segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Comédias da Vida na Privada) Parte Oito

 

À FLOR DA PELE


DUAS AMIGAS CONVERSAM AO TELEFONE.

Amiga 1:
— Chegou aí, amiga, a encomenda que mandei pra você?

Amiga 2:
— Encomenda? Que encomenda?

Amiga 1:
— Uma lembrancinha que enviei pelos correios. Faz uma semana...

Amiga 2:
— Até agora, por aqui, não chegou nada. Tem certeza que não mandou entregar por uma dessas tartarugas IFood?

Amiga 1:
— Engraçadinha. Falo sério. Estranho! Postei com AR. Já era para estar em suas mãos... Verei depois pela Internet, no site da agência, por onde anda o bagulho...

Amiga 2:
— Bagulho? Tudo bem, querida. Não precisava se dar ao trabalho. O que vale é a intenção. O que comprou?

Amiga 1:
— Sabia que perguntaria. Como você é previsível! Não direi. É surpresa!

Amiga 2:
— Fala, sua idiota. Entre nós não deveria existir estes protocolos.

Amiga 1:
— Eu sei. Compreendo. Mas veja só. Não teria graça. Quando chegar às suas mãos, você poderá matar a curiosidade e se deleitar.

Amiga 2:
— Ao menos dê uma pista. É de usar ou de comer?

Amiga 1:
— As duas coisas. Como lhe conheço de velhos carnavais, você amará tanto que, tenho certeza, engolirá até o caroço, digo até a caixa e palitará os dentes com o barbante...

Amiga 2:
— Na mosca. Matei a charada. Claro! Que mais poderia ser? Você me mandou bombons. Sabe como sou tarada por chocolates. Realmente, amiga, neste caso, nem a embalagem escapará ilesa. Sem contar no papel do embrulho...

Amiga 1:
— Espero que não faça como da última vez em que lhe fiz uma afabilidade (coisa de mãe pra filha) e você usou o papel do presente no banheiro. Não direi nem uma palavra. Contudo, lhe asseguro: não é uma simples caixa de bombons.

Amiga 2:
— Que sacanagem! Resolveu me tirar? O que ganha tentando acabar comigo? Quer me matar? Ninguém melhor que você sabe do meu problema. Não posso ficar nervosa ou desassossegar o coração com a curiosidade. Dá uma coceira dos diabos. Lembra da derradeira crise? Cocei tanto, tanto me cocei, que você mesma teve que me levar carregada para o hospital. Ainda tem mentalizada na mente os ferimentos que provoquei por todo o corpo em decorrência de meter as unhas na pele até sangrar?

Amiga 1:
— Como poderia esquecer amiga! Foi horrível. Recordo perfeitamente de tudo. Pela nossa amizade, lhe peço: tenha calma. Respire. Conte até dez. Dissolva os problemas, afrouxe os músculos, adoce a alma.

Amiga 2:
— Como ter calma, como relaxar, ou como adoçar a alma? A propósito: acredita que só de você falar, eu estou me coçando todinha? Dos chifres da cabeça aos sapatos enfiados nos pés. Daqui a pouco arranco os cabelos. Desembucha... O que foi que me mandou? Um bombeiro com a mangueira pronta para espirrar água morna nos traseiros redondinhos da minha ofurô que adquiri da Jacuzzi?

Amiga 1
— Relaxe... Nada de bombeiro. Uau, sua sem vergonha. Você comprou uma Jacuzzi e não me disse nada? Vai ser amiga assim lá nos quintos... E depois tem coragem de me dizer que sou a única companheira para todas as horas... Sei...!

Amiga 2
— Pera ai amiga. Dá um segundo. Ai!... Comprei. E te falei. Você é que não prestou atenção. Ai, ui... Que isso! Estava no outro telefone com seu "namorido". Lembra?

Amiga 1
— O que aconteceu, o que houve? Se você falou, entrou por um ouvido e saiu pelos cotovelos. Meu "namorido" me deu um pé nos fundilhos.

Amiga 2
— A coceira... O inferno da coceira está me atacando. Estou toda empolada... Ui!!! O Gerson terminou com você?

Amiga 1
— Relaxe. Respire fundo. Vá até a cozinha e tome um copo de água com limão. É tiro e queda. Depois pule na sua banheira. O Gerson me trocou por uma de quinze.

Amiga 2
— Vai catar coquinho. Estou calma. "Calmérrima". Eita nós! Que droga! Por uma de quinze? Então ele pegou a sirigaita pra acabar de criar? Meu Deus, que droga...

Amiga 1
— O que desta vez?

Amiga 2
— A portaria resolveu me atazanar as ideias. Alguém interfonando... Aguenta ai. Vou ver quem é. Não saia da linha, não desligue... Credo, amiga. Por uma de quinze? Quem manda você não se cuidar... A ninfeta é linda?

Amiga 1
— Vai logo, vai logo... Igual a você, estou aqui me mordendo toda por dentro pra saber quem está lá embaixo lhe procurando. Será que é o meu presente que chegou? Me cuidar? Mais do que me cuido? Academia, corrida, boa alimentação, tenho até um personal trainer. Um gato, menina, um gato. Quanto a nova musa, cá entre nós, um docinho de coco. O Gerson pra mulher sempre teve gosto apurado.

CINCO MINUTOS DEPOIS:

Amiga 2
— Ai!!! Não consigo me conter... A coceira. Que diabo! Deixarei seu presente para desembrulhar mais tarde. A coceira, amiga, a droga da coceira aumentou demais... Foi a ansiedade... Você me deixou agoniada. Acho que vou... Acho que vou!!! Me fale do seu gato, digo do personal...

Amiga 1
— Vai o quê? Fala, infeliz! Esquece.

Amiga 2
— Estou a procura do álcool. Fala do gato...

Amiga 1
— Álcool para quê? Vai botar fogo nos pecados? Que gato?

Amiga 2
— Ai... Ui... Minha nossa... UF... Seu personal. Você disse que a criatura é um gato.

Amiga 1
— Fala, desembucha, o que houve? Ele é um gato. E que gato! Para que o álcool?

Amiga 2
— CLIC...

Amiga 1
— Alô... Alô... Alôaaaaaa...!!! Filha de uma égua mal agradecida: não é que desligou na minha cara?!

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.

domingo, 16 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 349

 

Cora Coralina (O Prematuro)


Namoro comprido foi aquele...

Custou a passar a noivado oficial e esse mesmo, por sua vez, se arrastava sem pressa e com muita intimidade. Não se falava em casamento, nem havia disso grandes esperanças, Todo mundo já se habituara com a delonga e só uma ou outra pessoa mais simplória ou mais maliciosa perguntava:

- Quando seriam os doces?...

Não que Clarisse fosse tola. Moça como outras do seu tempo. Vaidosa, bem pintada, decotada, saia justa, cigarrinho no bico, esmalte assanhado nas unhas. Figurinha de garota do "Cruzeiro".

O Dirceu também era do seu tempo, sabido e gozador. Guiava com desembaraço qualquer marca de carro dos amigos e pilotava teco-teco. Tinha bom emprego e boa presença, disfarçando o que lhe ia por dentro, que isso ninguém via,

Era um aproveitador das moças, tolas ou não, filhas de pais complacentes e alérgicos á autoridade. No fim do proveito, dava o fora, com todas as regras do gato sabido. As pequenas ficavam faladas e Seu Dirceu, bem fofo, namorando outras. Nem isso era coisa nova no lugar, Toda cidade conhece desse tipo. Os pais sofrem, e as filhas não se emendam... Muita conversinha, muito comentário, muito diz-que-diz...

Alguma altercação entre marido culpando a mulher e esta deitando culpas àquele. Com a moça ninguém fala nada, com medo de ela beber "Formicida Tatu" misturado com guaraná. Uns vagos "bem que falei..." da mãe, só que a filha responde - "já evém a senhora..." - com gritos histéricos e ataques de nervos

A esse tempo o nosso Dirceu tinha aprontado a patifaria e só pensava em dar o fora de fininho, antes que a bomba estourasse na casa, e o velho, que era de cara feia, viesse por cima dele. Em casos tais, sabia como arranjar saída. Inventou, primeiro, o truque das briguinhas e cancelou os encontros furtivos. Encurtou as horas de noivar e passou a achar que era besteira, quando deixava a sala, ficarem ali no portão, encostadinhos falando de amor.

O termômetro do amor tinha baixado a graduação febril, e a pressão sentimental ameaçava colapso.

Clarisse, muito versada em literatura sexual, compreendeu a manobra e alarmou para a mãe, entre choro e ameaças de suicídio. Esta passou ao marido, numa sábia equação das responsabilidades conjugais. Fez, com jeito, reservas e atenuações — que não falasse nada com a filha, coitada, até queria se matar...

Seu Zeferino achou o caso ruim mesmo, mas (era homem no duro) amargou calado a desfeita. Não disse palavra, não brigou com a mulher, nem quis bate-boca com a filha. Isso tudo não resolveria nada. A saída para o caso seria outra; e voltou sua melhor atenção para o rapaz. Passou a aceitar o futuro genro, dos lados, pelas costas e pela frente e recomendou à filha que "apertasse o noivo". Este compreendeu o cerco e achou que era mesmo a horinha do fora, ainda com as boas cartas do jogo.

Seu Zeferino, que não tinha olho de vidro, passou a cobrir o Dirceu como sombra vigilante. Fez pausa nas caçadas de perdiz, coisa de que mais gostava, e deu férias às traíras do ribeirão - gostava também de pescar de vara. Passou a rastrear caça maior. Muito amável de boca e encontradiço, mas carranca fechada até ali. O pessoal das rodas manjou tudo. A sujeira da casa saltou para a rua, que isso, em cidade pequena, bem se sabe como é. E vieram os comentários. Numa roda, alguém mais brincalhão arriscou a piada:

- Olha que o velho é caçador de espera...

Dirceu levantou os ombros, superior, pagou a Brahma e saiu queimando um cigarro. No dia seguinte, pelas tantas, Seu Zeferino percebeu o futuro genro na agência das aerovias, com jeito de quem queria ser passageiro e, se possível, clandestino. Chegou, entrou, encostou e disse qualquer coisa. O outro respondeu baixo - viagem urgente, sem tempo de avisar. Telegrama de casa com chamado, às pressas...

Seu Zeferino, muito rijo, muito seco, mexeu na aba do paletó. O moço viu um pequeno cabo reluzente, qualquer coisa parecida com um objeto que os homens conhecem muito...

Acovardou-se, Saiu do balcão, desajeitado, e acompanhou o velho, fingindo naturalidade. Foram dali ao Cartório. Tiraram os papéis que o Dirceu pagou com o dinheiro da viagem. Marcou-se o dia do casamento.

Na saída, Seu Zeferino segredou, pedindo fogo para o cigarro.

- Moço, se você trastejá e arreda o pé,,, afastou o paletó com decisão e mostrou, aninhado no cós das calças, um legítimo e expressivo calibre 38.

Tudo, dali por diante, ficou mais fácil. O noivado se arrastou por mais quatro semanas; os papéis foram processados dentro da rotina, e o casamento se fez com convites, presentes, mesa de doce e bolo artístico. A noiva, numa homenagem póstuma, pôs véu e grinalda e ninguém disse "bolacha".

Seis meses depois, nascia um menino macho, muito ao gosto do pai, deslembrado da rasteira feia que tentara passar, e agora, orgulhoso e comovido, com aquele primeiro filho. Na verdade, ninguém recebeu o cartão da cegonha com a criança no bico. Dessa vez a pernalta negou sua cooperação no caso.

Agora, o Dirceu, orgulhoso e emocionado, como pai neófito, participa pessoalmente, aos conhecidos que vai encontrando, sua paternidade radiante,

- Dona Soledade, um criadinho às suas ordens. Forte, gordinho, mas fora de tempo...

- Dona Lindaura… um criado para a servir. Fortezinho, mas fora dos prazos,

~ Dona Janoca, um molequinho para seus mandados. Está na incubadeira… um pré-ma-turo...

Dona Janoca, muito boa, muito simples, muito crente, muito anjo, ficou impressionada com aquelas últimas palavras, novas para a candura de suas oiças ignorantes. Incubadeira… prematuro…

Juntou as mãos. Virgem Santa... o pobrezinho...

Resolveu dar um pulinho à Casa de Saúde São Judas Tadeu e tirar a limpo aquele prematuro. Levou uma lata de talco Johnson e um babeiro, desses que têm bordado "não-me-beije",

Muitos cumprimentos, muitos abraços, perguntinhas discretas e alusões discretíssimas aos trabalhos de um primeiro parto. Louvores ao médico parteiro, louvores às enfermeiras e louvores à lindeza do quarto e coisa tal…

E a criança prematura?…

Era hora do banho do bebê. Um meninão bonito, graúdo, bem servido, com 4 quilos e 200 gramas de peso, esperneava dentro da bacia, seguro pela enfermeira.

- Coitadinho, lamenta Dona Janoca, compungida, tão forte, tão sacudido e tão prematuro...

Fonte:
Cora Coralina. Estórias da casa velha da ponte.

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) 4


A ÁRVORE E O VENTO

Um vento fino
Rosto de menino
Sorriu de longe pra mim.
De chapéu e terno
Na esquina passa tão terno
E um friozinho na espinha
Comecei a sentir.
Assobio musicado
Me convidou
Pra um bailado
Não pude o charme resistir.
Dancei tão leve
De corpo e alma entregues
Me desfolhei aos seus pés.
Mas ao raiar do dia
Como sombra
O vento por outra esquina
Foi pra casa,
Quem sabe dormir.
Na calçada,
Pétalas e folhas tatuadas
Como provas de um grande amor que vivi.
A chuva fina solidária
Lavou com lágrimas
Os rastros e pegadas
De uma noite que fui feliz.
- - - - - –

A saudade
Brincou de fazer colar de pérolas
No meu rosto.
- - - - - –

Com as rendas
Bordadas pelo tempo
A vida revela os seus segredos.
- - - - - –

Distância

Você ainda ali na esquina
E a saudade já agarrada
Na lembrança.
- - - - - –

Enquanto você não vem
Nas pétalas das rosas
Treino beijos
No solitário travesseiro
Ensaio abraços
Enquanto você não vem...
Aprendo com as árvores
A contar os dias
Enquanto você não vem
Guardo em mim latente
O verbo desabrochar
Enquanto a primavera não vem.
- - - - - –

Escrevia
Toda a dor
E a alegria que sentia
Lágrimas desinchando a alma
Gotas que transbordam o rio.
- - - - - –

Mesclam tuas cores
Às minhas
Almas tão gêmeas
Dançam harmônicas
Num feixe de luz.
- - - - - –

Mínimo fostes
Para que máximo eu pudesse ser
Nome de pai recebestes
Contigo
Tenho muito o que aprender.
- - - - - –

No meu olho d'água
Nasce e transborda
A saudade de ti
Lágrima curta
Que se afoga ligeira
No canto da boca
Que é foz
Do rio silencioso
Mas que sabe ser mar.
- - - - - -

O beijo que não te dei
Ficou na foto
Eternamente ensaiado.
- - - - - –

O tempo
(Des)tempera as palavras.
Tenho escolhido
As mais brandas.
E este novo cardápio
À Minh'alma
Tem feito muito bem.
- - - - - –

Passa o vento
Às folhas cochicham segredos
Quem sabe aventuras
Ou promessas de voo.
Passa o vento
Pobres folhas iludidas
Esquecem que ele é passageiro.
Passa o vento
Os galhos desnudos
Ainda se arrepiam,
Quando passa o vento.
- - - - - –

Pra não espantar os passarinhos,
As palavras se escondem
Entre as dobras das pétalas.
Silenciosa,
Num bater de asas
Voa uma oração.
- - - - - –

Teu toque
Despertou meus sentidos
Desenhou-se
No canto dos lábios
Um sorriso
Um verão brotou em mim.
- - - - - –

Todos os dias
Verte poesia
Das mãos de quem toca uma alma.
- - - - - –

Viajo
Pasmado
Nas linhas das minhas mãos.
Linhas retas
Semirretas
Curvas inquietas
Que se movem mas não se vão.
Linhas...
Pontilhadas ou ilhadas
Que costuram o mapa
Pra chegar ao coração.
Linhas que se cruzam,
Rios que nascem
E desaguam em mim.
Sulcos silenciosos que comigo falam
Verdadeiros caminhos
Que alegres se aninham
Nas palmas das minhas mãos.


Fonte:
Facebook do poeta

Monteiro Lobato (O Rapto)

 



Sou oculista.

Dentre tantas especialidades abertas ao anel de pedra verde, barafustei pela oftalmologia, movido de nobres razões sentimentais. Lutar contra a noite, arrebatar presas à treva: poderá existir profissão mais abençoada? Assim pensei, e jamais me arrependi de o ter pensado. Minha melhor paga nunca foi o dinheiro ganho em troca dos milagres da faca de De Graefe[1], senão o êxtase da triste criatura imersa na escuridão ao ver-se de súbito restituída à luz.

O oculista, fora dos grandes centros, é um animal andejo. Não pode estacionar permanentemente no mesmo ponto, a exemplo dos colegas que curam todas as moléstias conhecidas e quibusdam aliis(algumas outras). Encontra em cada zona um reduzido grupo de clientes, curados os quais, ou desenganados, força é que se abale de freguesia.

Fiz-me andejo. Andei de déu em déu, por ceca e meca, desfazendo cataratas, recompondo nervos ópticos; e se não enriqueci, vale um tesouro o livro da minha carreira clínica, tão cheio o tenho de impressões suculentas de psicologia ou pitoresco.

Estampo cá uma delas: o caso do cego de Rio Manso. Não é caso cômico e não será trágico; duvido, porém, que me apresentem outro mais humano — e de tão grande rigor de lógica.

Rio Manso é viloca que os fados plantaram seis léguas além de Itaguaçu, cidadezinha onde permaneci três meses de consultório aberto. Parti para Rio Manso — lembro-me tão bem! — bifurcado em aspérrimo sendeiro de aluguel, avatar evidente do Rocinante, salvo o trote, que o tinha capaz de desfazer em pandarecos a nobre vestimenta de lata do herói manchego. Meu Sancho era o Geremário, excelente cabrocha a quem extirpei uma catarata e que virou desde aí o meu fidelíssimo escudeiro. Nem eu nem ele conhecíamos o caminho. Não obstante, funcionou Geremário como perfeita bússola, agudíssimo que é o senso de orientação adquirido pela gente da roça no traquejo da vida ao ar livre. A terra é para eles um mapa vivo; e o chão das estradas, um roteiro luminoso. Conhecem a primor a linguagem dos sinais impressos no solo vermelho — sulcos de carros, pegadas de animais, galhos partidos, restos de fogueirinhas — e os leem como nós lemos a letra de forma. Foi assim que o arguto Geremário em certo ponto da viagem murmurou convictamente, com os olhos postos no caminho:

— Estamos chegando!

Olhei em redor e nada vi senão a mesma morraria desnuda, as mesmas samambaias. Nada denunciativo de povoado próximo.

— Como sabe, se nunca viajou destas bandas?

O meu cabrocha sorriu com malícia e explicou:

— A estrada está piorando. Estrada ruim, Câmara Municipal perto...

De fato, o caminho, bom até ali, principiava a esburacar-se. Pus-me a observar a mudança, rápida transição para pior, até que, dobrada uma curva, de chofre avistamos as primeiras casas da vila.

— Não disse? — exclamou jubiloso o pajem. — Câmara Municipal é marca que não nega...

Ri-me por fora, e por dentro admirei a suave ironia daquela agudeza de altos quilates.

Todos os nossos povoados possuem o mesmo aspecto suburbano — a mesma somática, como diria o meu velho professor de patologia, no seu preciosismo de acadêmico.

A estrada principia de repente a margear-se de humildes casebres de sapé e barro, com cercas de bambu atrepadas do melão-de-são-caetano, ou cercas vivas de pinhão-do-paraguai, cactos e outras plantas da zona. Aos poucos os casebres melhoram. Começam a surgir casas de telha, já rebocadas, já caiadas; e vendinhas; e tendas de ferradores; e assim vai em gradação insensível até virar rua, com passeios e espaçados lampiões de querosene.

Também a categoria social dos moradores acompanha tal ascensão. De mendigos, de velhos negros capengas, de sórdidas pretas que se espiolham ao sol — perfeita varredura humana de entristecedor aspecto —, a população passa a jornaleiros, a gente pobre mas arranjadinha, até chegar à “gente limpa”. E como a rua, no crescendo em que vai, desfecha em praça — o largo da matriz, com gramados, coreto de música e casas de comércio —, assim também as “almas” sobem do mendigo roto ao senhor doutor delegado e ao excelentíssimo senhor coronel N. N., chefe da política local, semideus, dono e tutu-marambaia da terra.

Ao entrar em Rio Manso, vencidos os primeiros casebres, chamou-me a atenção um berreiro. Em certa casinhola fechada ia rolo velho, surra ou luta, a avaliar pelos gritos que de lá vinham. Não posso ver dessas coisas sem intervir. Parei à porta e com rompante de autoridade dei com a argola do relho.

— Que é lá isso aí?

O rumor interno cessou, mas ninguém me respondeu. Nisto aproximaram-se alguns vizinhos, de mãos no bolso e ar velhaco.

— Que terra é esta? — gritei. — Mata-se gente dentro das casas e ninguém se move?...

Retrucou-me um deles:

— Se a gente fosse se incomodar cada vez que o Bento Cego desce o guatambu nos filhos...

Bento Cego... O caso interessava-me. Pedi informações.

— É um cego que mora aqui, o Bento. Ele gosta da sua pinguinha. Bebe às vezes demais, vira valente e mete a lenha nos filhos. Tranca a porta e é, como diz o outro, pancada de cego!

Fiquei na mesma e, vendo que o sujeito não me adiantava o expediente, bati de novo na porta com o cabo do relho. Abriu-me dessa feita um rapazinho aí dos seus catorze anos. Interpelei-o. O menino, a coçar-se, olhou para a gente reunida atrás de mim e riu-se.

— Bem se vê que o senhor não é daqui. Papai é assim mesmo. Bebe seus martelinhos e quando esquenta a cabeça o gosto dele é bater. Nós deixa, e até se diverte com isso...

Assombrei-me. Um pai cujo gosto é bater na prole e filhos que se divertem com a surra! Mas como cada roca tem seu fuso e eu não conhecia o uso daquela terra, não pedi mais — toquei para o hotel, vivamente interessado pelo estranho costume daquela família.

Armei tenda em Rio Manso e pus-me a consertar olhos. Entrementes, enfronhei-me na história do Bento Cego. Nascera arranjado, filho dum fiscal da Câmara, e quando casou morava em casa própria, legada pelo pai e sita em rua de procissão. Maus negócios fizeram-no perdê-la e passar à rua mais modesta. Vieram filhos, vieram doenças, macacoas de toda espécie, urucas, e Bento, a decair mais e mais, foi rolando para pior até acabar cego, à beira da cidade, na zona da mendicância. Como e por quê?

Era Bento um triste incapaz. Não prestava para coisa nenhuma. Começasse por onde começasse, seu destino seria sempre aquele, acabar na rua chorando esmolas. Bobo em negócios, tinha, entretanto, fumos de esperto. Piscava o olho a cada transação que fazia, e quando os arregalava via-se logrado, tungado, embrulhado, furtado pelos “passadores de perna”.

Fez-se barganhista, e jamais a barganha lhe deu o menor lucro. Começou pela casa. Barganhou-a por outra, muito inferior, tentado pela “volta”. Em três meses comeu a “volta” e ficou a nenhum em matéria monetária. Mas a tentação da “volta” não o abandonou mais. Iria barganhando e comendo as “voltas”: solução mirífica, pensou ele piscando o olho. E assim fez.

Casão por casa, casa por casinha, casinha por dois carros e quatro juntas de bois, os carros por dois cavalos, os dois cavalos por uma besta de fama que fazia e acontecia e não sei quem dava por ela oitocentos “bagos” — um negocião, sempre um negocião!

A ciganagem espigatória viu nele uma perfeita mina incapaz de resistir ao sésamo “volta”!

E tantas voltas deram no pisca-olho, que Bento se viu por fim com toda a herança paterna reduzida à mula, que não valia nem metade do preço. O freguês dos oitocentos bagos era fantástico e por muito feliz se deu ele de passá-la adiante por duzentos e sessenta mil-réis, mais uma garrucha velha de lambuja.

Os filhos, já taludos por esse tempo, saíram ao pai. Nunca frequentaram escolas, nem queriam saber de trabalho. Não se “sojeitavam”. Pelas vendas, à toa pelas ruas, viraram os piores moleques da terra e transformaram num inferno a casa do Bento. Exigências, brigas diárias, palavrões imundos e uma lambança das mais sórdidas. E como o pai, frouxíssimo de caráter, nunca tivesse ânimo de lhes torcer o pepino, eles acabaram torcendo o pepino ao pai. Tratavam-no como alguém trata cachorro, aos pontapés, e por fim, quando a miséria chegou e faltou um dia feijão à panela, foram às últimas — espancaram-no.

Bento não reagiu. Reagir como, se eram três e ele não chegava a um? Resignou-se. Estimulados por tamanha covardia, entraram os filhos a repetir as doses, a amiudarem-nas, até o meterem para ali, num canto, bode expiatório e armazém de pancadas.

Bento deixou de ser homem. Passou a coisa humana, triste molambo de carne pensante, tímida, apavorada; desprezado de todos, seu consolo único era o álcool, em cujo sopor vivia agora imerso. Tal situação durou até a venda da besta. Aí explodiu. Quando entraram em casa os duzentos e sessenta mil-réis, mais a garrucha, Bento anunciou que ia aplicá-los num excelente negócio. Fartos de excelentes negócios, os filhos opuseram-se. Ele havia que repartir o cobre.

Bento resistiu, retesando as vagas fibras da energia ainda restante em sua alma. Os filhos quebraram-lhe a cara com o cabo da garrucha e fugiram com o dinheiro. Datou daí a cegueira do homem; do espancamento resultou traumatismo do nervo óptico e consequente catarata. Bento passou a mendigo.

Viúvo que era, sem cão em casa, arranjou um cão, um porrete, um negrinho sarambé para guia e iniciou vida nova. Como em Rio Manso não existissem cegos, todos se apiedaram dele. Davam-lhe roupas velhas, chapéus, mantimentos, dinheiro — afora consolações verbais.

Resultou disso que uma relativa abundância veio substituir-se à miséria de até então. Chapéus, possuía-os às dúzias, e de todos os formatos, inclusive cartola! Calças, paletós e coletes, às pilhas. Até fraques e uma formosa sobrecasaca de debrum vieram enriquecer-lhe o guarda-roupa.

Bento dizia:

— Deus dá nozes a quem não tem dentes. Agora que é um corpo só na casa, tanta roupa, até fraque...

Mas os filhos marotos cheiraram de longe a reviravolta da fortuna e bateu-lhes a pacuera do arrependimento. Hoje um, amanhã outro, vieram os três, cabisbaixos e humílimos, implorar perdão ao velho. Que não perdoará um cego, inda mais pai? Bento perdoou-os e readmitiu-os em casa. A esmola sempre farta havia de dar para todos. E deu. Nunca daí por diante faltou feijão à panela, nem roupa ao corpo, nem dinheirinho para o resto, inclusive cachaça e fumo.

Milagre! Aquele homem que de olhos perfeitos jamais conseguira coisa alguma na vida além do desprezo público e da pancada dos filhos recebia agora provas de carinho, gozava certa consideração, fazia-se chefe da casa, respeitado, ouvido — e até temido!

Acostumou-se a mandar e a ser obedecido. E não o fizessem! E não o fizessem depressa! Sua mão, outrora tão frouxa, esmagava agora todas as resistências. Sua vontade encorpou, enrijou, deitou os galhos da veneta. Até da viuvez se remendou o Bento. Surgiu logo uma parenta pobre que lhe escreveu propondo-se a morar com ele e cuidar da casa. Veio a mulher, arrumou-se, deu boa aparência de limpeza e ordem ao tugúrio da lambança e do desmazelo, fazendo coisa fina, que a toda gente causava pasmo. Bento chegou a pensar na aquisição da casinha, e para isso foi apartando cobres.

Mais tarde, novo parente em petição de miséria veio achegar-se à sua sombra — um misantropo que lhe contava lorotas e lia capítulos do Bertoldo e da história de Carlos Magno e os doze pares de França. Bento era fanático de Roldão e nunca admitiu que fosse lida a segunda parte do livro, em que Bernardo Del Carpio vence os doze pares.

— Mentira! Não venceu nada — dizia ele. — Veja se um Bernardo, seja donde diabo for, é lá capaz de aguentar uma só lambada da durindana de Roldão! Venceu coisa nenhuma...

Uma nuvem apenas toldava a paz da família restaurada. Bento bebia, e se errava a dose, sorvendo a mais um martelo que fosse, esquentava a cabeça. Aspectos da vida antiga vinham-lhe então à memória: o caso da besta, a cena da pancadaria, e Bento, com grande furor, apostrofava os filhos criminosos. Em seguida castigava-os. Corria os ferrolhos das portas e, chispando maldições tremendas, deslombava-os à cega.

Os filhos suportavam o tratamento sem a mínima reação. Mereciam-no e, além disso, era tão gostosa aquela vidinha esmolenga...

Foi por essas alturas que cheguei a Rio Manso, e o caso do Bento, que desde o primeiro dia me interessara à curiosidade, interessou-me depois à piedade. Resolvi curá-lo. Examinei-o e vi que cegara em virtude de catarata de origem traumática, sob forma de fácil remoção. A faca de De Graefe punha-o bom em três tempos.

Propus-lhe o tratamento.

— Deus que o abençoe! Que vontade tenho de ver de novo o sol! O sol, as cores, as gentes... Só quem perdeu a vista sabe o que valem os olhos. Esta noite sem fim...

— Terá fim a tua, meu velho. O caso é simples e tenho a certeza de por-te sãozinho como dantes. Apronto-te um quarto em minha casa, donde só sairás curado.

— Deus o ouça! Sempre pensei em procurar curar-me. Mas não havia médico por aqui, era preciso ir longe, viagem cara... Se os “videntes” soubessem o que é a cegueira...

“Videntes”! Ele chamava videntes aos que enxergam...

— Pois está combinado. Amanhã cedo vais ao meu consultório e amanhã mesmo te opero. E verás de novo o sol, as flores, o céu...

A fisionomia do cego irradiava.

— Sabe o que mais desejo ver? — disse revirando nas órbitas os olhos branquicentos. — A cara dos meus filhos. Eram tão maus e são hoje tão bonzinhos...

No dia seguinte, cedo, preparada a ferramenta, fiquei à espera do meu homem.

Oito, nove horas, dez, onze e nada. Bento não aparecia.

— Geremário, já aprontou o quarto do cego?

— Não, senhor.

— Por quê? Não ordenei isso ontem?

Geremário sorriu maliciosamente.

— O homem não vem, seu doutor. Vai ver que não vem. Pois se a sorte dele é ser cego...

Revoltou-me aquele cinismo de opinião e ordenei-lhe com rispidez que cumprisse minhas ordens sem mais filosofias. E inda de vincos na testa saí de rumo à casa do Bento. Encontrei-a fechada. Bati e ninguém me respondeu. Insistia nisso quando à janela do casebre fronteiro assomou a trunfa duma bodarrona em camisa.

— Pode dizer-me que fim levou a gente desta casa? — perguntei-lhe.

— Seu Bento? Seu Bento foi-se embora. Ali pelas dez da noite os filhos “vinheram” com um carro de boi e um recado seu.

— Meu?...

— Seu sim! Que o doutor mandou dizer que fosse já, já, por causa da operação — uma história comprida. Seu Bento trepou no carro, com aquela coruja que mora com ele, mais o leitor de livros, e as roupas, e o cachorro, e o negrinho, e a cacaria inteira. Até uma cartola desta altura levaram! Depois o carro seguiu por esse mundo afora. Os filhos consumiram com ele...

Fiquei parvo, inteiramente desnorteado de ideias.

A boda prosseguiu:

— Mas se ele só presta porque é cego... Se sarasse, toda a família afundava na miséria outra vez...

No meu primeiro ímpeto de dar queixa à polícia disparei para a casa do delegado. A meio caminho, porém, estava arrefecida essa inspiração e, ao chegar à delegacia, gelada de todo. Parei à porta. Vacilei. Em seguida dei de ombros, convencido de que o Geremário tinha razão e tinha razão a boda, e os filhos do cego tinham razão, e todo mundo tem razão. Polícia! A polícia viria romper ineptamente esse maravilhoso equilíbrio das coisas de que resulta a harmonia universal.

Rodei para casa.

Logo ao entrar apareceu-me o Geremário com ar de quem adivinhou tudo.

— Ponha o almoço — ordenei-lhe secamente.

— Sim, senhor. E... posso desarrumar o quarto do cego?

Olhei bem para ele, ainda irritado. Mas a irritação caiu logo. Que culpa tinha o Geremário de conhecer a vida melhor do que eu? Humilhei-me e respondi apenas:

— Desarrume…
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Nota:
(1) Faca de Graefe: instrumento cirúrgico usado nas operações de catarata.

Fonte:
Monteiro Lobato. O Macaco que se fez Homem. Publicado em 1923.

sábado, 15 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 348

 

Graça Graúna (Poética da Autonomia)


Nota: Poema inspirado no livro Pedagogia da Autonomia, e apresentado no encerramento do VI Colóquio Internacional Paulo Freire, no Centro de Convenções da UFPE, em 2 de setembro de 2007.
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I
Minha voz tem outra semântica,
outra música. Neste ritmo,
falo da resistência
da indignação
da justa ira dos traídos
e dos enganados
 
II
Apesar de tudo,
jamais temer de apostar
na esperança
na palavra do outro
na seriedade
na amorosidade
na luta em que se aprende
o valor e a importância da raiva.
Jamais temer de apostar demasiado
na liberdade
 
III
Apesar de tudo,
cabe o direito de sonhar
de estar no mundo
a favor da esperança
que nos anima

Isabel Furini (Vaidade de Autor)


A diarista folheou algumas páginas e voltou a olhar a capa; um “uuééé” muito sonoro escapou de sua garganta

– Mudamos de um apartamento grande para um pequeno e temos muitos livros e pouco espaço.  Pode deixar na mesa que eu mesma guardo, Wanda.

Ela olhou para mim com curiosidade:

- Nunca vi tanto livro. Você já leu tudo isso?

- Claro, já li... -  respondi com orgulho.

- Puxa! Leu tudo isso! -  exclamou ela.

Eu estava ficando vaidosa com sua admiração, quando Wanda acrescentou:

- É livro para caramba e você leu tudo. Você sim que não tem nada para fazer na vida, né?

Caminhou até a geladeira:

- Só ler, ler... - resmungou, mexendo a cabeça para os lados e enrugando o nariz como quem cheira couve podre.

Tentei ocultar minha decepção e falei:

- Wanda, vou lhe dar um livro de presente.

Procurei um de minha autoria e dei para ela. O fiz por puro egocentrismo. Todo autor no fundo é egocentrista, quer mostrar-se.

- É de sua autoria? – perguntam com os olhos arregalados as vizinhas.

A gente tem a oportunidade de mostrar o trabalho, desce os olhos com fingida humildade e afirma com um leve movimento de cabeça. Eu imaginava meu momento de triunfo... saboreava mentalmente o triunfo.

A diarista folheou algumas páginas e voltou a olhar a capa. Um “uuééé” muito sonoro escapou de sua garganta. Senti-me triunfante, ela descobrira o meu nome.

A diarista voltou-se para mim e perguntou:

- Sem figuras?

- É... – respondi, já um pouco acanhada com o tom da conversa.

- Livro chato, né?

-  Pode me devolver. Melhor eu procurar outro com figuras.

Devo admitir que a diarista me deu uma lição. Sim, Wanda é a melhor pessoa do mundo para derrubar a vaidade de qualquer escritor.

Fonte:
Olho Vivo

SPINA – Nova Forma Poética (Antologia Poética) 1

Da esquerda para a direita
(1a. Linha) – Antonio Queiroz, Ana Cláudia Gonçalves - Ronnaldo de Andrade - Tânia Maria Gimenes Brochini, Iran Maceno dos Santos.
(2a. Linha) – Artur José Carreira, Ana Meireles, Solange Colombara, Beth Iacomini

ANA CLÁUDIA GONÇALVES

DOS FARDOS QUE NÃO ME CONVÉM

Carrego pesada bagagem.
Um fardo desnecessário
De sentimentos hostis...

Peso morto que não convém.
Âncora de amarguras, de dissabores
Toda sorte de sentimentos vis.
Hei de banhar- me em desapego.
Recompor alforjes de sonhos pueris.
- - - - - –

ANA MEIRELES

AMBÍGUA VIDA !

Padeço de dor
Agora, nesta hora
Ninguém me ouve.

A gemer contorço meu corpo
Não sabia que saudade doía
Choro, pergunto o que houve?
Dizem-me: a vida é ambígua
Morre-se, vive: Deus nos louve.
- - - - - –

ANTONIO QUEIROZ

INTENTO

Intento ser desbravado,
na odisséia vivente,
firme sob ações.

Alma a tragar levianas paixões,
exaltando da pureza da vida
suas dúvidas, encantos, quiçá senões.
Ser massa suada do trabalho,
noites inteiras de despertos serões.
- - - - - –

ARTUR JOSÉ CARREIRA

ÁRVORE

Raízes ao largo
Desenhando todo tronco
Até a ramagem

Espalham folhas todas ao léu,
Movimentos de vento em balanço
Sem direção, sentido, apenas imagem.
Dançam num balé sem contentamento
Numa vaga sempre longa viagem.
- - - - - –

BETH IACOMINI

RENASCER DAS CINZAS

Imploro ao Céu
Amanhece minha alma
Fugidia de mim!

Poesia sombria a me perseguir
Nesta noite vazia de amor.
Caminho pelos ares, busco-me assim!
Estrelas radiantes chegam com abraços...
Que eu possa dormir, enfim…
- - - - - –

IRAN MACENO DOS SANTOS

CORSÁRIOS

Vestido de inspiração,
feito astro incandescente
rasgo céus imaginários.

Desnudo letras vivas em poesias
que brilhantes feito belas estrelas
romanciam mitos, da Arte, templários.
Trazendo doce magia, fascínio encanto
Lembrando histórias de antigos corsários.
- - - - - –

RONNALDO DE ANDRADE

AQUELAS LINDAS PROMESSAS
TORNARAM-SE TERREMOTOS

Abalam as paredes
de minha memória,
arrancam meus ais

ao descosturar certos desejos adormecidos
nos despenhadeiros implacáveis do coração,
causando-me uma consternação que jamais
considerei possível acontecer, aquelas juras.
Infelizmente, restou enfermidade, nada mais!
- - - - - –

SOLANGE COLOMBARA

MIRAGEM

Relances do tempo
traduzem em ecos
sua suave história,

apenas resquícios de uma trajetória.
A memória não distingue momentos
futuros, talvez breve lacuna aleatória.
Um oásis reflete diversas passagens,
estremeço em cena, intuo dedicatória.
- - - - - –

TANIA MARIA GIMENES BROCHINI

Naquela boca suculenta
Cabem tantos sabores.
Doce suspiro, apetece!

Anoitece, deita-se em qualquer cama
Despudorada, vive como Diabo gosta.
Luxuria da madrugada não amanhece,
Agua benta lava pecados. Purificada,
Alimenta famintos. Caridade Deus agradece!

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Sobre esta nova forma poética veja em https://singrandohorizontes.blogspot.com/2020/07/ronnaldo-de-andrade-spina-nova-forma.html


Fonte:
Facebook Spina (Nova Forma Poética)

Carla Rejane Silva (O Reflexo de minha Alma)

 


Olhando no espelho da minha alma, juro ter visto o reflexo de meu “eu interior” de uma forma diferenciada. Todo ele se abriu como um leque necessário às minhas tristezas e agonias. Talvez por isso, me senti despida, sem roupas de sentimentos. Em caminhos opostos e tortuosos, pressenti um turbilhão de rugas expostas, refolhos e carquilhos adentrando a minha alma.  Tudo, em derredor de mim se fez, ou melhor, tudo em redor de mim é solidão e tristeza. Somente tristeza e solidão. Agonia e dissabores para ser humano nenhum colocar defeito.
 
Num abrir e fechar de olhos me perco nas batidas do meu próprio silêncio. Um silêncio que, de repente, se vê queimado pelo fogo da intolerância, e não só dela, da insensatez também. Tudo por causa daquelas palavras que me foram ditas assim, sem mais nem menos, sem que eu esperasse. Ou quisesse. Ou imaginasse um dia ouvir. Aquela chuva de frases pronunciadas no calor do desespero, na sofreguidão de um momento cruel e bárbaro, bárbaro e cruel. O problema “a depois”, foi que tudo se transformou num momento doloroso que me aniquilou. Enfim, por fim, o fato é que essas ações, chuvas de frases perfuraram com profundidade minha desilusão que, sem saída, se viu às raias da loucura.  

Nesse tormento imensurável e abissal, que me transportei, me perdi sem ter como voltar atrás. Acredite! A minha vida, aquela vidinha vivida somente para seus costumes, minhas ganas e manias, se perdeu ao sabor do nada, unicamente por sentir que seus olhos enxergavam apenas meus anos vividos e o tempo transcorrido. Que pena! Que grande e imensa pena!
 
Bem sei, não posso mudar o tempo, tampouco os anos. Não posso retrogradar, tipo ser jovem de novo, me refazer, me reconstruir, para fazer bem ao seu ego esmaecido. Hoje, minhas primaveras são floridas, alastradas de pétalas de rosas e margaridas. Em cada ruga de meu rosto pálido há uma flor. Uma flor em ascensão. Porém, em queda também. Em cada flor, um amor... Isso somente foi o que me restou: amor, carinho e ingenuidade. Ah, se você aceitasse as minhas doces imperfeições! Sei que nesse mundo, às vezes, com o passar das primaveras, ficamos com os passos mais lentos e os pensamentos  desgastados, descoloridos, e claro, menos atrevidos.
 
Em consequência, o coração entra em dessintonia. Apenas emite um sussurro embrutecido, como se fosse um desatino vulgar. Às vezes, parece mavioso. Às vezes, não. Tudo embola numa arruaça entorpecida. Sei que as belas flores você cobiça, e o faz com razão. Por isso lhe digo: essas flores possuem os perfumes mais suaves. Com certeza lhe agradarão como merece. Eu, com minhas doces e lindas rugas, apesar dos pesares, as pessoas me dizem ser eu uma pessoa abençoada. Por certo!  

Saiba, cheguei até aqui sem pisar ou destratar quem quer que seja. Seja uma pequena formiga, seja um leão faminto, um ser carente de amor e afeto. Se você não está focado nessa espécie de meta que lhe apresento, então me deixe seguir em frente. Todavia, lhe peço, doravante, se você ama as belas flores de um jardim florido, aberto em quimeras, guarde para si. Ponha num cantinho oculto bem lá no fundo do seu coração, antes que ele se abra em solidão imensuravelmente sem volta.
 
Não precisa se fazer faceiro falando para o mundo ao seu redor que não gosta das rugas encontradas em meio a um vendaval de pequenos caprichos. Onde somente você vai encontrar sinceridade, e muito gostar. Um gostar intenso, sentido e profundo. Feliz, eu digo, perco meu brilho, mas não quero ser para você uma em muitas que você brincou e desprezou. Posso não ser jovem, bela, formosa, saltitante, mas meu coração é frágil. Débil, raquítico, tênue, inválido e adinâmico. Como uma folha solta, livre... Sem rumo, autônoma... Desprendida... Perdida em meio ao sabor árido do vento...
 

Fonte:
Texto enviado por Aparecido Raimundo de Souza (Vila Velha/ES)

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 347

 

Luís da Câmara Cascudo (Sapucaia Roca)

 

Sapucaia-Roca* é uma pequena povoação à margem do rio Macieira. Pouco abaixo do lugar em que se acha assentada, referem os índios que existiu outrora uma outra povoação, muito maior do que essa, e que um dia desapareceu da superfície da terra, sepultando- se nas profundidades do rio.

É que os muras*, que então a habitavam, levavam a vida desordenada e má, e nas festas, que em honra de Tupan celebravam, entregavam-se a danças tão lascivas e cantavam cantigas tão impuras, que faziam chorar de dor aos angaturamas, que eram os espíritos protetores, que por eles velavam.

Por vezes os velhos e inspirados pajés, sabedores dos segredos de Tupan, haviam-nos advertido de que tremendo castigo os ameaçava, se não rompessem com a prática de tão criminosas abominações.

Mas cegos e surdos, os muras não os viam, nem os ouviam. E um dia, em meio das festas
e das danças e quando mais quente fervia a orgia, tremeu de súbito a terra e na voragem das águas, que se erguiam, desapareceu a povoação.

As altas barrancas que ainda hoje ali se vêem atestam a profundidade do abismo em que foi arrojada a povoação.

Depois, muitos anos depois, foi que começou a surgir a atual povoação, que ainda não pôde atingir o grau de esplendor da que fora submergida.

Foram de novo habitá-la os muras; mas em breve, por entre a escuridão da noite começaram a ouvir, transidos de medo, como o cantar sonoro de galos, que incessante se erguia do fundo das águas.

Consultados os pajés, que perscrutavam os segredos do destino, declararam estes que aquele cantar de galos, ouvido em horas mortas da noite, provinha daqueles mesmos angaturamas, que deploraram outrora a sorte da povoação submergida e que, sempre protetores dos filhos dos muras, serviam-se do canto despertador dos galos da sapucaia-roca submersa, para recordarem o tremendo castigo por que passaram seus maiores e desviarem a nova geração do perigo de sorte igual.

É este o fato que deu origem ao nome da povoação: Sapucaia- Roca.
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NOTAS:
O Cônego Francisco Bernardino de Souza (n. 1834) recolheu esta lenda quando em missão científica.

Sapucaia-Roca - casa da sapucaia, casa da galinha, galinheiro.

Muras - A nação mura infestava as margens do Amazonas atacando não só os viajantes como as outras nações indígenas, vivendo de roubo e pilhagem. Assim, parece natural que seja atribuída à nação mura a lenda universal de cidades submersas por castigo ao desregramento.


Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Lendas Brasileiras para Jovens. Projeto LpT (Livro para Todos).

Cecy Barbosa Campos (Versos Perplexos) I


VERSOS PERPLEXOS

Crianças carregam armas
e jovens, com semblante fechado
se esgueiram atrás de muros
espreitando casas.
Mulheres engendram planos
enquanto homens decepam vidas,
filhos matam mães
e pais matam filhos.
O ar não rescende ao cheiro de flores
mas é possível sentir
o cheiro de sangue fresco
que jorra todos os dias.
Já não encontro as estrelas
que, lá do alto,
vigiavam os passos de minha infância
e iluminavam os caminhos.
Só encontro as câmeras de vídeos
observando os passantes
e denunciando maldades.
Já não vejo a lua que chega,
faceira,
para pratear meus versos.
Olho,    sem entender,
o mundo que me cerca
e só consigo mergulhar
em minha perplexidade.
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ANSIEDADE

Fujo da escuridão!
Quero a luz do saber,
o conhecimento da verdade,
o esclarecimento das mentiras,
o vislumbrar do sol.
Não entendo os morcegos
na escuridão das cavernas
nem a busca de ilusões
que encobrem a realidade.
Abomino
a falsidade dos améns
e o disfarce dos demônios
que confundem caminhos.
Quero enxergar borboletas
e ver estrelas que existem
apesar dos edifícios
que arranham céus
e limitam horizontes.
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ASAS

Preciso de asas
para poder partir
e, subitamente,
poder voltar.
Mergulhando no espaço
inundada de silêncios
atravesso auroras
e vou me perder
em tardes luminosas.
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FIAT LUX

O dia abriu os olhos
e enxergou, com tristeza,
as misérias do mundo.
Vendo homens e mulheres
maltrapilhos,
aconchegados em vãos de portas
que para eles
nunca se abririam,
chorou.
Não conseguiu acender as luzes
do sol,
nem conseguiu fazer
a luminosidade da alegria
baixar sobre aquelas cabeças
sem teto.
A escuridão permanece.
Falta luz às cavernas
da desumanidade
e da ignorância.
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INCOMPREENSÃO

Não quero falar
nem explicar.
Busco ocultar
esta opressão
que me esmaga o peito
e quase faz jorrar
lágrimas dos meus olhos.
Contenho-as.
Mesmo sozinha
preciso escondê-las
de mim mesma.
Não adianta falar
o que ninguém vai escutar
ou entender.
Engulo a angústia.
O pedido de socorro
que teima em saltar,
tem que silenciar
dentro de mim.
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LEMBRANÇAS

As lembranças me atingem
filtradas por censuras
e pela vontade
do que não foi.
Aos poucos
ficam dispersas
e apagam-se
como o clarão de velas
bruxuleantes.
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MENTIRAS

Mentindo
descaradamente,
segue o Homem,
segue o Mundo
sem distinguir a verdade
de tão assumidamente,
viver na mentira,
cotidianamente.
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PARTES

Sinto que sou fragmento
em busca do todo.
Vou me perdendo
pouco a pouco
e os sons, ao meu redor,
lentamente se esvaem.
Onde estará
o meu ser total?
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PROCURA

A noite se alonga
formando círculos viciosos
de enigmas.
Meus olhos buscam
deslindar fios
que se avolumam.
No seu emaranhado
a minha visão
se esvai.
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SUFOCO

Um grito
entalado na garganta
sufoca a dor,
devora ânsias
e silencia gemidos
que ficam perdidos
ao sabor do vento.
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TRAVESSIAS

Transformei-me em barco
e atravessei oceanos
perdendo os rastros
das maldades humanas.
Encerrei-me em versos
e habitei passarinhos
que cantaram em mim
momentos crepusculares.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Versos perplexos. Juiz de Fora/MG: Editar Editora Associada, 2019.
Livro gentilmente enviado pela poetisa.

Malba Tahan (A Esposa dos Dois Maridos)

 

 Tenho tua imagem nos meus olhos; o teu nome nos meus lábios; a tua lembrança no meu coração. Como julgas, então, que podes estar ausente de mim?
Ben Al Nasir (1163-1223)


Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso…

Foi em Saida, (1) a pitoresca cidade da Argélia, que ouvi, pela primeira vez, o nome do justo cádi(2) Rafik ben-Najm (3) Fares Hadjdjat.

Um beduíno(4) chamado Abib, guia de caçadores, homem vivo, falador, confidenciou-me, certa manhã, na mesquita, junto à fonte das abluções:

— O cádi Rafik ben-Najm é um notável ulemá, um sábio. Sábio e justo. Justo e profundamente humano. Não existe, nas terras argelinas, homem mais digno da nossa admiração e do nosso respeito.

E Abib, sempre exuberante, narrou-me espantosa aventura, ocorrida em Mascara, na qual o cádi Rafik brilhava como autêntico herói das Mil e uma noites. Outros casos, mais estranhos, ouvi (uma semana depois) de dois rumis, compradores de fumo.

Mais tarde, em Argel, conversando com um guitarrista, chamado Saliba ou Taliba (não me lembro bem), recebi novos informes sobre o famoso juiz Rafik, o sábio.

— É extraordinário — confirmou com veemência o guitarrista. — Não é possível encontrar, entre os muçulmanos, homem tão surpreendente. Conhece até as letras misteriosas do Livro de Alá. (5)

Aqueles elogios (ditados pela sinceridade popular) despertaram em mim vivo desejo de conhecer o prestigioso e justo cádi Rafik ben-Najm Fares Hadjdjat.

Quando estive, pela terceira vez, em Khalfallah, (6) vendendo louças, relógios, tecidos e comprando pistache (serviço exclusivo do xeque Abd el Rahmã), tive a excelsa ventura de conhecer pessoalmente o justo cádi Rafik ben-Najm.

Será interessante, ó irmão dos árabes, (7) contar o caso como ocorreu.

Na faina diária, em busca de bons negócios, eu havia saído com dois criadores de ovelhas, de Maalif, (8) a fim de levá-los à presença do xeque Abd el-Rahmã, o homem mais violento e impulsivo que conheci até hoje. Ao atravessar pequena povoação nativa, avistei inquieta multidão que se amontoava na porta de uma tenda. Achavam-se ali mercadores árabes, berberes do deserto, nômades esfarrapados e até mulheres. Indaguei do que se tratava.

— É o sábio e justo cádi que está julgando — disse-me um berbere, maneta, de turbante sujo, remordendo dois galhinhos de raque. (9)

— O justo cádi Rafik ben-Najm?

— Sim, esse mesmo — corroborou com voz meio cantada o meu informante. — Já está no terceiro caso.

Voltei-me para os homens de Maalif e disse-lhes numa decisão inapelável:

— Esperem por mim. Um instante.

E meti-me no meio dos curiosos. Depois de alguns empurrões e muitas pragas (três pragas e meia para cada empurrão), consegui chegar ao interior da Kaimat al-hadl (Tenda da Justiça), que era, aliás, ampla e confortável, com sete panos listrados. Reconheci logo o honrado e prestigioso cádi. Estava sentado, pernas cruzadas, em grande almofada, e tinha à sua direita, sobre pequena banqueta, soberbo exemplar do Alcorão. Abria-se, na frente do juiz, largo círculo vazio. Para aquele círculo eram conduzidos os réus, as testemunhas, os acusadores e os litigantes. Atrás do justo cádi, também sentados à moda árabe, achavam-se seus dois auxiliares e cinco guardas armados com espadas recurvas de aço indianizado. Os secretários anotavam, em grandes livros de capa escura, os nomes que interessavam, os fatos que ocorriam e as decisões do cádi. No alto, no centro de belo escudo prateado, lia-se esta sentença:

Fihilm alauiát ua adlihem iajed addoafa amaluon (Na bondade e na justiça dos fortes reside toda a esperança dos fracos).

Observei o justo cádi. Era homem de meia-idade; discreto e impecável nos trajes; rosto largo, barba preta e bem-cuidada. Fisionomia simpática; olhar expressivo. Os seus gestos eram serenos. Deixava, ao mais rápido exame, a impressão de ser pessoa culta e finamente educada.

Um árabe agigantado, de roupa escura, turbante amarelo e semblante carrancudo, perfil adunco de coruja, que se achava de pé na primeira fila dos assistentes, depois de consultar uma folha de papel, anunciou em voz alta:

— Vai ser julgado agora, pelo nobre e honrado cádi Rafik ben-Najm Fares Hadjdjat, representante de nosso governador, o caso da jovem Najat (10) bint-Djelfa, (11) que é reclamada por dois maridos. (Ele proferira o nome feminino — Na-já — separando bem as sílabas.)

Tudo parecia seguir, para mim, um rumo bem curioso. O argeliano do semblante carrancudo bateu palmas. Aqui e ali brotavam, entre os presentes, gestos de impaciência e curiosidade. Uma rapariga, seguida de dois homens, atravessou, aos arrancos, o grupo compacto dos curiosos e foi colocar-se no centro do círculo livre, em frente ao cádi.

Era aquela a jovem de Djelfa que os azares da vida levaram, com dois maridos, ao tribunal. Devia ter, no máximo, vinte ou 22 anos. Seus olhos eram negros bem rasgados e vivos; os cabelos castanhos pareciam brilhar sob o lenço de seda azul que lhe cobria a cabeça. Ostentava um fustam (12) discreto e benfeito. Em seu braço esquerdo, moreno e roliço, rebrilhavam três largas pulseiras de ouro.

À direita da graciosa Najat postou-se, logo, o primeiro marido. Era um tipo forte, muito moço, de aparência sadia, rosto avermelhado. Trazia sobre a cabeça, retorcido para a esquerda, um gorro sujo de pele de coelho. Os seus trajes descuidados davam a impressão desagradável de pessoa grosseira e desleixada.

O outro, o “segundo marido”, ficou, um pouco enleado, à esquerda da esposa. Era bem mais velho e bem diferente do primeiro. Teria, talvez, cinquenta ou 55 anos (sanat). Sentia-se a distinção inconfundível de sua figura, desde o turbante de seda (elegante e discreto) até os sapatos escuros, de bico fino, que reluziam em seus pés. Fazia-se acompanhar de soberbo cão vermelho de fina raça (como era belo o animal!). Logo que o dono parou (ao lado de Najat), o cão deitou-se, com solenidade, a seus pés.

Tudo recaiu em silêncio. Não bolia o mais leve sussurro.

— Liatakalam az-zauj al-aual! (Que fale o primeiro marido!) — ordenou o “justo cádi” (13) com voz serena.

O jovem do rosto avermelhado, para atender o juiz, passou a mão pelo queixo, ajeitou a cinta, cuspiu para o lado, relanceou um olhar de ódio ao rival e assim falou, desenvolto, de semblante iroso:

— Chamo-me Hassã Rida e sou natural de Oran, (14) onde, ainda em Djelfa, em trabalhos de estrada, conheci Najat, filha de Jamil, (15) o carpinteiro. Casamo-nos. Fomos muito felizes. Juntamente com seus pais, levei-a, mais tarde, para Blida; (16) de Blida fomos para Argel. Nessa cidade conheci vários mercadores gregos. Desejoso de viajar pelo mundo e enriquecer depressa, coloquei-me a serviço dos aventureiros gregos e parti, em grande veleiro, para Kubros. (17) Deixei Najat aos cuidados de minha sogra. Não fui feliz nessa viagem. Ocorreu uma desgraça. O nosso navio, em alto-mar, foi atacado por piratas turcos e incendiado. Juntamente com vários companheiros fui aprisionado pelos piratas e vendido, como escravo, em Constantinopla. Passei três anos sofrendo todos os horrores do cativeiro. Durante a minha longa e involuntária ausência, a mãe de minha esposa fez constar, entre amigos e parentes, que eu havia perecido em naufrágio. Preocupada em abiscoitar o dote que esse velho oferecia, concedeu-lhe Najat (falsamente viúva) em casamento. A culpada de tudo foi minha detestável sogra. Lanat — Allah alaiha! (Que o castigo de Deus caia sobre ela!) Volto agora, ó justo cádi, e venho reclamar minha esposa. Procurei-a loucamente, por várias cidades; andei como um chacal pelos oásis; sofri fome e sede no deserto e vim, afinal, encontrá-la aqui, nesta terra hospitaleira. Sou o marido legítimo de Najat, e esse homem — apontou para o rival — não a quer deixar. Não a quer deixar.

Calou-se, neste ponto, o primeiro marido. Fios de baba desciam-lhe lentos aos cantos da boca.

— Desejo ouvir agora o segundo marido — declarou o justo cádi Rafik ben-Najm. E tamborilava com os dedos da mão direita sobre a capa do Alcorão.

Ao ouvir a intimação do juiz, o segundo marido, depois de ligeiro salam, (18) começou, esboçando um sorriso descorado:

— Tomo Alá como testemunha de minhas palavras (19). Chamo-me Chahin Nadli Hanoun. Dedico-me ao comércio de joias e disponho de casa bem instalada em Argel, mas resido, atualmente, nesta cidade, por motivo de saúde. Tendo ido, certa vez, a Ain-Taya (20) adquirir joias e antiguidades, conheci, no mercado, essa jovem Najat, filha de Jamil. Enamorei-me dela. Informado de que se tratava de uma viúva, cujo marido perecera em naufrágio, falei ao respeitável Jamil, seu pai, e pedi-a em casamento. Obrigou-me Jamil a pagar o dote; não fiz a menor objeção a tal exigência, e entreguei ao pai de minha noiva o dobro da quantia exigida. O nosso casamento realizou-se em Argel, perante o cádi e cinco testemunhas. Sou, portanto, diante da lei, o marido legítimo de Najat, filha de Jamil.

Proferidas tais palavras, inclinou-se, com simplicidade, e acariciou a cabeça do majestoso cão, que já dormitava a seus pés.

Ouvida a narrativa do segundo marido, o digno magistrado voltou-se para a jovem e interpelou-a com mansidão, em tom natural e conciliador:

— E tu, Najat, filha de Jamil, o carpinteiro, que dizes diante de tudo isso? Queres continuar com o teu atual esposo, Chahin Nadli Hanoun, ou preferes voltar para a companhia de Hassã Rida, o teu primeiro marido?

— Justo cádi — respondeu a moça com voz cheia de meiguice, envolvendo suas palavras num sorriso de simpatia —, nada posso resolver. Não desejo, neste momento, decidir do meu destino. O generoso Sidi (21) Chahin é bom, extremamente delicado para mim; vivo bem em sua companhia. — Aqui fez ligeira pausa. E concluiu com candura: — Hassã jura, pela sombra da Caaba, que me quer também…

— Por Alá, justo cádi — acudiu o segundo marido com veemência, apontando para o rival com um meio sorriso, sem expressão: — Eu sei muito bem por que ele a quer. Eu sei muito bem, ó venerável ulemá! (22) Najat é bondosa; é diligente; é meiga; é prestativa. Esse moço julga-se poeta e escreve, todos os dias, versos e mais versos. Najat, para agradá-lo, lia com paciência os versos e decorava os poemas. É por isso que ele a quer!

— Perdão, justo cádi! — revidou asperamente o primeiro marido, transbordante de ódio. — Eu sei muito bem por que esse velho a quer! Najat é boa dona de casa; quieta e modesta; prepara com perfeição os pratos mais finos. Um cabrito assado, com recheio, temperado pelas mãos hábeis de Najat, é uma delícia; o kichk (23) preparado por Najat pode ser servido em palácio, ao sultão do Marrocos! Najat não esquece as plantas e as flores da casa, e cuida até do cão de Sidi Chahin. É por isso que ele a quer, justo cádi! É por isso!

E repetiu, num gesto de repulsivo nojo:

— É por isso que ele a quer, ó justo cádi!

— Está bem — atalhou o juiz, encerrando o debate. — Está bem! Já ouvi todos os interessados. Cumpre-me resolver esse caso de acordo com a lei, sem esquecer a delicada situação de constrangimento dessa jovem reclamada por dois maridos que, em tudo e por tudo, diferem profundamente um do outro.

Fez-se profundo silêncio na Tenda da Justiça. Ficaram todos imóveis. Não se ouvia o mais leve sussurro. O árabe agigantado, do turbante amarelo, com os braços cruzados, aguardava, impassivelmente, a sentença. Só o cão de Sidi Chahin, despertado com os gritos do primeiro marido, agitava sua longa cauda avermelhada.

Nesse momento, senti que me puxavam, com força, pelo braço. Era um dos beduínos de Maalif.

— Venha depressa! — segredou-me nervoso, aflito. — Venha depressa!

O xeique (24) Abd el-Rahmã, seu patrão arreliento, já se encontra, lá fora, à sua espera. Está furioso! Por Alá! Depressa! O xeque quer falar-lhe agora mesmo.

A situação era grave. Algo de anormal havia ocorrido com os nossos rebanhos. Roubo? Baixa de preço? Deixei (debaixo de novos empurrões e novas pragas) o tribunal e, impossibilitado de ouvir a sentença do cádi, corri ao encontro de meu chefe, o rancoroso Abd el-Rahmã. Retornamos, na mesma hora, para o oásis de Maalif.

Na tarde desse mesmo dia, segui, por ordem do xeque, para Saida, e de Saida fui, com mercadores de fumo, para Oran. Viajei mais tarde para a Europa. Passei cinco meses no Havre vigiando os embarques e desembarques de mercadorias. De quando em vez, a curiosidade remordiame o coração:

— Como teria o justo cádi, naquele dia, na Tenda da Justiça, resolvido o caso da jovem que dois maridos disputavam? Teria decidido a favor do apaixonado Hassã, o primeiro marido? Teria dado ganho de causa ao velho e generoso Sidi Chahin?

Dois anos depois, vi-me forçado a percorrer vários centros comerciais de Marrocos. Essa viagem delongou-se por cinco semanas. Na volta, resolvi visitar Tlemcen, a cidade mais curiosa da Argélia. Embora pareça incrível, sob o céu de Tlemcen fui conhecer inesperadamente o surpreendente desfecho da singular aventura dos dois maridos de Najat.

Tudo se passou assim, Maktub! (Estava escrito!)

Uma tarde, sentindo-me bem-disposto, julguei que seria acertado levar algumas peças de roupa a uma tinturaria que ficava no fim da rua Kaldoum. Ao entrar na tinturaria, dei de cara com o tal guitarrista de Argel, chamado Saliba ou Taliba (não me lembro bem), admirador fervoroso do justo cádi Rafik ben-Najm.

— Por Alá, meu amigo! — exclamou o argelino. — Sabes quem está morando agora aqui, em Tlemcen? Aquele famoso cádi, o sábio, que fazias tanto empenho em conhecer. Sim — confirmou risonho o guitarrista. — O honrado e benquisto Rafik ben-Najm.

Ora, o guitarrista argelino não era homem inclinado a rir-se das coisas sérias. Exultei, pois, com a notícia. Colhi, no mesmo instante, todas as informações precisas. O justo cádi instalara-se em pequeno prédio, de janelas verdes, que ficava na rua Ora, dois quarteirões à direita, além da mesquita.

No dia seguinte, depois da prece da tarde, dirigi-me à residência do cádi. Era uma casa simples, mas bem-arranjada e distinta. O pátio interno era um primor pelas plantas viçosas e raras que o adornavam. Homem fino, o justo cádi!

Recebeu-me, atencioso, com vivas demonstrações de simpatia. Contei-lhe que o havia conhecido na Tenda da Justiça, em Khalfallah, durante acidentado julgamento. Procurava-o, naquele momento (disse com a maior franqueza), impelido por uma curiosidade martelante: como havia resolvido aquele interessante e delicado litígio dos dois maridos que pretendiam a mesma esposa?

— O caso da jovem Najat, filha de Jamil?

— Esse mesmo! — confirmei.

— Vou informá-lo da minha sentença — tornou o justo cádi, com alegre sombra. — Antes, porém, vamos saborear uma taça de delicioso café!

Naquele mesmo instante vi surgir, na sala, uma criatura encantadora, elegantemente vestida; trazia nas mãos graciosas (pintadas de hena) (25) larga bandeja de prata com duas xícaras de café de Adem! (26)

Foi, para mim, indescritível surpresa. Logo a reconheci. Era a formosa Najat!

O cádi encarou-me risonho e apresentou, com certo entono vaidoso:

— Eis, ó mercador, a minha esposa! É Najat, a filha de Jamil!

Fitei-o assombrado. Sim, assombrado como o homem que custa a crer no que vê e não se atreve a dizer o que sente. Najat sorriu para mim e proferiu com graça e simplicidade (sua voz tinha a claridade suave do luar):

— Ahla ua Sahla! (Bem-vindo sejas a esta casa, ó mercador!) Rafaaka as Saad! (Que a felicidade seja a tua sombra!)

Tão perturbado fiquei ao ouvir aquela delicada saudação árabe que não soube retribuí-la. Inclinei apenas a cabeça à maneira dos nômades do Saara. Retirou-se Najat. Sentia-se no ar, pela sala, invadindo tudo, o perfume inconfundível de sua encantadora presença.

— Quer saber qual foi naquela tarde, em Khalfallah, a minha sentença? — volveu o cádi. — Vou contar-lhe como tudo se passou.

Feita ligeira pausa, o ilustre magistrado, muito sereno, sem uma sombra no olhar, assim começou:

— Naquele tempo eu era viúvo e pensava seriamente em escolher nova esposa. Tinha, porém, receio de errar. Dada a minha situação, a minha carreira, o divórcio seria desastroso. Quando Najat apareceu, naquele dia, acompanhada dos dois maridos, achei-a muito simpática. O seu ar era simples, mas distinto. Parecia até deslocada naquele meio. Um dos maridos, querendo ferir o seu rival — lembra-se? —, elogiou-a: “É bondosa; é diligente; é meiga; é paciente. Muito hábil e inteligente. Lê versos, aprecia os belos poemas.” O outro marido exaltou-a como dona de casa: “É quieta; é modesta. Um cabrito assado, com recheio, temperado pelas mãos de Najat, é uma delícia! Najat faz um kichk digno do sultão; Najat se desvela em cuidar de tudo aquilo que interessa ao esposo!” Citou até as atenções que ela dispensava ao belíssimo cão de Sidi Chahin. Então eu disse para mim mesmo: “Eis a mulher ideal. Eis a esposa que me convém.” Como resolver, porém, com inteira justiça, aquele caso? Declarei nulo o primeiro casamento de Najat, pois o marido passara mais de 1.001 dias ausente, fora do lar. Chariat! (É da lei!) O segundo casamento (realizado em Oran) também era nulo (de acordo com a lei), pois fora efetuado antes que o primeiro tivesse sido legalmente anulado. Ditadas as duas sentenças, e lavrado oficialmente o ato, Najat ficava livre dos dois maridos. Levantei-me, então, e dirigindo-me ao público (xeques e beduínos que se comprimiam na tenda) declarei: “A jovem Najat, de Djelfa, está livre. Pode escolher, agora, sem o menor constrangimento, o marido que quiser. Se algum dos presentes for candidato, e pretender, também, a mão dessa jovem, queira colocar-se ao lado de Sidi Chahin Hanoun, o segundo marido.” As minhas palavras causaram forte impressão. Correu pela tenda prolongado sussurro de espanto. Ninguém poderia admitir ou imaginar que um juiz, em pleno deserto, promovesse aquele concurso de noivado. Mas, afinal, dois homens menos irresolutos destacaram-se do grupo e apresentaram-se como candidatos. O primeiro, já meio pesado no corpo e na idade, era o dono de grande oficina de ferreiro. Chamava-se Bechara. (27) Não seria exagero dizer que era obeso e disforme. A sua apresentação, como terceiro pretendente, foi recebida com risos deleitados. Acercou-se da noiva bamboleando-se nas pernas. O outro era um belo rapaz, alto, moreno, insinuante, filho de Sidi Omar Wahid, riquíssimo vendedor de goma de mascar. Ostentava no pescoço três ordens de ouro.(28) Era antipático, não obstante suas feições corretas. Foram esses dois os únicos. Vendo que ninguém mais se apresentava — direi melhor: ousava se apresentar —, deixei o meu lugar de cádi, entreguei o Alcorão a um dos secretários e fui colocar-me no extremo da fila, como sendo o quinto e último pretendente. E assim falei: “Que cada candidato dirija um apelo à noiva. Ela, no fim, decidirá.” Coube ao primeiro marido, o jovem Hassã Rida, a oportunidade de iniciar aquele singular torneio sentimental. Erguendo o busto, numa atitude desafiadora, ele disse:

“Querida, não me abandones.” O segundo marido, depois de passar a mão pela testa, proferiu, com arrebatamento: “Najat, meu amor, não posso viver sem ti.” O noivo rotundo, sem sentir o ridículo da situação, um pasmo idiota na face, gaguejou contrafeito: “Prometo, ó formosa Najat, fazer-te feliz!” O rapaz moreno, erguendo a mão, em cujos dedos cintilavam vários anéis, formalizou-se, com ostentação de ricaço, naquele concurso oral de galanteria: “Farei de ti a mulher mais ditosa do mundo.” Cabia-me, afinal, a vez de falar. Procurei ser simples e sincero, e disse apenas: “Najat, minha filha, segue, segue os ditames de teu coração!” A jovem meditou durante um rápido instante. A ansiedade era geral. Qual dos cinco noivos teria a preferência da ex-esposa dos dois maridos? Afinal, estendendo o braço, apontou para mim e declarou resoluta: “É a ti, ó justo cádi, que eu escolho para esposo. Foi o único que me honrou com o tratamento de ‘minha filha’. Espero que sejas, para mim, mais do que um marido: um dedicado companheiro e protetor.” Casamos. Vivemos felizes. Najat tem qualidades que os dois primeiros maridos não chegaram a perceber: é econômica, é leal, extremamente asseada e goza de perfeita saúde. É mãe exemplar…

— Mãe?

— Sim, já temos um filhinho. É um encanto de criança. Dentro de alguns instantes ele voltará do jardim, onde foi passear com a sua ama francesa.

Ao ouvir aquele singular relato, exclamei, sinceramente emocionado:

— Não creio, ó ilustre e justo cádi, que possa haver, sob o céu que envolve o mundo, juiz mais sábio, mais esclarecido e mais liberal! Podendo, na Tenda da Justiça, com o prestígio de sua autoridade, com as regalias do cargo, ter tomado logo posse da jovem, submeteu-se a um concurso livre de títulos e provas, democraticamente, com vários candidatos! Isso é notável!

Respondeu o justo cádi:

— Grato sou, ó mercador, pelo elogio que acabo de ouvir. Acredito que és sincero, pois não me iludo com a música das belas frases.

E rematou:

— Todos os dias, nas minhas preces, imploro a proteção e a misericórdia de Deus! Louvado seja Alá, que fez da boa mulher a esposa perfeita, e da esposa perfeita a companheira ideal! Alá seja louvado!
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Notas
1 Saida = Cidade da Argélia. Não confundir com Saida (Sídon), do Líbano.

2 Cádi = Em árabe pronuncia-se cáadi. Quer dizer juiz.

3 Ben-Najm = filho de Najm. Se “Najm” fosse uma tribo ou uma família, seria: Iben-Najm.

4 Beduíno = Habitante do deserto.

5 Livro de Alá =Trata-se do Alcorão. Alá é Deus. Portanto, refere-se ao Livro de Deus ou Livro da Lei. No início de certas suratas (ou capítulos) apresenta o Alcorão letras misteriosas para as quais os exegetas mais sábios não acharam explicação.

6 Khalfallah = Cidade da Argélia.

7 Irmão dos árabes = Tratamento carinhoso.

8 Maalif = Lugarejo perto de Khalfallah.

9 Raque = Haste fina; muito forte. Serve de palito.

10 Najat = Nome árabe feminino. Leia-se Najá. Significa: “aquela que foi salva.” No Líbano existe “Saidá te — Anajá”, que significa “Nossa Senhora da Salvação”.

11 bint-Djelfa = Natural (filha) de Djelfa.

12 fustam = Vestido, traje feminino.

13 justo cádi = O árabe não se refere a um cádi sem preceder esse honrado título do qualificativo “justo”.

14 Oran = Cidade da Argélia.

15 Jamil = significa belo.

16 Blida = Cidade da Argélia.

17 Kubros = Chipre, ilha do Mediterrâneo.

18 Salam = Saudação árabe.

19 Tomo Alá como testemunha de minhas palavras = Essa expressão equivale à seguinte: “Juro por Deus que é verdade tudo aquilo que vou dizer.”

20 Ain-Taya = Pequeno porto de Argel.

21 Sidi = Senhor. Homem de prestígio pela idade ou pela fortuna.

22 Ulemá = Sábio. Homem douto.

23 kichk = Prato árabe, feito de trigo, carne e coalhada.

24 Xeique = Chefe, pessoa de prestígio. No Líbano e na Síria (antes da guerra) era o título concedido aos que não pagavam impostos.

25 hena – As mulheres árabes, de fino trato, pintam de henna (trato especial) as unhas, as palmas das mãos e os pés.

26 Café de Adem – Café Moca.

27 Bechara = Significa “boa notícia”.

28 Ordens de ouro = Colares.


Fonte:
Malba Tahan. Novas Lendas Orientais.