leon Tolstoi (1828-1910) sugere, a quem quiser falar ao mundo, que fale da própria aldeia. E, justamente por falar de sua aldeia, Josué Montello imortaliza-se em sua obra romanesca. Ele se diz um homem de província, que soube se conservar fiel a essa condição, não obstante a universalidade de 

sua cultura e de sua curiosidade. Em diversos capítulos de Os Tambores de São Luís, Montello revela o viés telúrico de seu trabalho, como na passagem em que assinala que “umas cidades têm as suas andorinhas; outras, os seus pardais; São Luís tem os seus bem-te-vis, que nascem com a luz do sol e parecem cantar com ela pelo resto do dia. De relance, dir-se-ia que voam em bando. Na verdade, ao contrário das andorinhas, voam solitários, sem prejuízo das reuniões eventuais no mesmo fio telegráfico, no beiral do mesmo telhado, nos ramos da mesma árvore”.

Como Montello, José Chagas tem verdadeira adoração pela Cidade dos Azulejos, tema constante de inúmeros de seus poemas. Aliás, o grande lance da obra de Chagas é o primoroso retrato que, ao longo de sua carreira literária, ele construiu de São Luís. O fascínio que a cidade passou a exercer sobre o poeta levou-o a compor um sem-número de crônicas e poemas, celebrando as ruas, os telhados, as pontes, moças, ondas, marés, silêncios, sobradões e bem-te-vis da velha capital maranhense. Radicado no Maranhão desde janeiro de 1948, ele lembra numa de suas obras, saudosista e com um carinho incomum, da noite em que chegou a São Luís a bordo de uma barulhenta “Maria Fumaça”, que soltava brasa contra o vento, enchendo os vagões de fuligem e sujando a roupa dos passageiros. Essa viagem de trem foi iniciada em Teresina, no Piauí, até a velha estação central da antiga Rede Ferroviária (Rffsa) no Maranhão. Ao desembarcar na Avenida Beira-Mar (onde hoje funciona o Plantão Central da Polícia Civil), o recém-chegado pediu a um chofer que o deixasse numa pensão, no centro da cidade. 

Impressionado com os mistérios do casario do Centro Histórico, José Chagas escolheu os telhados de São Luís como temática de um de seus livros. “Sempre fiquei a me perguntar sobre quantas coisas aqueles telhados acobertaram, quantas gerações passaram por baixo deles, quantas chuvas suportaram ...”. Na maior parte da sua obra, destacando-se os livros Azulejos do tempo e Apanhados do chão, Chagas faz uma homenagem a São Luís, a cidade bem-afortunada que nele encontrou um de seus mais devotados cantores. O tradicional bairro do Desterro chamou-lhe a atenção por se tratar de uma área da parte velha da cidade que mistura o sagrado e o profano: o Convento das Mercês, a Igreja do Desterro e a antiga zona do baixo meretrício. “A vida noturna de São Luís e toda a zona do meretrício eram concentradas lá. E lá era um mundo bonito, grão-fino, tanto que havia pensão lá que para entrar era preciso paletó e gravata. A zona era chique, mas acabou tudo, porque agora o meretrício é em toda parte”.

O autor de Os Canhões do Silêncio observa ainda que em São Luís há a cidade-palácio e a cidade-palafita. “As palafitas me impressionaram muito. Tanto que para escrever Maré Memória andei dias e dias conversando com aqueles palafitados, passando sobre aquelas pontes de madeira, batendo papo com aquele pessoal”. Em geral, as construções se iniciam pelos alicerces. Chagas, ao contrário, começou a construir São Luís, na sua obra literária, a partir dos telhados. Depois, descreveu o Desterro, retratou as palafitas e partiu para um de seus maiores desafios: escrever a história que caiu no lixo, baseado no fato de que cada chão de São Luís tem uma característica própria. São Luís, com sua paisagem e sua história, entra em cena, panoramicamente, no livro Os Azulejos do Tempo. Este livro não conta a história, mas se baseia em fatos históricos. 

Com seu excepcional talento literário, Bandeira Tribuzi é outro autor que enfoca em sua poesia as ruas, as praças e demais logradouros desta cidade, de tantas vias estreitas e artérias sinuosas. Sinuosas como o antigo Beco do Monteiro, que conduzia à quinta do mesmo nome, na Rua do Passeio, e o Beco da Prensa, aberto por João Gualberto da Costa para serventia da primeira prensa de algodão que se instalou no Maranhão. Compositor, jornalista, crítico literário, Tribuzi era também economista, sendo responsável, em grande parte, pelos planos econômicos que foram postos em execução por vários governos maranhenses. Hoje, muitos estudiosos reconhecem, Bandeira Tribuzi foi o líder de sua geração. Estudou em Coimbra, de onde trouxe algumas das grandes lições da moderna poesia portuguesa, notadamente a de Fernando Pessoa (1888-1935), e permanece como uma influência viva para a literatura atual. Entre outras obras, é autor do poema-símbolo de São Luís.

LOUVAÇÃO A SÃO LUÍS

Autor: Bandeira Tribuzi

Ó minha cidade,
deixa-me viver
que eu quero aprender
tua poesia
sol e maresia
lendas e mistérios
luar das serestas
e o azul de teus dias

Quero ouvir à noite
tambores do Congo
gemendo e cantando
dores e saudades
a evocar martírios,
lágrimas, açoites
que floriram claros
sóis da liberdade

Quero ler nas ruas,
fontes, cantarias,
torres e mirantes,
igrejas, sobrados
nas lentas ladeiras
que sobem angústias
sonhos do futuro
glórias do passado

–––––––––-
Continua…

Fonte:
Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante
http://www.guesaerrante.com.br/2006/1/20/Pagina650.htm. Edição 114. 20 de janeiro de 2006

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 9


Aristheu Bulhões
(Maceió/AL, 8 junho 1909 – 31 outubro 2000)

" AMOR PROIBIDO "

"Crescei, multiplicai" - disse o Senhor
mas a sua palavra o mundo olvida,
porque na Terra, justamente o amor
converteu-se na coisa mais proibida.

Ama o sol, ama a planta, o inseto, a flor,
amam todos os seres que tem vida,
é uma aurora de afeto embriagador
a própria natureza colorida.

Somente ao homem se proscreve o culto
da amizade sem mácula e defeito,
que não tem ambição e afronta o insulto.

Bem mais humano é o animal bravio
que extravasa a ternura do seu peito
quando a força do amor explode em cio!
===========

Arthur Azevedo
Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo,
(São Luís/MA, 07 julho 1855 – Rio de Janeiro, 22 outubro 1908)

" ARRUFOS "
                                                         
Não há no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos...
Um dia, uma questiúncula tivemos
Por um simples capricho, uma tolice.

— "Acabemos com isto!", ela me disse,
E eu respondi-lhe assim — "Pois acabemos!"
E fiz o que se faz em tais extremos:
Tomei do meu chapéu com fanfarrice.

E, tendo um gesto de desdém profundo,
Saí cantarolando... (Está bem visto
Que a forma, aí, contrafazia o fundo).

Escreveu-me... Voltei. Nem Deus, nem Cristo,
Nem minha mãe, volvendo agora ao mundo,
Eram capazes de acabar com isto!

" TRANSEAT  "
                                                        
Tu és dona de mim, tu me pertences,
E, neste delicioso cativeiro,
Não queres crer que, ingrato e bandoleiro,
Possa eu noutra pensar, ou noutro penses...

Doce cuidado meu, não te convences
De que tudo na terra é passageiro,
Frívolo, fútil, rápido, ligeiro...
E a pertinácia do erro teu não vences!

Num belo dia - has de tu veres - desaba
Esta velha afeição, funda e comprida,
Que tanta gente nos inveja e gaba...

Choras? Para que lágrimas, querida?
Naturalmente o amor também se acaba,
Como tudo se acaba nesta vida.

" VEM... "

Escrúpulos?... Escrúpulos!... Tolices!
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traze teu beijo ao encontro do meu beijo,
e deixa-os lá dizer que isto é doidice!

Não esperes o gelo da velhice,
não sufoques o lúbrico desejo
que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?... Farias mal... Quem disse?

Ora o dever! - o coração não deve!
A amor, se é verdadeiro, não ultraja
nem mancha a fama embora alva de neve.

Vem!... Que o teu sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
e outra vida melhor talvez não haja!
==============

Assis Garrido
(Francisco de Assis Garrido)
(São Luiz/MA, 14 agosto 1899 – 1969)

" VÊNUS "

Deusa, a teus pés a flor das minhas crenças, ponho!
Mulher, eu te procuro, eu te amo, eu te desejo!
Para a tua nudez, — a gaze do meu Sonho,
para a tua volúpia, o fogo do meu beijo.

Divina e humana, impura e casta, o olhar tristonho,
cabelos soltos, corpo nu, como eu te vejo,
dás-me todo o calor dos versos que componho
e enches-me de alegria a vida que pelejo.

Glória a ti, que, do Amor, cantaste, aos evos, o hino,
que surgiste do mar, branca, leve, radiante,
para a herança pagã do meu sangue latino!

Glória a ti, que ficaste, à alma dos homens, presa,
para a celebração rubra da carne estuante
e a régia orquestração da Forma e da Beleza!
=================

Augusto de Lima 
((Nova Lima, então Congonhas de Sabará, 5 de abril de 1859 — Rio de Janeiro, 22 de abril de 1934)

" ALMAS PARALELAS "
                   
Alma irmã de minh'alma, espelho vivo
de outro espelho fiel, que te retrata;
alma de luz serena e intemerata,
cujo influxo de amor me tem cativo!

Bem sinto que em mim vives e em ti vivo;
no entanto (e eis o desgosto que me mata! )
de amor a doce vaga me arrebata,
e não posso atingir teu vulto esquivo.

O mesmo curso têm nossos destinos,
do gozo, o mel; da dor, os desatinos,
a um nada inspiram, sem que o outro inspirem;

mas, triste some! Ó bela entre as mais belas!
Eles São como duas paralelas:
- próximos correm, sem jamais se unirem!
================

Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos
(Engenho Pau D’Arco/PB, atualmente Município de Sapé, 20 abril 1884 –  Leopoldina/MG, 12 novembro 1914)

 " IDEALISMO "

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

Olivaldo Junior (O Guarda-Chuva)


Havia chegado à idade mental em que só se sai de casa com o guarda-chuva. A chuva, inda em São Paulo, e o tal embaixo do braço. O braço do homem havia se desacostumado de abraços. Braços servem para muitas coisas, inclusive para um violão. Violão, embora tenha um braço, está sempre ocupado em segurar as cordas de que surgem as notas, que exortam canções. Sons de chuva estavam mudos, o mundo estava seco, mas o homem não largava o guarda-chuva.

A verdade é que chovia dentro dele, fizesse chuva, fizesse sol, a cada dia. Dia quer dizer variação porque não há nenhum igual ao outro. Os dias são dados que Deus joga com os anjos. Anjos são luzes que acendem quando tudo é de noite. Noite com chuva, noite em que se vai mais cedo para cama. 

Cama, mesa, armário, escrivaninha e um pouco de escrita, que o sono já vem. A vinda da chuva não chega, e o cheiro da terra se sente, e o sempre de sempre já tem: guarda-chuva quer chuva. Choveu muito por quem não vem mais, por quem não volta. Voltou-se a si mesmo: oceano. Sentiu que tinha um amigo. O amigo partiu. Amores, não, nunca. E a chuva, sempre em guarda: muda.

Fonte:
O Autor

Ilan Pellenberg (Ponto da Paixão Efêmera)


 Era linda de morrer a mulher parada no ponto do ônibus. Vinícius, debruçado sobre o parapeito de sua janela no sétimo andar, apaixonou-se por ela. O período em que o ônibus levou para chegar ao ponto e levá-la em direção ao seu destino foi o tempo de duração da repentina paixão.

 Criou um mundo de ilusões em torno da bela estranha. Entre tantos férteis pensamentos, imaginou sendo ela desquitada e, quem sabe, sendo mãe de um pequeno filho. Talvez fosse vendedora de alguma loja de roupas e artigos femininos. Devido à hora tarde da noite, poderia ser que a moça estivesse retornando do trabalho para casa. Carregava nas costas uma mochila preta e uma sacola de supermercado em uma das mãos. Quem dera estivesse ao seu lado, pensava, a fim de exercer o cavalheirismo já esquecido por grande parte dos homens ditos modernos. Queria apenas oferecer-se para segurar a mochila e a sacola que pesava em seus finos braços, seria um prazer esse pequeno favor. A gentileza, claro, seria acompanhada de um brilho no olhar e um leve sorriso estampado no canto da boca, cheio de boas intenções.

 Lembrou-se do velho binóculo guardado na gaveta de uma estante. Esse binóculo fora deixado de "herança" por seu finado bisavô polonês que morrera quando Vinícius tinha apenas seis anos. Fez pouco uso do objeto de lentes, umas poucas vezes para assistir mais de perto as confusões geradas por batidas de carro no cruzamento da esquina e para testemunhar os constantes delitos que ocorriam nos finais de tarde. A pivetada era como praga naquele bairro. Um verdadeiro terror para a gente idosa que passava por ali. Finalmente, a ‘herança’ serviria para assistir algo que realmente prestasse. As lentes aproximaram a mulher para junto dele, como num simples passe de mágica, mas a imagem estava desfocada. Deu jeito no foco e pôde, então, apreciar nitidamente os detalhes que jamais enxergaria a olho nu.

 Os olhos da moça, amendoados e um tanto ansiosos, procuravam em meio ao intenso tráfego o ônibus que a levaria dali. Para a mulher, a demora de quinze minutos era uma eternidade; para Vinícius, um deleite. Apesar do rosto e do corpo conservados, a idade era de mulher já feita, por volta dos trinta, no máximo trinta e três. Os cabelos loiros e lisos contrastavam com a pele morena de sol. Percorreu todo o seu corpo até chegar nos pezinhos enfeitados pelas unhas pintadas. Calçava sandálias brancas, dessas que deixam a mulher com ar de imponente. Sem aquelas plataformas, percebia-se que era mulher tipo mignon, como dizem por aí.

 Era nítida a ansiedade da moça. Notava-se pelos suspiros de impaciência causados pelo atraso da condução. De minuto em minuto trocava de lugar. Pegava o saco plástico e o colocava no chão, prensando-o entre as pernas já cansadas de permanecerem ali eretas, criando varizes.

 Um sujeito de bermuda, camiseta de time de futebol e chinelos posicionou-se atrás da moça. As más intenções foram logo denunciadas pelo olhar de tarado que lançava em direção às nádegas contornadas pela calça justa da mulher. Vinícius sentiu o sangue esquentar. Teve vontade de descer de onde estava e envolver o pescoço fino do sujeito em um eficiente mata-leão até lhe causar um merecido desmaio pela falta de respeito com sua amada estranha. Pensou em alertá-la através de um grito. Não, tanto o mata-leão quanto o grito excederiam os limites do senso comum e poderiam assustá-la. Além do mais, o que havia de tão grave em olhar para ela? Era impossível que um homem não se deixasse fascinar pela beleza atrativa que a envolvia. Não demorou muito e o homem com olhos impuros subiu num ônibus qualquer e foi-se para longe dali. E novamente ela pertencia somente a Vinícius.

 Ele percebeu, de repente, um certo ar de alívio no rosto da amada. Era o ônibus que estava chegando finalmente. Em frações de segundos a moça não estava mais lá com a mochila, o saco plástico e as sandálias brancas. O coletivo, como um grande monstro sobre quatro rodas, engoliu a pobre moça sem deixar vestígios do seu nome ou telefone. Vinícius acompanhou de cima do prédio o ônibus partir. Tinha a esperança de vê-la pela última vez, nem que fosse um pedaço do seu fino braço. No banco onde ela se assentou, na fileira do lado oposto à sua visão, Vinícius não pôde alcançá-la. O ônibus partiu e levou de vez a mulher do ponto.

 Ela jamais soubera que naquela noite agraciara com sua beleza o coração de um homem que olhava por um acaso a vida passar. Foi efêmera aquela paixão. Da sua janela, Vinícius sonhara em envelhecer ao seu lado e, se necessário fosse, morrer de amor por ela. Uma vida inteira Vinícius viveria ao lado de Maristela. Esse era o nome que inventara para ela.
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Sobre o Autor
llan Pellenberg Dantas dos Santos (1976), é carioca. Formado pela Universidade Estácio de Sá em Publicidade e Propaganda, quando estagiava nas rádios Tupi FM (hoje Nativa) e no Sistema Globo de Rádio redigia textos que eram lidos no programa noturno “Toque de Amor”. Criava, também, textos publicitários de chamadas promocionais dos patrocinadores dos programas daquelas emissoras. Trabalha como coordenador de eventos empresariais na empresa Anima Eventos.

Fonte:
http://www.releituras.com/ne_ilanp_ponto.asp

Soares de Passos (Sócrates)


Já próximo do ocaso vai descendo
O sol ao mar inquieto,
Os moribundos raios estendendo
Nas alturas do Hymeto;
E Sócrates, sentado sobre o leito,
Inda aos alunos fala,
No silêncio geral notando o efeito
Da razão que os abala.
A verdade sublime lhes revela
Em palavras ignotas,
Suaves como a voz de Filomela
Ou do cisne do Eurotas.
Cebes, o próprio Cebes emudece,
Simias já não duvida:
Nus olhos do inspirado resplandece
Um Deus e a eterna vida!

Mas o sol expirava: era o momento
Que Atenas decretara:
Cumpre os deuses vingar: o sábio atento
À morte se prepara.
Os discípulos tremem, contemplando
O dia já no resto;
Eis o servo das onze entra chorando
No cárcere funesto.
O círculo cruzando, a brônzea taça
A Sócrates estende;
O filósofo a empunha com a graça
Que nos festins resplende.
«Ergamos, disse, nossa prece Aquele
«Que ao longe nos convida,
«Por que seja feliz por meio d'Ele
«A viagem temida.»
E aproximando intrépido e sereno
A líquida cicuta,
Como néctar a esgota, e do veneno
Entrega a taça enxuta.

Um lamento geral, um só transporte
Percorre em torno o bando
Dos alunos fiéis, chorando a sorte
Do mestre venerando.
Apolodoro geme; sucumbindo,
Críton lhe responde;
Fédon abaixa os olhos, e carpindo
No manto o rosto esconde.
Ele sem vacilar, ele somente,
Sorrindo á turba ansiada:
«Amigos, que fazeis? um sol fulgente
«Me luz em nova estrada.

«De presságios felizes rodeemos
«Os últimos instantes!
Chore quem não tem fé – nós que já cremos,
«Nós sejamos constantes!»
Disse, e deixando o leito em que jazia,
Sereno move o passo,
Que o veneno letárgico devia
Obrar pelo cansaço.
Das grades se aproxima, olha o Pártenon,
Olha os muros d'Atenas,
O Falero, o Pireu e as que lhe acenam,
Regiões tão serenas;
Olha os céus, olha a terra, a luz do dia
Expirando nas vagas,
E de harmonias tais se ergue à harmonia
De mais ditosas plagas.
Depois, volvendo ao leito, diz a tudo
O adeus de despedida:
Cobre o rosto co manto e aguarda mudo,
O instante da partida.

O veneno progride, e já do efeito
Redobra a intensidade;
Dos membros se apodera, sobe ao peito,
E o coração lhe invade.
Estremeceu! do gélido trespasse
Era enfim a agonia...
O executor lhe descobriu a face:
Sócrates não vivia!

Triunfa, cega Atenas, ao martírio
O sábio condenaste,
E d'olímpicos deuses no delírio
A razão enjeitaste;
À voz do Areópago, à voz de ferro
Sufocaste a doutrina:
A verdade sucumbe, a sombra do erro
No mundo predomina.

Mas que estrela futura se levanta
Rasgando a escuridade?
Que palavra ressoa, e o mundo espanta
Pregando a alta verdade?
E ele, e ele, o prometido às gentes
Na voz das profecias!
Curvai, ó gerações, curvai as frentes
Ao Verbo do Messias!

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Teatro de Ontem e de Hoje (Dois Perdidos Numa Noite Suja)


Estréia profissional de Plínio Marcos, autor de textos marcadamente ligados ao universo da marginalidade, que enfrenta longa luta contra a censura ao longo dos anos 1960 e 1970, tornando-se um símbolo de resistência.

A primeira montagem de Dois Perdidos Numa Noite Suja, ocorre no Bar Ponto de Encontro, da Galeria Metrópole, em São Paulo. O impacto vem, inicialmente, de sua forma extremamente despojada: apenas dois homens conversam, Paco (Plínio Marcos) e Tonho (Ademir Rocha), num paupérrimo quarto de pensão, sobre a dura sobrevivência. A aspereza do diálogo vai atingindo contornos grotescos e absurdos, perceptíveis na briga desencadeada em torno de um par de sapatos; o clima de desamparo e desespero crescentes levará à agressão física e ao assassinato de Tonho. O ponto de partida para a construção do texto veio de um conto de Alberto Moravia, O Terror de Roma. 

Defendendo sua própria criação, Plínio atinge como ator todas as nuanças exigidas pela personagem Paco. A direção de Benjamin Cattan é discreta, apenas um amparo para o texto evidenciar toda a sua potência. A boa acolhida junto aos críticos leva a montagem a ser transferida para o Teatro de Arena, logo ganhando a adesão do público.

"Há no conflito de Dois Perdidos uma evolução crítica sobre a dissolução das classes (...) uma linguagem emocionante, despojada, termostática nas graduações da temperatura social e dramática, em que a palavra sobe e desce para determinar as situações humanas, levadas de limite em limite até o extremo fatal e inexorável de uma realidade que condena. (...) O final da peça é a hemorragia do câncer. Impiedoso. Cruel. Anti-romântico.", salienta o crítico Alberto D'Aversa num de seus comentários sobre a realização paulista".1

Em 1967, um ano após a montagem original, uma outra encenação, agora dirigida no Rio de Janeiro por Fauzi Arap e protagonizada por ele e Nelson Xavier, é aclamada por público e crítica. O texto é transportado para as telas, em filme realizado por Braz Chediak em 1970, ganhando várias remontagens no decorrer das décadas seguintes. Em 2003, José Joffily filma um adaptação de Paulo Halm para o texto, na qual Paco (Débora Falabella) e Tonho (Roberto Bontempo) são dois imigrantes ilegais em Nova York.

Nota 

1 D'AVERSA, Alberto. Dois Perdidos Numa Noite Suja. Diário de São Paulo, São Paulo, 27 dez. 1966.

Fonte:

Ivan Herzog de Oliveira (Namoro nos Anos Dourados)


Arranjou uma namorada carioca, coisa linda de morrer, no seu tipo mignon, na sua tez morena de menina de Copacabana. Conheceu-a em Petrópolis e entre as muitas cartas trocadas, havia sempre um fim-de-semana para ir encontrá-la no Rio. 

Eram os anos dourados, fins da década de 50, fim de um tempo que não volta mais. 

Embora maiores de idade, o namoro, pelo menos da parte dela, era mantido em segredo perante seus parentes. 

E os dois adoravam quando se encontravam, quando conseguiam se falar por telefone, até gozando os momentos que passariam juntos no sábado e marcando os detalhes para irem à praia ou a uma festa em casa de parentes dele, que os tinha no Rio. 

A única praia que podiam freqüentar era a Praia Vermelha, na Urca. Razão: a única que dispunha de cabines para a troca de roupa, pois ele não poderia sair de Petrópolis, tomar um lotação para Copacabana na Praça Mauá e de lá, da Rua Barata Ribeiro, tomar outro lotação até a Av. Pasteur onde saltavam e iam a pé até a Urca, vestindo um short ou uma bermuda, coisa que qualquer garotão faz hoje. Naqueles tempos dourados, nem pensar. Ainda havia decoro e respeito pelo próximo. 

Esta era a odisséia do nosso herói, cada vez que descia para encontrar seu amor. 

Sair de Petrópolis bem cedo, saltar na praça Mauá, embarcar em um bólido Mauá-Copacabana, geralmente dirigido por um alienado, descer na Barata Ribeiro, esperar sua namorada quase uma hora na porta do edifício onde ela morava, andar até a N. S. de Copacabana e lá embarcar em outro bólido que passasse pelo Iate Club, onde saltavam e depois de uma última caminhada, a triunfal chegada à praia. 

Mas, em nome do amor e pelo amor, se faz qualquer sacrifício, para que ele “seja eterno enquanto dure”, não é verdade, Vinícius de Moraes? 

Em um desses dias, depois dessas peripécias todas, heis os dois à beira-mar, prontos para o primeiro e refrescante mergulho nas águas outrora límpidas. 

De pé sobre umas pedras quase à flor d’água, quando a mansa onda vem, ela grita e mergulha “Vamos, meu bem!” 

Por uma fração de segundo ele titubeia. Quando a onda vai, ele também. Sai da água metros adiante, ainda dando pé. Ela já o aguarda, pronta para lhe dar um caldo, e se possível, trocar um furtivo beijo, coisa rápida e esquiva, não era como essa chupação que se vê hoje em dia em qualquer lugar, a qualquer hora do dia. Aqueles eram os anos dourados! 

Onde é que eu estava mesmo? Ah! Nosso herói se espanta com a cara de espanto da sua amada. Ela está simplesmente horrorizada! 

– Meu amor, o que aconteceu? Você está coberto de sangue, da cabeça até a cintura. 

Realmente. Ao mergulhar, ele raspara toda a parte frontal do corpo no fundo, na areia cheia de pedacinhos de mariscos e conchas. Do alto da testa até aos joelhos. A água salgada não o deixara sentir assim de pronto, o que acontecera. 

– Vamos já para o pronto-socorro! 

– Não é preciso, meu bem. Foi superficial, nenhum arranhão mais profundo... 

– Não senhor. Vamos já. Ali em frente tem uma farmácia. 

Na farmácia, um vidro de mercurio-cromo foi fartamente aspergido pelos arranhões. O sangue parou de correr, mas o dito cujo ficou parecendo um índio pintado para a guerra com os caras-pálidas. 

Depois dessa, nada mais a fazer do que recolher a roupa, trocá-la entre gemidos e fazer todo o percurso inversamente, mas chamando a atenção de meio mundo para eles. Ela, se desdobrando em cuidados e carinhos para com seu amado e ele, com a cara mais infeliz do mundo. 

Ao chegar em casa, de tardinha, a mãe se espanta: 

– Meu filho! Que foi isso? Você foi atropelado? Eu não te disse para não se meter a namorar no Rio? 

– Não, mãe. Não foi nada disso. Não é nada grave. O diabo não é tão feio como o pintam... 

Fonte:
Arca de Não É, 1993 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 766)



Uma Trova de Ademar  

Quando se manda um bilhete
para alguém que a gente gosta,
se faz logo um balancete,
quando não vem a resposta!
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Quem nas letras se revela,
quem canta o bem existente, 
quem a vida, em rimas sela, 
é Poeta, é diferente ! 
–Lóla Prata/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Qualquer inveja revela
uma doença infinita,
que deixa a maior sequela
nos corações onde habita.
–Marcos Medeiros/RN– 

Uma Trova Premiada  

1999 - Cachoeiras de Macacu/RJ 
Tema : CORRENTEZA  1º Lugar 

Veja, filho, infelizmente
como o tempo é rude e vário: 
Você, correnteza á frente... 
eu, correnteza ao contrário!... 
–Eduardo A. O.Toledo/MG – 

...E Suas Trovas Ficaram  

A gente nem sempre alcança 
o que a esperança prediz, 
porém... viver de esperança 
é um modo de ser feliz... 
–João Freire Filho/RJ– 

U m a P o e s i a  

O mendigo que sofre só reclama 
pede a bênção de Deus, nossa senhora 
quando entra na loja vão embora 
quando passa na rua ninguém chama, 
uma calça que veste é cor de lama 
a camisa que usa é cor do chão, 
ele é mais humilhado que um cão 
sem família, sem pão e sem abrigo; 
nos fiapos das roupas do mendigo 
tem visíveis sinais de humilhação. 
–Nonato Costa/CE– 

Soneto do Dia  

SONETO DA REGENERAÇÃO. 
–Djalma Mota/RN– 

Sabemos que tem gente para tudo.. 
Tem até quem não goste de poesia! 
Este, certamente de alma vazia, 
tem no seu peito um coração miúdo 

Poesia é sentimento de alegria. 
É a força da expressão e, sobretudo, 
transmissora eficaz do conteúdo 
da essência que o poeta sempre cria. 

Quem se opõe a poesia é desalmado! 
Não merece amar e nem ser amado! 
É um ser tristonho, de amargor profundo... 

Porém, nem sempre é tarde a fazer parte 
deste movimento que expressa a arte, 
capaz de congraçar o amor no mundo.