quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 28

CAPÍTULO XX

O Aguiar, ao lhe constar a entrada de Teobaldo para o escritório do tio, esteve a perder os sentidos, tal foi o abalo que lhe produziu a notícia; mas, ordenando as suas idéias e meditando o fato, tocou logo para a casa de Leonília, disposto a por mão em todos os meios que lhe servissem de arma contra o rival.

— Aposto que não adivinhas o que aqui me traz!... Principiou ele, assim que a cortesã lhe apareceu no patamar da escada.

— Saberei se mo disseres…

— É uma revelação de amigo…

— Uma revelação? Entra.

— Com licença.

E, assentando-se defronte dela:

— Ainda gostas muito de Teobaldo?

— Loucamente, por quê?

— Sentirias muito se ele te abandonasse?

— Se me abandonasse? Mas que queres dizer? Há alguma novidade? ele tenciona sair do Rio? Anda! Fala por uma vez!

— Não, não é isso…

— Então que é? Desembucha!

Aguiar estendeu as mãos uma contra a outra, em sinal de casamento e fez um trejeito com os olhos. Casar? Ele? Exclamou Leonília empalidecendo repentinamente. — Ele vai casar?!

— Está tratando disso e é natural que a consiga se lhe não cortarem os planos... Só uma pessoa o poderia fazer e essa pessoa és tu.

— Eu?! Disse ela, afetando indiferença. — Ora, que me importa a mim! Que se case quantas vezes quiser!

Mas puxou logo o lenço da algibeira, escondeu os olhos e atirou-se depois sobre o divã, soluçando aflita.

— Bom, bom! Pensou o rapaz — com esta posso contar!...

E foi assentar-se ao lado da cortesã, para lhe expor o caso minuciosamente.

Soprou-lhe em voz baixa o nome da noiva, o número da casa do tio, falou sobre este e sobre Mme. de Nangis e terminou dando parte do novo emprego de Teobaldo.

— Se aquele patife continuar mais algum tempo no escritório, segredou ele, estará tudo perdido! É preciso antes de mais nada arrancá-lo dali. Conheço-lhe as manhas, é capaz de enfiar um camelo pelo ouvido de uma agulha!... Trata de evitar o casamento e podes, além do resto, contar com uma boa recompensa de minha parte. Adeus.

Leonília deixou-o sair, sem lhe voltar o rosto, nem lhe dar uma palavra. Só alguns minutos depois, ergueu--se, passou as mãos pelos cabelos das fontes, suspirou prolongadamente, mirou-se no espelho que lhe ficava mais perto e apoiou-se a um móvel, com o olhar cravado em um ponto da sala.

— Miserável! Balbuciou ela depois de longa concentração. — Miserável! E ele que nunca me falou nisto... Iludir-me por tanto tempo!... Tinha um casamento ajustado, tinha um namoro, e eu supondo que era amada!... Ah! Quando me lembro que ainda ontem lhe disse que seria capaz de tudo por causa dele, que tudo suportaria para não me privar dos seus carinhos!... Oh! Mas hei de vingar-me, hei de fazê-lo sofrer o quanto for possível, hei de persegui-lo enquanto durar o meu amor! Ou este casamento será desmanchado ou Teobaldo não terá mais um momento de repouso em sua vida!

E desde então principiou Leonília a fazer planos de vingança, a imaginar maldades e represálias contra o amante, disposta a não lhe deixar transparecer o menor indício das suas intenções; mas, na primeira ocasião em que Teobaldo esteve ao seu lado, ela não se pode conter e, entre soluços, deixou rolar contra ele a formidável tempestade de ciúmes que a tanto custo reprimia.

— É exato, respondeu o moço sem se alterar. Já que sabes de tudo confesso-te que vou casar.

— Hipócrita!

— Hipócrita, por quê? Então não posso dispor de mim?

— Não, decerto! A não ser que tenciones me dar o mesmo destino que teve a pobre Ernestina!

Teobaldo fez um gesto de contrariedade e Leonília acrescentou:

— Não, de certo, porque, quando uma mulher ama como eu te amo, não pode consentir que o seu amado se case com outra!

— Mas, filha, é preciso ser razoável!... Querias então que eu fosse eternamente o teu amant de coeur?... Querias que eu não tivesse outras aspirações, outros ideais, senão representar a indigna e falsa posição que represento aqui nesta casa, que não é paga só por mim?... Oh! Já tive ocasião de provar-te que não ligo importância a tudo isto!

— Sim, mas não compreendes que tenho aspirações e prezo o meu futuro? não vês que seria loucura de tua parte contar comigo para toda a vida?... Oh! Às vezes nem me pareces uma mulher de espírito!

— E amas tua noiva?

— Se não a amasse, não desejaria casar com ela.

— Dize antes que lhe cobiças o dote; serias, ao menos, mais delicado para comigo.

— Bem sabes que eu não minto...

— Quando não te faz conta!...

— Desafio-te a citares uma mentira minha!

— Ora! Não tens feito outra coisa até agora, escondendo de mim os teus projetos de casamento.

— Não! Isso seria falta de franqueza, mas nunca mentira.

— E mentir fazer acreditar em um amor que não existe.

— Eu nunca fiz semelhante coisa! Não fui eu quem te iludiu, foste tu própria!

— Confessas então que nunca me amaste, não é assim?

— A que vem esta pergunta?... Amar! Amar! Oh! Como tal palavrão me enjoa e apoquenta!

— É porque és um cínico!

— Não, é porque "amor" nada exprime, é um palavrão sem sentido; fala-me em simpatia, em gostar de ver alguém e senti-lo ao seu lado; fala-me na estima e no apreço em que temos os bons e os generosos, e eu te compreenderei e eu te direi que te aprecio e te quero!

— Vais me oferecer a tua amizade. Aposto.

— Não te posso oferecer uma coisa que dispões há muito tempo... O que eu desejo é apelar justamente para essa amizade e pedir-te em nome dela que não sejas um obstáculo ao meu futuro e A minha tranqüilidade.

— Não te compreendo.

— Meu futuro baseia-se todo neste casamento.

— E vens pedir que eu te auxilie?...

— Sim.

— Pois desiste de tal idéia!

— Não queres me proteger?

— Quero guerrear-te.

— Ah!...

— Hei de fazer o possível para que o teu casamento nunca se realize!

— É assim que és minha amiga?...

— É assim que sou rival de tua noiva! Hei de fazer o que puder contra ela! És meu! Amo-te! Hei de defender-te de toda e qualquer mulher, seja uma das minhas ou seja uma donzela de quinze anos!

— Queres então que eu me arrependa de haver consentido em ser teu amante?

— Não sei! Quero é que não me deixes! Sou muito mais velha do que tu; espera que eu morra e casarás depois com uma das que aí ficarem.

— És má!

— Sou mulher.

— Adeus.

E fez alguns passos na direção da porta; ela atirou-se-lhe no pescoço e começou a soluçar, beijando-o todo, sofregamente, como quem se despede do cadáver de um ente querido a que vão sepultar.

Teobaldo, entretanto, conseguiu desviar-se-lhe dos braços e saiu, disposto a nunca mais tornar ao lado dela.

Mas, no dia seguinte, às duas da tarde, trabalhava no escritório do patrão, quando viu parar à porta o carro de Leonília e logo, em seguida, entrar esta pela casa, à procura do Sr. comendador Rodrigues de Aguiar.

— O comendador não está, disse-lhe um caixeiro. Leonília perguntou a que horas o encontraria; o caixeiro respondeu, e ela saiu com o mesmo desembaraço com que entrara.

Teobaldo, mal ouviu bater a portinhola do carro, atirou para o lado a correspondência, pôs o chapéu, abandonou o escritório, tomou um tílburi e seguiu na pista da cortesã. Quando esta se apeava à porta de casa, ele surgiu ao lado dela.

— Que deseja de mim? Perguntou Leonília parando à entrada.

— Pedir-lhe um favor.

— Agora não lhe posso prestar atenção. Adeus.

— Olha! Ouve!

Ela não respondeu, arrepanhou as saias, galgou a escada e Teobaldo ouviu bater em cima uma porta fechada com arremesso. Tornou à rua estalando de cólera.

— Maldita mulher! Pensou ele. Maldita mulher, que tanto mal me faz!

E, quando mais reconsiderava as vantagens do seu casamento, mais furioso ficava contra Leonília e mais apaixonado se supunha pela graciosa filha do comendador. Meteu-se de novo no tílburi e mandou tocar a toda força para o colégio onde trabalhava o Coruja. Era uma idéia que lhe aparecera de repente. E assim que viu o amigo:

— Arranja uma saída já! Disse-lhe, sacudindo a mão dele entre as suas. Preciso de ti no mesmo instante. É um caso urgente. Vem daí!

O Coruja, meio contrariado por interromper a sua obrigação, mas ao mesmo tempo já em sobressalto com as palavras do amigo, não se fez esperar muito. — Então, que temos? Perguntou logo que se viu a sós com Teobaldo na rua.

— André, preciso que me prestes um serviço, um verdadeiro serviço de amigo: Leonília quer desmanchar o meu casamento; é necessário convence-la do contrário. Só tu me poderás fazer isso; és o único homem sério de que disponho! Vai ter com ela e chama-a à razão! Fala-lhe com franqueza, promete-lhe o que entenderes, contanto que a convenças!

— Ela ameaçou-te de fazer qualquer coisa?

— Nem só ameaçou, como até já foi ao escritório do comendador procurá-lo!.

— Falou-lhe?

— Não porque felizmente ele não estava em casa, mas volta amanhã sem dúvida ou talvez ainda hoje mesmo, e tu bem sabes que, se ela fala ao comendador, estou perdido! E adeus casamento, adeus futuro, adeus tudo!

— E preciso então ir já?

— Sim, imediatamente! Olha! Mete-te no tílburi e vai, anda!

Coruja fez ainda algumas perguntas, tomou certas informações e afinal seguiu para a casa de Leonília.

Veio ela própria recebe-lo, fê-lo entrar para a sala e assentou-se-lhe ao lado. Só então o pobre André avaliou o alcance do seu compromisso; achou a comissão mais difícil do que julgara e a si próprio mais fraco do que supunha; mas vencendo o acanhamento, principiou sem transição:

— Sabe, moça, eu venho aqui para lhe pedir um favor...

— O senhor é o amigo de Teobaldo, não é verdade?

— Sou eu mesmo.

— O Coruja, não?

— Justamente.

— Que favor deseja pedir?

— Que a senhora não faça a desgraça do nosso amigo.

— Como?

— Desmanchando-lhe o casamento.

— Ele então já lhe falou nisso?

— Já, e eu vim pedir à senhora que tenha pena do pobre rapaz.

— E ele teve pena de mim, porventura? Ele não calculou que com esse casamento fazia a minha desgraça? Não se lembrou de que há já um bom par de anos que nos amamos e eu não poderia de braços cruzados vê-lo atirar-se nos de outra mulher?... Ele não calculou tudo isso?

— Mas é necessário, replicou André.

— Para quem? perguntou a rapariga.

— Para ele.

— Pois também é necessário para mim que ele não case.

— Não tanto...

— Não tanto? Ora essa! Por quê?

— Porque a senhora já tem, boa ou má, a sua vida constituída, e ele precisa fazer um futuro, precisa arranjar uma posição.

— Ora!

— E que talvez a senhora não esteja bem informada, as coisas nunca se acharam para ele tão ruins! Teobaldo está em uma situação crítica, muito critica; se não consegue realizar este casamento, fica perdido, perdido para sempre, e, como lhe conheço bem o gênio, receio pela vida dele!...

— Outro tanto não faz ele a meu respeito.

— Ah! ,Mas a senhora não se vê nos mesmos apuros...

— Engana-se, meu amigo, estou até em muito piores condições. Todo este luxo que o senhor tem defronte dos olhos não significa opulência, significa miséria!... Sou mais infeliz do que qualquer das minhas companheiras, porque tenho coração, porque sinto e conheço o terreno em que piso, e sei avaliar cada passo que dou neste tristíssimo caminho de minha vida! Ah! Vêem-me rir; vêem-me zombar de tudo e de todos, e no entanto só eu sei o que vai cá por dentro! Sofro e sofro mais do que ninguém! Cada beijo que tiro dos meus lábios para vender, é mais uma fibra que me estala nalma! Oh! Daria todo o meu sangue para não ser quem sou!

O Coruja principiava a comover-se.

— Mas... Prosseguiu Leonília, o senhor no fim de contas tem toda a razão: meu amor não é como o amor das outras pessoas, o meu amor, em vez de elevar, humilha e rebaixa! Quanto mais delicada, quanto mais escrava e amiga me fizer de Teobaldo, tanto mais o prejudico! Tem toda a razão! E indispensável que eu me afaste dele por uma vez! E preciso que eu acorde deste sonho para cair de novo na triste realidade do meu destino! Que importa que isso agrave os meus sofrimentos; que os torne perigosos; que os torne fatais?... Que importa, se nada lucram os outros com a minha vida ou perdem com a minha morte?... Ele quer abandonar-me? Pois não! Faz o seu dever obrará como um "rapaz de juízo"! Todos os homens sérios e refletidos aplaudirão esse ato! Ele quer casar? Nada mais justo! O casamento é a moral, é a ordem, é a dignidade no amor! Pois alguém lhe perdoaria abandonar um casamento vantajoso só para impedir que sucumba uma desgraçada, uma mulher perdida? Ninguém, decerto! Ah! Tudo tem seu tempo! Amou-me enquanto podia e precisava amar-me; depois nada mais tem que fazer a meu lado e vai buscar o que lhe convém, o que serve para o seu futuro! Aqui não se trata de mim; trata-se dele apenas; eu que não fosse tola! Quem me mandou tomar a sério o que não devia passar de uma brincadeira, de um capricho? Quem me mandou a mim sonhar com felicidades que me não pertencem?... Pois não devia eu calcular logo que as desgraçadas de minha espécie só tem direito à libertinagem, ao vício e à eterna degradação?...

E Leonília rompeu em soluços.

Não se mortifique... aconselhou o Coruja, sem achar o que dizer.

— Ah! Sou muito, muito desgraçada! Ninguém poderá calcular o quanto sofre uma mulher nas minhas condições, quando ela não sabe ser quem é e quer se dar à fantasia de revoltar-se contra o seu próprio meio! Por todos os lados sempre a mesma lama: o que se come, o que se veste, o que se gasta, é tudo prostituição; nada que não tenha a mancha de podre! E no entanto uma coisa boa e pura me restava ainda no meio de tanta imundícia: era o meu amor por Teobaldo; esse não tinha sido contaminado pelo resto... Quando eu me sentia aviltada por tudo e por todos, refugiava-me nele, lembrava-me de que o amo sem interesses mesquinhos, sem hipocrisias, nem baixezas; e esta idéia me fazia por instantes esquecer de mim mesma, esta idéia como que me transformava aos meus próprios olhos, e eu me supunha menos só no mundo e menos prostituta! Agora, querem arrebatá-lo; querem tomar-me o único pretexto que eu tinha para viver... Pois levem-no! Mas, oh! Por quem são! Deixem-me morrer primeiro! Não há de custar tanto!

— Não pense nisso!

— E do que me serve a vida sem Teobaldo?... E que o senhor não conhece, não pode imaginar o que é a existência de nós outras, mulheres perdidas! E simplesmente horrível! Hoje ainda encontro quem me ampare, porque não estou de todo acabada; mas amanhã os homens principiarão a desertar e as suas vagas representarão mil necessidades — Depois a moléstia, a fome completa e afinal — "Uma esmola por amor de Deus!" Eis aí o que me espera, como espera a todas as minhas iguais! Atravessamos uma existência de vergonhas para acabar num hospício de idiotas ou num hospital de mendigos! Pois bem! Com a idéia em Teobaldo, eu me esquecia desse futuro implacável; bem sei que ele nunca me recolheria de todo à sua guarda... Quem sou eu para merecer tanto?... mas dizia comigo "Ele, coitado, tem-me amor, nada me pode fazer por ora; mais tarde, porém, quando me vir totalmente desamparada, virá em meu socorro e não consentirá que eu morra como um cão sem dono !"

— E quem lhe disse que ele não olhará pela senhora?... Por que o há de supor tão mau?

— Ah! Mas uma vez casado, a coisa muda logo de figura... Não há homem que se não modifique deixando o estado de solteiro! Quando eles até então só amam a mulher com que se casam, mal a possuem esquecem-na por outra; e, se antes do casamento já se dedicavam a qualquer amante, será esta sacrificada à legítima esposa. Esta é a lei geral; esta há de ser a lei de Teobaldo!

— Mas, segundo me parece, isso não impede que ele seja eternamente grato aos desvelos que a senhora lhe dedicou.

— Sim, creio, e é justamente por esse motivo que eu nada esperarei dele depois do casamento. Uma mulher aceita a compaixão seja de quem for e pelo que for, menos do seu amado, em substituição da ternura.

— Pois se lhe repugna aceitá-la das mãos dele, pode recebe-la das minhas; comprometo-me a olhar pela senhora.

Leonília, ao ouvir isto, voltou-se de todo para o Coruja e mediu-o em silêncio com os olhos ainda congestionados pelo choro. "Que significaria aquela proposição?..."

— O senhor tenciona tomar-me à sua conta?... Perguntou ela surpresa. Tenciona fazer-se meu amante?

André tornou-se vermelho e balbuciou:

— Está louca?

— Mas não é essa a proposta que acaba de fazer?

— Eu lhe ofereci apenas o meu auxílio pecuniário...

— Quer ser então o meu protetor?

— Quero opor-me à desgraça de Teobaldo.

— Quanto o senhor é amigo daquele ingrato!

— Se a senhora se acha disposta a sair do Rio de Janeiro, arranja-se-lhe o necessário para a viagem. Concorda?

— Sim; creia, porém, que é mais pelo senhor do que por ele.

— Obrigado. Amanhã mesmo lhe chegará o dinheiro às mãos. Adeus.

Leonília foi acompanhá-lo até à porta e o Coruja saiu para ir ter com Teobaldo.


— Bonito! Exclamou este, quando o amigo lhe prestou contas da sua comissão — Fizeste-la bonita!

— Como assim?

— Pois tu foste prometer dinheiro à mulher? Não sabes que não tenho onde ir buscá-lo?

— Dividiremos a despesa... eu posso arranjar a metade. Creio que, se lhe mandarmos uns duzentos mil réis.

— Duzentos mil réis! Isso nem dobrado vale nada para ela! Não conheces esta gente! Foi o diabo!

— E quanto entendes tu que é necessário dar-lhe?

— Sei cá! Nunca menos de cem libras esterlinas!

— Um conto de réis!

— Com menos disso duvido que ela se vá embora!

— Há de se lhe dar um jeito! Não te aflijas.

— E que eu estou sem vintém!

— Arranja-se...

— Não admito que te sacrifiques tão estupidamente! Ora essa!

— Descansa que não me sacrificarei.

Mas, ao tirar-se daí, André foi direitinho à sua secretária, sacou de uma das gavetas um pequeno pacote de notas de cem mil réis, meteu-o no bolso e saiu. Quando tornou ao lado de Teobaldo, disse-lhe:

— Sabes? Está tudo arranjado.

— Hein? Como? Ela parte?

— Sim. Levei-lhe em teu nome oitocentos mil réis. Seguirá no primeiro paquete para Buenos-Aires e não tornará cedo ao Brasil.

— Ó desgraçado! Querem ver que lhe deste as tuas economias!

— Não; apenas o que fiz foi adiantar-te o dinheiro; depois de casado me pagarás.

— Nesse caso vou passar-te uma letra.

— Para que? Não precisa.
––––––––––––––
continua…

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Trovas em Imagens 262 - Dorothy Jansson Moretti (Sorocaba/SP)

Montagem obtida no Facebook da autora

Maria Fernanda Rodrigues (Aspirantes a escritor evitam o ‘não’ das editoras recorrendo a prêmios)

Concursos apresentam ao leitor brasileiro uma nova safra de autores que talvez não entrariam em grandes editoras.

Há prêmios que reconhecem o trabalho de um escritor ou a qualidade de um livro e dão um respiro à saúde financeira dos literatos – muitas vezes precária, já que é consenso dizer que não se vive da venda de direitos autorais. Na terça-feira (13), foram anunciados os finalistas do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura, que premia o autor do melhor romance com R$ 150 mil. O Prêmio São Paulo de Literatura encerrou as inscrições – concorrem 187 obras. Este ano, ele passa a premiar em três categorias: melhor romance (R$ 200 mil), melhor romance de autor estreante com menos de 40 anos (R$ 100 mil) e melhor romance de autor estreante com mais de 40 anos. O Portugal Telecom, que paga R$ 50 mil aos vencedores das categorias romance, conto/crônica e poesia e mais R$ 50 mil ao melhor dos três, revela até meados de setembro quem está no páreo. Existem outros nessa linha, como o Jabuti, o Paraná, o Benvirá etc.

E há prêmios que priorizam a produção literária de jovens autores ou de autores que nunca publicaram. Os melhores exemplos são os do Prêmio Governo de Minas Gerais, que ainda não lançou o edital deste ano, mas que tem uma opção interessante para jovens escritores mineiros (entre 18 e 25 anos): o autor do melhor projeto de livro ganha R$ 25 mil para tocá-lo adiante. E o Prêmio Sesc, que só aceita originais de autores inéditos nos gêneros romance ou conto.

Desde que foi criado há 10 anos, o Prêmio Sesc apresentou aos leitores brasileiros uma nova safra de escritores que talvez não teriam entrada em grandes editoras. Já revelou 18 escritores das mais diferentes profissões – um professor universitário de química, um servidor público, uma estudante, um redator publicitário, um psicanalista e por aí vai. Pessoas com pouca ou nenhuma circulação pelo mundo literário. Alguns deles ficaram pelo caminho, outros, com esse pontapé, investiram na carreira. É o caso, por exemplo, de Lúcia Bettencourt, André de Leones e Luisa Geisler. Vêm novos nomes por aí – as inscrições estão abertas até 30 de agosto.

A questão do ineditismo é o que difere o Prêmio Sesc e o São Paulo, que também tem uma categoria de autores estreantes – mas neste caso, só concorrem livros já editados. Portanto, de autores que já venceram a primeira barreira.

Acostumado a receber originais, o editor Marcelo Ferroni, da Alfaguara, já foi um autor estreante. Seu Método Prático de Guerrilha saiu pela Companhia das Letras e ganhou o Prêmio São Paulo em 2011 nesta categoria, o que acabou dando mais visibilidade a sua obra. Em 2014, lança, pela mesma editora, Da Parede, Meu Amor, os Escravos Nos Contemplam. Como editor, diz que prêmios podem ajudar um autor, mas que não é só isso o que importa: “Se o autor tem algo no currículo, ou se é indicado por alguém de confiança, isso facilita seu caminho, para que ele seja lido mais rapidamente pelo editor. Mas no final, o que conta mesmo é a qualidade do livro.”

Naquele ano, o São Paulo ainda pagava R$ 200 mil. Já o do Sesc não envolve dinheiro – e isso não importa aos vencedores ouvidos pelo Estado. Mais relevante é, na opinião deles, a oportunidade de ver o livro editado e distribuído pela Record, a maior editora do País. É esse o prêmio. Por sua vez, o Sesc organiza um intenso tour com os vencedores por suas unidades e por outros eventos, como a Jornada de Passo Fundo e a Flip – na programação paralela que a instituição promove durante a festa. Anualmente, o Sesc investe R$ 500 mil nessas ações.

E foi lá em Paraty, no mês passado, que o advogado paranaense Marcos Peres, de 28 anos, fez seu debut literário. Vencedor da última edição do prêmio com o romance O Evangelho Segundo Hitler, ele é exemplo de um novo movimento: de autores que têm preferido encarar outros concorrentes num prêmio do que esperar um milagre ou uma carta-padrão de uma editora negando o original. Quem o inspirou a tomar esse caminho foi o conterrâneo Oscar Nakasato, o professor que, com Nihonjin, seu romance de estreia, venceu o 1.º Prêmio Benvirá e o Jabuti.


Há 10 anos, concurso possibilita a estreia literária de aspirantes a escritor

Mostrar o primeiro livro para um estranho não é tarefa fácil. A carioca Lúcia Bettencourt que o diga. Tímida, ela passou a vida estudando literatura, escrevendo contos e cuidando do marido e dos quatro filhos. Resistia em mostrar sua ficção porque tinha uma carreira acadêmica e achava que passaria vergonha. Seu marido Guilherme ficou sabendo do Prêmio Sesc, que estava então em sua segunda edição, e disse que não havia mais desculpas. Como a inscrição seria feita com um pseudônimo, se não desse certo ninguém saberia. Foi ele quem organizou e imprimiu os textos e inscreveu o livro da mulher.

Mas Guilherme morreu em outubro de 2005, antes de saber que Lúcia tinha vencido – o anúncio seria feiro em março do ano seguinte. “O prêmio foi minha tábua de salvação. Se não fosse por ele hoje eu estaria numa clínica de repouso, pirada”, comenta. Estavam juntos há 36 anos. “Ele se foi, e a literatura me deu sustentação.”


Ela deixou de ser Lúcia, a mulher de Guilherme (ele era executivo de uma grande empresa), e virou Lúcia, a escritora. O luto ela viveu viajando pelas unidades do Sesc. No interior do Paraná, ouviu de um leitor que um de seus contos tinha sido escrito para ele, e essa nova profissão começou a fazer sentido.

Outros livros vieram depois de A Secretária de Borges, e há um mês ela recebeu a notícia de que O Banquete, obra baseada em sua tese, tinha recebido o prêmio da Academia Brasileira de Letras na categoria crítica literária e R$ 50 mil.

André de Leones, vencedor na categoria romance com Hoje Está Um Dia Morto no mesmo ano em que Lúcia ganhou, também não inscreveu o livro sozinho. À época, ele tinha terminado um curso de cinema em Goiânia e estava de volta à casa dos pais, em Silvânia. Entre os 19 mil habitantes, estava o escritor Aldair Aires, que tomou a iniciativa. “Se não fosse pelo prêmio, é provável que eu estivesse lecionando no interior de Goiás e dependendo de editais para, com sorte, publicar meus livros localmente”, conta o escritor. Numa das viagens para divulgar o prêmio, conheceu, em Paranaguá, sua primeira mulher. Foi a deixa para ir embora de vez de Goiás. Participou do projeto Amores Expressos, publicou mais quatro livros pela Record e pela Rocco e está em outras tantas antologias – internacionais, inclusive. Vive hoje em São Paulo e é colaborador do Caderno 2.

No ano seguinte, foi a vez dele dar uma mão a um colega. Wesley Peres, psicanalista em Catalão, não achava que seu romance Casa Entre Vértebras seria considerado no prêmio “porque estava no limite entre prosa e poesia”. Foi Leones quem a inscreveu. Wesley já tinha lançado dois livros de poemas. Depois do prêmio, investiu num segundo romance, o Pequenas Mortes, publicado recentemente pela Rocco.

Luisa Geisler foi a mais jovem escritora premiada pelo Sesc e tem uma das carreiras mais promissoras. Ela tinha 17 anos e fazia a oficina literária do Luiz Antonio de Assis Brasil quando soube do concurso. Ajeitou alguns contos, fez outros e inscreveu Contos de Mentira na premiação. Levou. No ano seguinte, em 2011, resolveu experimentar o romance, e escreveu Quiçá. Levou de novo. No mesmo ano, foi selecionada para a Granta Melhores Jovens Escritores Brasileiros e o romance que escreve agora sairá pela Alfaguara, uma das principais editoras na área de ficção. “Sem o Prêmio Sesc, minha carreira estaria na estaca zero em termos de publicação”, conta a estudante de Relações Internacionais e Ciências Sociais.

A ideia é justamente essa: que o prêmio dê o primeiro empurrão na carreira literária dos autores, e que eles possam assim construir as suas trajetórias”, explica Henrique Rodrigues, um dos idealizadores do concurso.

De fato, o prêmio deu o pontapé na carreira de muitos dos vencedores. Alguns passaram a acreditar na vocação, abandonaram a ideia de autopublicação ou de publicação por uma editora regional, e tentam viver de literatura. Outros conciliam a profissão com a escrita. É o caso de Marcos Peres, servidor do Tribunal de Justiça, em Maringá e autor do melhor romance deste ano. “A questão de ser apenas um escritor é quase uma utopia. Eu consigo conciliar o ato de escrever com meu trabalho”, diz.
 
O publicitário João Paulo Vereza, vencedor este ano com os contos de Noveleletas, conta que ainda não descobriu o que é ser escritor. Sempre escreveu, nunca publicou. “A literatura sempre foi meu playground, o espaço onde me sinto livre e confortável.”

Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,aspirantes-a-escritor-evitam-o-nao-das-editoras-recorrendo-a-premios-,1062447,0.htm

IX Concurso de Trovas da Academia Mageense de Letras/ 2013 (Resultado Final)

TEMA:
ACADEMIA
(Líricas/Filosóficas)


1.º LUGAR

Deus proteja a Academia
e seus nobres beletristas
que exibem, com euforia,
um Jubileu de conquistas!!!
JOSE OUVERNEY
Pindamonhanbaga/SP


2.º LUGAR
Que glória para a cidade
ter a sua Academia:
- sinal de que a sociedade
cultiva ainda a poesia!
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
Maringá/PR


3.º LUGAR
Na Arte da Sabedoria –
Escrita em Dez Mandamentos...
A vida é uma Academia,
Perpétua em todos momentos...
ANA MARIA GUERRIZE GOUVEIA
Santos/SP


4.º LUGAR
É o mundo globalizado
um deserto sem mesura
e a Academia, a seu lado,
um oásis de cultura!
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP


5.º LUGAR
Fértil templo do cultivo
das letras e probidade,
a Academia é um arquivo
da Cultura da cidade!
EDMAR JAPIASSU MAIA
Nova Friburgo/RJ


6.º LUGAR
Academia é cultura
ou saber, em movimento,
que se aprende e que perdura
no livro do pensamento.
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
Parede/PORTUGAL


7.º LUGAR
O dono da funerária,
bom de prosa e de poesia,
fez-se em vida literária
o imortal da academia...
NILTON MANOEL
Ribeirão Preto/SP


8.º LUGAR
Vida longa à Academia
na nobre missão de ser:
seu viver para a poesia
faz a poesia viver.
DULCIDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/MG


9.º LUGAR
Na sala da academia,
fonte da literatura,
jorra emoção em poesia,
para a sede da cultura.
VANDA ALVES DA SILVA
Curitiba/PR


10.º LUGAR
Tens, Ó nobre Academia
por teus feitos culturais,
a glória da confraria:
a láurea dos Imortais!
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/RN


TEMA:
TREM
(Humorística)


1.º LUGAR
Olho grande?!... Diz Francisco
igual mineiro não tem,
pois se cair no olho um cisco
ele diz: Caiu um trem!!!...
GIOVANELLI
Nova Friburgo/RJ


2.º LUGAR
É certo que prometi
Ir contigo nesse trem,
Mas quando te conheci
Ele partiu sem ninguém.
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
Parede/PORTUGUAL


3.º LUGAR
No vagão superlotado
É tanto o calor no trem
que quem se abana, sentado,
abana os troços de alguém!
EDMAR JAPIASSU MAIA
Nova Friburgo/RJ


4.º LUGAR
Com muito orgulho, dizia,
lá na Central, a mocinha:
“Eu pego o trem todo dia
pra mostrar que ando na linha!”
MARIA MADALENA FERREIRA
Magé/RJ


5.º LUGAR
Ante o acidente de trem,
O luso quebra um trenzinho
E se explica para alguém:
- Mato enquanto é filhotinho!
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP


6.º LUGAR
Por assédio à passageira,
o maquinista apanhou!!!...
Na maca, diz pra enfermeira:
- O meu trem... descarrilhou...
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP


7.º LUGAR
Rebolando num vaivém
que esbanja provocação,
sempre que ela entra no trem,
leva os homens da estação!
JOSAFÁ SOBREIRA DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ


8.º LUGAR
Sempre que o trem apitava,
rompendo na madrugada,
o casalzinho acordava,
e aumentava a filharada!
CAMPOS SALLES
São Paulo/SP


9.º LUGAR
Sogra Maria-fumaça
Foi o “trem” que Deus me deu,
Fumar é sua desgraça,
Quem leva fumo sou eu.
FLÁVIO FERREIRA DA SILVA
Nova Friburgo/RJ


10.º LUGAR
A prudência nos ensina
que a boa escolha faz bem!
Por isso, desde menina...
não embarco em qualquer trem!
DIVA MARIA DE MORAES
Nova Friburgo/RJ

Fábio Viana Ribeiro (O Vazio da Vida)

Há muito para fazer de Whisky um filme bastante incomum. Para alguns, um filme sem pé nem cabeça, sobre o qual nada há para dizer ou entender. Para outros, um filme praticamente convencional, com um tema igualmente convencional e abordado de forma convencional. E para ainda outros, um filme sobre o nada.

Não foram poucos os escritores escreveram algumas de suas histórias sobre o tema. Tchekhov, por exemplo. Vidas monótonas que se arrastam pelo tempo, onde nada acontece, contínua e vagarosamente. Uma dessas histórias veio, aliás, a ser o último filme do diretor Louis Malle: Tio Vânia em Nova York. Com chances de ter sido um dos filmes mais baratos da história do cinema, considerando que praticamente todo o filme vem a ser tão somente a filmagem do ensaio da peça homônima de Tchekhov por um grupo de atores…

Mas, em Tio Vânia e outros muitos exemplos, a descrição do nada é quase sempre feita em companhia de circunstâncias que, por assim dizer, engrandecem sua existência. Por meio de sua glamourização, de sua transcendentalização, de sua politização, etc. Ou seja, vazios existenciais que terminam por servir de contraste a vidas altamente perturbadas por sua precisa consciência do mundo.

Um dos grandes méritos de Whisky foi o de captar o nada de tipo comum; desglamourizado, cotidiano, repetitivo, exausto de ser exata e inexoravelmente uma rotina, um hábito, um fastio. O mundo das pessoas comuns, no sentido mais exato da palavra. E sobre o qual, talvez até mesmo pela lógica do cinema, por sua característica espetacularizante, somos levados a acreditar que existe em proporções muito reduzidas: mesmo as vidas mais comuns já foram, afinal e pelo cinema, transformadas em boas histórias… Mas talvez possa não ser o caso de pensarmos assim; e simplesmente concluirmos que a vida da maioria das pessoas transcorre dessa forma, sem serem senão o arrastar monótono de hábitos, rotinas e circunstâncias. Mundos dos quais, com maiores ou menores chances de sucesso, todos nós tentamos fugir.

Em Whisky, seus personagens parecem estar presos a um mundo de coisas vazias. Contra o qual não podem contar nem mesmo com o auxílio da tristeza ou do desespero. Dois irmãos, que há muito não se viam, se reencontram por ocasião da morte da mãe. Ambos proprietários de pequenas fábricas de meias, um vivendo no Uruguai e outro no Brasil. O reencontro reacende antigas rivalidades e ressentimentos. A ponto do primeiro, que não se casara, solicitar à sua gerente na fábrica, que represente diante do irmão o papel de sua esposa. De algum modo o espectador é levado a imaginar que seria esse o centro da história, e que, em determinado momento, o irmão visitante perceberia a farsa. Mas também isso será aos poucos coberto pela monotonia, pela falta de graça e sabor do mundo em que vivem. O mundo pouco emocionante da fabricação de meias, a decadência da própria fábrica, a monotonia das máquinas, a falta de palavras, sentimentos e emoções. A insipidez dos presentes trocados, a constrangedora falta de confiança nas funcionárias que trabalham na fábrica, o carro que mal funciona, o passeio que pouco lhes diz, o hotel decadente. A vida, para eles, foi enfim isso; estão agora velhos, cansados e a fotografia que fazem no passeio mostra-lhes quem são. É preciso que o fotógrafo lhes peça, para que apareçam sorrindo na foto, que digam whisky.

WHISKY B

Curiosamente, Whisky bem poderia ser considerado o melhor filme brasileiro dos últimos tempos. Mesmo sendo um filme uruguaio, com uma história que se passa no Uruguai, a descrição que faz da realidade (e que, caso fosse excluído o idioma, poderia perfeitamente ser a de uma cidade ou pessoas do Brasil) parece mais verossível que a maioria dos filmes brasileiros que tentaram o mesmo. E que não o conseguiram por tentarem reproduzir a linguagem do cinema americano, por seus diretores terem sido incapazes de captar convincentemente a realidade de seus temas, por terem se perdido em meio às suas pretensões de realismo… No caso de Whisky tal mérito possivelmente deveria ser atribuído a seus diretores, ao conseguirem descrever um mundo que, por conta de seu vazio e de aparentemente não ocupar nenhum lugar significativo na realidade, seria ainda muito mais difícil de ser descrito que tantos outros, já mostrados pelo cinema. Sem que tenham, inclusive e para isso, lançado mão do fácil expediente, tão comum em nossos dias, de transformar seus personagens em vítimas – os que não têm voz, os despossuídos, etc. – “a vida apenas, sem mistificação”.[1]

Ficha Técnica
Título original: Whisky
Ano: 2004
Direção: Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll
País: Uruguai
Duração: 99 minutos


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FÁBIO VIANA RIBEIRO é Doutor em Ciências Sociais (PUC/SP) e professor da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Ciências Sociais.
[1] C. D. de Andrade – “Os ombros suportam o mundo”.

Fonte
Revista Espaço Academico. Maringá: UEM. http://espacoacademico.wordpress.com/2013/07/10/o-vazio-da-vida/

Guilherme de Azevedo (A Alma Nova) II

foi mantida a grafia original.
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GRAÇA PÓSTUMA

Depois da tua morte eu hei de ver se arranco,
Numa noite serena, ao teu berço final,
Um produto mimoso; — um grande lírio branco
Da alvura do teu colo ebúrneo e divinal!

Aquela flor suave, ó minha visão etérica,
Debruçada gentil, na taça em que a puser,
Far-me-á lembrar a graça cadavérica
Do teu corpo franzino e etéreo de mulher!

E mesmo conterá, decerto, alguma cousa
Do que me traz submisso e preso ao teu olhar:
— Teu corpo a pouco e pouco irá fugindo à lousa
Depois tornado em lírio à terra há de voltar! —

E em longas noites, nele, eu beberei sozinho,
Sonhando as convulsões duns lindos braços nus,
A fragrância que exala a candidez do linho
Em que hoje ondeias leve e onde os meus lábios pus,

— Saudando a boa mãe que faz com que eu te goze
Depois do verme vil teu seio poluir,
Mais pura no frescor de tal metamorfose
Do que eras a cismar, do que eras a sorrir!

Ó minha doce Ofélia! Os rápidos momentos
Da vida são cruéis mas passam como um som!
Um dia quando enfim dos velhos sedimentos
Teu corpo renascer num lírio imenso e bom,

Talvez que eu durma já também sob os matizes
Das flores, ao sorrir das mil germinações,
Dando um pasto fecundo às tuas sãs raízes
Depois de te sagrar as últimas canções!

HISTÓRIA SIMPLES

Havia um rapaz são, robusto, bom, valente,
De espádua larga e rija; um ceifador gentil.
Cavava todo o dia, andou sempre contente
E a féria dava à mãe sem falta dum ceitil*.

Ele amava a campina e os céus largos, serenos.
Aos domingos a mãe deixava-lhe uns dez reis.
Deitava-se ao luar, dormindo sobre os fenos,
Na fragrância do trevo, ao pé dos cães fiéis.

A mãe tinha de seu duas vaquitas mansas:
Num cerro agreste e vil alguns palmos de chão.
E tinha ainda mais não sei quantas crianças
Que andavam nuas sempre e sempre a pedir pão.

O pai mal se sustinha às vezes sobre as pernas:
Era bêbado e mau, batia na mulher;
E à noite, ao cintilar dos vinhos nas tabernas.
Cantava canções vis de a gente ensurdecer.

Um dia uma senhora honesta da cidade,
Esplêndida, gentil, sabendo-se sorrir,
Reparou no rapaz; achou-lhe própria a idade
E fez-lhe um certo gesto: — o moço não quis ir.

Teve um assomo de raiva, então, sua excelência.
Ordenou-lhe que fosse: o moço disse, — irei!
Despediu-se dos seus: devia obediência
À senhora gentil que se chamava... A Lei!

Pegou no velho alforge e no bordão nodoso
E meteu-se a caminho. Os pobres dos irmãos
Choravam à partida: — um quadro doloroso!
A mãe louca de dor torcia as magras mãos!

Chegando no outro dia ao ponto onde o chamaram
Primeiro foi medido e todos a final,
Depois de bem revisto, à uma, concordaram
Que ao serviço do rei convinha este animal!

Aqueloutra senhora, astuta, grave, terna,
— A Ordem — jubilava em doces pulsações!
Contava mais um servo, um filho, na caserna,
Gastando pouco mais: — uns cobres e uns feijões!...

Agora quando passa o batalhão luzente
Na rua, podeis ver o pobre cavador
Com modos imbecis, marchar pesadamente
— herói por conta alheia — ao rufo do tambor!

Não sabe onde caminha entre as guerreiras hostes!
Perguntem-lhe o que é pátria e liberdade e lei!
Caminha simplesmente às ordens dos prebostes*
Que trazem no chicote a salvação do rei.

E na pobre cabana ainda se conserva
O mesmo quadro triste: — a lacrimosa mãe;
Alguns pequenos nus rolando sobre a erva,
E um ébrio que pragueja e não pensa em ninguém!

Mulher não chores mais: a quadra é pura e bela:
Enquanto na campina alouram os trigais,
Teu filho guarda o mundo e a Deus faz sentinela:
Receiam que Deus faça andar o mundo mais.

Em breve ele virá de júbilo e de assombro
Encher tua alma, enfim, quando amanhã voltar
Com seu velho canudo, a trouxa posta ao ombro,
Trazendo novamente a luz ao pobre lar.

E tu perguntarás: o que é meu filho, é ouro!
A quantas guerras foste? Ó céus, como tu vens!
— Mãe tome essa lata! Esconda o meu tesouro
E deixe-me ir dormir no feno ao pé dos cães!

À mesa do festim, cercada de formosas,
O canto dos cristais e o cintilar dos vinhos
Saudavam juntamente os belos desalinhos
Das galantes visões das ceias luminosas!

Molhavam-se em champanhe as pétalas das rosas!
E em baixo, a nossos pés, em leves murmurinhos
A gaze sobreposta à candidez dos linhos
Erguia-se num mar de vagas caprichosas!

Ali tudo era paz! Nem ódios vis nem zelos!
Os lábios pois limpando às rendas e aos cabelos
Da menos trivial das fadas tentadoras,

Eu brindo aos mortos! — disse: à legião sagrada
Que foi à solidão, à eternidade, ao nada!
— Às almas e ao pudor destas gentis senhoras.

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Notas:
Ceitil – Moeda antiga portuguesa que valia um sexto de real.
Preboste – Nome dado antigamente a um magistrado militar que havia nos corpos do exército e nos navios.


Fonte:
http://luso-livros.net/

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 27

CAPÍTULO XIX

A vida de André ficou muito mais desafrontada depois da morte de Ernestina, graças ao magro legado que a infeliz deixara ao outro.

O bom rapaz principiou logo a por de parte algum dinheiro do que ganhava, para ver se podia afinal realizar o seu casamento; pois, a despeito das insistências do amigo, não houve meio de lhe fazer aceitar das mãos deste um só vintém.

— Não, não! Dizia. Isso, nas condições em que te achas, mal chega para te equilibrares de novo! Nada, meu amigo, é preciso que endireites a tua vida; que a ponhas em ordem e possas manter por algum tempo certa independência. Paga aos teus credores e não te preocupes comigo; deixa-me cá, deixa-me cá com os meus rapazes e trata de aplicar agora o que possuis melhor do que fizeste da outra vez! Isso é que é! Lembra-te das privações e dissabores por que passaste!...

Mas qual! Teobaldo, mal empolgou a herança, tornou à mesma ou pior vidinha que levara antes de empobrecer; não era homem para ficar quieto com dinheiro no bolso. Enquanto tivesse o que gastar, não pensaria noutra coisa; e dir-se-ia até que as suas provações dos últimos tempos, em vez de o corrigirem, serviram apenas de lhe estimular a febre da prodigalidade.

Quem o visse um ano depois não acreditaria que ali estava o desesperado herdeiro de Ernestina; que ali estava aquele mísero rapaz a quem, por castigo, o remorso e o arrependimento arrastaram de novo aos braços de Leonília. E, a julgar pelas aparências, tão proveitoso lhe fora o tal castigo, que Teobaldo acabara de esquecer totalmente a culpa.

Todo ele agora respirava júbilo, elegância e prosperidade; seus esplendidos vinte e sete anos luziam por toda a parte. Também a época não podia ser melhor para isso: o Rio de Janeiro passava por uma transformação violenta, estava em guerra; e, enquanto as províncias se despiam para cobrir com os seus filhos, os sertões paraguaios, o Alcazar erguia-se na rua da Vala e a opereta francesa invadia-nos de cabeleira postiça e perna nua.

Durante o dia ouvia-se o Hino Nacional acompanhando para bordo dos vasos de guerra os voluntários da pátria; à noite ouvia-se Offenbach. E o nosso entusiasmo era um só para ambas as músicas. A guerra tornava-nos conhecidos na Europa e uma nuvem de mulheres de todas as nacionalidades precipitava-se sobre o Brasil, que nem uma praga de gafanhotos sobre um cafezal; as estradas de ferro desenvolviam-se facilitando ao fazendeiro as suas visitas à corte e o dinheiro ganhado Pois escravos desfazia-se em camélias e champanha; abriam-se hotéis onde não podiam entrar famílias; multiplicavam-se os botequins e as casas de penhores. Redobrou a loteria e a roleta, correram-se os primeiros cavalos no prado; surgiram impostos e mais impostos, e o ouro do Brasil transformou-se em papel-moeda e em fumaça de pólvora.

Teobaldo estava, pois, com o seu tempo; já demandando todas as noites o Alcazar dentro do seu cabriolé, que ele mesmo governava com muita graça; já percorrendo a cavalo as ruas da cidade em marcha inglesa; já servindo de juiz de raia no Jóquei Clube ou madrugando nas ceias do Raveaux ao lado das Vênus alcazarinas.

Entretanto, posto esquecesse a culpa, não se descuidava totalmente da sua penitencia a respeito de Leonília e tinha para ela uma espécie de estima obrigatória, como a de alguns maridos pela competente esposa. A cortesã, já então um pouco ofuscada pela concorrência estrangeira, resignava aquele meio amor, esperando, cheia de fé, que o seu amado haveria, mais cedo ou mais tarde, de recorrer aos braços dela como supremo recurso quando lhe chegasse a ele a saciedade ou quando se lhe esgotassem recursos para a peraltice.

Aquela vidinha não podia durar muito e, uma vez comido o último vintém, não seria com as francesas que ele se havia de achar! Com efeito, ainda não estava em meio o segundo ano da nova opulência de Teobaldo e já este começava de retrair-se da pândega, não para tornar fielmente a Leonília, mas torcendo para o lado de Branca, de cujo namoro se descuidara um pouco nos últimos tempos. E ao sentir murcharem-lhe de todo as algibeiras, veio-lhe uma ardente febre de liquidar quanto antes aquele casamento, que passava a ser de novo para ele o extremo porto de salvação. Aguiar, porém, que não desistia uma polegada de suas pretensões sobre a prima, deu logo por isso, pôs-se de sobreaviso, estudou-os a ambos e afinal, sem mais se poder conter, interrogou abertamente a menina, de uma vez em que a pilhou de jeito.

Branca respondeu que não reconhecia nele direito algum que o autorizasse a fazer semelhante interrogatório e, depois de muito instigada pelo primo, confessou que votava ao Sr. Teobaldo particular afeição e que estaria disposta a casar-se com ele, no caso que ele a desejasse.

— Com que a senhora o aceitaria para marido?

— A ter de escolher.

— Escolhia-o...

— É exato.

— Quer dizer que o ama!...

— Não sei o que é o amor; apenas reconheço no seu amigo todas as qualidades que eu sonhava no meu noivo; assim pensasse ele a meu respeito.

— Ah! Descanse que não! Aquilo não é homem para sentimentos dessa ordem! É um libertino!

— Meu primo!

— A senhora já o defende... Bravo!

— Decerto, porque o senhor o está caluniando!

— E minha prima o conhece porventura? Saberá ao menos quais são os precedentes da vida dele?

— Não, mas calculo.

— Pois erra no cálculo! Fique sabendo que Teobaldo não a merece; é, repito, um homem incapaz de qualquer afeição séria e duradoura; é um homem que se gastou, que se estragou em amores de todo o gênero e…

— Se continua falar desse modo, vou para junto de meu pai…

— Ah! Não quer ouvir as verdades a respeito dele; está bom, está muito bom!... Não sabia que a coisa chegara a este ponto; mas, enfim, sempre lhe direi que o seu rico Teobaldo até hoje tem vivido, por bem dizer, a' custa de mulheres!...

Branca ergueu-se indignada e fugiu.

— Miserável! Considerou o Aguiar; é preciso ser muito infame para fazer o que ele fez! Apresento-o a esta casa, confio-lhe as minhas intenções, declaro-lhe quanto adoro minha prima, e o patife responde a tudo isso procurando disputar-ma. Ah! Mas a coisa não lhe há de ser assim tão doce! Eu cá estou para te cortar os planos, especulador! Queres apanhar-lhe o dote? Pois tens de te haver comigo! Não te lamberás com o dinheiro de meu tio como te lambeste com o dinheiro da pobre Ernestina!

Daí a dias falava o Aguiar com o comendador:

— É preciso abrir os olhos, meu tio, é preciso abrir os olhos. Aquele tratante é capaz de tudo! Abra os olhos, se não quiser que ele lhe pregue alguma peça...

— Mas, com a breca! Não foste tu mesmo que mo apresentaste?

— Não o conhecia nesse tempo: andava iludido; só hoje sei a bisca que ali está.

E contou a respeito de Teobaldo todas as verdades que sabia e mais ainda o que lhe pareceu necessário para as realçar; assim, disse que ele era um grande devasso e um grande hipócrita; que ele para conseguir qualquer desiderato não hesitava defronte de obstáculos, nem considerações de espécie alguma, e que, no caso presente, se o comendador não tratasse de defender a filha, o patife conseguiria apoderar-se dela, pois já lhe havia captado a confiança e talvez o coração.

— Estás sonhando com certeza!

— Não! Digo a verdade. Branca deseja casar com ele!

— Não creio! Isso não pode ter fundamento!

— Juro-lhe que tem! Ela própria mo confessou!

— Nesse caso vou interrogá-la.

— Pois interrogue, e verá!

Branca respondeu ao pai com toda a franqueza que — Se tivesse de escolher noivo preferia o Sr. Teobaldo a qualquer outro…

— Bem, filha, isso é lá uma questão de gosto; não se argumenta! Mas, sempre te direi que é de minha obrigação evitar que dês um passo mal; preciso esclarecer-te sobre os precedentes e sobre o caráter desse moço, a quem na tua inocência escolheste para marido.

— Oh! Mas foi vossemecê justamente quem me deu o exemplo de gostar dele!. ... Não posso compreender como um rapaz, até aqui tão querido e simpatizado por todos nesta casa, mereça o que meu pai acaba de dizer.

— Sim, minha filha, mas o casamento é coisa muito séria; pode a gente simpatizar com uma pessoa, achar que ela tem talento, que é bonita, que é engraçada; sim, senhor! Daí, porém, a querer mete-la na família vai uma distância enorme!...

— Não sei que possa faltar Aquele rapaz para ter direito à minha mão!...

— Não se trata do que falta, meu bem, mas do que lhe sobra!...

— Como assim?

— É que há feios boatos a respeito da vida que ele tem levado aqui na corte...

— Intrigas de meu primo...

— Eu, pelo menos, preciso tomar certas informações antes de consentir que penses nele.

— Ora, papai, isso de pensar ou de não pensar em alguém não depende da vontade; e, quase sempre, quanto mais a gente faz em não pensar em uma pessoa ou em uma coisa, é quando mais ela não lhe sai da idéia.

— Bem, bem, bem! Disse o velho afastando-se contrariado; mais tarde havemos de falar neste assunto; por ora não tens a cabeça no seu lugar.

Toda esta conversa foi a noite desse mesmo dia relatada minuciosamente a Teobaldo por Branca, que se encontrou com ele em casa de uma família conhecida de ambos.

— Estás disposta a casar comigo? perguntou-lhe o rapaz.

— Bem sabes que sim.

— Mesmo sem a autorização de teu pai?

— Sim, mas exijo que lhe faças o pedido.

— E se ele negar!

— Insistiremos.

— E se ele insistir também na recusa?

— Esperaremos.

— E se ele nunca mudar de idéia?

— Não sei... Havemos de ver...

— E se ele quiser casar-te à força com teu primo?

— Oh! Isso não consinto.

— Pois fica sabendo que é essa a sua intenção!

— Não creio!

— E, se for, estás disposta a reagir?

— Estou.

— E sabes qual é o único meio que há para isso?

— Qual é?

— Fugindo.

Branca teve um sobressalto e repetiu quase que mentalmente:

— Fugindo?...

— Sim, e desde já preciso saber se devo ou não contar contigo; nestes casos não há meias medidas a tomar: se estás disposta a ser minha esposa, arrostaremos tudo; se não estás, desaparecerei para sempre de teus olhos. Decide!

— Sim, mas tu hás de falar primeiro a papai…

— Está claro e só me servirei do rapto no caso que este me recuse a tua mão.

— Talvez não recuse.

— E se recusar?

Ela abaixou os olhos.

— Responde! Disse ele.

— Irei para onde me levares...

— Bem. Estamos entendidos.

E Teobaldo afastou-se disfarçadamente.

Quando tornou a casa, foi direito ao Coruja, a quem por último confiava as suas esperanças de casamento, e disse-lhe sem mais preâmbulos:

— Sabes?! O Aguiar está me fazendo uma guerra terrível! Intrigou-me com o comendador! Creio que vou ter muito vento contrário pela proa! Ah! Mas comigo aquele miserável perde o seu tempo porque estou resolvido a raptar a menina!

— Não sei se farás bem com isso... observou o outro; esses meios violentos provam quase sempre muito mal... Eu, no teu caso, me entenderia com o pai.

— Ah! Está bem visto que lhe farei o pedido! Faço, que dúvida! Mas já sei que vou levar um formidável "não" pelas ventas! O bruto nega-ma com certeza!

— Quem sabe lá, homem! Experimenta…

— Pois se o demônio do Aguiar não faz senão desmoralizar-me aos olhos do velho!.
— Pois desmente-o, provando com a tua conduta o contrário do que ele disser. Olha! Queres ver o meio de chegar mais depressa a esse resultado? Procura trabalho. Emprega-te!

— Mas onde?

— Em casa do próprio pai da menina…

— Em casa do comendador? Tem graça.

— Não sei por quê…

— Pois eu sirvo lá para o comércio!…

— Procura servir.

— Ele não tomaria a sério o meu pedido.

— Nesse caso a culpa já não seria tua; e o bom cumprimento do teu dever, procurando trabalho, seria já argumento que ficava de pé contra as intrigas do Aguiar.

— Tens razão. Amanhã mesmo vou falar ao velho; talvez consiga alguma coisa...

— Hás de conseguir, pelo menos, provar que desejas ganhar a vida.

Teobaldo ficou pasmado quando, no dia seguinte, às suas primeiras palavras com o pai de Branca, este disse sem o menor constrangimento:

— Ó meu caro senhor, por que não me falou há mais tempo?... Tenho muito prazer em ser-lhe útil; diga quais são as suas habilitações e pode ser que entremos em algum acordo.

Teobaldo viu-se deveras embaraçado para responder a semelhante pergunta. Ele, coitado, não tinha habilitações; tinha dotes, sentia-se com jeito para tudo em geral, mas imperfeito e inepto para qualquer especialidade. O comendador foi em auxílio dele, perguntando-lhe se sabia o francês e o inglês.

— Perfeitamente, apressou-se a responder o interrogado. — Falo e escrevo com muita facilidade qualquer dessas línguas.

— Pois então trabalhará na correspondência. Tem boa letra?

— Sofrível; quer ver?

E, tomando a pena que o negociante havia deposto em cima da carteira, escreveu primorosamente sobre uma folha de papel as seguintes palavras:

"Convencido de que a ociosidade é a mãe de todos os vícios e de todos os males, desejo evitá-lo, dedicando-me a um trabalho honesto e proveitoso."

— Muito bem! Disse o comendador, olhando por cima dos óculos para o que estava escrito. Pode amanhã mesmo apresentar-se aqui; meu guarda-livros se entenderá com o senhor.

— Devo vir a que horas?

— Aí pelas sete da manhã.

Teobaldo correu a contar ao amigo o resultado da sua conferencia com o pai de Branca.

— Então? Que te dizia eu?... Exclamou Coruja, nadando em júbilo. Vês?! Tudo se pode arranjar por bons meios! Não dou muito tempo para que o comendador morra de amores por ti e esteja disposto a proteger-te mais do que protegeria a um próprio filho! Assim tenhas tu cabeça e saibas te agüentar no emprego!

— Vamos a ver.

— Olha, meu caro, ali tens um futuro, sabes? Talvez não ganhes muito ao princípio, mas pouco a pouco o comendador te aumentará o ordenado e, quando deres por ti, estarás com a tua vida independente e garantida. Então, sim, pede a menina e casa-te, antes disso — é asneira!
–––––––––––––
continua…

sábado, 24 de agosto de 2013

Estatística do Blog

O Blog funciona desde dezembro de 2007. Este final de ano estará completando 6 anos de atividade.
Até agora, houveram :

 Agradeço a todos que prestigiaram, prestigiam e espero que continuem prestigiando-o.
José Feldman

Francisco Pessoa (Lançamento do Livro "Isto é coisa do Pessoa - em Prosa e Verso", em 13 de Setembro)




Antonio Brás Constante (A Simplicidade Viva da Morte)


A morte mesmo em sua forma mais incerta é a única certeza que temos. Depois de uma vida de incertezas encontramos na certeza da morte nosso destino final. Ela está sempre à espreita de nossas vidas como uma fera que cedo ou tarde vai nos atacar e subjugar.

Para quem sofre sem ter mais esperanças ela se torna uma amiga bem vinda e aguardada. Uns dizem que ela é violenta, outros que é gelada, pois ao seu toque o sopro da vida se esvai, deixando apenas uma carcaça fria para ser enterrada. Após sua chegada abandonamos nosso transporte terrestre chamado de corpo, que irá reciclar com o universo físico, e deixamos que nossa alma imortal (se é que ela existe) possa enfim voar leve e solta, provavelmente, fazendo aquilo que almas leves e soltas ficam fazendo por aí para passar seu tempo infinito.

Se alguém me perguntasse se existe algo pior que a morte, eu lhes responderia: “Sim, TUDO!”. A morte não é cruel para aqueles que morrem, e ao pensar nisso percebo que quando ouvimos que fulano ou beltrano teve uma morte horrível, na verdade eles tiveram um final de vida horrível. A morte é a mesma para todos, quando ela chega não há mais dor, ou qualquer sofrimento. A paz reina eterna. Nossa existência finita se encontra com a derradeira inexistência infinita. A morte é igual em qualquer parte do mundo, é universal.

Qualquer um que sente que vai morrer torce para encontrar uma luz para seguir, e torce mais ainda para que aquela luminosidade toda não seja obra de algum vaga-lume superdotado. A morte acontece de maneiras implacáveis (não confundam com “emplacáveis” segunda pessoa do plural do pretérito imperfeito do verbo emplacar, pois em se tratando da ceifadora, quando ela emplaca o jogo da vida acaba).

A morte muitas vezes tem a ver com o DNA (Data de Nascimento Antiga) do indivíduo. Ninguém escapa de seu abraço frio, que não escolhe raça, credo, idade, ou time do coração. Teoricamente, aqueles que têm fé deveriam receber sua chegada com mais alegria e menos tristeza, visto que em todas as fábulas religiosas o além é um lugar muito melhor do que esta nossa conhecida, temporária e carnal estadia terrena. Porém, o que vejo é o contrário, ninguém quer morrer, por mais que se acredite em paraísos divinos, ninguém quer largar este tênue lampejo existencial.

A dona morte nada mais é do que o ponto final em um texto, totalmente alheia ao que ali foi escrito, sem julgar se o conteúdo foi bom ou ruim, não é maleável ou influenciável. Ela é uma marca, um final de sentença, um bilhete de ida para o eterno descanso. Claro que talvez alguns punhados de fantasmas possam vir a discordar de mim, mas não devemos nos assombrar com estas assombrações.

Dizem que quando alguém morre uma parte da pessoa continua viva dentro de nós, mas o contrário também é verdadeiro, pois uma parte de nós sempre acaba morrendo junto da pessoa que amamos. A tristeza transformada em depressão, a depressão baixando a imunidade de nosso corpo, nos enfraquecendo, nos atordoando, nos desamparando, arrancando a dor de nosso peito sem qualquer pudor, e expondo-a ao mundo para quem quiser ver. Uma força que nos força chorar, não há como evitar.

Nos velórios vislumbramos muitas faces amigas transfiguradas, onde antes víamos cultivados sorrisos doces, naquele instante brotam lágrimas salgadas, forjadas na mais pura melancolia. O enterro é a pior parte, uma espécie de marcha do sofrimento, seres unidos pela agonia rumando em passos lentos para sepultar aqueles que se foram, para nunca mais voltar.

Em aproximadamente 30 dias deste ano de 2013 a morte me visitou duas vezes, de forma indireta, porém, arrebatadora. Na primeira delas, no inicio de julho, levou meu mestre e amigo Zé Gadis, responsável direto por eu ter seguido esta lida de pretenso escritor. Em sua segunda visita levou minha querida mãe, dia 04 de agosto.

E aqui estou eu, com minhas mãos vivas registrando a morte. A mente instigada e sugestionada pela perda de um mestre e uma guerreira, deixando aqui meu pequeno tributo de lembrança a eles, que merecem bem mais que isso, muito mais mesmo, mas por enquanto, por hoje, e talvez por um indeterminado tempo, ainda longe de meu campo de visão, é tudo que posso lhes oferecer. Um tributo de certa forma inútil, visto que é dedicado em homenagem a pessoas que nunca poderão ler, chorar, rir, ou mesmo desfrutar de qualquer outra maneira desta dedicatória.

Enfim, eles me conheceram assim, um palhaço das palavras perdidas, que transforma a própria tragédia em picadeiro, buscando esboçar um sorriso ainda que em um texto triste, enquanto duas lágrimas deslizam dentro do peito, acariciando meu coração...

Fonte:
O autor

8º Prêmio Escriba de Contos (Resultado Final)

1º Lugar:
Domino gratias
Zulmar José Lopes de Vasconcellos
Rio de Janeiro – RJ


2º Lugar:
Colecionador de pedras
Elias Araújo
Américo Brasiliense – São Paulo – SP


3º Lugar:
O terno
André Telucazu Kondo
Jundiaí – SP

- Melhor trabalho de Piracicaba:


Ao Crepúsculo
Sebastião Aparecido Ferreira

- Menções Honrosas:

1 - A cartomante e as probabilidades
Davi Menossi Gonzales
São Caetano do Sul – SP


2 - O botão e o sobretudo
Elda Nympha Cobra Silveira
Piracicaba – SP


3 - Pele
Vera Lúcia Valim Beernhard
Porto Alegre – RS


4 - Avarina e o Andina
Célia Maria da Conceição Chamiça Pereira
Odivelas – Portugal


5 – A farinha e o sonho
Luis Pimentel
Rio de Janeiro – RJ


6 - O homem virado música
Marcelo Ribeiro de Souza
Rio de Janeiro – RJ


7 - Ceias
Vanessa Maranha
Franca – SP


Selecionados:

1 - Vagalumes
Emir Ross
Porto Alegre – RS


2 - Enfado
Rui Trancoso de Abreu
Limeira – SP


3 - Como um quadro de Dalí
Didiane Vally Figueiredo Chinalli
Santos – SP


4 - La vida és sueno
Henrique Pedro Queiros Veludo Gouveia
Rio de Janeiro – RJ


5 - O poço
Alberto Arecchi
Cidade Pávia - Itália


6 - Castanho café
Valentina Silva Ferreira
Portugal


7 - Flor de novembro
Leopoldo Kempinski Mezzomo
Pinhais – PR


8 - A calamidade
Danito Gimo da Graça Avelino
Província de Sofala – Moçambique


9 - O rio
Lygia Roncel de Rodrigues Ferreira
São Paulo -SP


10 - O barulho da chuva
Wesley de Andrade Ferreira
Maringá – PR


Fonte:
http://golp-piracicaba.blogspot.com.br/2013/08/resultado-do-8o-premio-escriba-de.html

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Guilherme de Azevedo (A Alma Nova)

Obs: - o significado de algumas palavras (que possuem asterisco ao lado)  foram colocadas ao final da postagem, sob o título notas. 
- foi mantida a grafia original do poeta português.
----------------------
INTRODUÇÃO

Eu poucas vezes canto os casos melancólicos,
Os letargos* gentis, os êxtases bucólicos
E as desditas cruéis do próprio coração;
Mas não celebro o vício e odeio o desalinho
Da musa sem pudor que mostra no caminho
A liga à multidão.

A sagrada poesia, a peregrina eterna,
Ouvi dizer que sofre uma afeção moderna,
Uns fastios* sem nome, uns tédios ideais;
Que ensaia, presumida, o gesto romanesco
E, vaidosa de si, no colo ebúrneo* e fresco,
Põe cremes triviais!

Oh, pensam mal de ti, da tua castidade!
Deslumbra-os o fulgor dos astros da cidade,
Os falsos ouropéis* das cortesãs gentis,
E julgam já tocar-te as roçagantes* vestes
Ó deusa virginal das cóleras celestes,
Das graças juvenis!

Retine a cançoneta alegre das bacantes*,
Saudadas nos vagões, nos cais, nos restaurantes,
Visões de olhar travesso e provocantes pés,
E julgam já escutar a voz do paraíso,
Amando o que há de falso e torpe no sorriso
Das musas dos cafés!

Oh, tu não és, decerto, a virgem quebradiça
Estiolada* e gentil, que vem depois da missa
Mostrar pela cidade o seu fino desdém,
Nem a fada que sente um vaporoso tédio
Enquanto vai sonhando um noivo rico e nédio*
Que a possa pagar bem!

Nem posso mesmo crer, arcanjo, que tu sejas
A menina gentil que às portas das igrejas
Enquanto a multidão galante adora a cruz,
A bem do pobre enfermo à turba pede esmola
Nas pampas ideais da moda, que a consola
Das mágoas de Jesus!

E nas horas de luta enquanto os povos choram
E a guerra tudo mata e os reis tudo devoram,
Não posso dizer bem se acaso tu serás
A senhora que espalha os lânguidos fastios*
Nos pomposos salões, sorrindo a fazer fios
À viva luz do gás!

Tu és a aparição gentil, meia selvagem,
De olhar profundo e bom, de cândida roupagem,
De fronte imaculada e seios virginais,
Que desenha no espaço o límpido contorno
E cinge na cabeça o virginal adorno
De folhas naturais.

Teus a linha ideal das cândidas figuras;
As curvas divinais; as tintas sãs e puras
Da austera virgindade; as belas correções;
E segues majestosa em teu longo caminho
Deixando flutuar a túnica de linho
Às frescas virações!

Quando trava batalha a tua irmã Justiça
Acodes ao combate e apontas sobre a liça
Uma espada de luz ao Mal dominador:
E pensas na beleza harmónica das cousas
Sentindo que se move um mundo sob as lousas
No gérmen duma flor!

Num sorriso cruel, pungente de ironia,
Também sabes vibrar, serena, altiva e fria,
O látego febril das grandes punições;
E vendo-te sorrir, a geração doente,
Sentir cuida, talvez, a nota decadente,
Das mórbidas canções!

Oh, voa sem cessar traçando nos teus ombros
O manto constelado, ó deusa dos assombros,
Até chegar um dia às regiões de luz,
Aonde, na poeira aurífera dos astros,
Contrito, Satanás enxugará de rastos,
As chagas de Jesus!

Lugar à minha fada ó lânguidas senhoras!
E vós que amais do circo as noites tentadoras,
Os flutuantes véus, os gestos divinais,
Podeis vê-la passar num turbilhão fantástico,
Voando no corcel febril, nervoso, elástico,
Dos novos ideais!

Eu vi passar, além, vogando sobre os mares
O cadáver de Ofélia: a espuma da voragem
E as algas naturais serviam de roupagem
À triste aparição das noites seculares!

Seguia tristemente às regiões polares
Nos limos das marés; e a rija cartilagem
Sustinha-lhe tremendo aos hálitos da aragem,
No peito carcomido, uns grandes nenúfares*!

Oh! Lembro-me que tu, minha alma, em certos dias
Sorriste já, também, nas vagas harmonias
Das cousas ideais! Mas boje à luz mortiça

Dos astros, caminhando; apenas as ruínas
Das tuas criações fantásticas, divinas,
De pasto vão servindo aos lírios da justiça!

VELHA FARSA

Rufa ao longe um tambor. Dir-se-ia ser o arranco
Dum mundo que desaba; aí vai tudo em tropel!
Vão ver passar na rua um velho saltimbanco
E uma fera que dança atada a um cordel.

Ó funâmbulos* vis, comediantes rotos,
O vosso riso alvar agrada à multidão!
E quando vós passais o arcanjo dos esgotos
Atira-vos a flor que mais encontra à mão!

Lá vai tudo a correr: são as grotescas danças
Duns velhos animais que já foram cruéis
E agora vão sofrendo os risos das crianças
E os apupos da turba a troco de dez réis.

Conta um velho histrião*, descabelado e pálido,
Da fera sanguinária o instinto vil e mau,
E vai chicoteando um urso meio inválido
Que lambe as mãos ao povo e faz jogo de pau.

Depois inclina a face e obriga a que lha beije
A fera legendária olhada com pavor:
E uma deusa gentil, vestida de barege*,
Anuncia o prodígio a rufo de tambor!

E as mães erguem ao colo uns filhos enfezados
Que nunca tinham visto a luz dos ouropéis*:
E acresce à multidão a turba dos soldados,
— ao hilota* da cidade o escravo dos quartéis.

E o funâmbulo* grita; impõe qual evangelho
À turba extasiada a grande narração.
E sobre um cão enfermo um orangotango velho
Passeia nobremente os gestos de truão*.

Correi de toda a parte, aligeirai o passo,
Deixai a grande lida e vinde à rua ver
As prendas duma fera, as galas dum palhaço,
E um arcanjo que sua e pede de beber!

A tua imagem tens, ó povo legendário
No cómico festim que mal podes pagar,
Pois tu ainda és no mundo o velho dromedário
Que a vara do histrião* nas praças faz dançar.
===============
Notas:
Bacantes = (Fig)Mulher sem pudor, de costumes dissolutos
Barege = tecido fino de lã combinada com seda ou algodão, usado no vestuário feminino
Ebúrneo = Que é branco e/ou liso como o marfim
Estiolada = enfraquecida, debilitada
Fastio = falta de apetite, enfado, aborrecimento
Funâmbulo = indivíduo que muda facilmente de opinião ou partido
Hilota = em Esparta, escravo que cultivava o campo; pessoa de ínfima condição social ou que foi reduzida ao grau extremo da miséria, da servilidade ou da ignorância
Histrião = bufão, comediante
Letargo = que possui incapacidade de reagir e de expressar emoções; apatia, inércia e/ou desinteresse
Nédio = brilhante
Nenúfar = lótus
Ouropéis = Lâminas de metal amarelo que imitam o ouro
Roçagante = se arrasta pelo chão
Truão = pessoa que diverte as outras; palhaço, saltimbanco

Fontes:
http://luso-livros.net/
Dicionário Caudas Aulete. Aulete Digital.

Conhecendo o Mundo Acadêmico (Diferenças entre palestra, curso, workshop, simpósio, seminário e congresso)

O mundo acadêmico possui uma infinidade de eventos técnicos e/ou científicos aos quais participamos para aprender sobre um assunto ou atualizar-se sobre determinado tema.

Entretanto, é importante conhecer as diferenças entre as várias modalidades de eventos. Pode-se observar atualmente uma despreocupação, de forma até irresponsável, por parte daqueles que promovem eventos acadêmicos, em classificar o evento na categoria correta.

Os organizadores devem, sobretudo, pensar nos profissionais que se deslocam e pagam para participar desses eventos e, muitas vezes, saem frustrados. Da mesma forma, ao conhecer as características de cada evento, é possível tomar a decisão de inscrever-se, ou não, em determinado evento, com base em suas necessidades.

Vamos então às diferenças:

Palestra:
Tem o objetivo de apresentar de forma sucinta alguma novidade, por isso possui curta duração. Pode-se dizer que a palestra é como a capa de um jornal: tem-se acesso apenas às manchetes.

Cursos:
Consiste no detalhamento de determinado assunto ou conjunto de temas com o foco de “treinar” ou “ensinar a fazer”. É composto de exposições de pessoas normalmente com formação acadêmica que procuram passar seu conhecimento aos participantes. O foco está mais na teoria que na prática, porém não a exclui. É indicado para pessoas que têm baixo ou nenhum conhecimento sobre o assunto, com exceção dos cursos de especialização, cujo objetivo é o aperfeiçoamento daqueles que já dominam o assunto.

Workshop:

Tem o caráter de treinamento. Seu objetivo consiste em aprofundar a discussão sobre temas específicos e, para isso, apresenta casos práticos. O público participa intensamente. Objetiva-se detalhar, aprofundar um determinado assunto de maneira mais prática. Normalmente possui um moderador e um ou dois expositores. A dinâmica da sessão divide-se em três momentos: exposição, discussão em grupos ou equipe e conclusão.

Mesa-redonda:
É uma reunião do tipo clássica, preparada e conduzida por um coordenador, que funciona como elemento moderador, orientando a discussão para que ela se mantenha sempre em torno do tema principal. Os expositores têm um tempo limitado para apresentar suas ideias e para o debate posterior. Normalmente, a mesa-redonda está inserida em eventos mais abrangentes. É utilizada quando o assunto ainda não está consolidado e suscita discussões.

Simpósio:
Reunião para a discussão de um determinado tema (uma nova técnica, por exemplo). Aqui não são apresentadas as conclusões de uma pesquisa, mas sim impressões sobre um determinado assunto que é colocado em debate. Vários oradores debatem o tema na mesa, muitas vezes com a participação do auditório. A diferença fundamental entre o simpósio e a mesa-redonda é que no simpósio os expositores não debatem entre si os temas apresentados.

Seminário:
Reunião na qual “semeiam-se” ideias. O objetivo é suscitar o debate sobre determinados temas, até então pouco estudados. Caracteriza-se pela exposição de um orador seguida de debate com o auditório. A dinâmica do seminário divide-se em três momentos: a fase de exposição, a de discussão e a de conclusão. Trata-se de um produto informativo mais focado, porém parcial. A informação tem normalmente uma única fonte – o orador ou expositor – e, por consequência, pode apresentar certo viés. Usualmente, o orador é um guru ou expert no assunto que está sendo exposto.

Congresso:
Reunião de especialistas em determinada área do conhecimento (Genética, por exemplo) para a apresentação de pesquisas e estudos científicos. Geralmente de manhã e/ou à noite são realizadas conferências com professores convidados e à tarde há apresentações (na forma oral ou em pôsteres) de comunicações inscritas previamente pelos participantes (resumos) e aprovadas pela comissão organizadora do evento.

Fontes:
http://www.posgraduando.com/blog/quais-sao-as-diferencas-entre-palestra-curso-workshop-simposio-seminario-e-congresso
Imagem = http://savecc.com/wp/?p=934

Nilton Manoel (São Paulo é Esperança Todos os Dias)

 
Estação da Luz
450 ANOS DE SÃO PAULO

O sonho da vida está na vida do sonho.
(Nilton Manoel, em Grilos na ponta do lápis)

1
No meu antigo toca discos,
ouço com muita atenção,
lindas canções de outrora:
- "São Paulo  Quatrocentão",
da "Rapaziada do  Brás"...
O "Trem das Onze me traz",
saudade e muita emoção.
2
O trem pelos velhos trilhos,
a história do povo escreve!
e a cidade em seu cenário
sempre arrojada se atreve
a plantar modernidade;
sofra a gente com a saudade,
o progresso não é breve.
3
São Paulo, não perde tempo,
inova, protege, acolhe,
quer sua gente contente
não há garoa que molhe,
o entusiasmo dessa sina;
quem vence sua rotina
dá vida aos sonhos que escolhe.
4
O povo quer movimento,
quer cenário, quer ação,
quer futuro e conforto
pela glória da nação...
Todo mundo quer ter paz,
como é bom sonhar no Brás,
há poesia nesse chão!
5
Sou paulista do interior
e passo a vida na estrada,
quem gosta de movimento
quer vida facilitada:
- ao modernismo dou fé,
por todo lado dá pé,
se a cidade é bem cuidada...
6
Quando estou na capital
tenho eficiente o transporte;
seguro, rápido, alegre,
em toda estação o bom porte
que, nem posso imaginar
sem metrô pra trabalhar...
Ser pontual é ser forte!
7
A inspiração não me falta
e até me lembro que, a gente,
há trinta e cinco anos tem,
esse serviço excelente
que movimenta a cidade
e dá ao povo a vontade,
de viver mais... felizmente!
8
São estações variadas
espalhadas pela cidade,
elevados, com plataformas
e na sua versatilidade,
põe no cenário, poesia,
integra-se com a ferrovia,
caminho de prosperidade.
9
Entre fixas e rolantes,
gente que faz movimento
no ganha pão habitual...
paro, olho e  meu pensamento
cola imagens que, resumo
para as falas de consumo...
Reportagens do momento!
10
Quem tem vida solidária
dá valor à cortesia:
por favor... muito obrigado...
dá licença... que poesia,
nas convenções sociais;
todos nós somos serviçais,
pelo pão de cada dia.
11
Jânio Quadros fez história
melhorou a imagem do Brás.
com novas edificações
e o povo cheio de paz,
se orgulha a todo o instante,
por ser sempre o Bandeirante,
de eras que não voltam mais...
12
Nossa vida que é cíclica,
deve a Anchieta, o jesuíta,
que nem sabia, Senhor!
a vida rica e catita
que sua instalação
da história da fundação,
seria plena e bonita.
13
Na sequência do transporte
o tempo não segue à toa
e o cenário num instante
de São Paulo da garoa
vai e volta com o metrô
rápido como um alô
de celular... Coisa boa!
14
Na integração, a saudade
que traz Maria Fumaça
é recompensa gostosa
é vida cheia de graça
é tempo cheio de glória
é povo que faz a história
nas estações em que passa.
15
Sertanejo, deslumbrado,
da capital do Interior,
Paro e olho como poeta
e fotografo com amor,
a cidade velha e a nova...
Faço haicai, cordel e trova,
São Paulo em tudo tem cor.
16
Fora e dentro da paisagem
do metrô, pelas estações,
a moda que inventa moda
tem espaço de emoções,
nos projetos culturais,
além de artes visuais
concertos e belas canções
17
Viajando, cheio de sonhos,
o usuário com vigor,
faz a vida mais contente,
tem no metrô, o esplendor,
do minuto brasileiro.
Sabe que tempo é dinheiro
e dinheiro é vida e valor.
18
Nestes bons trinta e cinco anos
dos quais dez Companhia
de Trens Metropolitanos.
São Paulo que é poesia.
tem seus pontos cardeais
movimentos cordiais,
na vida do dia a dia...
19
Entre túneis e superfícies.
neste cenário bacana,
paz pelas quatro estações
com as vitrines de Ikebana...
Esculturas e poesia...
O jornal de todo o dia...
É obra que de Deus emana.
20
Nesse progresso incomum
de terra quatrocentona
dos cafezais à indústria
ao comércio em maratona
o povo que se desdobra...
O imigrante tudo cobra
da cidade que emociona.
21
Cenário amigo é o Metrô!
solidário,  nada esconde...
Relembre através da história
a vida dura do bonde,
no meu relógio de ponto...
Todo mês quanto desconto!
A rapidez corresponde.
22
"São Paulo dos meus amores"
treze listras das bandeiras
progressista a todo o instante
de vida gentil de ordeira
cidade que se desdobra,
urbanidade que sobra
pela pátria brasileira.
23
Nesta vida, coisa boa,
meu trem das onze, é fulgor,
corre até a meia-noite;
é transporte de valor
é segurança de fé
é sorriso que dá pé
é verso de cantador...
24
Vai-e-volta, gente bonita,
da pátria do bom cidadão
em sua faina diária,
carteira assinada ou não
que, São Paulo que é formiga
também é cigarra e abriga
a saga da Educação.
25
Neste  mundo transversal
temas escolares tantos,
em seu cenário tem vida...
Num programa, com encantos
comunitários, o fascínio,
dá a todos tirocínio
da grandeza em todos cantos.
26
No "Ação Escolar" projeta
a influência, positiva,
do metrô pela cidade...
Movimento que motiva,
no urbanismo, novos lares,
é nos bancos escolares,
consagra-se em voz ativa.
27
Os conceitos cidadãos
são plenos em toda parte
faz da cultura de então
dar vivas a vida com arte
que o visual é fartura
que encanta, fascina e apura,
É saber que se reparte...
28
Como patrimônio público
paisagístico e de transporte
Metrô é riqueza da história,
trouxe à vida a melhor porte,
é tudo que o povo queria...
Foguete de todo o dia
do meu trabalho, o suporte.
29
São Paulo é renovação,
canteiro da arquitetura,
pátria de nossos estados
onde se sonha fartura...
Ambição a luz do dia
de noite sonho e poesia...
Vive-se bem... A vida é dura!
30
Por todas as linhas que passo,
por todos sonhos que planto
a trabalho ou a passeio
O metrô tem seu encanto
viajo em paz, sossegado,
feliz e cheio de agrado
e meus limites suplanto.
31
Recordo dos velhos tempos
do transporte e nossa história...
Museu Gaetano Ferolla
têm muito da trajetória...
O bondinho da novela
se à saudade dá trela?
Metrô é conforto e glória!
32
Salve os metroviários. Viva!
gente amiga e de paz!
quem trabalha por São Paulo,
é ordeiro em tudo que faz.
Viva minha gente de fé,
em Sampa tudo da pé!...
Viva o Metrô!  Viva o Brás!

Fonte:
O Autor

Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) Capítulo Final: Rufina e o Soneto

Pobre Rufina! Tão juvenilmente graciosa e linda ainda há dois meses... Parecia arder em mocidade e beleza como uma pedra preciosa. Agora, dá-me a idéia de uma pérola moribunda.

É assim este mundo; um resfriado, uma pleurisia, três semanas de cama - e eis um corpo e uma alma completamente modificados, e uma vida clara e leve como um regato da montanha mudada num ribeirão turvo do vale triste!

Viajei hoje com ela. Descorada e descarnada, metida num vestido escuro e pobre, era apenas uma sombra da outra Rufína. Disse-me coisas graves sobre a vida. Queixou-se das suas ilusões malucas, que a conduziram até há pouco através das almas e das coisas como através de uma festa, para, de repente, a abandonarem entre essas duas megeras - a Solidão e a Necessidade.

Chegou a falar-me de Deus, e, entre dois acessos de tosse, perguntou-me, com a simplicidade suprema de quem pedia uma informação:

-"Será que ele me aceita?"

Em que embaraço me pôs: Pedir a mim, pecador encoscorado, um raio de esperança e
consolação -porque era evidentemente o que pedia, na simplicidade triste daquela pergunta! Valeria o mesmo querer refrescar os lábios em febre com o suco de uma pêra de campainha elétrica.

Tive ímpetos de endereçar ao vigário da nossa paróquia. Mas o santo homem estava já tão acostumado a lidar com almas em pena! Era possível que não lhe desse maior atenção, que a tratasse com desdenhosa bonomia, como fazem certos médicos, excepcionalmente, com os clientes pobres: "Isso não é nada. Está nervoso. -Dor no cogote, Há de ser mau jeito. -Febre, é? Uhn... - Qual! não tem importância. Apareça um dia lá no consultório".

Não, não a mandaria ao vigário, poderia vir de lá com as feridas banhadas em bálsamo suavíssimo, e poderia vir com elas envenenadas de despeito e de revolta.

Eu estava para lhe dizer que sim, que Deus a receberia nos seus braços com paterno carinho, porque nada pode ser mais agradável ao Senhor de toda a sabedoria e de toda a misericórdia do que uma alma despojada de mundanidades, nua, na plena e corajosa nudez da humildade, do desengano e do arrependimento.

Quando, porém, decidia estas dúvidas de consciência e preparava esta resposta, Rufina ergueu-se, fez soar a campainha, despediu-se e esgueirou-se. Fiquei a vê-la do bonde, que estacionara por um momento. Reprochava-me com raiva as minhas eternas indecisões de animal imprestável.

Ela foi para a calçada, e pôs-se a caminhar de um jeito meio automático, direita, impassível, num passo miúdo e rígido de boneca mecânica, a cabeça pensa para um lado -como quem caminha com indiferença, de alma vazia, para a última renúncia ou para a morte...

Pude saber depois que ia à costureira.

Somos todos horrendamente egoístas. Nunca tive como hoje a sensação do que valem todas essas florescências admiráveis da vida nobre, as belas idéias, os ideais formosos, os sentimentos altos e delicados.

Nem bem Rufina desaparecera de minhas vistas, aquilo de eu a ter comparado mentalmente a uma alma despojada de mundanidades, nua, inteiramente nua, voltou a borboletear-me no espírito como um remorso gostoso. E lembrei-me logo daquele meu soneto parado entre os andaimes; como uma dessas igrejas que levam anos a construir e ficam anos à espera de recursos.

Agora, concluiria a obra. Aferrei-me a ela pelo resto da viagem.

Rufina, de passagem por mim tocando-me de leve, pusera-me em movimento a engenhoca da poesia, como quem toca inadvertidamente num pé de "mimosa pudica", ou como quem sacode sem o querer um relógio engasgado, fazendo-o trabalhar.

É essa a finalidade dos outros, no sistema especial da nossa vida de cada um: pôr em
movimento algum dos relógios engasgados que temos conosco.

O caso é que concluí o soneto. A bem dizer não o concluí no bonde: acabei de concluir na repartição, apesar de um parecer urgente que me atenazou o dia. Mas a inspiração é assim: quando vem, vem de fato, e não há urgências que se lhe oponham.

Agradeci ao destino o ter-me deparado Rufina, não só porque daí proveio a conclusão do soneto, como porque me permitiu banir dele a tal Gabriela. Eu já andava seriamente implicado com essa negrinha vagabunda, caçada na sarjeta do noticiário. Decididamente, não dava nada. Logo o primeiro verso:

Já não tens ilusão, oh Gabriela! era de uma inépcia absoluta. Que é que tinha o público que ver com esse nome próprio. E, além do mais, um decassílabo frouxo, -que é ainda pior do que uma frouxidão de bom senso. Pude substituí-lo com vantagem. E o resto - foi uma sopa:

A UMA TUBERCULOSA

Já nenhuma ilusão tua alma estrela;
Nenhuma abrolha em teu caminho triste.
Tudo te é negro: e em tudo quanto existe,
só o que existe de mau se te revela.

Um dia a Vida apareceu-te à ourela
da estrada, e te sorriu. Tu lhe sorriste,
E a seus braços voaste. E assim te viste
entre as garras da bruxa horrenda e bela.

Hoje... Ah! hoje, aí vais por tua estrada
como uma doida que vagasse nua...
Não és mais do que uma alma - alma despida;

E tão indiferente, tão gelada,
tão tristonha e remota como a lua,
refletindo de longe o sol da Vida.

Finis truncat opus

Fonte:
Domínio Público