domingo, 28 de abril de 2019

Camilo Castelo Branco (O Arrependimento)


Em tempos da minha mocidade costumava visitar a miúdo uma boa velha, minha vizinha, que me honrava com a sua estima e amizade. Humildemente confesso que não há sociedade mais deleitosa e agradável, do que a de uma mulher que soube envelhecer. A sua conversação instrutiva e divertida, é um inesgotável tesouro de lembranças, anedotas, observações chistosas e reflexões circunspectas, é finalmente uma revista do passado.

D. Mafalda, deixem-me assim chamar-lhe, juntava à amenidade da conversa, a do caráter, que era brando e indulgente.

Quando tinha ocasião de ir passar uma noite com ela, parecia-me que as horas voavam ligeiras e que corriam mais rápidas, do que quando as gastava a distribuir finezas e galanteios às mais formosas rainhas dos mais brilhantes salões. Era sempre com vivo pesar que a via apontar para o relógio, indicando-me que a hora de me retirar tinha chegado, e voltava a minha casa com o espírito mais rico, e o coração satisfeito e melhor.

A historia que vou contar-vos, minhas caras leitoras, foi-me dita por D. Mafalda num destes serões em que vos falei.

Era numa bela noite de Junho; fui encontra-la sentada na sua cadeira à Voltaire, tendo aos seus pés, deitado num coxim, o seu cãozinho querido; os olhos tinha-os semi-abertos, um sorriso nos lábios, e parecia respirar com prazer a aragem, que, embalsamada pelas flores do jardim, se coava pela janela meia aberta. Quando cheguei junto dela vinha indignado porque um dos meus parentes tinha sido vitima de um abuso de confiança; contei-lhe o sucedido, e no calor da narração não poupei ao culpado as maiores imprecações, nem deixei de lhe dizer que desejava fazer-lhe todo o mal possível.

— Devagar, meu querido amigo-me disse ela - não o julgava tão irascível, nem que tivesse tão pouca caridade para com o próximo. Sabe lá, se, com a vida, não tiraria ao culpado o mérito de para o futuro se poder reabilitar pelo arrependimento, e se o momento em que lhe infringisse o castigo não seria o destinado por Deus para esse arrependimento?

— Eis aí, minha cara vizinha, uma doutrina, permita-me a expressão, um pouco subversiva da ordem social.

— Deus me defenda — replicou-me — de querer que o culpado não seja castigado, e que a sociedade fique indefesa dos crimes que um seu membro praticou contra ela; quis dizer somente que devia deixar ás leis o cuidado de castigar o delinquente, e que o meu querido amigo, não devia, como indivíduo, fechar assim desapiedadamente o coração a todo o sentimento de comiseração por um desgraçado e infeliz, no coração do qual talvez ainda bruxuleei algum clarão de virtude, que uma ocasião favorável e propicia, que se apresente, ainda pode despertar, e fazer com que esse membro da sociedade, que julga inútil, se torne bom e aproveitável.

Como eu respondesse a isto, fazendo um destes movimentos de cabeça, que são um protesto mudo e respeitoso, ela acrescentou:

— Está com paciência para me aturar ouvindo uma historia, pois que ainda temos algumas horas?

Não recusei: uma historia era uma fortuna para combater a exaltação de espírito em que estava. D. Mafalda começou assim:

— Emílio da Cunha era o mais velho de três irmãos, dos quais, o mais novo, vivia há muitos anos no Rio de Janeiro, onde tinha alcançado fortuna. O segundo nunca deixou o Porto, sendo sempre infeliz nos seus cometimentos e especulações. Emílio da Cunha, à custa de muito trabalho e economias, pôde alcançar uma fortunazinha, que lhe permitia esperar com sossego, o momento de descansar da vida laboriosa em que tinha vivido. Uma quarta pessoa completava esta família, que era uma irmã, que tendo seguido o seu marido à Índia, para onde ele tinha sido despachado, e não vindo nenhum deles a figurar nesta minha historia, não lhos recordarei mais. Aconteceu que o irmão de Emílio da Cunha, que residia no Porto, por uma destas catástrofes que ocasionam os jogos de bolsa, faliu. Teve tal sentimento por este fato, que faleceu três dias depois, atacado de uma febre cerebral. A herança, que deixou, foram dividas e um filho. Emílio da Cunha, que tinha um coração bondoso, e um caráter pudoroso, para que a memória do seu irmão não ficasse desonrada, comprometeu-se a pagar as dividas e recolheu na sua casa o filho para lhe substituir o pai, que tinha perdido; procedimento louvável, e digno de se admirar, sabendo-se que ele tinha uma filha, para quem, passados quatro ou cinco anos tinha a procurar um casamento vantajoso.

Roberto, se chamava o sobrinho de Emílio da Cunha, tinha já 15 anos de idade, mas o pai, inteiramente entregue ás especulações, e aos cuidados, que elas trazem consigo, descuidou completamente a sua educação, por isso o seu retrato moral, nesta ocasião, nada tinha de vantajoso; o espirito tinha-o completamente inculto; as noções que possuía do justo e do injusto eram as mais errôneas e disparatadas; o respeito aos direitos d'outrem era para ele uma invenção estúpida dos homens, condenada pela natureza, e a verdadeira liberdade consistia em fazer o mal impunemente. Se algum bom instinto, ou algum vislumbre de virtude, existia no coração de Roberto, ainda estava em embrião, porque se não tinha demonstrado. Quantas e quantas vezes, em quanto que o pai, cego pelas especulações, concentrava todas as suas faculdades intelectuais na realização de um impossível, não deixou Roberto de ir ao colégio, fazendo o que em termo escolar, se chama gazear, e gastava as horas de estudo em andar a vagabundear pelos campos e praças. Dai proveio o tomar relações com meia dúzia de garotos, ou vadios, permita-me a frase, para quem nada era sagrado nem nas ações, nem nas palavras. Dai nasceu a falta de respeito pela propriedade alheia, roubando os pomares; e o endurecimento de coração, castigando barbaramente animais inofensivos.

Emílio da Cunha reconheceu logo os maus instintos de que o seu sobrinho era dotado, e a desmoralização, que já se tinha infiltrado no seu coração, mas concebeu a esperança do regenerar com desvelos, paciência, e sobre tudo bons exemplos. A sua filha, a que chamarei Valentina, de 14 anos de idade, contribuiu poderosamente para a realização deste seu empenho, tão justo e louvável. Era uma menina para quem a natureza tinha sido pródiga em encantos de rosto, de espírito e coração, a ponto de qualquer que a via a admirar, e de quem a ouvia ama-la imediatamente. Tinha uma tal influencia, ou magia sobre os que se acercavam dela, que aos bons tornava-os melhores, e aos maus fazia-lhe retirar envergonhados para o fundo do coração os maus instintos. Esta magia não teve menos poder sobre Roberto, do que sobre os outros, de sorte que a regeneração que ele sofreu, nos seus costumes e ações, foi tão sensível, que o bondoso Emílio da Cunha revia-se alegre e contente na sua obra, e congratulava-se dos resultados que tinha colhido.

Deu-se porém uma circunstância feliz, mas que ao mesmo tempo foi desgraçada, que deteve Roberto repentinamente na boa estrada em que se tinha embrenhado, e na qual parecia caminhar resolutamente. Por uma carta chegada num dos paquetes ingleses do Brasil, soube Emílio da Cunha, que o seu irmão mais novo tinha falecido, deixando-o, por ele ser o seu mais próximo parente, herdeiro de uma fortuna considerável.

Bens rústicos, e estabelecimentos industriais é no que consistia a fortuna, dos quais se poderia colher bons lucros, sendo bem geridos, conforme o tinha praticado o seu defunto proprietário; mas Emílio da Cunha, além de se não julgar com conhecimentos e forças para bem gerir a indústria com que o seu irmão tinha feito fortuna, não tinha desejo, nem queria expatriar-se. Foi até com  imensa repugnância que se resolveu a ir ao Brasil tomar posse e liquidar a herança; parecia que um secreto pressentimento o avisava do que tinha de acontecer, levando-o a considerar como uma desgraça esta viagem, a que os sagrados direitos da sua predileta filha Valentina, o obrigavam a empreender. Partiu finalmente, depois de ter tomado todas as precauções para a tranquilidade do seu espírito. Valentina entrou num dos colégios de educação mais acreditados do Porto, e Roberto ficou numa casa particular, onde lhe deviam prestar todos os cuidados, que exigiam a sua idade, pois que já então tinha 17 anos, e a sua completa ignorância, de que até uma criança de 8 anos poderia zombar.

Emílio da Cunha aportou a salvamento ás terras de Santa Cruz, e logo que saltou em terra, desenvolveu a maior atividade, e procurou por todos os meios possíveis abreviar rapidamente os seus negócios, mas infelizmente os resultados não correspondiam aos seus esforços e desejos, porque de todos os lados, e a todos os momentos estavam sempre a surgir empecilhos e embaraços não prevenidos nem esperados. Havia já um ano que Emílio da Cunha tinha chegado ao Brasil, e ainda os seus negócios não estavam mais adiantados, que no primeiro dia.

Cansado, desanimado e afetado de melancolia, ou spleen, como lhe chamaria um nosso fiel aliado britânico, mortificado por um desassossego de que não podia explicar a causa, deliberou entregar os seus negócios e a liquidação e arrecadação da herança a um procurador, e embarcar-se no primeiro paquete, que seguisse viagem para Portugal.

Que se tinha porém passado no Porto, durante este tempo? É o que lhe vou contar, meu vizinho, se ainda tiver paciência para me ouvir, me disse D. Mafalda, e o que vou fazer ás minhas leitoras, se elas quiserem ter a mesma paciência de me ler. Roberto, separado da sua prima, aborrecido e dominado pela preguiça, fugiu um belo dia da casa onde se achava hospedado, foi procurar, e infelizmente encontrou, os seus antigos companheiros da vadiagem, que tinham quase todos seguido a estrada do vicio e do crime. Arrastaram portanto consigo o desventurado Roberto para esse despenhadeiro, na baixa do qual se encontra a escoria da sociedade.

Roberto tinha por companheiros habituais homens criminosos, de cara sinistra, maneiras brutais, linguagem grosseira e vestidos esfarrapados, numa palavra mendigos, ou ladrões. Adotou-lhe portanto os costumes as maneiras e as máximas, e quem o visse emagrecido pela devassidão, com os vestidos em desalinho, os cabelos eriçados, tomá-lo-ia por um bandido de trinta anos, quando ele não tinha mais que dezenove incompletos. Valentina, pelo contrario, tinha crescido em corpo, beleza, espírito, talento e virtudes.

Conduzi-o do Porto ao Rio de Janeiro, e do Rio de Janeiro ao Porto, agora, querendo-me seguir, levá-lo-ei a Lisboa, onde se passa um pequeno episódio desta muito verídica historia. De bordo de um paquete inglês, chegado dos portos do Brasil, tinha desembarcado um passageiro, que se dirigiu a um hotel para descansar, e aí passar até ao dia seguinte, em que devia seguir viagem para o Porto, na mala-posta, a fim de se vir unir aos seus filhos, que estava ansioso por abraçar e apertar contra o coração. Julgo desnecessário o dizer-lhe, pois me parece já o adivinhou, que este viajante era Emílio da Cunha, que se considerava feliz por pisar o solo da sua pátria, que tanto amava, e onde estava tudo o que ele mais prezava neste mundo. Logo que no hotel lhe prepararam o quarto e tomou uma pequena refeição, deitou-se e adormeceu, embalado por sonhos felizes. No dia seguinte ainda o sol mal tinha despontado, já subia pela escada do hotel e entrava no corredor comum, sobre o qual deitavam uma dúzia de portas de quartos, um homem de má catadura.

Era um destes cavalheiros de indústria, a qual consiste em entrar, sob qualquer pretexto, de manhã cedo nos hotéis, e aproveitar-se do primeiro quarto que encontram aberto para empalmarem destramente um relógio, ou uma mala, se o acordar do hospede ou locatário do quarto, os não obriga a retirar-se de mãos vazias, desculpando-se de que se tinham enganado na porta.

No andar, vacilante, e como desconfiado, do cavalheiro de indústria se reconhecia facilmente, que era um noviço, que ia tentar os seus primeiros ensaios, ou que ia fazer a sua primeira escamoteação. Depois de ter estado por bastante tempo em luta com a sua consciência, e irresoluto se devia ou não penetrar no quarto de que a porta se achava meia cerrada, meteu primeiro a cabeça, depois uma perna, e por último todo o corpo; mas fazendo algum ruído com este último movimento, o hóspede, que estava deitado, acordou, e virando rapidamente a cabeça, Roberto, porque o cavalheiro de indústria era ele, encarou o seu tio Emílio da Cunha. Ficou estupefacto e como fulminado por um raio.

Nesse mesmo dia de tarde Emílio da Cunha tomou lugar no caminho de ferro até ao Carregado, e aí na mala posta até ao Porto, onde trinta e seis horas depois se achava nos braços da sua querida filha Valentina, que imediatamente tinha ido procurar ao colégio.

— Tu sabes já, já do colégio, minha filha lhe diz Emílio da Cunha - para retomares, e nunca mais deixares, o teu lugar ao meu lado.

— Que felicidade - exclamou Valentina toda alegre e folgazã - que vida sossegada e feliz não vamos passar todos três, não é assim meu querido pai, porque Roberto também vai para a nossa companhia?

— Roberto, morreu - respondeu Emílio da Cunha com rosto severo, e voz soturna. — Não quero que me fales mais nele, entendes Valentina?

Valentina admirada da resposta, ainda fez diversas perguntas ao seu pai, mas a todas elas não obteve outra resposta, senão a completa proibição de nunca mais lhe falar em Roberto.

Ainda porém não tinha Emílio da Cunha sofrido todas as provações, que Deus lhe destinara. Tinham decorrido seis meses desde que tinha chegado do Rio de Janeiro, quando recebeu a participação de que o procurador, que ficara encarregado da liquidação e arrecadação da herança, tinha cumprido a sua missão, mas que, depois de ter arrecadado a soma importante, que produzira a mesma herança, tinha desaparecido, sem que as pesquisas feitas para se descobrir o lugar do seu refugio, tivessem dado o desejado resultado.

Emílio da Cunha ficou completamente arruinado por este facto, porque, impaciente por satisfazer os credores do seu irmão, pai de Roberto, tinha vendido tudo o que possuía em Portugal. O golpe foi forte, mas ainda assim não o foi bastante para poder subjugar a coragem do bom e respeitável velho, mostrando-se Valentina nesta conjuntura, digna filha de um tal pai. Renunciando heroicamente ás comodidades da vida, em que até então tinham vivido, foram habitar, num bairro mais afastado da cidade, uma pequena casa, na qual sofreram privações diárias e penosas, tratando sempre de obter alguns recursos para a sua subsistência, mesmo em trabalhos mal retribuídos.

Valentina, que Deus tinha dotado de bom gosto, e bastante habilidade, começou a trabalhar para uma modista, a qual satisfeita com os seus primeiros trabalhos, lhos deu em seguida mais delicados e por isso melhor retribuídos, o que foi para eles uma grande felicidade, e que assim lhes proporcionou meios lícitos de pagarem regularmente o seu aluguel, e de já não recearem tanto nem o frio, nem a fome.

Valentina ia entregar a sua obra à modista, a qual satisfeita com ela lhe dava sempre mais, e muitas vezes mais do que a que ela podia fazer. A uma crise terrível tinha-se seguido uma abastança medíocre, que era por isso uma felicidade mais agradável e estimada.

Decorreram assim dois anos.

Um dia, em que Valentina estava só, lhe entregou o carteiro uma carta, e qual não foi a sua surpresa quando reconheceu a letra do seu primo. Roberto contava nesta carta tudo o que tinha passado, desde o momento em que o vimos no hotel em Lisboa preparando-se para escamotear o seu tio. Fulminado pela vista de Emílio da Cunha tinha recobrado os sentidos para na fuga se salvar ás imprecações de indignação do velho. Chegou ofegante ao Terreiro do Paço, onde se sentou, ou melhor se deixou cair num dos assentos de pedra, que ali se acham, e assim esteve por muito tempo, com a cabeça escondida entre as mãos, mergulhado em acerbas e cruéis reflexões.

Experimentou ou sentiu dentro em si uma completa revolução; o seu procedimento indigno e infame se lhe apresentou em toda a sua nudez e hediondes; teve horror de si mesmo e por um instante pensou em suicidar-se; mas com o arrependimento entraram-lhe no coração sentimentos mais generosos. Lembrou-se que, tendo doravante uma conduta honrosa e ilibada, ainda poderia chegar a fazer esquecer os seus erros passados, e reanimado por esta feliz lembrança, que o seu anjo bom lhe tinha sugerido, levantou-se resoluto a trabalhar para a sua reabilitação, e a não descansar sem a ter chegado a alcançar.

A ocasião favorável não se fez esperar muito, porque um capitão de um navio mercante, que estava aparelhando para a Califórnia, lhe concedeu passagem gratuita, mediante os seus serviços e o seu trabalho na viagem. Aportou Roberto à Califórnia e sorrindo-lhe a fortuna, em lugar de se embrenhar no jogo, arriscando assim as suas economias, fundou um estabelecimento, que ia prosperando, faltando unicamente para a sua felicidade se tornar completa, o obter o perdão do seu tio, e a esperança de poder tornar a ver sua prima, cuja imagem tinha constantemente na ideia, e o sustentava e animava nesta nova estrada de trabalho e ordem, de que não pensava mais em se desviar.

Eis aqui em resumo o que continha a carta que Roberto dirigiu a sua prima. Valentina muito comovida, mas gostosa e alegre por ter de dar tão grata noticia ao seu querido pai, esperava ansiosa a sua volta. Mal lhe deu tempo de sentar-se, ia logo a contar-lhe o sucedido, mas, Emílio da Cunha a deteve, apenas tinha pronunciado a primeira palavra. Valentina insistiu, mas o velho levantou-se com a maldição nos lábios; ela lançou-se-lhe de joelhos aos pés, chorou, suplicou, mas ele a tudo ficou impassível e inflexível.

Valentina consternada respondeu à carta do seu primo descrevendo-lhe o sucedido, e a inutilidade dos seus esforços; mas para o não desanimar prometia-lhe de os renovar, e que os repetiria até que chegasse a mover o seu pai à comiseração e piedade, de que não desesperava. A carta continha também a descrição de todos os sucessos, que se tinham dado desde que Roberto tinha desaparecido; a decadência de Emílio da Cunha, a pobreza em que tinham vivido em quanto que o seu trabalho mal retribuído lhe dava parcos meios de subsistência, e o melhoramento da sua posição, finalmente continha também algumas palavras de exortação e amizade.

A situação de Emílio da Cunha e a sua filha sofreu, passado algum tempo, uma modificação muito mais inesperada, do que a que se havia seguido ao aniquilamento da sua fortuna. Emílio da Cunha foi chamado a casa de um capitalista, aonde lhe entregaram 20 contos de reis de que um anônimo lhe mandava dar posse a título de restituição. Donde tinha vindo este dinheiro?

Emílio da Cunha pensou muito naturalmente, que o procurador que o tinha roubado, mortificado pelo remorso, e querendo sossegar um pouco a sua consciência, lhe tinha mandado entregar aquela quantia, como uma parte da restituição, que lhe tinha a fazer. Valentina estava muito longe de concordar com a opinião do seu pai, mas nem por isso teve a franqueza de lho declarar, nem lhe dar a entender qual era a sua.

Qual das duas opiniões era a verdadeira, é o que nos não importa saber, o que se sabe é que a abastança ou decência tinha reentrado em casa de Emílio da Cunha, e as ideias do digno e honrado velho, foram-se tornando mais brandas sob a influencia do bem-estar.

Foi ele próprio que num dia falou primeiro a Valentina no seu primo Roberto, e ela não perdendo esta ocasião tão propicia, que se lhe oferecia, advogou por muito tempo, com calor e eloquência, a causa do seu primo. Emílio da Cunha deixou-a falar como e todo o tempo que ela quis, sem lhe dar a mais pequena resposta, nem lhe replicar a coisa alguma.

Estaria ou não convencido?

A pergunta não tinha muito fácil resposta, mas pelo menos tinha ouvido sem cólera e com sossego as alegações a favor do seu sobrinho, o que já era um bom indicio da mudança que nele se havia operado.

Valentina, contente e satisfeita com o resultado do seu primeiro cometimento, escreveu imediatamente ao seu primo informando-o do que havia, e a esta carta seguiram-se outras muitas, noticiando-lhe sempre algum novo passo dado na estrada da reconciliação.

Aconteceu um dia que Emílio da Cunha, no meio de uma conversa, que tinha seguido num objeto muito diverso, parasse precipitadamente para dizer a sua filha:

— Tu acreditas sinceramente no arrependimento do teu primo?

— Oh! sim, meu pai — apressou-se em responder Valentina.

— Queira Deus que te não enganes.

Um outro dia acordou de uma pequena sesta, que se tinha seguido ao jantar, gritando, como se continuasse uma conversa começada:

— Ah! se Roberto estivesse arrependido realmente, como tu o supões, com que prazer e alegria…

Não terminou a frase, mas a expressão benévola da fisionomia de Emílio da Cunha indicou a Valentina o complemento da ideia.

Isto foi objeto para uma ultima carta a Roberto, a que ele respondeu, e fechou-se a correspondência.

Uma manhã Emílio da Cunha achava-se com Valentina num a pequena, mas elegante sala, que deitava sobre o jardim porque eles tinham deixado a sua pobre morada, trocando-a por outra mais decente. Emílio da Cunha sentado junto de uma mesa, sobre a qual se achava uma magnifica jarra de flores, olhava sorrindo para Valentina, que, de pé, junto de um açafate em que estavam dois pombinhos, repreendia, acariciando-o, um deles:

— Eis-te aqui, meu belo fugitivo — dizia-lhe ela — pensavas que era só voltar para te ser concedido o perdão, depois de me teres feito sofrer com a tua ausência e ingratidão? Muito bem; visto que o teu regresso prova um arrependimento sincero, perdoo com prazer; não é assim, paizinho — acrescentou ela com voz meiga e levantando os lindos olhos com uma expressão de candura para Emílio da Cunha — que se devem receber os filhos pródigos, que regressam arrependidos e contritos?

Emílio da Cunha não deu uma palavra, mas rolou-lhe uma lágrima sobre a face. Neste momento surpreendeu ele um olhar de inteligência, que Valentina dirigia a alguém, que estava pelo lado detrás da cadeira em que estava sentado. Voltou-se rapidamente, e soltando um grito, ouviu-se o nome de Roberto.

Era Roberto realmente. A cena que se seguiu o meu caro vizinho melhor a poderá imaginar, do que eu pintar-lha, ou descrever-lha.

Roberto voltava honrado e rico. Julgo que já compreendeu que, para socorrer o seu tio, ele concebeu e executou o plano da restituição.

D. Mafalda calou-se. Parecia esperar, que eu, convencido pela sua historia, sancionasse com o meu voto a doutrina, que ela tinha expendido antes de começar.

— Ah! — disse-lhe eu com admiração sincera – vossa excelência podia facilmente escrever um romance.

— Isso quer dizer que me faz a honra de julgar esta minha historia como produção da minha imaginação e fantasia?

Limitei-me a inclinar-me respeitosamente, e aqui terminou a nossa discussão.

No dia seguinte D. Mafalda ofereceu-se para me apresentar a um seu sobrinho, proprietário de um estabelecimento industrial importante nos subúrbios do Porto. Aceitei gostosa e prontamente. Fui recebido com extrema bondade e franqueza. O sobrinho de D. Mafalda gozava uma felicidade digna de ser invejada; era casado com uma mulher, que era um anjo de beleza e bondade, e tinha um filho o mais lindo e traquinas que se pode imaginar; o seu estabelecimento florescia e prosperava; o seu nome figurava entre os principais e os mais honrados do mundo comercial e industrial, numa palavra nada faltava à sua gloria, fortuna, e felicidade domestica.

— Que pensa do meu sobrinho?-me perguntou D. Mafalda, quando nos retiramos.

— Ah! minha senhora, nada mais ambiciono do que poder imita-lo.

— Pois aquele que viu é o Roberto da minha historia.

Recolhi-me a casa fazendo para mim as seguintes reflexões: Que a regeneração do homem pelo arrependimento não é utopia, e que a sociedade e a sua organização é que são as causas principais, que ocasionam que muitos dos seus membros não se regenerem, por lhe embargarem ou matarem logo algumas centelhas de virtude, que ainda tinham no coração.

Pensem, e verão o corolário que tiram.

Fonte:
Camilo Castelo Branco. Contos e textos.

sábado, 27 de abril de 2019

Thalma Tavares (Jardim de Trovas) 1


A distância para o amante
é menor que a brevidade,
porque nunca está distante
o amor que deixa saudade.

Andarilho que não cansa
de alentar um sonho antigo,
sou caracol da esperança
carregando o próprio abrigo.

Carícia em forma de prece
que no ocaso vou rezando,
teu amor é sol que aquece
um outro sol se apagando.

Coração, nunca te emendas!...
És de fato um sonhador...
Até nas duras contendas
tu vês motivos de amor!

Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.

Enquanto a lua me encanta
e a solidão se acentua,
um galo cansa a garganta
tentando encantar a lua.

És hoje, distante e rara,
saudade aumentando o espaço
da solidão que separa
teu corpo do meu abraço.

- És meu príncipe! - dizia
vovó com seu jeito doce...
Tão doce que eu me sentia
como se príncipe fosse.

Este perdão que me negas
por "um nada" que te fiz,
é mais um cravo que pregas
na cruz de um peito infeliz.

É tão lindo o seu sorriso!...
Seu beijo é tão perfumado,
que aqui vou, perdendo o siso,
cometer mais um pecado.

Já não me sinto um proscrito
nem também um forasteiro,
se pões o olhar - tão bonito -
sobre o meu ser derradeiro.

Luz plena! A noite é bela!
E eu só, morrendo de zelos,
porque o luar na janela
faz carícia em seus cabelos.

Na minha vida sem graça,
de sonhador solitário,
a autora no céu não passa
de um por-do-sol ao contrário.

Não é saudade, é castigo
toda saudade enganada...
É sonho implorando abrigo
sabendo a porta fechada.

No aceno discreto e mudo
que entre lágrimas fizeste,
teus olhos disseram tudo
do amor que nunca disseste.

Numa pétala orvalhada,
uma gota luminosa
é um adeus que a madrugada
deixou na face da rosa.

O amor em nossa jornada
tem rumos tão divergentes,
que andamos na mesma estrada
por caminhos diferentes.

Por dar crença ao teu sorriso,
que tantas paixões atiça,
construí um paraíso
sobre a areia movediça.

Quando a saudade se esconde
pelos confins da cidade,
eu torno em sonhos um bonde
e vou matar a saudade.

Que festa! O neto correndo,
fingindo ser um robô,
erguendo os braços, dizendo:
- "Eu vou te pegar, vovô!"...

Que o teu sorriso de agora
permaneça eternamente...
Eu te quero sempre aurora...
Mesmo quando eu for poente.

Querida eu tenho ciúme,
- não há desdouro em dizê-lo...
Ciúme até do perfume
que perfuma o teu cabelo.

Teu olhar tem a beleza
de um céu claro à luz do dia,
mostrando, embora, a tristeza
que esconde a tua alegria.

Fonte:
Livro gentilmente enviado por Edy Soares.
Dáguima Verônica - Edy Soares - Thalma Tavares. Três em trovas. Vila Velha/ES: Edição do Autor, 2017.

Luiz Poeta (Sara Samira)


Vinha o trem. Serpente riscando longe.

Sol de meio - dia, cheio na face rosada, olho de vidro, trôpego reflexo, tremeluzente, suor descendo bolha-bolha, desenhando estrias, córrego de angústias,

E apitava. Fumaça clara varando o verde.

Via-se a cachoeira, faca de ponta prateada furando o chão, quedando lá embaixo, estrondo constante acordando o tempo.

Mochila parda, bota barrenta com laço solto, chapéu de couro, larga calça cáqui  amarrotada e a peixeira arranhando a coxa.

Vinda de trem, festa de chegantes, mas ele partia, Sara Samira no peito e na cabeça... batendo morena no átimo de cada impulso.

Sara Samira... um gosto suspirar seu nome.

Vira-a a primeira vez descendo caminho da lagoinha, o cesto de vime na cabeça, repleto de frutas , tangerina amarela, da doce. Sara Samira... o peito saltando da blusa, cabelo liso-preto voando no vento - sombra-de-mangueira, olhos negro-perolados, líquidos, limpos como uma noite de lua, nus, magoados
de não-sei-quê.

E o trem chegou, gente saiu-entrou-rindo-chorando-chorando-rindo.

Olhou atrás, mas já não via o verde emoldurando a choupana; não ouvia o monocórdico pio da juriti tamborilando abandonos... não tinha certeza da partida, mas se foi num pulo, como um sim que nega mas consente, a lágrima tímida olhando no canto da vista vermelho-azul.

Sara Samira... doce como a tangerina.

- Quer uma?

O riso respondeu no lugar da palavra.

Depois, a sombra, o arrulho das águas nas pedras... e o corpo moreno e liso de Sara Samira.

O pai não queria.

Jurou matar.

Adaga saudita, maldita, que por fim varou-lhe o coração.

- Foi ele, Samira, caiu, se feriu... morreu...sem querer...

Mas ela emudeceu, volveu o olhar, chorou sem soluços e sumiu... no salto da cachoeira.

- Sara ! Samira ! Sara...Samira... Sa,..

O trem se ia leve e sonâmbulo já meia-noite. Mas para onde?

Lá embaixo o vale, as casas, o rio, o precipício e o trem cruzando... - Sara Samira, não tive culpa... a adaga, o corte, o sangue... Saltou do alto do rochedo, sumiu na espuma.

Lá embaixo o vale, as casas, o rio... talvez tangerinas.

O trem sumiu na sinuosidade de mais um destino sem perspectiva.

Na próxima parada, menos um passageiro.

Ninguém viu o corpo tombar lá de cima, trezentos metros no abismo... talvez tangerinas... Sara Samira.

Fonte:
Livro gentilmente enviado pelo autor:
Luiz Gilberto de Barros. Canção de Ninas Estátuas. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

Chico Miguel (Sonetos Escolhidos) 6

Chico Miguel (Francisco Miguel de Moura)
AMOR É VIDA
Soneto de amor à moda de Camões

Quem disse que o amor não manda, tente
Ficar assim, na vida, absoluto!
Amor manda no triste e no contente,
O amor e a vida não suportam luto.

Amor é flor, depois se torna em fruto,
Um fruto que ao cair deixa semente,
Semente onde o amor é mais enxuto,
Dela nascendo o amor mais inocente.

E sei que amor maltrata, mas não mata,
Dentro de si milagres fazem curas
E em suas transformações tudo retrata.

Sei que um sorriso esconde as coisas duras,
Mas sua língua em verdades se dilata
Pra sepultar num beijo as amarguras.

AS MIL ESSÊNCIAS DO AMOR

Quantas essências há pra se aspirar
Depois da noite. Sinta sutilmente,
Pela glória e a graça de ser gente,
As belezas que o vento traz do mar.

Ponha o nariz adiante da janela,
Sinta a menina a rua atravessando,
Sinta mais, sinta a vida começando
Cheia de flores pelos passos dela.

São as aves cantando em cada vão,
São as flores cheirosas, são as palmas,
Fortalecendo as fibras onde estão

A saltarem pra vida como estrelas.
Veja as essências todas, tagarelas,
Como a enfeitarem nossas próprias almas.

DENTRO DE MIM

Duas forças me fazem torvelinho:
A máscula firmeza do homem franco,
E uma espécie de força quase em branco,
Quando a mulher se põe no meu caminho.

Sei que sinto mais força e alegria,
Junto à mulher que está longe da pista
E se acerta um olhar para conquista,
Não avança, nem esconde ou desafia.

Porém,  dentro de mim, a ansiedade
Me agarra e se prolonga... Eternidade
Trazendo mil soluços tão profundos

Que nem chorar consigo... E, inconsciente,
Então pergunto a Deus se estou doente,
Ou se alço voos para estranhos mundos.

ÊXTASE E SUOR

Sou perfume de mim e odor do mundo
para que a terra me cuspa.
O sopro que me der
me enterrará fundo,
frio de fazer corpo e alma se unirem.
E, ao infinito e à luz,
que meu suor
jamais sirva de foice ou gume.

A dor com que me cortam
com  explosão
seja lembrada em mansa contramão.

Ao meu último perfume, o mundo furta
a cor e o cheiro:
- Mau bocado ao cão que ama.
   
O frio há de sarar-me
com seu branco lençol sem dobras,
de areia, nos olhos amorosos.

Deito-me agora, em êxtase de fé,
No cuspido chão que longe erra,
levando o vento limpo à pele
e ao imo
em que me arrimo,
sem perder a mão.

INCIDENTE NUMA LOJA

Nunca vi uma compra de mais sorte:
Era manhã, entramos num armazém,
Onde aos panos tesouras cortam forte,
No momento era aquele vai-e-vem.

A companheira, ao lado, alteia o tom:
“Olhe a moça, é café para os fregueses!”
E avisa que eu me sirva: “É muito bom!”
Mas enfrentei ausências: – dois reveses:

Nem do café sorvi nem vi a moça,
Quando a busquei já ia longe, oculta,
Num balanço de corpo que me adoça.

Mas, tão logo, ela volta, o olhar brejeiro,
Disse um doce sorriso, e mais adulta:
“Oh, me desculpe! Enfim, senti teu cheiro!”

LENDA, OU FADA?

Ave ou nave?  voava musical,
vestido em linho a desenhar-se toda,
delgado corpo bailando ao vento,
dentes brancos, lábios em carmim...
que frio, que medo em mim!

Oh signo sensual! exclamo,
por ti pecarei, só por querer-te,
e tentarei tantas vezes... tonto!

E que jamais meus olhos negros
venham  pousar sobre os teus, sim
ou não, nem  cruzar teus caminhos,
nunca de perto ou de longe.

Se teus punhais vi-o(s) tão lentos
ferirem-me os olhos e a razão,
e logo me fizeram de inútil
oh, não! nunca jamais, não!

Quero um sonho para sempre.

E então, por que ondas me vens
o'  ânsia de noite inapagada?
agora? por onde? por nada?

A que levou meus olhos,      
a que me encheu os olhos
até secarem para sempre?
ai de ti, mundo claro-escuro!

Lenda ou fada! de novo estou,
agora e para sempre impuro!

OPOSTAS APOSTAS

A aranha tece e retece,
e não para nem cansa,
emaranha-se na teia
e dança. E desce, desce...

O espelho mostra o irreal,
direito x esquerda,
e quem sabe não aposta
em tantos mais erros?

O homem, como se não visse,
desconhece a face de ontem,
desde que emoção alguma,
o mundo em redor lhe pinte.

A mulher aparece e logo vê
tudo em redor. E desaparece
para voltar, se sente amor,
e mais refletir e parecer.

Em suma, todos nós viventes,
gente, animal ou coisa,
apostamos no impossível.   

O QUE EXISTIU

Se o que existiu resiste
À queda do fio de cabelo,
À pele que sentiu o cheiro,
Viu o amanhecer pelo sereno,
Ouviu seu "bem" dizer com alma:
- “Dou-te o meu DNA”!
Existir é só querer.

O risco no papel resiste,
Depois que o fogo o devorou,
O verso que o poeta fez,
A linha do tempo que não para,
O risco invisível no céu, sem cor,
Como um relâmpago sutil,
Quando Deus mandar a eternidade:
Tudo existirá, tudo precisa
Existir como a dor
Que a não-dor separa.

E há o “nós” como ser sem “eu”,
E há o feito e o desfeito
E ainda o defeito e o “por fazer”
Que só Deus, sábio, sabe
Como acontecer.

SENTIMENTO PRESO

Um sentir puro e preso - tortura
Marcada nos primeiros dias
De alguém que apenas nascia
Entre trancos e barrancos, o futuro
De olhos fixos nos braços,
Pedindo calor de peito e mãos,
Desgarrado dos primeiros tatos
Olhos feridos no segundo teto,
Em novas mãos e outros braços...

Calar pra sempre, quem condenaria?

Mas se um ferrão plantou-se noite e dia,
No fundo de dois corações?

E o que dizer, então? Num poema
Que ninguém vai ler nem ver?
Numa palavra só, balbuciada
Em vão, que ninguém quer saber?

Há culpa sem perdão? Não há.
Mas dúvida e covardia, sim.
E a indecisão imprecisa, fria
Da paixão a rolar e morder-se,
A-mor-da(n)çando sem guia?

Um sentir puro e preso tortura
Dois entes: o ser e a criatura.

UM DIA QUALQUER

Até a minha dor é branca
e me nega.

Preciso de um susto longo,
Para me levantar da cama.

Quero palavras de fogo,
Ouvir se alguém ainda me ch(ama).

Preguiça não é. É provação!
Sempre acordei às quatro da manhã.

E hoje estou besta, entre cobertores
Brancos, ontem tão escuros...
       Onde as outras cores?

O calendário é branco, o céu, a lua,
Até o sol me parece que flutua
               Como neve.

Preciso de um elo que não seja branco.
             E que venha breve.

Fonte:
Chico Miguel

Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel, por ele mesmo)


Francisco Santos/PI nada mais era do que o povoado “Jenipapeiro”, município de Picos, sertão do Piauí, quando Chico Miguel, do signo de Gêmeos, nasceu aos 16 de junho de 1933. Estudos primários com seu pai; ginasial e contabilidade, em Picos, onde casou com Maria Mécia Morais Araújo Moura, fez o Ginásio e a Escola Técnica de Contabilidade, e morou cerca de 8 anos. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduado na Universidade Federal da Bahia. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Radialista, professor de língua e literatura, atividades que não mais exerce. Dedica-se, atualmente apenas à família e a ler e escrever. Mora em Teresina, onde produziu e publicou a maior parte de suas obras.

Dirigiu as revistas “Cirandinha” e “Cadernos de Teresina”, colaborou em quase todos os números de “Presença” (órgão do Conselho Estadual de Cultura) e no “Almanaque da Parnaíba”. Atualmente colabora nos jornais de seu Estado; nas revistas “Literatura”, editada inicialmente em Brasília (hoje em Fortaleza), “Poesia para Todos”, e “Vozes”, ambas do Rio de Janeiro. É também colaborador permanente dos jornais “O Dia” (onde publica artigos e crônicas, aos sábados), “Diário do Povo”, de Teresina; do “Correio do Sul”, de Varginha/MG; do “Diário dos Açores” - Ilhas dos Açores e d“O Primeiro de Janeiro” - Porto, os dois últimos em Portugal. Ainda no exterior, publicou poemas nas revistas “Clarim”, na Espanha, e “Jalons”, na França.

É membro da Academia Piauiense de Letras (APL), cadeira nº 8, da Academia de Letras da Região de Picos (ALERP), da União Brasileira de Escritores – SP, membro - correspondente da Academia Mineira de Letras e da Catarinense de Letras. Por diversos mandatos participou do Conselho Estadual de Cultura. E, na década de 1980, foi presidente da União Brasileira dos Escritores do Piauí, da qual é sócio-fundador. No exterior, integra o quadro de sócios da Associação Internacional de Escritores e Artistas – IWA (sigla em inglês), com sede em Toledo, OH, Estados Unidos.

Além da cidade de Picos, onde assumiu, por concurso, a atividade de funcionário do Banco do Brasil, morou na Bahia e no Rio, e por último em Teresina, onde, ao chegar, junho com os companheiros Hardi Filho e Herculano Morais, fundou o Círculo Literários Piauiense (CLIP). A maioria de suas obras foram concebidas e publicadas em Teresina.

Estreou-se na poesia, com o livro “Areias”, Teresina, 1966. Publicou depois “Pedra em Sobressalto”, 1972; “Universo das Águas”, 1979; “Bar Carnaúba”, 1983; “Quinteto em mi(m)”, 1986; “Sonetos da Paixão”, 1988; “Poemas Ou/tonais”, 1991; “Poemas Traduzidos”, 1993; “Poesia in Completa”, 1998 (comemorando os 30 anos de “tensa comunhão com a palavra”, no experiente dizer da Profª. Nelly Novaes Coelho); Vir@, 2001, e Sonetos Escolhidos, 2003, na área da poesia. Participou da antologia “A Poesia Piauiense do Século XX”, organizada por Assis Brasil, e de outras antologias poéticas publicadas desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul, inclusive no exterior (Estados Unidos, França, Cuba e Portugal).

Em prosa, é autor de três livros de contos (“Eu e meu Amigo Charles Brown”, de 1986; “Por que Petrônio não Ganhou o Céu”, de 1999 e “Rebelião das Almas”, de 2002); quatro romances (“Os Estigmas” 1984, reeditado em 2004; “Laços de Poder” 1991; “Ternura” 1993 e “D. Xicote” 2005), com o qual ganhou o prêmio Fontes Ibiapina em 2003, prêmio que, aliás, já lhe tinha sido conferido pela Fundação Cultural do Piauí ao romance “Laços de Poder”, nos idos de 1980.

Mas não pode ser esquecida sua obra crítica, em cuja atividade ganhou nome nacional com o livro “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho” (1972), publicando depois “A Poesia Social de Castro Alves” (1979) e “Moura Lima, do Romance ao Conto” (2002), além de sua grande produção na imprensa, que um dia deverá será recolhida em livro. Obra inédita de poesia, editada apenas no site www.usinadeletras – poesias: “Testemunho – versões e traduções”.
Endereço eletrônico: franciscomigueldemoura@gmail.com

Fonte:
O Autor

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Antonio Cabral Filho (org) 1º Colar de Trovas (ABC)

Criação da Imagem: José Feldman

Organizador: Antonio Cabral Filho - RJ

*ABC EM TROVAS*

O "ABC EM TROVAS" é uma modalidade de COLAR. Sua regra básica - seguir o último verso da trova anterior - é similar ao colar popularmente conhecido no  ambiente trovístico. O único detalhe que destoa e que representa a diferença é seguir o abecedário, o que leva o trovador a iniciar a sua estrofe numa letra e concluir na outra. Ou seja, o primeiro verso da estrofe inicia com a letra A e o ultimo com a B, ate atingirmos todo o abecedário. Só temos que excluir as letras K,W e Y porque temos correspondentes para elas.

Outro detalhe importante é não repetir autores, a menos que seja por necessidade - quando não se tem gente suficiente.

Cabe ainda registrar que esta modalidade de colar não é familiar ao movimento dos trovadores e que foi desenvolvida em oficinas literárias nas quais participei, ora como instrutor ora como aprendiz.

Muitos Mestres Populares que conheci, no âmbito da Educação Popular, faziam disso um jogo para atrair jovens a se aperfeiçoarem nos conhecimentos da poesia. Muitos achando uma "moleza", se surpreendiam com a riqueza das composições subsequentes durante o ABC.

Espero que meus amigos apreciem.

01
A
Antes que o dia pereça,
vou procurar o meu ninho,
mas sem perder a cabeça
bebo uma taça de vinho.
Antonio Cabral Filho - RJ

02
B
Bebo uma taça de vinho
e fico muito inspirado.
Para não beber sozinho
chamo a vizinha do lado.
Antonio Francisco Pereira - MG

03
C
Chamo a vizinha do lado
bebo e se der, janto e danço,
mesmo um pouco atrapalhado,
digo que sempre me canso.
Romilton Faria - MG

04
D
Digo que sempre me canso
quando não quero dançar,
mas, depois de um trago eu danço
e nem sinto-me cansar.
Henrique Davoli - ES

05
E
E nem sinto-me cansar
das correrias da vida,
o trabalho sem parar
faz-me ter uma guarida.
Aurineide Alencar - MS

06
F
Faz-me ter uma guarida,
meus esforços, seu sorriso...
Você sempre dá, Querida,
gentilmente o que preciso!
Ronnaldo Andrade - SP

07
G
Gentilmente o que preciso
só Deus sabe nesta vida.
O que busco é o paraíso,
honestamente querida.
Oliveira Caruso - RJ

08
H
Honestamente querida,
seu sorriso acolhedor
colocou mais vida à vida,
introduziu-me no amor.
Claudia Bergamini - PR

09
I
Introduziu-me no amor
esse teu sorriso lindo
teus versos e aquele licor,
juras de amor indo e vindo!
Dilercy Adler – MA

10
J
Juras de amor indo e vindo
feitas por tantos amantes,
com alma e coração rindo,
lembranças felizes d’antes.
Prof. Roque Aloisio - RS

11
L
Lembranças felizes d’antes
do meu querido sertão,
quando orvalhos radiantes
molhavam nosso torrão.
Francisco Queiroz - RN

12
M
Molhavam nosso torrão
suspiros saudosos, ais...
Talvez coubessem, irmão,
no peito meus madrigais.
Vanda Salles - RJ

13
N
No peito meus madrigais
cumprimento lisonjeiro,
meus costumes matinais,
olho as brisas no outeiro.
Madalena Cordeiro - ES

14
O
Olho as brisas no outeiro,
tenho leve nostalgia,
então mudo o meu roteiro
pra livrar-me da agonia.
Rita de Cássia - MG

15
P
Pra livrar-me da agonia
como faz com filho teu,
protege-me, oh Maria,
que me tire todo o breu!
Talita Batista - RJ

16
Q
Que me tire todo o breu
e que surja a claridade,
para que este mundo meu
reine só felicidade.
Ester Figueiredo - RJ

17
R
Reine só felicidade
na vida de toda gente,
c' alegria de verdade
sorrimos alegremente.
Araci Barreto - RJ

18
S
Sorrimos alegremente,
a vida fica melhor,
mas não mostre a toda gente,
torna o momento pior.
Midhi Paixao - Lisboa/Portugal

19
T
Torna o momento pior

para a alma feminina,
lembranças cheias de dó...
Ultimo adeus da menina.
Edvania Ramos - SE

20
U
Último adeus da menina,
seu lenço bailando no ar...
Somente o vento e a neblina
viram meus olhos chorar.
Marcia Jaber - MG

21
V
Viram meus olhos chorar,
pelas batalhas perdidas
que por você fui lutar,
xeretaram nossas vidas.
Dulcídio Barros Moreira Sobrinho - MG

22
X
Xeretaram nossas vidas
só para nos difamar,
descobrimos as saídas
zeradas por não provar.
Varneci Nascimento - SP

Fonte:
Trovadores do Brasil

Malba Tahan (Maktub!)


(Lenda árabe)
   
Afirmam os historiadores que o túmulo de Sidi-Yakub, existente em Tlemcen, data do século XI. Não nos move o desejo de contestar a opinião dos eruditos sobre um monumento quase em ruínas, perdido ou esquecido, talvez, no deserto. A única coisa realmente interessante que se encontra nessa cuba - outrora tão venerada pelos crentes - é uma inscrição ali deixada por um escravo. Resume-se essa legenda numa palavra - Maktub - gravada sobre a pedra que cobre as cinzas de Sidi-Yakub.

E sabeis, ó cristão! O que quer dizer Maktub? Essa palavra encerra a filosofia de um povo, o destino de uma civilização. Maktub é um vocábulo árabe que significa apenas - Estava escrito, ou melhor: Tinha que acontecer. Maktub é, assim, a expressão da Fatalidade (1).

Tal palavra, na laje tumular de Tlemcen, recorda um episódio ocorrido com dois namorados que o Destino caprichoso uniu para depois separar cruelmente.

Conta-nos uma lenda que na cidade de Orã, ao norte da Argélia, vivia certa moça, de origem francesa, chamada Heliete. Era filha de um negociante cristão, de Marselha, que se estabelecera, levado pelas necessidades de sua profissão, sob o céu da África.

Certa vez, durante uma feira, conheceu Heliete o jovem Iezid El-Massi, de origem nobre, descendente de uma das mais ricas famílias de Tlemcen. Viva simpatia, que deveria crescer de dia para dia, uniu desde logo, os dois namorados.

Heliete, levada por seu temperamento excessivamente romântico, apaixonou-se pelo árabe, e este - arrebatado como os homens de sua raça - sentiu que a sua vida não mais teria sentido se lhe viesse a faltar o amor de cristã.

A pitoresca cidade de Orã, por esse tempo sob o poder de Bey Mustaphá Ben Yussef, foi testemunha silenciosa daquele amor. As tamareiras, sob o sol causticante, abriam suas palmas e estendiam no chão, da praia até a montanha, um largo tapete de sombras, sobre o qual os dois jovens caminhavam felizes, longas horas esquecidas, em doces colóquios.

Grande abismo de incompatibilidade separa, entretanto, uma cristã de um adepto da religião de Maomé.

Os país de Heliete, informados das inclinações amorosas da jovem, opuseram-se tenazmente àquele casamento que se lhes afigurava desonroso. E o primeiro brigue que levantou ferro de Orã transportou para Marselha a apaixonada menina.

O Infortúnio, na vida das criaturas, escreve, às vezes, várias páginas num período durante o qual a Felicidade mal teria tempo para esboçar a curva da letra "alef". A infeliz Heliete, ferida tão rudemente em seu delicado coração, não soube resistir; e adoeceu gravemente, em consequência daquele golpe, iniciado pela separação e concluído pela desesperança.
      
Sentindo avizinhar-se dela a sombra da morte, mandou chamar, em segredo, um imã (2), que vivia no porto, entre aventureiros e embarcadiços.

- Quero morrer - confessou ela, entre soluços, ao velho maometano - na religião de Allah, que é a crença de meu noivo. A vida nos separou: quem sabe se a morte não virá pôr termo a essa separação. E morrendo fiel à religião que os árabes professam terei o consolo supremo de encontrar no céu muçulmano aquele que tanto amei na terra!

- Se o teu desejo é sincero, menina - respondeu o imã - não porei dúvida em servir de testemunha à tua conversão. Basta, para isso, que pronuncies três vezes a nossa profissão de fé!

Heliete, sem hesitar, assim falou:

- Declaro que só há um Deus, que é Allah, e que Maomé é o profeta de Allah!

E três vezes repetiu, solene, as suas palavras que constituem o dogma fundamental da religião dos árabes.

O imã tirou, então, as sandálias, abriu um exemplar do Alcorão, e voltando-se para Meca, a Cidade Santa, leu em voz alta o primeiro capítulo do Livro de Allah (3):

    - Bismillahi ahmair rahin! Em nome de Deus, Clemente e Misericordioso! Louvado seja o Onipotente, criador de todos os mundos! A misericórdia é em Deus o atributo supremo! Nós Te adoramos, Senhor! E imploramos a Tua divina assistência! Conduze-nos pelo caminho certo! Pelo caminho daqueles que são esclarecidos e abençoados em Ti.

E quando Azrail, o anjo da Morte, veio buscar Heliete, encontrou-a convertida à religião do Islã. E a alma da boa e desditosa menina foi levada para o seio de Allah, Clemente e Misericordioso.
   
No mesmo dia em que Heliete expirava em Marselha, o cheique Iezid El-Hassin agonizava no fundo de sua tenda, no oásis de Euddad, perto de Tlemcen

Junto ao leito do desventurado moço achavam-se apenas duas pessoas: um escravo, que a dedicação extrema impedira de abandonar o cheique, e um frade que ali fora ter, anuindo a um chamado. O sacerdote era um desses missionários que percorrem durante longos anos, os desertos africanos em trabalho de catequese. A declaração do jovem muçulmano deixou-o, de certo modo, surpreendido. Confessou o cheique que nutria o vivo desejo de morrer na paz da Igreja, pois só assim poderia encontrar-se entre os bem-aventurados, com sua noiva, que era cristã.

A salvação daquela alma iluminada pela Fé no derradeiro momento, comoveu o bom sacerdote. Fora Deus, na sua infinita misericórdia, que o conduzira àquela tenda. Cumpria-lhe, pois, salvar dos tormentos do Inferno, o jovem arrependido.

E o padre, depois de ouvir a confissão do cheique, e tendo-se certificado da sinceridade de sua resolução deu-lhe a absolvição plenária batizando-o segundo manda a Santa Igreja Católica - e fê-lo, ainda, receber na hóstia, em comunhão, o corpo divino de Jesus, Nosso Senhor!
   
Assim, o rico cheique Yezid El-Hassin, príncipe de Tlemcen que em vida rezara nas mesquitas e erguera preces a Allah, Onipotente, cerrou os olhos para os desenganos do mundo como um bom cristão.

Maktub! Estava escrito! A fatalidade é cega e inexorável.

Estava escrito que para os dois namorados de Orã nunca mais teria termo a cruel separação, e que nem mesmo com a morte veriam realizado o seu sonho de amor.

E isso aconteceu. Ela morreu muçulmana, ele morreu cristão.

Maktub!

E o padre, depois de ouvir a confissão do cheique, e tendo-se certificado da sinceridade de sua resolução deu-lhe a absolvição plenária batizando-o segundo manda a Santa Igreja Católica
______________________________
NOTAS:
1- Maktub - Particípio do verbo "catab", escrever.
2 - Imã - O Islã não admite sacerdotes. O imã desempenha apenas as funções de oficiante nas orações diárias nas mesquitas. O titulo de Imã é dado a certos doutores
e aos quatro fundadores do Islamismo.
3 - Livro de Allah - Alcorão.


Fonte:
Malba Tahan. Os Segredos da Alma Feminina nas Lendas do Oriente.

Sociedade Eça de Queiroz (Almoço de confraternização 27 de abril)


Data: 27 de abril de 2019
Horário: 13 horas.
Local: Hotel Flórida - na Rua Ferreira Viana, 81 - Rio de Janeiro
 
A participação no almoço, por adesão, é de R$ 73,00 (gorjeta e bebida não incluídas).

Temos o prazer em convidar o (a) ilustre associado/amigo (a) para o almoço de confraternização da SOCIEDADE EÇA DE QUEIROZ.

Na oportunidade, ouviremos a aula magna do Professor Cláudio Murilo Leal, sobre a temática “O MISTÉRIO DA CORRESPONDÊNCIA REAL E FICTÍCIA DE EÇA DE QUEIROZ”.

Preliminarmente, o Vice-Presidente desta Sociedade Luiz Gondim de Araujo Lins discorrerá sobre “Amélia – personagem do Crime do Padre Amaro-, seria uma jovem inocente e tola ou uma mulher fogosa e sensual?”

LUGAR DE MEMÓRIA: Homenagem a Luiz Gilberto de Barros – Luiz Poeta , apresentado pela Professora Idalina Gonçalves.

Saudações ecianas

A Diretoria

Mário Quintana em prosa e verso 10


ESTAMPA

Linda moça, com sua cara de louça, na moldura da janela. Passa, a cavalo, o oficial - reto, correto, linear -, como um valete de cartas. Enquanto, lento, anoitece, flores suspiram olores, no jardinzinho sincero. E lá no fim da rua a estrela Vésper, como se fora pirotécnica, irradia-se em trinta e sete cores.

QUEM BATE?

Cecilia. Cecilia que chega de um pátio da infância... Traz ainda sereno nas tranças, seus sapatinhos andaram pulando na grama... Depois assenta-se nos degraus da torre, e canta...

Mas o chaveiro do sonho pegou-lhe as tranças, teceu cordoalhas para o seu navio. Mas o chaveiro do Sonho pegou-lhe a canção... E fez um vento longo e triste.

E eu pensava que toda a minha tristeza vinha apenas do vento, da solidão do mar, da incerteza daquela viagem num navio perdido...

ENVELHECER

Antes, todos os caminhos iam,
Agora todos os caminhos vem.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

EXEGESE

- Mas que quer dizer esse poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.

– E que quer dizer uma nuvem? - retruquei triunfante.

- Uma nuvem? - diz ela. - Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...

QUIEN SUPIERA ESCRIBIR!

O menino de joelhos sujos que chega em casa correndo e mal pode falar...

A velha dama que é agora obrigada a fazer renda para vender.., de casa em casa, a coitada!... e que senta na ponta da cadeira, suspira discretamente e murmura: "A minha vida é um romance....

Aquela moça que diz: Não quero ouvir isto!" e tapa os olhos...

Ah, quanta coisa deliciosamente quotidiana, quanto efêmero instante, eu não gravaria para sempre na memória dos homens, se...

QUE HAVERÁ NO CÉU?

Se não houver cadeiras de balanço no Céu.., que será da tia Élida, que foi para o Céu?

CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Maria, com um vinco entre as sobrancelhas, escolhe o segundo prato. Depois sorri-me deliciosamente. Como não encantar-me? Como não comparar-me a Salomão? "Sustentai-me (diz-lhe a Sulamita), sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, que desfaleço de amor.

DA DÚVIDA

Felizmente parece que o Além não resolve coisa alguma, e a confusão continua a mesma, senão maior...

Posso, pois, morrer descansado e levar os meus problemas comigo, que não me faltará distração. Não me refiro à quadratura do círculo, que pouco se me dá, nem ao moto-contínuo. Penso é nas mil e uma perplexidades da minha condição de escriba, nesses cruciantes imponderáveis, no eterno problema da subjetividade da partícula se...

DO TEMPO

Nunca se deve consultar o relógio perto de um defunto. É uma falta de tato, meu caro senhor... uma crueldade... uma imperdoável indelicadeza...

INTERCÂMBIO

Vovô tem um riso de cobre surdo, velho, azinhavrado - um riso que sai custoso, aos vinténs.

Mas Lili, sempre generosa, lhe dá o troco em pratinhas novas.

DA HUMILDE VERDADE

O quotidiano é o incógnito do mistério.

Mudança de temperatura

Nos fios telegráficos pousaram uma, duas, três, quatro andorinhas.

Olham de um lado e outro... Irão partir?

Sobre as cercas rasas do arrabalde, os girassóis espiam como girafas...

BOCA DA NOITE

O grilo canta escondido... e ninguém sabe de onde vem seu canto... nem de onde vem essa tristeza imensa daquele último lampião da rua...

Fonte:

Concursos de Trovas da UBT com Inscrições Abertas

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP

Prazo: 30 junho    (correios ou e-mail)


1 trova por concorrente

Tema    Nac/Inter e Novos Trovadores: Surpresa (L/F)

Correio   
Concurso UBT São José dos Campos
A/C Glória Tabet Marson
Rua Major Dietrich Ott, 71-Jardim das Colinas
Cep 12242-111 - São José dos Campos - SP

Email: Fiel Depositário: Hélio Castro    helio.castro@techsearch.com.br

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NITERÓI - RJ

Prazo: 30 junho    (correios)

1 trova por tema

Tema:

Nac/Inter – Afeto (L/F)   

Novos Trovadores: Esperança (L/F)

Estadual (RJ)- Paz (L/F)

Correio   
47. JOGOS FLORAIS DE NITERÓI - 2019
A/C de Alba Helena Corrêa
Rua Miguel Frias, 48, apt. 1lO1 - Icaraí
Niterói-RJ    Cep 24.220-002


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ITAOCARA

Prazo: 31 julho    (correios)


1 trova por tema

Tema   
Nac/Inter (Veteranos) Liberdade (L/F)
Novos Trovadores Praça (L/F)

Municipal (Veteranos) Praça

Humorístico (Veteranos e Novos Trovadores) Democracia

Correio   
III JOGOS FLORAIS DE ITAOCARA/RJ
A/C de Rogério Marques
Praça Coronel Guimarães, 41 - Centro
28.570-000 Itaocara-RJ

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CANTAGALO - RJ

Prazo: 30 abril    (correios)


3 trovas por tema

Tema   
Nac/Inter (Veteranos) - Festa (L/F)
Novos Trovadores - Jardim (L/F)

Estadual (Rio de Janeiro) – Palmeira (L/F)

Humorístico Todos trovadores (categorias e lugares) – Careca

Correio   
XV JOGOS FLORAIS DE CANTAGALO/RJ - 2019
A/C Andréa Teresinha Ramos Reis
Rua Professora Dulce Barros Lutterback, 121
Cantagalo-RJ    Cep 28.500-000

 Como remetente colocar: "Ruth Farah"=========================================================

PINDAMONHANGABA - SP

Prazo: 30 abril    (correios)


3 trovas por tema

Tema   
Nac/Inter (Veteranos e Novos Trovadores) Manhã (L/F)

Estadual: Noite (L/F)   

Estudantil:  Família (L/F)

Professores da Rede de Ensino de Pindamonhangaba: Mestre

Correio   
XXIX Concurso de Trovas de Pindamonhangaba Z019
Biblioteca Municipal "Ver Rómulo Campos D'Aracê"
Ladeira Barão de Pindamonhangaba s/n - Bosque da Princesa
Cep. 12401-320 Pindamonhangaba -SP

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CAMBUCI – RJ 

Prazo: 30 de junho (correios)

1 trova por tema

Tema    Nac/lnter/Estadual - Livre para Veteranos   
Novos Trovadores: inspiração

Correio   
JOGOS FLORAIS DE CAMBUCI – 2019
A/C Almir Pinto de Azevedo
Praça da Bandeira, 79
28.430-000 - Cambuci - RJ

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PORTO ALEGRE - RS

Prazo: 30 junho (correios)


3 trovas por tema

Tema:   
(Valendo derivados e palavras cognatas]

Nac/ínter (Veteranos e Novos Trovadores) – Ouro (L/F}    ;

Humorísticas : Bronze (Todos trovadores exceto R5)

Estadual – Prata (L/F)
Estadual – Joia{Humorística)

Integrantes da Brigada Militar do RS (ativos ou inativos) - Honra (L/F)

Correio   
XXV JOGOS FLORAIS DE PORTO ALEGRE
Rua Otto Niemeyer, 2460
CEP 91910-001 - Porto Alegre - RS


Concurso Brigadiano – trovas serão remetidas exclusivamente via internet para Lisete Johnson: zetejohnson@hotmail.com
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IRATI - PR

Prazo: 30 abril    (correios ou e-mail)


3 trovas por tema

Tema   
Nac/lnter
Veteranos e Novos Trovadores: Colmeia (L/F)

Estadual:
Veteranos e Novos Trovadores:

Municipal
Veteranos e Novos Trovadores: Abelha (L/F)

Humorístico - Abelhudo (Todos trovadores)

Correio   
I Concurso de Trovas de Irati
Rua XV de julho, 310, salas 1 e 2
84.500-000    Irati-Pr

E-mail: Fiel depositária – Lília Souza - liliasouzaiguol.com.br_

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CURITIBA - PR   

Prazo: 31 maio (correios ou e-mail)


2 trovas (Nac/Inter/Estadual)   

Tema    Nac/Inter/Estaduaí (L/F) para Veteranos e Novos Trovadores - um dos 17 objetivos constantes da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável.

Objetivo l. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável;

Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;

Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;

Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e o saneamento para todos;

Objetivo 7. Assegurar a todos o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia;

Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado. Inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a Industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;

Objetivo lO. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;

Objetivo ll. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;

Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;

Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos;

Objetivo l4. Conservar e usar sustentávelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos

Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade;

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Tema: Nac/Regional - Estudantil (Ensino Fundamentai e Médio)
"Preservação da Natureza" - Não é necessário constar o tema na trova

Tema: Concurso Paralelo - Para todos os trovadores, com idade superior a 1S anos sem distinção entre Veteranos e IMovosTrovadores.

Conjunto de 17 trovas: 1 trova por objetivo da Agenda 2010 de Desenvolvimento Sustentável. Encaminhamento: sistema de envelope - conjunto das 17 trovas digitadas/datilografadas em folha branca tamanho A4 sem identificação, a identificação deverá ser encaminhada dentro do envelope pequeno; sistema eletrônico: digitar as trovas no corpo do e-maíl, colocar a identificação e incluir: XX Jogos Florais de Curitiba.

Correio:   
XX Jogos Florais de Curitiba.
A/C Centro de Letras do Paraná.
Rua Fernando Moreira, 370. Centro.
80.410-120. Curitiba - Paraná.


E-mail:   
fiel depositário: Talita Batista    e-mail: talitabatista2012fS>email.com

Fonte:
Informativo da UBT Seção São Paulo – n. 488 – março de 2019

quinta-feira, 25 de abril de 2019

José Feldman (Cascata de Trovas sobre Sonhos)

1
Cada trova que, hoje, faço,
cada verso que componho,
é qual fosse um grande laço
para amarrar o meu sonho…
 2
Cada um tem o seu sonho...
no sonho tem seu amor.
O amor faz alguém risonho...
Não eu...pois só tenho a dor!
3
Cada verso que componho,
carrega em si um apelo:
– Faça a minha vida um sonho,
que até hoje é um pesadelo!
4
De sonhos somos moldados,
sobre a forja da esperança...
Emitindo nossos brados
ao futuro... nossa herança!
5
De tantos sonhos insanos
e anseios por seu amor,
restaram só desenganos
e o triste perfil da dor!
6
Em verdade, é uma ousadia,
tentar realizar um sonho:
Dando ao universo poesia,
fazendo o mundo risonho.
7
Era uma noite estrelada
quando o meu amor partiu...
e mirando a madrugada,
vi que o meu sonho ruiu!...
8
É um ensaio a minha vida,
rumo ao sonho, no porvir:
– Muitas vezes, bem vivida…
– Outras, um mero existir!…
9
Minha vida vai sem rumo
buscando um sonho encantado.
Em seus braços me consumo...
Sou mais um pobre enganado!
10
Não posso te dar dinheiro,
pois minha casa é a ilusão
e os meus sonhos, um canteiro
onde está meu coração!
11
Na penumbra, a solidão
acalenta tantos sonhos,
cuja sala é o coração
embargando olhos tristonhos...
12
Neste mar de desenganos,
levado pela maré,
em tantos sonhos insanos,
minha força é sempre a fé.
13
No teu corpo perfumado,
no brilho do teu olhar,
há sempre um sonho encantado,
o sonho do eterno amar!
14
Onde existe independência
os grilhões serão quebrados...
Se é exercida com consciência,
sonhos serão realizados!
15
Paz!! Tu carregas em ti,
todo um mundo de esperanças.
És um sonho em frenesi,
a embalar nossas crianças...
16
Pleno de alegria e dor,
para o meu sonho alcançar,
o caminho para o amor
é um enigma a desvendar!
17
Perdido em sonhos insanos,
em jardim, cego e sem rumo,
venci os meus desenganos,
e nas trovas me consumo!
18
Quando nós somos crianças
tantos sonhos são sonhados
Hoje… adultos, são lembranças
daqueles tempos passados.
19
Tanta gente em si perdida
e entre sonhos se escondendo…
Nasce o dia… é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
20
Vejo uma luz no horizonte,
a paz no mundo a brilhar.
Pode ser sonho distante...
Um dia ele irá vingar...

Contos e Lendas do Mundo (Nordeste: O Menino o Burro e o Cachorro)




Um menino foi buscar lenha na floresta com seu burrico e levou junto seu cachorro de estimação.

Chegando no meio da mata, o menino juntou um grande feixe de lenha, olhou para o burro, e exclamou:

– Vou colocar uma carga de lenha de lascar nesse burro!

Então o burro virou-se para ele e respondeu:

– É claro, não é você quem vai levar.

O Menino muito admirado com o fato de ter o burro falado, correu e foi direto contar tudo ao seu pai. Ao chegar em casa, quase sem fôlego, ele disse:

– Pai, eu estava na mata juntando lenha e depois de preparar uma carga para trazer, disse que ia colocá-la na garupa do burro, e, acredite se quiser, ele se virou para mim e disse: “Claro, não é você que vai levar…”

O Pai do menino, olhou-o de cima a baixo, e meio desconfiado, repreendeu ele:

– Você está dando para mentir agora. Onde já se viu tal absurdo, animais não falam.

Nesse momento, o cachorro que estava ali presente, saiu em defesa do garoto e falou:

– Foi verdade, eu também estava lá e vi tudinho!

Assustado o pobre camponês, julgando que o animal estivesse endiabrado, pegou um machado que estava encostado na parede e o ergueu para ameaçar o cachorro. Nesse momento, aconteceu algo ainda mais curioso. O machado começou a tremer em suas mãos e falou com a voz temerosa:

– O senhor tenha cuidado, esse cachorro pode me morder!
___________
Nota:
Conto popular do Nordeste de origem desconhecida.

Fonte: