domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas: Ricardo Kelmer

      
      Ricardo Kelmer (Fortaleza, 1964) estreou como cronista de jornal em 1994 e no ano seguinte publicou o primeiro livro. Cursou Letras e Comunicação Social e foi redator de publicidade. Livros publicados: Quem apagou a Luz?, ideias espiritualistas,1995; O irresistível charme da insanidade, romance, 1996; Guia Prático de sobrevivência para o final dos tempos, contos, 1997; Baseado nisso – viagem pelo universo folclórico da maconha, contos; Matrix: o segredo dos predestinados, artigos, 2003;  A arte zen de tanger caranguejos, crônicas, 2003; Matrix e o despertar do herói, 2005; Blues da vida crônica, crônica, 2006, e Guia do Escritor independente.

            Em Guia prático de sobrevivência para o final dos tempos, Ricardo Kelmer reuniu nove narrativas, quase todas longas. Trata-se de uma literatura diferente da que se vem publicando no Brasil, sobretudo nos gêneros conto e romance. Na obra de Ricardo não se vê nada de violência urbana, infância desamparada, miséria, favelização das cidades, etc, temas tão caros à maioria dos escritores brasileiros desde os anos 1970. Para ele a “realidade” se encontra muito longe disso. Seus personagens convivem com íncubos, demônios, princesas perdidas em bosques e sonhos, mortos que vivem em outras dimensões, bichinhos invisíveis, etc.

                Em “O íncubo” o narrador onisciente fala a uma mulher ideal, faz suposições, usa muitas vezes os verbos no futuro, como se fizesse a defesa do íncubo, que estaria nos sonhos de todas as mulheres. No final observa: “Lera certa vez alguma coisa sobre demônios que invadem o sono das mulheres para copular com elas, lendas medievais.” Temas como esse reaparecem em outras peças do livro. Em “Quando os homens não voltam para casa”, um casal – Luciane e Junior – vive uma história inteiramente insólita: o homem deixa uma carta para a moça, desaparece e... A carta narra uma estranha sequência de fatos: a aquisição de um quadro em que uma princesa posa diante de um lago, um sonho, uma briga do casal, outros sonhos. Lida a missiva (ponto de vista de Junior), se inicia (ou se completa) a narração, por narrador onisciente, de uma série de fatos, com o surgimento de outros personagens e o desfecho misterioso.

                Esse clima de mistério aparece em todas as narrativas do livro. Em “O presente de Mariana” o leitor deparará o mundo do espiritismo, dos transes, dos orixás. No belíssimo “Há algo de podre no 202” (o conto não merece este título), veem-se o amor de duas meninas, a sequência da vida delas, a separação, o reencontro (já moças), a morte de uma delas, e, sobretudo, os misteriosos seres que atormentavam a narradora. História terna e, ao mesmo tempo, chocante.

                Não há como negar a vocação de Kelmer para o fantástico. Não o realismo mágico dos hispano-americanos, mas o fantástico puro ou mais próximo do absurdo. Em “O cilindro da luz azul” o leitor poderá até vislumbrar nele uma alegoria, uma sátira às sociedades totalitárias, como o fizeram Aldous Huxley, George Orwell, Anthony Burgess e outros. O povo é dividido em categorias: desobedientes, destoantes, resistentes, etc. Ao surgirem uns cilindros nas areias das praias, o leitor percebe que não se trata de literatura de protesto e pode até pensar em ficção científica. Entretanto, no final verá que o conto nada tem nem de uma coisa nem de outra. Mas Kelmer também pratica ficção científica, como em “Pequeno incidente em Hukat”.

                As tramas de Ricardo Kelmer se desenrolam quase sempre em espaços irreais ou imaginários. Uma das poucas histórias em que os personagens se movimentam em espaço real é “A vertigem”. Em Quixadá, cidade do sertão cearense, vive seo Pepeu, um velho aloucado que conversa com uns “bichinhos”, seres invisíveis, pequenos demônios. Também a cidade de Fortaleza é palco de outra narrativa: “Crimes de Paixão”, que destoa das demais, por seu realismo urbano.

                Em algumas composições, mundos opostos – o real e o irreal – se mesclam. Luciene de “Quando os homens não voltam para casa” trabalha num escritório, mora em apartamento, vive numa cidade grande. Outra “realidade”, no entanto, se manifesta no mundo pintado num quadro de sua casa. A cidade de “Cilindro azul” é absolutamente irreal, fantasmagórica.

                Ricardo se vale dos mais variados recursos expressivos. Em algumas peças utiliza somente a narração. Em outras intercala, como se tem feito ao longo dos tempos, diálogos (ainda com travessão) à narração. A linguagem coloquial das falas, com seus erros gramaticais comuns, ele a usa com muita frequência. Há um conto – “O strip-tease”– constituído somente de diálogo. Não há, portanto, em sua literatura, insubordinação de linguagem, como se pode ver em Jorge Pieiro. Pelo contrário, Ricardo Kelmer cultiva as formas tradicionais de contar. Mas isto não desmerece a sua arte.   

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Erros Comuns em Redação II

51.
Chegou "a" duas horas e partirá daqui "há" cinco minutos.

Há indica passado e equivale a faz, enquanto a exprime distância ou
tempo futuro (não pode ser substituído por faz):

Chegou há (faz) duas horas e partirá daqui a (tempo futuro) cinco minutos.
O atirador estava a (distância) pouco menos de 12 metros.
Ele partiu há (faz)pouco menos de dez dias.


52.
Blusa "em" seda.

Usa-se de, e não em, para definir o material de que alguma coisa é feita: Blusa de seda, casa de alvenaria, medalha de prata, estátua de madeira.

53.

A artista "deu à luz a" gêmeos.

A expressão é dar à luz, apenas:

A artista deu à luz quíntuplos.

Também é errado dizer: Deu "a luz a" gêmeos.

54.
Estávamos "em" quatro à mesa.

O em não existe:

Estávamos quatro à mesa.
Éramos seis.
Ficamos cinco na sala.

55.
Sentou "na" mesa para comer.

Sentar-se (ou sentar) em é sentar-se em cima de.

Veja o certo:
Sentou-se à mesa para comer.
Sentou ao piano, à máquina, ao computador.

Fonte:
www.info-vest.com.br

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Acruche Collection - Trova 22


José Roberto Balestra (Autofágico)

(miniconto em três capítulos)

Capítulo I:

Era de câncer.

Capítulo II

Comeu caranguejo.

Capítulo III - Final

Morreu.
-----------------------
José Roberto Balestra é jornalista, de Maringá/PR

Fontes:
Imagem by www.antares.com.br
http://zerobertoballestra.blogspot.com.br/2011/01/tragediautofagica.html

2º Prêmio de Trovas Humorista Chico Anísio/2013 – UBT-Maranguape (Resultado Final) 3a. Parte, final

ÂMBITO: ESTADUAL

TEMA: Personagens de Chico Anysio

(Trovas Humorísticas)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Pra contar uma potoca
Pantaleão não se aperta
Sem milho já fez pipoca
Quem quiser pergunte a Terta.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

2º. Lugar:


Nazareno bem parece
Mas, de besta nada tem.
Sua mulher, sempre esquece,
Pra paquerar, a de alguém.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

3º. Lugar:


Cuidado, Brasil querido,
Pra não cair na besteira
De ser, de novo, iludido
Por Eike "Canavieira"!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Por não gostar da pobreza
Justo Veríssimo diz:
sem o voto da pobreza
fui eleito e sou feliz...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

5º. Lugar:


O Coronel Limoeiro
Leva chifre com certeza
Sempre diz ao mundo inteiro
Cadê Maria Tereza?
MARIA RUTH BASTOS A BRANDÃO
Maranguape/CE

 

6º. Lugar:

Azambuja, um trambiqueiro,
Conhecido por machão,
Ao lograr um motoqueiro
Sua fama foi ao chão.
ANA MARIA NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Justo Veríssimo é,
O retrato verdadeiro
Do sujeito de má fé,
Chamado politiqueiro.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

8º. Lugar:

 

O primo rico se orgulha
Pela fartura que tem
E o primo pobre mergulha
Na classe do Zé-Ninguém.
RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO
Maranguape/CE

9º. Lugar:

 

Painho pediu penico
Quase que descadeirou
Porque na casa do Chico
Privada não encontrou.
HORTÊNCIO PESSOA
Fortaleza/CE

DESTAQUES

10º. Lugar:


Justo Veríssimo, diz:
que não gosta de pobreza,
quando vê um infeliz
dobra esquina, com certeza...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

11º. Lugar:


Hoje clamo ao Deus Altíssimo
Pra livrar nossa Nação
Da praga "Justo Veríssimo",
Causa do mal "Mensalão"!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

12º. Lugar:


O primo pobre procura
O primo rico-abonado
Conta a sua desventura
Sai sempre desconfiado.
RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO
Maranguape/CE

ÂMBITO: INTERNACIONAL EM LINGUA HISPANICA

TROVAS CLASIFICADAS

TEMA: SONRISA (S) [L/F]

VENCEDORES

 

1º. Lugar:

Si quieres la puerta abierta
ten presente esta premisa:
todo éxito se concierta
siempre con una sonrisa.
MARÍA ELENA ESPINOSA MATA
San Nicolás De Los Garza/Nuevo León/  México

2º. Lugar:

 

Tu sonrisa me fascina
invitándome a soñar.
Eres imagen divina
que me cautiva mirar.
MARÍA CRISTINA FERVIER
Salto Grande/ Provincia Santa Fe/ARGENTINA

3º. Lugar:


En el niño la sonrisa
es un reflejo del cielo,
es como la suave brisa...
es ver a DIOS, sin un velo.
MAGUI DEL MAR (MARGARITA RUIZ)
Tijuana/Baja California/México.

Menciones Honrosas

4º. Lugar:


Si quiere tener salud
y gozar de larga vida
la sonrisa es la actitud
que sana cualquier herida.
HÉCTOR JOSÉ CORREDOR CUERVO
Bogotá DC./Colombia

5º. Lugar:


Pienso en Dios y su sonrisa
ilumina la mañana,
y en mi mente se improvisa
un salmo que lo engalana.
GISELA CUETO LACOMBA (CUBA)
Union City/New Jersey/USA.

6º. Lugar:


Como amor de amanecer
Siento tu beso de brisa,
y enciendes todo mi ser
con el sol de tu SONRISA.
TERESA DE JESÚS RODRÍGUEZ LARA
San Cristóbal de La Laguna/ Islas Canarias/España

Menciones Especiales

7º. Lugar:


Hay sonrisas seductoras
que nos llenan de pasión,
tan pícaras, tentadoras,
que al beso es invitación.
CATALINA MARGARITA MANGIONE (MARGA MANGIONE)
Berazategui/ Buenos Aires/Argentina

8º. Lugar:


Soy amiga de las risas
y me gusta ser así.
Si repartes mil sonrisas
ellas volverán a ti.
FABIANA PICEDA
Florencia (Santa Fe) /Argentina

9º. Lugar:

 

Tu sonrisa prende luces
en tus ojos por hermosos,
estrellitas que conduces
si me miran silenciosos.
STELLA MARIS TABORO
San Jorge/ Provincia Santa Fé/Argentina

Destacas

10º. Lugar:

 En el rostro una sonrisa
demuestra dulzura y paz;
si en tu cara se entroniza,
donde vayas la hallarás.
HILDEBRANDO RODRÍGUEZ
Mérida/ Mérida/Venezuela

11º. Lugar:


La sonrisa fue el oficio
que sublimaste con arte,
Dios te guarde Chico Anisio
en una estrellita aparte.
ALMENDRA VICTORIA AGUIRRE
San Fernando/Buenos Aires/Argentina

12º. Lugar:


El valor de la sonrisa
solo es dable comparar
con el soplo de la brisa,
con la eternidad del mar.
MARÍA ROSA RZEPKA
Fcio Varela/ Provincia de Buenos Aires/Argentina

Irmãos Grimm (O Ganso de Ouro)

Era uma vez um homem que tinha três filhos. O mais moço era chamado de Dummling[1] — mais conhecido como João Bocó, pois todos achavam que ele era mais do que a metade de um tolo, — e ele era o tempo todo zombado e mal tratado por todos da casa.

Aconteceu que o filho mais velho cismou de ir à floresta para buscar lenha, e a sua mãe lhe deu um bolo delicioso e uma garrafa de vinho para ele levar, para que ele pudesse se refrescar e se alimentar durante o trabalho.

Quando ele entrou na floresta, um pequeno velhinho cinzento lhe disse bom dia, e falou:

— Será que você poderia me dar um pedaço de bolo que você tem no prato, e um pouco de vinho da sua garrafa, porque estou com muita fome e sede. Porém, este jovem e esperto rapaz respondeu:

— Dar a você o bolo e o vinho que trago comigo? Não, obrigado, eu não tenho o suficiente para mim mesmo. E foi embora.

Logo ele começou a derrubar uma árvore, mas não tinha dado senão algumas machadadas quando ele errou o golpe, e se cortou, e foi obrigado a ir para casa para cuidar do ferimento.

Ora, tinha sido o pequeno velhinho que fizera ele cometer este acidente.

Em seguida, o segundo filho saiu para trabalhar, e sua mãe lhe deu também um pedaço de bolo e uma garrafa de vinho. E o mesmo velhinho encontrou-se com ele também, e lhe pediu algo para comer e para beber.

Mas ele também se achava muito esperto e falou:

— Quanto mais você comer, menos sobra para mim: então vá embora! O pequeno velhinho pensou que ele também teria a sua recompensa, e no segundo golpe que ele deu contra a árvore, ele errou o alvo e acertou bem na perna, então ele foi obrigado a ir para casa.

Então João Bocó disse:

— Pai, eu gostaria de ir para cortar lenha também. Mas o seu pai respondeu:

— Os seus dois irmãos machucaram as pernas, seria melhor que você ficasse em casa, pois você não sabe nada sobre esse negócios de cortar lenha.

Mas João Bocó era muito teimoso, e finalmente seu pai concordou:

— Vai então! Você ficará mais esperto quando você sofrer por causa da sua tolice. E a sua mãe deu a ele somente um pouco de pão seco e uma garrafa de cerveja choca. Mas quando ele entrou na floresta, ele encontrou o pequeno velhinho que lhe disse:

— Me dê um pouco de comida e de bebida, pois estou com muita fome e sede.

João Bocó disse:

— Eu tenho apenas pão seco e cerveja choca; se isso for bom para você, poderemos sentar para comer tudo que temos, juntos.

Então eles se sentaram e quando o rapaz pegou o pão para comerem, eis que ele se transformou num bolo delicioso: e a cerveja que estava choca, ao saboreá-la, havia se transformado em vinho finíssimo. Eles comeram e beberam com satisfação, e quando haviam acabado, o pequeno homem disse:

— Como você tem um bom coração, e teve a alegria de dividir tudo comigo, eu lhe darei uma bênção. Alí está uma árvore velha, corte-a e você encontrará algo embaixo de suas raízes. Então, ele pediu licença e continuou o seu caminho.

João Bocó pôs-se a trabalhar, e derrubou a árvore; e quando ela caiu, ele encontrou, em buraco debaixo das raízes, um ganso com penas de puro ouro. Ele pegou o ganso, e foi em direção a uma pequena estalagem à beira do caminho, onde ele pensou dormir durante a noite antes de retornar para casa.

E aconteceu que o estalajadeiro tinha três filhas, e quando elas viram o ganso, elas ficaram muito curiosas para saber, como era maravilhosa aquela ave, e queriam muito retirar uma das penas do rabo do ganso. Por fim, disse a mais velha:

— Eu quero e vou conseguir uma pena. Então ela esperou até quando João Bobo foi dormir, e então segurou o ganso pela asa, mas para sua grande surpresa ela ficou grudada, pois nem sua mão, nem seus dedos conseguiam se soltar.
   
Depois veio a segunda irmã, e pensou em pegar uma pena também, mas no momento que ela tocou a sua irmã, ela também ficou grudada.

Finalmente veio a terceira irmã, e ela também queria uma pena, mas as duas outras gritaram:

— Se afaste, pelo amor de Deus, se afaste!

Todavia, ela não entendeu o que elas queriam dizer.

— Se elas estão lá, pensou ela, eu também posso ir lá. Então ela foi até elas, mas no momento que ela tocou as suas irmãs ela ficou grudada, e presa ao ganso, como elas tinham ficado. E então elas fizeram companhia para o ganso a noite toda no relento.

Na manhã seguinte João Bocó levantou-se e colocou o ganso debaixo de seus braços. Ele não percebeu de modo nenhum as três garotas, mas saiu com elas penduradas bem atrás dele. Então, toda vez que ele corria, elas eram forçadas a segui-lo, quer elas quisessem ou não, tão rápido quanto suas pernas pudessem correr.

No meio de um campo um pastor os encontrou, e quando ele viu o cortejo, ele disse:

— Vocês não se envergonham de si mesmas, suas garotas atrevidas, correr atrás de um jovem rapaz dessa maneira pelos campos? Esse é um comportamento digno?

Então ele pegou a mais jovem delas pela mão para levá-la embora, mas, assim que a tocou ele ficou preso imediatamente, e seguia o cortejo, embora totalmente contra a sua vontade, pois não estava ele em boa forma para correr tão depressa, e exatamente, naquele momento ele sentiu uma pequena agulhada no dedão do seu pé direito.

Foram andando e encontraram um sacristão, e quando ele viu o seu amo, o pastor, correndo atrás de três garotas, ele ficou espantado e disse:

— Calma aí, senhor reverendíssimo, para onde vais com tanta pressa? Tem um batizado hoje?

Ele ele correu e tocou na sua roupa, e eis que ele ficou grudado também.

Enquanto os cinco estavam assim marchando rapidamente, um atrás do outro, eles encontraram dois camponeses que vinham do trabalho com suas enxadas, e o pastor gritou com toda sua força para que eles o ajudassem. Porém, mal eles tocaram as mãos no pastor, quando também ficaram na fila, e daí eles já eram sete, todos correndo juntos atrás de João Bocó e do seu ganso.
   
Ora, João Bocó pensou que ele gostaria de fazer um pequeno passeio antes de ir para casa, então ele e os seus acompanhantes o seguiram, até que finalmente chegaram numa cidade onde havia um rei que tinha somente uma filha.

A princesa era pessoa tão séria e mal humorada que ninguém conseguia fazê-la rir, e o rei havia mandado falar para todo o mundo, que aquele que conseguisse fazê-la rir a teria por esposa.

Quando o jovem rapaz soube disso, ele foi até ela, com o seu ganso e todos os seus acompanhantes, e assim que ela viu os sete presos uns nos outros, e correndo juntos, e pisando um no calcanhar dos outros, ela não conseguiu segurar uma longa e barulhenta gargalhada.

Então João Bocó reivindicou a sua esposa, e se casou com ela, e ele se tornou herdeiro do reino, e viveu durante muito tempo e feliz com a sua esposa.

Mas o que aconteceu com o ganso e o rabo do ganso, isso eu nunca fiquei sabendo.
================
Nota
[1] Em algumas versões desta história, o filho mais novo se chamava Simpleton


Fontes:
Contos de Grimm
ilustração de L. Leslie Brooke, (1905)

Cecília Meireles (Chuva com Lembranças)


Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gota que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa. (Como desejariam pular em poças d'água! — Mas a chuva não vem...)

Nas terras secas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!

Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flores das cercas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.

Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos para-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sobre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...

Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.

Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aqueles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.

Por enquanto, caem apenas algumas gotas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças d'água onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:

"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,
lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:
Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”

Fonte:
Quadrante 2. RJ: Editora do Autor, 1963.

A Saudade em Versos Diversos III


ARNALDO JABOR
Volta


Existe gente que precisa
Da ausência para querer a presença
O ser humano não é absoluto
Ele titubeia, tem dúvidas e medos
Mas se a pessoa realmente gostar, ela volta
Nada de drama.

FLORBELA ESPANCA
Saudades


Saudades!
Sim... Talvez...
E porque não?
Se o nosso sonho foi tão alto e forte.
Que bem pensara vê-lo até à morte.
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?
Ah! Como é vão!
Que tudo isso, amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte.
Deve-nos ser sagrado como o pão!
Quantas vezes, amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

ÁLVARO DE CAMPOS
Mesma saudade


Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo
Espécie de acessório ou sobressalente próprio
Arredores irregulares da minha emoção sincera
Sou eu aqui em mim, sou eu
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim...

CLARICE LISPECTOR
Sentimento urgente


Saudade é um pouco como fome
Só passa quando se come a presença
Mas, às vezes, a saudade é tão profunda
que a presença é pouco
Quer-se absorver a outra pessoa toda
Essa vontade de um ser o outro
para uma unificação inteira
É um dos sentimentos mais urgentes
que se tem na vida.

MACHADO DE ASSIS
Dever de amor


Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio a minha saudade
Como um dever do meu amor
E quando houver em ti um eco de saudade
Beija estes versos que escrevi chorando.

VITAL FARIAS
Ai Que Saudade d´Ocê

 

Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo
Ai que saudade d´ocê

Se um dia ocê se lembrar
Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio
Com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar meu desejo
Lhe mando um monte de beijos
Ai que saudade sem fim

E se quiser recordar
Aquele nosso namoro
Quando eu ia viajar
Ocê caia no choro
Eu chorando pela estrada
Mas o que eu posso fazer
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é d´ocê.

Não se admire se um dia
Um beija flor invadir
A porta da sua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo...
Ai que saudade d´ocê .

Ray Silveira (Lúcidos delírios)

   
    Ultimamente andava dormindo demais. Não me preocupava. O sono ambulante deixa de ser metáfora da morte para se tornar hipérbole de vida. Nesta noite, porém, uma chuva me despertou em plena caminhada. Abrolhos. Tento fugir me abrigando sob uma marquise. Os fios de água me perseguem. Enviaram uma ventania para me encontrar. Sem alternativas, deixo-me molhar e me ponho a refletir a luz da verdade. Enquanto isso, a chuva chapinhava chorosa girandolando, a seguir, sobre a chapa cheia d’água de um ralo de esgoto. Não tenho futuro, nem presente, nem particípio passado. Vivo no próprio passado. Não naquele que suscita ressuscitações de acontecências agradáveis nos normais e nos poetas. Nem sou obcecado por pretéritas peripécias ou por maus influxos da infância, como sucede com os doentes d’alma. Minha agoridade é cada instante sofrido no ontem acontecendo, de fato, de novo. Continuamente. Não me queixo, não busco consolo, nem sinto autopiedade. De fato, existem pessoas vivendo o seu presente e sofrendo tanto quanto eu. Hoje não é hoje, e sim um dia tal de um mês qualquer de um ano que já houve. Contudo, tudo se passa agora, outra vez. Alguns desses pós-aconteceres são frutos privativos meus e não há como aposentá-los por invalidez. Pois apesar de serem mais velhos do que eu, jamais foram adversados.
   
   O desastre é outro: não consigo me concentrar em apenas um deles. Fogem de mim, assim como fugi da chuva. A sensação de quem vai morrer daqui a pouco não é tão diferente da de quem vai morrer daqui a muito. Todos acreditam num fim remoto (com ou sem controle), e esperam suceder algo de bom antes da morte. Curiosa esperança! Parece que a consciência - aquele atributo que dizem servir para distinguir um homem de um animal - não passa de um instinto em plena seleção natural, no estrito sentido darwiniano da expressão. Não há melhor explicação para a tolerância dos humanos à expectativa do aniquilamento total. Se assim for, não fica difícil prenunciar a extinção da espécie humana, através de suicídios em massa, enquanto a consciência avançar para a sua completude evolutiva.

       Comparo o tempo que me resta de vida com a vida restante na Terra, e me pergunto se ela, como um todo, não seria apenas isso mesmo: mera sobra de infinito; sobejo cósmico; rejeito do universo. Não. Não é desespero, nem pânico o que me leva a pensar assim. E é muito fácil demonstrar. Primeiro, se estivesse em pânico ou desesperado, seria mais lógico me apegar ao instinto de conservação e valorizar a sobrevivência. Em segundo lugar, estou suficientemente lúcido para deduzir: um medo súbito causador de uma reação descontrolada ou de uma desesperação, não permitiria a ninguém reflexões dessa natureza.

       Impossível me concentrar... Surge outra questão. Agora sofro por não ser capaz de identificar a velocidade dos pensamentos. Sinto uma forte impressão de passar demasiado rápido por acontecimentos constrangedores do meu passado-presente. Um ato de semostração que pratiquei está agora mesmo reacontecendo. Será orgulho ou vaidade? Seria desimportante distinguir? A moral condena mais o orgulho. Mas para mim ele é quase nada diante da vaidade. Sempre cuidei ser o orgulho convicção não ostensiva do próprio mérito. A vaidade, uma ambição. Gananciosidade de reconhecimento. Portanto, sou vaidoso, não orgulhoso. Então, mais fatuidade, mais nescidade e mais bestagem compõem o meu caráter. Ansiedade. Estou sendo maniqueísta. Não existe a vaidade, nem o orgulho exclusivos. Embora um deles predomine. Mas qual será o que predomina em mim? Só o existir da semostração mostra ser a vaidade.

       A chuva passou. O meu passado-presente, não. Agora ando acordado, mas sem destino. Observo tudo. Nada interessa. Os gritos dentro da noite. O calor do dia escondido no azeviche do asfalto, que nem a chuva logrou desarquivar. A suntuosidade de “estranhas catedrais” desafiando a miséria das favelas.

       Minhas ideias e eu fugimos cada vez mais. Eu, do meu passado que insiste em ser presente. Elas, de suas primas tristes: as lembranças. Minhas ideias escapam. Eu não. Quanto mais fujo, menos me liberto. Complexo de culpa não é o estado aparentemente louvável de quem se sente responsável por um desastre. Trata-se de puro egoísmo. Por isso, nem a própria morte redime. Se, involuntariamente, cometesse um crime, me sentiria culpado. Não por estar arrependido ou sofrendo remordimentos. Mas por causa da censura alheia. Do veredicto da opinião pública. Da sensação narcisista da rejeição e do desaplauso social. Logo, morrer, seria escapar de um martírio. Renunciar à redenção pela crucificação. Nestas circunstâncias, morrer é um crime perfeito.

       Encontro-me diante de um terrível acontecimento passado acontecendo novamente. Cato a causa cardinal daquele acaso. Tenho como a mais provável, a saudade de não ter tido pais. Fruto de uma geração espontânea, comecei a ser sem ter sido. Não me pariram: nasci-me. Sou filho adotivo de um ninguém. Um descendente em linha reta do absurdo. No máximo, um enteado de Deus. De gota em gota, o tempo modulou a minha infância. E quando me entendi por gente, já era como fui na véspera de hoje. Bolinei uma lâmpada de Aladim que não havia, e um gênio mouco escutou meus três pedidos. A partir de então, sofro alternadamente a sucessão e a simultaneidade dos instantes.

       Um sanguinoso doutor operou a minha alma e, de propósito, deixou um camundongo dentro da cabeça. Mãos avaras de piedade complementaram o trabalho, arrepanhando o coração. E restaram somente dois olhos supurando lágrimas, uns farrapos de pele porejando mágoas e uma artéria aberta vertejando vida. Sinto sendas sinuosas - sem saber a sua destinação - se estreitando à minha frente. Palmilho-as acicatado só pelo instinto. E me extravio num labirinto de tremuras, de tonteiras, de náuseas e de desbrios, sem nenhum porventura para me mostrar a saída. Nuvens carregadas de esquivanças anoiteceram minha tarde ao meio-dia. Meus cartões de crédito de esperança há muito já estouraram seus limites. Tenho, enfim, a impressão de que estou morto e me esqueci de parar de respirar...

       Cansado de aconteceres que não consigo compreender, volto a ter sono. Ando enxergando demais ultimamente. Preciso parar de andar e me deitar para dormir.

Fonte:
http://cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id_usuario=40

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas – Ray Silveira

               
Ray Silveira (Raymundo Silveira) nasceu em Fortaleza, 1947. Médico aposentado. Adepto da literatura na Internet. Vencedor de vários concursos literários. Seus contos estão espalhados em sites e blogs, assim como em antologias. Conquistou diversos prêmios literários.

                Alguns narradores de Ray Silveira são seres incomuns, em constante conflito interior, como se delirassem em suas ruminações. O de “Lembranças do inexistido”, na verdade, “jamais tivera mãe. Fruto de geração espontânea, começara a ser sem pré-existir. Enteado de Deus, nasci-me. Ninguém me pariu”. Busca explicações para sua vida e a morte de sua mãe, em narração de acontecimentos em tempos variados. Em “Sacrifício” o contista se vale de outro expediente: ao lado do narrador principal, o protagonista, dá voz a outro personagem. As falas de ambos se intercalam, em diálogos (“Falei com o diretor. Estão te esperando. Senhor... O quê? Desististe? Não! Pelo contrário: o mecanismo de lavagem interior não funcionou ontem.”) e em narrações (“Senti-me como quem entra são numa clínica de check-up, e sai com um diagnóstico de te prepara. Passou aquela noite transpirando poças de terror...”).

                Ray dá aos personagens uma liberdade quase que ilimitada, como se perdesse o controle sobre eles. Disso resultam considerações filosóficas, éticas, umas demasiadamente óbvias ou há muito repetidas ou desgastadas pelo uso: “A condição humana é um emaranhado de contradições”; “Só os bêbados conhecem este hiato diabólico entre a embriaguez e a sobriedade.”

                Talvez nem seja essa a razão pela qual Ray se abeire tanto da filosofia, dos conceitos, das definições, em detrimento da narração. Sua vontade quiçá nem seja a de contar histórias ou pintar personagens e paisagens. Certamente a ele interessam os temas essenciais do ser, motivo por que se vale tanto da alegoria. “Deplorável véu”, que lembra sonho, pelo ambiente opaco, nebuloso, sombrio, nos remete à busca da essencialidade humana: a alma, o ser. “Quem?” poderia ser crônica, não fosse a alegoria da feminilidade, afirmada no final da peça.

                Há também nas narrativas de Ray Silveira um constante jogo de palavras e sons: “dos hediondos cozinheiros que flambaram, tostaram, fritaram, refogaram, guisaram, torraram, assaram, cozinharam, sapecaram, esturricaram, carbonizaram o corpo e a alma da Joana do Arco e de milhares de outros inocentes”. Faz uso também da associação de ideias e nomes: “valsando às margens de vienenses Danúbios straussianos. Bailando o bailado das Alegorias da Primavera, ao som de sinfonias entremeadas de bemóis de suspiros e sustenidos de desejos, acompanhada de cavalheiros de longos cabedais e de cavaleiros de távolas redondas”. Vale-se ainda das sequências de substantivos e adjetivos: “sonatas mozartianas, tocatas e cantatas bachianas, cavalgatas wagnerianas e sambatas noelroseanas...”. Além disso, se dá bem com os neologismos.

                Percebe-se também a preocupação do escritor em se mostrar cosmopolita, como na ambientação das tramas em cidades europeias (sem explicação aparente). No conto “Via dolorosa”, o protagonista explica: “Soube apenas, em fragmentos, que fui removido do Hotel Ibis, no centro da cidade, para o setor de Urologia do Kaiser-Franz-Josef-Spital, na zona sul da capital austríaca.” Em “A última vez que viu Paris” toda ação se passa na capital de França. “... E os dois choraram” é de inspiração grega: “Viveu, no Asclepion de Trica, na Tessália”. Em Londres se ambienta “O duplo eu”. Mas nem só na Europa vivem os seres fictícios de Ray. Moram também em Fortaleza, como o narrador de “Alguém me viu?”: “Moro nas proximidades da rua Treze de Maio, entre Assunção e Floriano Peixoto”.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 41 – 20 de dezembro de 1887

Nos quoque gens sumus, digo
Sem nenhum acanhamento;
Se é moda, eu a moda sigo;
Se é vento, acompanho o vento.

Não somente ao literato
Cabe descobrir mistérios;
Eu sou curioso nato,
Tão sério como os mais sérios.

Et quoque cavalgare
Sabemus, como ia expondo;
Lá se acaso errar, errare
Humanum est
, respondo.

Eu, — não é porque me gabe,
Mas acho que o elogio
De um tio muito mais cabe
Na boca do próprio tio.

Esperar que outras pessoas
Descubram seus pensamentos
E cantem honrosas loas
Aos nossos merecimentos,

Palavra que me parece
Negócio muito arriscado;
Este cala, aquele esquece,
Nada fica publicado.

Vamos ao caso. Há dois dias
Recebi este bilhete
Do meu amigo Mathias,
Residente no Catete:

“Pois que já fomos colegas,
Manda-me a razão bastante
Por que se diz: “cá o degas”.
Não corri à minha estante,

Corri à pena e ao tinteiro,
Porque trazia comigo
O histórico verdadeiro
Do que me pede este amigo.

E aqui lhe conto, — deixando
Que riam maus e praguentos:
Ouço o riso e vou andando
Cá com os meus bolorentos.

Ora bem, ninguém ignora,
(Menos que ninguém, Mathias)
Que houve um grande Egas outrora,
Varão de alias bizarrias.

Afonso, meio enteado,
De um tal Peres, se encastela
Em Guimarães já cercado
Pelas forças de Castela;

Vai então Egas, pensando
Em livrar o rei, caminha
Para o castelhano infando
E segreda-lhe ao que vinha.

Vinha prometer que o moço
Afonso obedeceria,
Sem mais sangue nem destroço.
Castela creu no que ouvia

Mas logo que os castelhanos
Daquele sítio abalaram,
Afonso e os seus lusitanos
Entregar-se recusaram.

Que faz o grão Egas? Vendo
Que faltara ao prometido,
Faz sacrifício horrendo,
Ele, pai, ele, marido.

Vai com a família, e dá-se
Ao inimigo. Ação única!
Outra não há que a ultrapasse,
Ou esta fé, ou fé púnica.

Tempos vindos, tempos idos,
Entrou no povo esta fala,
Quando alguém os ofendidos
Brios punha em grande gala:

“Cá o Dom Egas não há de
Deixar de cumprir a jura”.
Depois a celeridade
Do tempo, que tudo apura,

Foi diminuindo o adágio,
Perdeu-se o jura primeiro
E foi crescendo o naufrágio
Do primeiro ao derradeiro.

Já no século passado
Ia em tais e tantas penas
Que ficou — do que era usado,
Cá o Dom Egas” — apenas.

Mas o Dom tanto se escreve
Na forma acima apontada,
Como por outra mais breve,
Um D, um ponto e mais nada.

Daí resultou que o povo,
Lendo, como lê, às cegas,
Faz um dito inda mais novo
E ficou só: — “Cá o degas”.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Teófilo Braga (A madrasta)

Recolhido no Porto

Uma mulher tinha uma filha muito feia e uma enteada bonita como o sol; com inveja tratava-a muito mal, e quando as duas pequenas iam com uma vaquinha para o monte, à filha dava-lhe um cestinho com ovos cozidos, biscoitos e figos, e à enteada dava-lhe côdeas de broa bolorentas, e não passava dia algum sem lhe dar muita pancada. Estavam uma vez no monte e passou uma velha que era fada, e chegou-se a elas e disse:

– Se as meninas me dessem um bocadinho da sua merenda? Estou a cair com fome.

A pequena que era bonita e enteada da mulher ruim deu-lhe logo da sua codinha de broa; a pequena feia, que tinha o cestinho ceio de coisas boas, começou a comer e não lhe quis dar nada.

A fada quis-lhe dar um castigo, e fez com que ela feia ficasse com a formosura da bonita; e que a bonita ficasse em seu lugar, com a cara feia.

Mas as duas pequenas não o souberam; veio a noite e foram para casa. A mulher ruim, que tratava muito mal a enteada que era bonita, veio-lhes sair ao caminho, porque já era muito tarde, e começou às pancadas com uma vergasta na própria filha, que estava agora com a cara da bonita cuidando que estava a bater na enteada.

Foram para casa, e deu de comer sopinhas de leite e coisas boas à que era feia, pensando que era a sua filha, e a outra mandou-a deitar para a palha de uma loja cheia de teias de aranha, e sem ceia.

Duraram as coisas assim muito tempo, até que um dia passou um príncipe e viu a menina da cara bonita à janela, muito triste e ficou logo a gostar muito dela, e disse-lhe que queria vir falar com ela de noite ao quintal.

A mulher ruim ouviu tudo, e disse à que estava agora feia e que cuidava que era a sua filha, que se preparasse e que fosse falar à noite com o príncipe, mas que não descobrisse a cara.

Ela foi, e a primeira coisa que disse ao príncipe foi que estava enganado, que ela era muito feia. O príncipe dizia-lhe que não, e a pequena descobriu então a cara, mas a fada deu-lhe naquele mesmo instante a sua formosura.

O príncipe ficou mais apaixonado e disse que queria casar com ela; a pequena foi-o dizer à que pensava que ela era a sua filha.

Fez-se o arranjo da boda, e chegou o dia em que vieram buscá-la para se ir casar; ela foi com a cara coberta com um véu, e a irmã, que estava agora bonita, ficou fechada na loja às escuras.

Assim que a menina deu a mão ao príncipe e ficaram casados, a fada deu-lhe a sua formosura, e foi então que a madrasta conheceu que aquela era a sua enteada e não a sua filha.

Corre à pressa a casa, vai à loja da palha ver a pequena que lá fechara, e dá com a sua própria filha, que desde a hora do casamento da irmã tornara a ficar com a cara feia.

Ficaram ambas desesperadas e não sei como não arrebentaram de inveja.

É bem certo o ditado: «Madrasta nem de pasta».

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Nelson Alexandre (Disfunção passageira de um sujeito que não sabe se quer matar ou morrer)

Essa gente tem a mania de misturar a vulgaridade da comida com a magia das emoções... São como porcos, que engolem tudo. Não podem parar nunca. Comem, ao mesmo tempo, a rosa e o esterco que rodeia a roseira...
Louis Ferdinand Céline.

Muitas coisas podem arrebentar com o coração de um homem.

Mas o que fazer a respeito de um homem que tem coração, mas não consegue amar. Que só tem a sensação de estar com os pés no vazio. Num estado onde todas as emoções estão vivas, interligadas, e ao mesmo tempo, elas não se mexem. Parecem todas robotizadas. Travando qualquer movimento que seja voluntário.

Nasci com um nome, mas não vou dizer qual é. Tenho vinte e dois anos e não estou próximo de ser algo relevante para a sociedade ou para qualquer pessoa. Estou próximo de uma grande avalanche de acontecimentos que podem marcar a minha vida.

Desde criança só conheci a rua como porta de entrada e saída para minhas investidas na vida. A vida, aliás, que desde sempre só havia me pregado peças e mais peças, e eu, caindo em todas as armadilhas como um verdadeiro imbecil.

Às vezes o coração tem culpa por sermos mesquinhos ou otários.

Eu tinha veneno nas veias. Sabia que tinha um talento fervilhando dentro de mim, sendo apurado, esperando a hora certa de vir ao mundo, amadurecido, pronto para colocar para fora do corpo, tudo o que eu vinha acumulando com as experiências boas e ruins. Eu queria derreter o paredão de gelo que está aprisionando o coração da humanidade. Eu queria lutar desesperadamente contra a ideia de que somos uma experiência que não deu certo. De que o irmão é capaz de levantar a mão com uma faca e tirar a vida do próximo. Eu queria negar isso, fazendo de mim uma cobaia para testar a compreensão e sabedoria das pessoas comuns.

Me estrepei.

Eu não tinha pretensão de me canonizar, de que as pessoas me vissem à altura de um Santo; eu tinha, justamente, a ideia contrária.

Eu tinha fé de que era exatamente quebrando a hierarquia celeste que chegaríamos lá.

Um delírio.

Foi num delírio que Deus falou comigo. Dizia que eu precisava ter paciência, que não é num só dia que se faz uma ponte que liga uma margem de estranhamento à outra de conhecimento. É necessário calcular, planejar, deixar que as coisas se encaixem na proporção em que vão acontecendo. Como num fluxo de pensamento onde a bondade faz desaparecer a água estagnada do lago gelado do coração humano.

Eu havia renunciado a muita coisa que me veio de mão beijada durante esse período, por me encontrar numa enorme cegueira. Eu tinha olhos, mas não via. Tinha vontade, mas me abatia. Em síntese, era como uma planta morta que implorava água, e quando era regada, renunciava ajuda, gritando para que todos fossem para o inferno.

Eu havia desesperadamente lutado para me tornar um escritor, mas já não via muito sentido nisso. Nessa mistura ainda apurando dentro das minhas veias.

Havia dias em que eu colocava a mão sobre o papel e ficava lá, por horas, sem que nada saísse da minha cabeça. Uma vogal que fosse. Uma partícula de mentira ou verdade para me resgatar do meu caos particular.

Para mim, tudo era negro e desesperado. Eu era um palhaço sem graça que fazia  as criancinhas chorarem ao invés de fazê-las sorrirem até que arrebentassem a pança cheia de vermes. Nada mais do que um palhaço dentro do seu próprio circo de horrores, maquiando um rosto triste, penteando a face com uma navalha.

Aprendi que o mundo, a vida, nos coloca numa roda-gigante que podemos escolher se queremos ficar embaixo.

                                 ou
                                 em cima.
                              
O segredo está em querer ser GRANDE ou pequeno.

Depois dessa escolha, o negócio é agarrar-se a essa ideia com dentes e unhas. Desejar e colocar em prática esse desejo que quer se libertar de correntes e cadeados.  É  preciso, ainda, extrair desse desejo todo o sumo que nele existe, cuspindo toda a sobra, todo o resíduo que insiste em querer retardar esse processo mágico.

Você fica na distinta problemática de querer matar ou morrer.

Essa é uma disfunção em que sinto liberdade, a verdadeira liberdade que tanto eu buscava com fúria, com amor, com determinação, e que para minha surpresa estava tão perto e eu não a enxergava, porque haviam arrancado os meus dois olhos com uma faca, e eu vagava como um sonâmbulo lunático pronto para cair dentro de uma sepultura sem inscrição na lápide, apenas a terra úmida e os vermes para me devorarem pedaço por pedaço.

É a época das primeiras descobertas.

De um louco cego lutando sozinho na “quebrada”.

Fonte:
Contos Maringaenses

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

2º Prêmio de Trovas Humorista Chico Anísio/2013 – UBT-Maranguape (Resultado Final) 2a. Parte


ÂMBITO:
NACIONAL/INTERNACIONAL

TEMA: PERSONAGENS DE CHICO ANYSIO
(Trova Lírica/filosófica)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Bento Carneiro - a vingança
foi "malígrina", por certo:
- quanto vampiro enche a pança
com nosso sangue... e liberto!!!
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

2º. Lugar:


Esbanjando humor profundo
conquistaste o mundo inteiro
como "Professor Raimundo"
ou como "Bento Carneiro"!!!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP

3º. Lugar:


A extrema sabedoria
o povo aplaudia até...
-Que saudade da ironia
nas falas de Salomé!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Nova Friburgo/RJ

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Percorrendo o meu calvário,
sinto um desgosto profundo:
" - Eu ganho o mesmo salário
do bom Professor Raimundo..."
ANTONIO COLAVITE FILHO
Santos/SP

5º. Lugar:


Chico Anísio - O Professor...
Da Escolinha do Raimundo -
Foi Por Deus - o grande ator...
mais feliz ... e mais profundo!!!
ANA MARIA GUERRIZE GOUVEIA
Santos/SP

6º. Lugar:


Deu-me o professor Raimundo
a mais difícil lição:
mostrar meu sorriso ao mundo,
olhando a televisão!
JOSAFÁ SOBREIRA
Rio de Janeiro/RJ

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Ensinando ao aprendiz,
nosso professor Raimundo,
no quadro negro e com giz
sonhava mudar o mundo.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/MG

8º. Lugar:


Sábio o Professor Raimundo
que disse: – o salário, ó!
De professor nesse mundo
nunca ninguém teve dó!
GERALDO TROMBIN
Americana/SP

9º. Lugar:


Quando assisto à "Escolinha"
do bom Professor Raimundo,
volto a ser professorinha
querendo salvar o mundo!
MYRTHES MAZZA MASIERO
São José dos Campos/SP

DESTAQUES

10º. Lugar:


Grande Professor Raimundo,
notável filho do agreste,
Deus te pague no outro mundo
cada lição que nos deste.
GERSON SILVESTRE ALENCAR GONÇALVES
Belo Horizonte/MG

11º. Lugar:

 

Ele só pensa em dinheiro,
que exibe no paletó;
Justo Veríssimo, inteiro,
é só casca, embaixo é pó.
NADIR NOGUEIRA GIOVANELLI
São José dos Campos/SP

12º. Lugar:


Sou Frei Justino de Assis,
o popular “Franciscano”,
hoje orgulhoso e feliz,
visto que o Papa é meu mano!
ANTÔNIO AUGUSTO DE ASSIS
Maringá/PR

ÂMBITO: ESTADUAL

2º PRÊMIO DE TROVAS CHICO ANYSIO – 2013

TEMA: PERSONAGENS DE CHICO ANYSIO
(Trova Lírica/filosófica)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES


1º. Lugar:

A mentira só tem graça
Na voz do Pantaleão;
Pois na verdade ela é traça
Que corrói o coração!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

2º. Lugar:


Nosso professor Raimundo
Tornou-se perpetuado,
Revelando para o mundo
O seu salário minguado.
ANA MARIA NASCIMENTO
Aracoiaba/CE

3º. Lugar:


Está sempre reclamando
das injustiças do mundo
do pouco que vem ganhando
nosso Professor Raimundo.
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Eternizando a memória
Do nosso herói do sertão
Eis a contar sua história
O grande pantaleão.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

5º. Lugar:

 

Como professor Raimundo,
Chico Anísio fez menção;
Com humor sério e profundo
Criticou a educação.
ABELARDO NOGUEIRA XAVIER
Aracoiaba/CE

6º. Lugar:


Salomé de Passo Fundo
Vivia lá seu segredo
Com algo muito profundo
Com o guri Figueiredo.
AUREILSON DE ABREU
UBT-Maranguape/CE

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:

 

Nosso Professor Raimundo
naquela escola, coitado,
com salário moribundo,
sempre lamenta um bocado...
GUTEMBERG LIBERATO DE ANDRADE
Fortaleza/CE

8º. Lugar:


Mostrou a realidade
Com humor bom e profundo.
Demonstrou capacidade
Nosso Professor Raimundo
ARTEMIZA CORREIA
Ocara/CE

9º. Lugar:

 

Pantaleão mentiroso
Disso ninguém o liberta
E fica mais duvidoso
Se diz: “É mentira Terta”.
MARIA RUTH BASTOS A BRANDÃO
UBT-Maranguape/CE

DESTAQUES

10º. Lugar:


A Escola é coisa séria,
Disto sabe todo mundo,
Dela não se faz pilhéria;
Só o Professor Raimundo!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE

11º. Lugar:

 

No futebol, já fui o tal
Mas adoro a malandragem
Azambuja, o genial
Só me falta é a coragem.
LUIZ CARLOS A BRANDÃO
UBT-Maranguape/CE

12º. Lugar:


O Coalhada diz que topa
Jogar pela seleção
Convocado para a copa
Joga em qualquer posição.
RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO
UBT-Maranguape/CE
== = = = = = = = = =

NACIONAL/INTERNACIONAL

TEMA: PERSONAGENS DE CHICO ANYSIO
(Trova humorística)

TROVAS VENCEDORAS

VENCEDORES

1º. Lugar:


Foi uma "Zorra Total"
quando "Meinha" e "Coalhada"
numa confusão geral
disputavam a "pelada"!!!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP

2º. Lugar:

 

Sua mulher por dinheiro
se casou e, agora, é "dama"...
Mas Coronel Limoeiro
diz: "Essa bichinha me ama"!...
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo / SP

3º. Lugar:


Azambuja, revoltado,
comenta a Convocação:
“Coalhada foi desprezado:
Não vai longe a Seleção”.
EDWEINE LOUREIRO DA SILVA
Saitama/Japão

MENÇÕES HONROSAS

4º. Lugar:


Haroldo tenta ser macho,
mas seu fetiche desfaz:
- Luana, vira capacho,
aos pés de um guapo rapaz.
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal/RN

5º. Lugar:


Tropeçava no seu pé,
furava na cabeçada,
mas se julgava um Pelé
o nosso bravo Coalhada.
LICÍNIO ANTÔNIO DE ANDRADE
Juiz de Fora/MG

6º. Lugar:

 

Justo Veríssimo assume
nossa política toda:
quando fala, ele resume:
“Quero que o pobre se exploda”.
MILTON SOUZA
Porto Alegre/RS

MENÇÕES ESPECIAIS

7º. Lugar:


Se a pergunta é do fedelho,
Pantaleão não tem dó.
Quem pintou o Mar Vermelho?
Foi sua mãe, Pedro Bó!
GERSON SILVESTRE ALENCAR GONÇALVES
Belo Horizonte/MG

8º. Lugar:

 

Alberto Roberto amava
ser símbolo sexual!
Aos gritos, desmunhecava,
retorcendo e dando "tiau"!
MARIA CONCEIÇÃO DE PAULA (CONCEITITA)
São José dos Campos/SP

9º. Lugar:

 

O trabalho um tanto rude
“Alfacinha” leva a sério...
Vende Planos de Saúde
no portão do cemitério!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Nova Friburgo/RJ

DESTAQUES

10º. Lugar:


Professor Raimundo tem
a paciência de Jó,
alunos burros também
e o salário dele, Óh!
DILMA RIBEIRO SUERO
Rio de Janeiro /RJ

11º. Lugar:


Parece o craque Coalhada
com o galã falastrão:
não aguenta uma pelada
mas diz que joga um bolão.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/MG

12º. Lugar:

 

À líder desta nação...
Uma dica, em um segundo:
Pra pasta da Educação...
Basta o professor Raimundo!
ANDRÉ LUÍS SOARES
Guarapari/ES

=================
continua…

Irmãos Grimm (Rei Bico-de-Tordo)

Um Rei tinha uma filha que era linda além de qualquer medida, mas que era tão orgulhosa e arrogante que nenhum pretendente era bom o suficiente para ela. Ela mandou embora um após o outro, assim como os ridicularizava.

Certa vez o Rei fez um grande banquete e convidou então, de longe e de perto, todos os jovens que pudessem casar. Eles estavam todos organizados em uma linha de acordo com seus níveis e reputação; primeiro vieram os reis, então os grão-duques, então os príncipes, condes, barões, e os gentios. Então a filha do rei passou pelas fileiras, mas para cada um ela tinha alguma objeção para fazer; um era muito gordo, "O barril de vinho", ela disse. Outro era muito alto, "longo e magro com pouco dentro." O terceiro era muito baixo, "pequeno e grosso nunca é rápido." O quarto era muito pálido, "Tão pálido quanto a morte." O quinto era muito ruivo, "Um galo de briga." O sexto não era direito o suficiente, "Um galho verde seco atrás do fogão."

Então ela tinha algo para dizer contra cada um, mas ela se fez especialmente agradável sobre o bom rei que estava quieto bem no final da fila, e cujo queixo cresceu um pouco curvo. "Bem," ela gritou e riu, "ele tem um queixo parecido com uma bico-de-tordo!" e a partir de então ele ganhou o apelido de Rei bico-de-tordo.

Mas o velho Rei, quando viu que sua filha não fazia nada além de zombar das pessoas, e desdenhava todos os pretendentes que havia reunido ali, ficou com muita raiva, e jurou que ela teria como seu marido o primeiro mendigo que viesse a sua porta.

Alguns dias depois um violinista veio e cantou abaixo da janela, tentando ganhar um pouco de esmola. Quando o Rei ouviu ele, disse, "Deixe-o entrar." Então o violinista veio, com sua sujeira, roupas rasgadas, e cantou diante do Rei e sua filha, e quando ele terminou pediu por um presente insignificante. 

O Rei então disse, "Sua música me agradou tanto que eu te darei minha filha aqui, como esposa."

A filha do Rei estremeceu, mas o Rei disse, "Eu fiz um juramento de te dar para o primeiro mendigo que aparecesse, e vou manter minha palavra." 

Tudo que ela dizia era em vão; o padre foi trazido, e ela teve que se deixar casar ao violinista na mesma hora. 

Quando estava terminado o Rei disse, "Agora não é apropriado para você, uma mendiga, permanecer mais no meu palácio, você pode ir agora com o seu marido."

O mendigo a levou para fora pela mão, e ela foi obrigada a andar a pé com ele. Quando eles chegaram a uma grande floresta ela perguntou, "A quem pertence esta bela floresta?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

Logo depois eles chegaram a uma campina, e ela perguntou de novo, "A quem pertence esta bela e verde campina?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

Então eles chegaram a uma grande cidade, e ela perguntou de novo, "A quem pertence esta bela grande cidade?" 

"Pertence ao Rei bico-de-tordo; se o tivesse tomado como marido, ela teria sido sua." 

"Ah, que garota infeliz que sou, se tivesse escolhido o Rei bico-de-tordo!"

"Não me agrada," disse o violinista, "ouvir você sempre desejar por outro marido; não sou bom o suficiente para você?" 

Por fim eles chegaram a uma pequena cabana, e ela disse, "Oh, meu deus! que casa pequena; a quem pertence esta barraca miserável de segunda categoria?" 

O violinista respondeu, "Esta é minha casa e sua, onde nós viveremos juntos."

Ela teve que se inclinar para poder passar pela porta. "Onde estão os criados?" disse a filha do Rei. 

"Que criados?" respondeu o mendigo; "você deve fazer por conta própria o que quiser que seja feito. Apenas acenda o fogo de uma vez, e coloque água para cozinhar minha sopa pois estou muito cansado." 

Mas a filha do Rei não sabia nada sobre acender o fogo ou cozinhar, e o mendigo teve que ajudá-la para conseguir qualquer coisa bem feita. Quando terminaram a escassa refeição eles foram para a cama; mas ele a forçou a acordar bem cedo de manhã para cuidar da casa.

Por alguns dias eles viveram deste jeito tão bem quanto podia, e veio então o fim de todas as suas provisões. Então o homem disse, "Mulher, não podemos seguir mais comendo e bebendo aqui sem ganhar nada. Teça algumas cestas." 

Ele saiu, cortou alguns salgueiros, e os trouxe para casa. Então ela começou a tecer, mas os salgueiros duros machucaram suas delicadas mãos.

"Vejo que isto não funcionará," disse o homem; "melhor você fiar, talvez consiga fazer melhor." 

Ela sentou e tentou fiar, mas o duro fio cortou seus dedos macios fazendo o sangue escorrer. 

"Veja," disse o homem, "você não serve para nenhum tipo de trabalho; Fiz uma barganha ruim por você. Agora vou tentar fazer algum negócio com os potes e cerâmicas; você deve se sentar no mercado e tentar vendê-las." 

"Ai de mim," ela pensou, "se qualquer pessoa do reino de meu pai vier ao mercado e me ver sentada lá, vendendo, como eles irão zombar de mim?" 

Mas não houve jeito, ela tinha que ir exceto se quisesse morrer de fome.

Pela primeira vez ela foi bem sucedida, pois as pessoas ficaram satisfeitas de comprar cerâmicas de uma mulher e ela era muito bonita, e pagavam o que ela pedia; muitos inclusive davam o dinheiro e deixavam os potes com ela também. 

Então eles viveram com o que ela ganhara enquanto durou, então o marido comprou um novo lote de cerâmica. Com estes ela sentou na esquina do mercado, e ajeitou a sua volta pronta para começar a vender. Mas de repente veio um ladrão de estradas bêbado galopando ao longe, e ele cavalgou entre os potes quebrando todos em mil pedaços. 

Ela começou a chorar, e não sabia o que fazer por medo. "Ai de mim! o que acontecerá comigo?" ela gritou; "o que meu marido dirá disso?"

Ela correu para casa e contou a ele sua falta de sorte. 

"Quem se sentaria na esquina do mercado com cerâmicas?" disse o homem; "para de chorar, vejo muito bem que você não pode fazer um trabalho comum, então fui ao palácio de nosso Rei e pedi se eles não teria um lugar para uma empregada na cozinha, e eles prometeram aceitar você; deste jeito irá conseguir comida de graça."

A filha do Rei era agora empregada na cozinha, e tinha que estar a disposição do cozinheiro, e fazer o trabalho mais sujo. Em seus bolsos ela prendeu um pequeno pote, no qual ela levava para casa sua parte dos restos, e com estes eles viviam.

Aconteceu que o casamento do filho mais velho do Rei iria ser celebrado, e a pobre mulher subiu e foi até a porta do salão para observar. Quando todos as velas foram acessas, e pessoas, cada uma mais bonita que a outra, entraram, e tudo estava cheio de glória e esplendor, ela pensou na sua sorte com o coração triste, e amaldiçoou o orgulho e arrogância que a humilhou e a trouxe para tamanha pobreza.

O cheiro delicioso dos pratos que estavam sendo trazidos pra dentro e fora alcançaram ela, e agora e então os empregados jogaram para ela alguns pedaços deles: estes ela guardou nos potes e levou para casa.

De repente o filho mais velho do Rei entrou, vestido em veludo e seda, com uma corrente de ouro em seu pescoço. E quando ele viu a bela mulher em pé perto da porta ele a segurou pela mão, e a teria levado para dançar; mas ela se recusou e recuou com medo, porque ela viu que era o Rei Bico-de-tordo, seu pretendente que ela havia repudiado com escárnio. 

Seu esforço foi em vão, e ele a levou para o salão; mas o barbante pelo qual seus bolsos estavam pendurados partiu, e os potes caíram, a sopa escorreu, e as migalhas se esparramaram. E quando as pessoas viram, houve uma risada e zombaria geral, e ela ficou tão envergonhada que preferia estar mil vezes num buraco abaixo do chão. 

Ela saltou em direção a porta e teria fugido, mas nas escadas um homem a segurou e trouxe de volta; e quando olhou para ele era o Rei Bico-de-tordo novamente. 

Ele disse a ela gentilmente, "Não tenha medo, sou o violinista com quem tem vivido naquela cabana miserável. Por amor a você me disfarcei assim; e também fui o ladrão de estradas bêbado que cavalgou entre a cerâmica. Tudo isto foi feito para seu espírito orgulhoso, e para puni-la pela insolência com o qual você zombou de mim."

Então ela chorou amargamente e disse, "Fiz muito errado, e não sou digna de ser sua esposa." 

Mas ele disse, "Console-se, os dias ruins estão no passado; agora nós vamos celebrar nosso casamento." 

Então as damas de companhia vieram e a colocaram numa roupa esplêndida, e seu pai e toda a sua corte vieram e desejaram sua felicidade pelo seu casamento com o Rei Bico-de-tordo, e a alegria começou a sério. 

Gostaria que eu e você estivéssemos lá também.

Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Versos Diversos II


DÚ KARMONA
Saudade...


" ...     Quando penso que já foi...
Volta e rasga, sangra e dói!
Nem sei onde está, sei que ficou...
O que ficou... é mais que a dor...
Dor da falta, da perda...
Ficou um vácuo que me devora...
E tento sentir o que deixou
para estancar toda esta dor... "

FERNANDO PESSOA
Saudade

 
Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi e voou
E hoje é já outro dia.

MARTHA MEDEIROS
Vivendo e Aprendendo


Eu sou feito de Sonhos
interrompidos
Detalhes despercebidos
Amores mal resolvidos.

Sou feito de
Choros sem ter razão
Pessoas no coração
Atos por impulsão.

Sinto falta de
Lugares que não conheci
Experiências que não vivi
Momentos que já esqueci.

Eu sou
Amor e carinho constante
Distraída até o bastante
Não paro por um instante.


Tive noites mal dormidas
Perdi pessoas muito queridas
Cumpri coisas não prometidas.

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
Pensei em fugir para não enfrentar
Sorri para não chorar.

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
Amizades que não cultivei
Aqueles que eu julguei
Coisas que eu falei.

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
Lembranças que fui esquecendo
Amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.

ODYLA PAIVA
Saudade de você


Não há um dia que não lembre de você.
Saudade do seu abraço,
Saudade da sua voz,
Saudade de como você era para mim.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de nossas conversas,
Saudade de seus recados ao telefone,
Saudade de saber você ao meu alcance.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de fazer perguntas,
Saudade das suas respostas,
Saudade da sua atenção.

Não há um dia que não lembre de você.
Saudade de nossas saídas,
Saudade do “tudo bem”,
Saudade, saudade, saudade de você.

PABLO NERUDA
Fostes minha, fui teu


Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos
Já não se adoçará junto a ti a minha dor.

Mas para onde vá, levarei o teu olhar
E para onde caminhes levarás a minha dor.

Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
Uma curva na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame
Daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.

Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

Do teu coração me diz adeus uma criança
E eu lhe digo adeus.

VINICIUS DE MORAES
Sem despedidas suas


Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Teófilo Braga (O Sapatinho de Cetim)

Recolhido no Algarve

Era uma vez um homem viúvo e tinha uma filha; mandava-a à escola de uma mestra que a tratava muito bem e lhe dava sopinhas de mel. Quando a pequenita vinha para casa, pedia ao pai que casasse com a mestra, porque ela era muito sua amiga. O pai respondia:

– Pois queres que case com a tua mestra? Mas olha que ela hoje te dá sopinhas de mel, e algum dia te dará de fel.

Tanto teimou, que o pai casou com a mestra; ao fim de um ano teve ela uma menina, e tomou desde então grande birra contra a enteada, porque era mais bonita do que a filha. Quando o pai morreu é que os tormentos da madrasta passaram as marcas. A pobre da criança tinha uma vaquinha que era toda a sua estimação; quando ia para o monte, a madrasta dava-lhe uma bilha de água e um pão, ameaçando-a com pancadas se ela não trouxesse outra vez tudo como tinha levado. A vaquinha com os pauzinhos tirava o miolo do pão para a menina comer, e quando bebia água tornava a encher-lhe a bilha com a sua baba. Deste feitio enganavam a ruindade da madrasta.

Vai um dia adoeceu a ruim mulher, e quis que se matasse a vaquinha para lhe fazer caldos. A menina chorou, chorou antes de matar a sua querida vaquinha, e depois foi lavar as tripas ao ribeiro; vai senão quando, escapou-lhe uma tripinha da mão, e correu atrás dela para a apanhar. Tanto andou que foi dar a uma casa de fadas, que estava em grande desarranjo, e tinha lá uma cadelinha a ladrar, a ladrar.

A menina arranjou a casa muito bem, pôs a panela ao lume, e deu um pedaço de pão à cadelinha. Quando as fadas vieram, ela escondeu-se detrás da porta, e a cadelinha pôs-se a gritar:

– Ão, ão, ão,
Por detrás da porta
Está quem me deu pão.

As fadas deram com a menina, e fadaram-na para que fosse a cara mais linda do mundo, e que quando falasse deitasse pérolas pela boca, e também lhe deram uma varinha de condão.

A madrasta assim que viu a menina com tantas prendas, perguntou-lhe a causa daquilo tudo, para ver se também as arranjava para a filha. A menina contou o sucedido, mas trocando tudo; que tinha desarrumado a casa, quebrando a louça, e espancado a cadelinha. A madrasta mandou logo a filha, que fez tudo à risca como a mãe lhe dissera tintim por tintim. Quando as fadas voltaram, perguntaram à cadelinha o que tinha sucedido; ela respondeu:

– Ão, ão, ão,
Por detrás da porta está
Quem me deu com um bordão.
   
As fadas deram com a rapariga, e logo a fadaram que fosse a cara mais feia que houvesse no mundo; que quando falasse gaguejasse muito, e que fosse corcovada. A mãe ficou desesperada quando isto viu, e dali em diante tratou ainda mais mal a enteada.

Houve por aquele tempo uma grande festa dos anos do príncipe; no primeiro dia foi a madrasta ao arraial com a filha, e não quis levar consigo a enteada que ficou a fazer o jantar. 

A menina pediu à varinha de condão que lhe desse um vestido da cor do céu e todo recamado com estrelas de ouro, e foi para a festa; todos estavam pasmados e o príncipe não tirava os olhos dela. 

Quando acabou a festa, a madrasta veio já achá-la em casa a fazer o jantar, e não se cansava de gabar o vestido que vira. 

No segundo dia, foi a menina à festa, com o poder da varinha de condão, e com um vestido de campo verde semeado de flores. 

No terceiro dia, quando a menina viu que a madrasta já tinha ido para casa, partiu a toda a pressa, e caiu-lhe do pé um sapatinho de cetim. O príncipe assim que viu aquilo correu a apanhar o sapatinho, e ficou pasmado com a sua pequenez. Mandou deitar um pregão, que a mulher a quem pertencesse o sapatinho de cetim seria sua desposada. Correram todas as casas e a ninguém servia o sapatinho.

Foi por fim à casa da mulher ruim, que apresentou a filha ao príncipe, mas o pé era uma patola e não cabia no sapatinho de cetim; perguntou-lhe se não tinha mais alguém em casa. 

Quando a madrasta ia responder que não, abriu-se a porta da cozinha, e apareceu a enteada com o vestido do primeiro dia das festas e com um pezinho descalço, que serviu no sapatinho de cetim. O príncipe levou-a consigo, e à madrasta deu-lhe tal raiva, que se botou da janela abaixo e morreu arrebentada.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 40 – 14 de dezembro de 1887

Por Júpiter! Cobre o rosto.
Risonha Hélade amiga,
Cobre-o de pejo e desgosto;
Chora a tua graça antiga.

Lembras-te daqueles tempos,
— Da galante mocidade,
Em que eram teus passatempos
Grave e fina agilidade?

Em que as tuas formas belas
Mostravam-se aos olhos puros,
Tempos quase sem mazelas,
Quase sem dias escuros?

Então floresciam jogos
De toda casta e destino,
E coros cheios de rogos
Ao céu e ao povo divino.

Já não falo dos famosos
Jogos de corridas — quando
Voavam carros briosos
Pelo solo venerando.

Falo (e serve ao que ora trato)
Falo daquelas usanças
Em que vinha o pugilato
Entre cantigas e danças.

Seguramente que havia
Pancada — porém pancada
De valor e bizarria
Por uma cousa sagrada.

Eram modos e maneiras
De lutar de língua e punho,
Traziam tantas canseiras,
Grécia, o teu amável cunho.

E agora, ai, chora pitanga!
Pitanga é fruta moderna,
Mas a qualquer mágoa ou zanga
Qualquer fruta é fruta eterna.

Contudo, se não te agrada,
Chora aquele mel do Himeto,
Que inda agora a abelha amada
Verte ao comum e ao seleto.

Chora o que for, chora, chora...
Vês este grego, chamado
Manuel Rottas, que aqui mora?
Foi há pouco encarcerado.

Que pensas tu que fazia
Este filho tão malandro,
Em cujas veias podia
Correr sangue de Lisandro?

Ouve... fecha os olhos... Cobre
O belo rosto, faceira;
Não há cautela que sobre...
Rotas era capoeira.

Sim, capoeira, repito.
E cometia na praça
Das Marinhas o delito
De dar aos colegas caça.

Chamavam-lhe por gracejo
O grego das ostras, nome
Que em si mesmo não dá pejo,
Antes creio que dá fome.

Grego e capoeira! Ó manes
Dos seus avós acabados!
Ó recordações inanes
De outros tempos e outros lados!

Bem conheço que, assim como
Cada roca tem seu fuso,
Cada macieira seu pomo,
Tem cada terra seu uso.

Nem é o uso que me espanta
Espanta-me esse contraste
Da terra e da sua planta,
Da habitação e do traste.

Bem sei que a Grécia recente
É outra da Grécia antiga,
Mas no coração da gente
És a mesma, Hélade amiga.

E por mais que a razão pura
Mostres que ora estás mudada,
Espanta-me esta figura:
Rasteira, grego e facada.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.