quarta-feira, 7 de outubro de 2020

2º Concurso de Trovas da UBT-Recife – Líricas/Filosóficas (Trovas Premiadas)


ÂMBITO METROPOLITANO (RECIFE)

Poesia, com tal brio,
corre sempre livremente.
Deságua tal qual um rio
de amor na vida da gente.
ANA LÚCIA POTTES DE VASCONCELOS
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Âmbito Estadual (PERNAMBUCO)

Tema: "Cativar é criar laços"

VENCEDORES

1º LUGAR
“Cativar é criar laços”,
é desatar tantos nós
que nos separam dos braços
sempre abertos para nós!
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI
Arcoverde
- - - - - -

2º LUGAR
Quem aos amigos confirma
ajudá-los nos fracassos,
faz valer o que se afirma:
“Cativar é criar laços”.
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI
Arcoverde
- - - - - -

3º LUGAR
“Cativar é criar laços”
que haverão de unir as vidas
e deixar, nas vidas, traços
das saudades revividas!
CARLOS ALBERTO DE ASSIS CAVALCANTI
Arcoverde
- - - - - -

4º LUGAR
Tu me disseste a sorrir:
– “Cativar é criar laços”...
E eu sem pensar no por vir,
me arrebentei nos teus braços.
MARIA DULCE DE LIMA PESSOA
Tabira
- - - - - -

5º LUGAR
A vida com entrelaços,
enlinha todo novelo.
Cativar é criar laços,
e enfeitar tudo com zelo.
ANA LÚCIA POTTES DE VASCONCELOS
Recife
- - - - - -

MENÇÕES HONROSAS

6º LUGAR
Na vida juntei pedaços,
E aprendi esta lição:
“Cativar é criar laços”
Nas veias do coração!
MARIA DULCE DE LIMA PESSOA
Tabira
- - - - - -

7º LUGAR
Disse a Rosa, em euforia:
– “Cativar é criar laços”...
mas no jardim, que ironia,
esqueceste os meus abraços.
MARIA DULCE DE LIMA PESSOA
Tabira

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NOVOS TROVADORES

Âmbito Nacional/Internacional

Tema: "Dia dos Namorados”

1º LUGAR
Simples gesto de carinho
no dia dos namorados,
o abraço torna-se ninho,
dos amores comungados.
ALICE GERVASON MARCO FERNANDES
Juiz de Fora/MG
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2º lugar
Meu coração é um diário
guardando amores passados
que releio, solitário,
no Dia dos Namorados.
PAULO CEZAR TÓRTORA
Rio de Janeiro/RJ
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3º LUGAR
O Dia dos Namorados
Para nós é todo dia.
Um ao outro devotados,
Em perfeita sintonia.
ALBANO BRACHT
Toledo/ PR
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4º LUGAR
No dia dos namorados
chorei, revivendo a dor...
Ao ver sonhos sepultados
onde jaz meu grande amor.
LUCÉLIA SANTOS
Patu/RN
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5º LUGAR
Amor, presente e carinho
são meus felizes achados,
para não ficar sozinho
no dia dos namorados...
FÁBIO SIQUEIRA DO AMARAL
Bom Jesus dos Perdões/SP
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MENÇÕES HONROSAS

6º LUGAR
Todo dia, o dia inteiro,
É dia dos namorados.
Se o amor é verdadeiro,
Serão dois abençoados.
MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA
Toledo/PR
- - - - - –

7º LUGAR
No dia dos namorados
o amor em versos e prosa:
promessas de apaixonados,
carinho em botões de rosa.
ELIZABETH APARECIDA DE CASTRO MENDONÇA FONTES
Joinvile/SC
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8º LUGAR
No Dia dos Namorados
punge mais a relevância
dos corações separados
pelo pesar da distância.
PAULO CEZAR TÓRTORA
Rio de Janeiro/RJ
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9º LUGAR
O dia dos namorados
Traz em si mais fantasia
Sustentando os já casados
Com mais amor e alegria.
JOSÉ GARCIA DE SOUZA
Toledo/PR
- - - - - –

10º LUGAR
O dia doze de junho
é dia dos namorados,
dia de dar testemunho
dos casais apaixonados...
CARLOS DE SOUZA
Amparo/SP
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MENÇÕES ESPECIAIS

11º LUGAR
Faça do amor uma rima,
Entre sons bem aflorados;
Que os acordes sejam clima
No Dia dos Namorados.
ANA WELTER
Toledo/PR
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12º LUGAR
Faça desse amor poesia
Com arranjos delicados;
Entre os versos, harmonia,
No Dia dos Namorados.
ANA WELTER
Toledo/PR
- - - - - -

13º LUGAR
O dia dos namorados
É doce recordação
Para os que são bem casados
Vem somar a gratidão.
JOSÉ GARCIA DE SOUZA
Toledo/PR
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TROVADORES VETERANOS

Âmbito Nacional/Internacional

Tema: "Dia dos Namorados"

VENCEDORES

1º LUGAR
Aquele   " sim "  foi   magia
dos   sonhos  mais   encantados ,
pois  transformou  cada   dia
em "  Dia  dos  Namorados ".
MARIALICE  ARAUJO VELLOSO
São Gonçalo/RJ
- - - - - -

2º LUGAR
Nosso  amor , que  hoje  mantém
 laços  bem  perpetuados ,
 é  tão  grande   e   vai   além
do  "  Dia   dos   Namorados ".
MARIALICE  ARAUJO VELLOSO
São Gonçalo/RJ
- - - - - -

3º LUGAR
Tantos amores passados,
e hoje a solidão me invade…
No dia dos namorados
o meu presente é a saudade!
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP
- - - - - –

4º LUGAR
O amor nos fez quase iguais
depois de estarmos casados...
Assim, cada dia é mais
um dia dos namorados.
LUIZ VIEIRA
Irati/PR
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5º LUGAR
No calendário do amor,
à luz dos apaixonados,
o dia... seja qual for,
é "dia dos namorados"!...
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP
- - - - - -

6º LUGAR
É Dia dos Namorados?
Confesso, nem me dei conta...
Estamos apaixonados
toda vez que o sol desponta!
JERSON LIMA DE BRITO
Porto Velho/RO

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MENÇÕES HONROSAS

7º LUGAR
Há tantos anos casados,
vivendo em paz e harmonia...
o Dia dos Namorados
não tem data, é todo dia.
JESSÉ FERNANDES DO NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ
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8º LUGAR
É "dia dos namorados"...
e a distância, por maldade,
que nos deixa separados,
cria o "dia da saudade"...
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP
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9º LUGAR
Quatro pessoas na cama
(dois filhos em nós grudados)...
e a gente sorri e se ama,
no Dia dos Namorados...
MAGNUS KELLY
São Gonçalo do Amarante/RN
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10º LUGAR
Meu "Dia dos Namorados"
é hoje... amanhã... depois...
- São frutos consolidados
de um plantio feito a dois!
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba, SP
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MENÇÕES ESPECIAIS

11º LUGAR
No Dia dos Namorados,
das juras em tom solene,
que os casais apaixonados
tornem a data perene.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
Juiz de Fora/MG
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12º LUGAR
Nosso amor dá testemunho
do quanto estamos ligados:
todo dia é doze, é junho,
é Dia dos Namorados!
JERSON LIMA DE BRITO
Porto Velho/RO
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13º LUGAR
No Dia dos Namorados
eu te vi a vez primeira.
E ao dia dos “bem casados”
brindamos a vida inteira!
LEONILDA YVONNETI SPINA
Londrina/PR
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14º LUGAR
No Dia dos Namorados,
para que o amor se refaça,
troque os presentes comprados
por atenção... que é de graça.
MANOEL CAVALCANTE
Pau dos Ferros/RN
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15º LUGAR
O mundo anda muito triste
e estamos todos cansados...
Mas que bom que ainda existe
um dia dos namorados!
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
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16º LUGAR
Ah se pudesse a poesia
manter-nos sempre abraçados,
fazendo de cada dia
um dia dos namorados!
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
- - - - - -

17º LUGAR
É dia dos namorados
todo dia em suas vidas,
quando dois apaixonados
têm as vidas sempre unidas.
PLÁCIDO FERREIRA DO AMARAL JÚNIOR
Caicó/RN
- - - - - –

18º LUGAR
No Dia dos Namorados,
juras de eternos amantes,
apagam passos errados;
reacendem traços marcantes...
MAGNUS KELLY
São Gonçalo do Amarante/RN
- - - - - -

19º LUGAR
No Dia dos Namorados,
as flores chegaram cedo;
mas, nos ramos decorados,
teu adeus vinha em segredo.
LILIA MARIA MACHADO SOUZA
Curitiba/PR
- - - - - -

20º LUGAR
Todo aquele que é poeta
compõe versos inspirados
e com beijo os interpreta
no Dia dos Namorados.
LÓLA PRATA
Bragança Paulista/SP
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21º LUGAR
Respeito,  paz e harmonia,
sorte no amor, bem casados.
Para nós dois,  todo dia...
é dia dos namorados!
JOSÉ ARTHUR BASAGLIA  
São Paulo/SP
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22º LUGAR
Embora há tempos casados,
temos do amor, tal magia,
que o dia dos namorados
para nós é todo dia.
CEZAR AUGUSTO DEFILIPPO
Astolfo Dutra/MG
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23º LUGAR
Duas vidas, venturosos,
olhares apaixonados...
Celebra o casal de idosos
o Dia dos Namorados.
JESSÉ FERNANDES DO NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ
- - - - - -

24º LUGAR
A velhice, por magia,
   nos mantém apaixonados,
   transformando cada dia,
   no Dia dos Namorados!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP
- - - - - -

25º LUGAR
As doces recordações
dos dias dos namorados
amargam nos corações
dos amantes separados.
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 399

 


Carina Bratt (Quase)


Para Luiz Fernando Veríssimo a quem atribuíram um ‘Quase’, que ele jura de pés juntos que nunca  escreveu.
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Não fosse por ele, o QUASE, eu não estaria mais aqui. Acho que em nenhum lugar. Ao menos, respirando, sorrindo, curtindo e vendo a vida em toda a sua plenitude, beleza e graça, formosura e elegância. Não fosse por ele, Meu Deus!...

Não fosse por ele, o QUASE, com a sua velhacaria e altivez, sua percepção e esperteza, sua dedicação e carinho, agora, neste momento, eu estaria sozinha, solitária, vagando feito uma peregrina desmiolada nos trópicos malditos.

Certamente, para variar, com o coração em frangalhos, batendo descompassado, desvairado, numa espécie de arritmia tresloucada, como uma palpitação desconexa, sem saber o que fazer, que atitude tomar, e pior de tudo, por qual caminho seguir, e o mais importante ainda: como ir em frente, avançar, seguir, seguir, seguir e seguir...

Exatamente: seguir. Eis o ponto. Seguir, caraca, para onde?! Foi e quero crer nisto. Foi por ele, foi por ele sim, pelo QUASE, num raro momento de conformação interior que consegui me manter em pé.

Algo, reconditado em meu interior, que deveria ter se apagado, permaneceu inalterado, intocadamente camuflado. Em nenhum momento se melindrou, nem se feriu, como aquela florzinha virgem, ainda não totalmente socializada pelo frescor de outras plantas do imenso jardim que floresce e cerca a nossa primavera de modo particular.

Todas nós temos uma primavera eterna em nossas vidas. Apenas, por questões outras, pela miopia catastrófica da nossa cegueira, não conseguimos divisar ou entrever, perceber e descortinar de uma vez para sempre, como seria o certo e o justo.

Por isso, euzinha entrava e saia, saia e entrava, numa espécie de labirinto intrínseco e despropositado. Me via alvoroçada, desordenada, confusa, balburdiada, literalmente acorrentada num semi-escuro seguindo como uma 'nômada', sem destino certo, sem saber para onde ir, tipo um barco sem rumo, à deriva, prestes a ser engolida por um mar raivoso.

O mar é um eterno ser tristonho, como uma pessoa que vive a choramingar. Furioso e malvado, o mar em seu oceano de águas, espanca as pedras do litoral que bloqueiam o seu passar. Daí, viver se lastimando para o sol radiante e o luar feérico, dizendo que não se acalmará jamais.

Neste tom de cores, as mais variadas que enfeitam meu agora mítico, confesso, não fosse por ele, repito, não fosse por ele, o QUASE prestimoso e amável, diligente e benéfico, eu continuaria encarcerada em meus medos e ansiedades, voragens e fobias, pavores e receios, deixando de perceber o mais importante: atrás de mim, logo ali, ao meu alcance (bastava me virar). Havia um milagre.

Eu não perdi  tempo. Me virei. Sem pestanejar, me virei e estava, ou melhor, percebi que havia às minhas costas um mundo envolvente, calmo, tranquilo, espetacular, me esperando, me aguardando, me vigiando, de braços abertos, apesar de meus escuros tenebrosos e de meus pavores e assombramentos, fraquezas e sobressaltos. Eis o milagre celebrado em todo o seu arrojo e, bravura, galhardaria e generosidade.   

Não canso de repetir e o farei infinitamente enquanto a vida eu tiver. Foi por ele, por ele foi, quase perdida a lembrança de tudo, incluindo a magia de eu ter regressado um passo à retaguarda. Foi por ele, sem sombra de dúvidas, que estanquei meus passos, por ele me virei e a minha estrada voltou a ser como dantes.

Asfaltada por novos sonhos, coberta por quimeras ainda não vívidas; pavimentada por esperanças e devaneios; idealidades e afigurações que nem eu mesma pensava existirem dentro de meu âmago.

De repente, como um pássaro aprisionado que o destino abriu a portinhola da gaiola, eu escapei de todos os malefícios, de todos os dissabores e corri pressurosa num mavioso voo esguio. Graças ao QUASE.

Descobri, em todas nós, meninas e mulheres, jovens e não jovens, mais hoje ou amanhã, ainda que demore o depois, não importa. Seremos beneficiadas pelo QUASE. Sempre haverá um à nossa espreita, esperando o momento certo de nos levar para cima, de nos fazer aflorar para a vida plena.

Devemos esquecer o sombrio ‘QUASE morri; QUASE caí na besteira de fechar a porta para a felicidade; o lastimoso QUASE desisti de meus sonhos; o insondável QUASE fui à ruína de minha vida inteira; o degradante QUASE me atirei da ponte buscando a morte num suicídio agourento, cruel, danoso, inevitável e decisivamente letal...’.

O suicídio em meu entendimento, é visto pelos fracos como uma luz muito forte e intensa, todavia, acesa no fim de um túnel imaginário. Quando tudo parece sombrio, devemos pensar no QUASE como uma dádiva inesperada, uma porta secreta de escape, como uma rota de fuga que se fez materializada.

‘QUASE fui, o QUASE, entretanto, me salvou.’ Em resumo, o QUASE para mim, ou melhor posto, para nós, para todas nós, deve ser sempre encarado como um alento, uma bafagem  de robustez um misto de sonhos e realidades, entusiasmos e animações, com fartos recheios de alegrias e júbilos, euforias e exultações. Me empolguei tanto com o QUASE que quase me esqueci de colocar um ponto final. Pronto. Ponto final. Domingo que vem  eu volto.

Fonte:
Texto enviado por Aparecido Raimundo de Souza. .

Arquivo Spina 15 (Maura Luza Martins Frazão)

 


Rubens Luiz Sartori (Aposentadoria em Versos)


Excelentíssimo senhor
doutor Gilberto Giacota,
digno geral-procurador,
onde o 'parquet' se apóia:

Venho por meio desta,
à augusta procuradoria;
chapéu tapeado na testa,
pedir a aposentadoria.

Cumpri minha sina gaudéria,
fui promotor trintenário.
Sempre esclareci a matéria.
Sempre cumpri meu horário.

Comecei nos anos setenta,
com a máquina manual,
sem ter telefone, nem fax,
faltava até material.

Iniciei por Marialva;
não conto nada por prosa.
Trabalhei em São Jerônimo,
fui o primeiro de Barbosa.

No começo dos oitenta,
eu fui pra Engenheiro Beltrão,
lá eu fiquei por três anos,
e mais de quinze em Campo Mourão.

Campo Mourão, com amor,
abrigou-me desde piá:
de açougueiro a promotor.
Os meus ossos guardará.

Termino aqui em Maringá,
boa terra onde me formei;
meu filho hoje cá está,
no Direito que lhe ensinei.

Para minha filha caçula,
que dos dezoito já passou,
e vai ser Engenheira Química,
a minha benção a ela dou.

Agradeço à minha Jussara,
esposa de bom coração.
Ao seu lado tudo sara,
até a dor da ingratidão.

Ao meu pai, o seu Gastone.
À minha mãe, a dona Olga.
Como som de gramofone,
Casal simples, mas que empolga.

A minha beca desbotada
foi a estola de meu centro;
quanta vez saiu suada,
dos debates noite adentro.
Sai bem rota, mas honrada.

Continuo no magistério,
lecionando na Fecilcam;
ensinando, sem mistério,
o alunado da Comcam.

Sei que é cedo pra ir embora,
mas eu já estou de tardezinha.
Fiz da minh'alma minha espora,
pra cavalgada que é só minha.

Vou-me apenas pra mais perto,
dos meus dias nesta terra.
E saio firme e mui esperto,
para o só meu tempo de espera.

Sempre fui do interior.
Nunca corri em promoção.
Fiz carreira um penhor:
"Ser promotor com paixão".

Deixo o cargo consciente
de que não fui muito brilhante;
porém, sempre independente;
jamais fui inoperante.

Devo tudo o que eu sou
à nossa Instituição;
"até sempre" e a Ela dou,
minha eterna gratidão.

Ao meu Ministério Público,
não desejo dizer adeus.
Quero, e o coração em júbilo,
rogar-lhe a bênção de Deus.

Obrigado, meus colegas,
do trabalho e da verdade;
sempre tenham deste amigo
o respeito e a amizade.

E assim descrito, Excelência,
singelo, e sem rebuscamento,
dê-me ir-me com decência;
dê-me, enfim, deferimento.

Fonte:
Blog da Roberta Carrilho

Malba Tahan (Aprende a Escrever na Areia...)


Dois amigos, Mussa e Nagib, viajavam pelas longas estradas que recortam as tristes e sombrias montanhas da Pérsia. Eram nobres e ricos e faziam-se acompanhar de servos, ajudantes e caravaneiros.

Chegaram, certa manhã, às margens de um grande rio barrento e impetuoso. Era preciso transpor a corrente ameaçadora. Ao saltar, porém, de uma pedra, Mussa foi infeliz e caiu no torvelinho espumejante das águas em revolta.

Teria ali perecido, arrastado para o abismo, se não fosse Nagib. Este, sem a menor hesitação, atirou-se à correnteza e livrou da morte o seu companheiro de jornada.

Que fez Mussa?

Ordenou que o mais hábil de seus servos gravasse na face lisa de uma grande pedra, que ali
se erguia, esta legenda admirável:

Viandante:
Neste lugar, com risco da própria vida, Nagib salvou, heroicamente, seu amigo Mussa

Feito isto, prosseguiram, com suas caravanas, pelos intérminos caminhos de Allah.

Cinco meses depois, em viagem de regresso, encontraram-se os dois amigos naquele mesmo local perigoso e trágico.

E, como se sentissem fatigados, resolveram repousar à sombra acolhedora do lajedo que ostentava a honrosa inscrição. Sentados, pois na areia clara, puseram-se a conversar.

Eis que, por motivo fútil, surge, de repente, grave desavença entre os dois companheiros. Discordaram. Discutiram. Nagib, exaltado, num ímpeto de cólera, esbofeteou, brutalmente, o amigo.

Que fez Mussa? Que farias tu, em seu lugar?

Mussa não revidou a ofensa. Ergueu-se e, tomando tranquilo o seu bastão, escreveu na areia
clara, ao pé do negro rochedo:

Víandante:
Neste lugar, por motivo fútil, Nagib injuriou, gravemente, seu amigo Mussa

Surpreendido com o estranho proceder, um dos ajudantes de Mussa observou respeitoso:

— Senhor! Da primeira vez, para exaltar a abnegação de Nagib, mandasses gravar, para sempre, na pedra, o feito heroico. E agora, que ele acaba de ofender-vos tão gravemente, vós vos limitais a escrever, na areia incerta, o ato de covardia! A primeira legenda, ó xeique!, ficará para sempre. Todos os que transitarem por este sítio dela terão notícia. Esta outra, porém, riscada no tapete de areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido como um traço de espuma entre as ondas buliçosas do mar.

Respondeu Mussa:

— A razão é simples. O benefício que recebi de Nagib permanecerá, para sempre, em meu coração. Mas a injúria... essa negra injúria... escrevo-a na areia, como um voto, para que, se depressa daqui se apagar e desaparecer, mais depressa, ainda, desapareça e se apague de minha lembrança!
* * *

Eis a sublime verdade, meu amigo! Aprende a gravar, na pedra, os favores que receberes, os benefícios que te fizerem, as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvires.

Aprende, porém, a escrever, na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias, que te ferirem pela estrada agreste da vida.

Aprende a gravar, assim, na pedra; aprende a escrever, assim, na areia... e serás feliz.

Fonte:
Malba Tahan. Lendas do deserto. Publicado originalmente em 1929, com prefácio de Olegário Mariano.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 398

 


Arquivo Spina 14 (Antonio Queiroz)

 


Fábulas (A Aranha e o Mosquito)


Um mosquito voava despreocupadamente nos ares, quando se sentiu preso na teia da Aranha. Estava a fazer esforços para libertar-se quando a Aranha se aproximou dizendo-lhe com voz ameaçadora:

- Não se mexa tanto assim, cavalheiro, que acabará quebrando as malhas de seda da minha teia.

- Senhora, ajude-me a libertar-me - pediu o mosquito, delicadamente.

- Está aí uma coisa que não posso lhe fazer - declarou a Aranha. O cavalheiro, invade violentamente a minha propriedade e ainda me pede que eu lhe abra a porta para sair!

- Perdão, senhora, não invadi a sua propriedade Eu vinha voando e, quando dei por mim, estava preso a estas malhas. Foi sem querer.

- Não posso acreditar que, sendo o espaço tão vasto ainda mais para um mosquito, o amigo viesse, sem querer, esbarrar na minha casa.

- Palavra de honra de Mosquito. Não tive intenção de ofendê-la. Não me passou pela cabeça o mais vago propósito de invadir a sua propriedade.

E com a voz mais doce desse mundo:

- Agora, que já dei minhas satisfações necessárias, peço à querida amiga que me ajude a voltar à minha liberdade.

A Aranha replicou imediatamente:

- Vontade não me falta, senhor, mas isso é impossível.

- Por quê?

- Cada um de nós preza o seu nome. O mundo está cheio da boa fama das aranhas. Seria um erro eu destruir essa boa fama, depois de a conquistar com tanto sacrifício.

- Não compreendo.

- Eu o farei compreender. No começo do mundo quando construí a primeira casa, os voadores vinham esbarrar nas minhas malhas, quebrando-as, rompendo-as. Para acabar com tal abuso, resolvi que todo aquele que eu apanhasse nos fios de minha rede, na minha rede ficaria para me servir de alimento. A notícia dessa resolução espalhei-a largamente pelos ares. Não houve quem não tivesse conhecimento dela. Apesar disso, de quando em quando, aqui vêm ter mariposas, pirilampos, libélulas e toda a sorte de bichinhos miúdos. Procedo igualmente com todos. Devoro a todos, todos, sem exceção.

E, arrepiando dignamente os pelos veludosos.

- Ora, se eu puser o amigo em liberdade, que se dirá de mim? Dir-se-á que eu não sei fazer justiça. O cavalheiro, decerto, não quererá que eu fique desmoralizada.

Mal acabou de falar, uma abelha, que voava nas proximidades, ficou presa nas malhas da teia. Em seguida, um besouro. Muito depois, um grilo.

- Está vendo? - disse a Aranha ao mosquito. Todos os que estão ficando presos na rede, da rede não mais sairão. A boa justiça é aquela que é igual para todos.

Naquele momento, um gavião vinha voando rumo da teia.

- Se ele não se desviar, é mais uma vítima, murmurou o mosquito penalizado. E o gavião não se desviou. Rompeu os fios, fez um grande rombo nas malhas, passou e foi-se embora.

Quando o mosquito olhou a Aranha, ela estava num cantinho, encolhida, trêmula e assustada.

- Que foi isso, senhora? bradou o prisioneiro. Não viu nada? Não viu o estrago que o gavião fez na sua casa? Que a reduziu a frangalho?

- Não tem importância. Eu a conserto facilmente.

- Mas ele invadiu a sua propriedade. Que justiça é a sua, senhora? Por que não o aprisionou para a sua mesa, como fez comigo, com a abelha, com o grilo, com o besouro? Fale! Fale!

- Quer saber por quê? Porque não gosto de carne de gavião, respondeu a Aranha com ar de pouco caso.

Moral da Estória:
Aos poderosos tudo se desculpa, aos fracos nada se perdoa.


Fonte:
Universo das Fábulas

Lisete Johnson (1950 – 2020)


1
Ah, o amor não dividido,
sonho não compartilhado...
Será este cão marido
ou um homem acorrentado?
2
Ao teu lado, não sei bem...
São as ondas em seu vagar
ou se é a rede num vai vem
que me dão o céu e o mar?
3
As amizades bonitas,
correntes de abraço estreito,
levo, gravadas em fitas,
no porta-joia do peito.
4
Às vezes, da terra bruta
e de um par de pés no chão
que vêm o exemplo de luta
e ânsias de superação!
5
Até parece mentira
que, na Rede, ao navegar
nas doces notas da lira,
vou, no teu corpo, aportar!
6
Benditas fotografias,
que contam fatos passados,
retalhos de alegres dias,
pelo tempo, costurados!
7
Céu marinho como tela,
verdes, grises, tom carbono…
são tintas de uma aquarela,
pintando as tardes de outono.
8
Embora este andar cansado,
denuncie minha idade,
a menina do passado
baila com facilidade!
9
Em todas minhas passagens
por terras, águas ou trilhos,
Deus, sempre, adorna as paisagens
de flores, de sóis, de brilhos!
10
Enquanto houver um luar
e um sol cheio de esplendor,
há de se ouvir o cantar
da lira de um trovador!
11
Este mundo gira, gira!
Gira tanto, tão veloz!
Ele gira ou é mentira?
Pois quem gira, somos nós!
12
Eu fui deixando um a um
meus vícios e compulsões…
E feliz, hoje, em jejum
me alimento de emoções.
13
Foi graças a seu gingado,
que a garota, um “avião”,
ganhou do “seu” deputado
“baita” cargo em comissão!
14
Franciscos são pregadores
de lumes e boas novas…
Alguns, da fé, são pastores,
outros, pastoreiam Trovas.
(trova para o Prof. Garcia)
15
Inconstância é estar contigo,
tudo tem duplo valor:
busco o amor, encontro o amigo;
busco o amigo, encontro o amor.
16
Marujos em alto mar,
habituados às baleias...
Nas areias... nem pensar!!!
Só querem fisgar sereias.
17
Meu barquinho de papel,
antes que o dia desponte,
zarpará do mar ao céu,
onde repousa o horizonte!
18
Meu gato, todo assanhado,
pelo em pé, todo se estufa,
totalmente apaixonado,
e seduz minha pantufa…
19
Meu desejo percorreu
teu corpo, feito compasso,
circulando o que é tão meu
na geometria do abraço!...
20
Muitos sofrem neste mundo,
por falta de pão e teto,
mas o pesar mais profundo,
é ser carente de afeto.
21
Na feira, o “seu” Manuel:
– Não vendo nada... Pois, pois!
Mas se esgoela: - Olha o pastel,
pague três e leve dois!
22
Não culpe, nunca, o destino
pelas quedas e fracassos.
Não se censura um menino
que cai nos primeiros passos!
23
Não é à força e martelo,
que se esculpe um cidadão!
Constrói-se, até, um castelo,
não caráter, retidão...
24
Não fico mais à mercê
do soar de cada hora,
pois o tempo pôs você
no meu tempo sem demora!
25
No brinquedo “Esconde-esconde”,
eu me escondia tão bem,
que, até hoje, não sei onde,
eu me escondi…E de quem?
26
Nosso amor é, com certeza,
permanente transfusão:
na alma, no leito, na mesa,
ao sugo de um macarrão!!
27
Num arco-íris de cores,
fui descendo de mansinho
sem, se quer, pisar nas flores
que plantaste em meu caminho.
28
Num tropel de evoluções,
a lua, no céu, galopa,
entrelaçando bilhões
de áureas estrelas em tropa!
29
O Jerry, rato travesso,
atazanou tanto o gato,
que virou Tom, ao avesso,
e fez do gato, sapato!
30
Ousada, a Lua assistia
pelas frestas da janela,
nossos corpos, na euforia,
rindo sob os raios dela!
31
"Paloma, blanca paloma",
do nada veio, ao tudo foi,
trouxe a paz, levou a soma
de uma sentença: "Acá estoy!!"
32
Perdão… As ondas pediam
afago às areias do mar,
que, em volúpia, se despiam
com o incessante beijar!
33
Por excesso de vaidade,
de soberba, de altivez,
valores, como a igualdade
estão, hoje, em escassez.
34
Pulsa tanto neste peito,
coração preso e febril,
ao mirar o vago leito
co’a sombra do teu perfil!!
35
Quando criança, eu ficava
olhando o céu, a cismar:
- quem, tão alto, a luz ligava
para acender o luar!
36
Quando me sinto impedida
por problemas iminentes,
o meu Deus me dá guarida
e vai rompendo as correntes!
37
Quando o percurso é distante
e os trilhos correm sem fim,
é bem neste exato instante,
que Deus alia-se a mim!
38
Que monótono seria,
se não houvesse matizes
de cor, de raça , de etnia,
frutos de várias raízes!
39
Quero um abraço apertado,
real ou até da ficção,
de um personagem letrado,
que afague meu coração!
40
Resgatei o meu passado
e a noite outonal de abril
ao ver no espelho embaçado,
a sombra do teu perfil!
41
Se a droga traz euforia...
Como seria melhor
drogar-se só de alegria,
sem lançar mão do pior!
42
Se a pressa fez-me escolher
atalhos e não caminhos,
por certo, só vou colher
em vez de rosas, espinhos…
43
Se, em vez de paredes, pontes
eu tivesse construído,
talvez outros horizontes
teria então percorrido!...
44
Singrei mares de agonia,
lutei contra vendavais,
para achar a calmaria
que só encontro em teu cais.
45
Sol poente e meu veleiro
diz adeus aos coquerais...
Voa livre, aventureiro,
à procura de outros cais!
46
Tempos de patriotismo,
inspiram até meu olhar:
na paisagem há lirismo
e a bandeira a tremular!
47
Teu beijo, bombom cremoso
de conhaque com anis,
é o manjar mais saboroso
que minha boca já quis!
48
Teu corpo, lânguida estrada,
percorro com meu desejo,
no asfalto da madrugada,
na trilha de cada beijo!
49
Um larápio, bem “pé-frio”,
ao fugir de um cachorrão,
escolheu, logo, o desvio
que acabava na prisão!…
50
Voltem riso e traquinagem
ao lar informatizado!!
A vida pede passagem
para o marasmo instalado!

Fonte:
Colaboração de Alexandre Magno Andrade de Oliveira Reis (Cruz Alta/RS)

Aparecido Raimundo de Souza (Parte Vinte e Um) Fora dos trilhos


ALOÍSIO PEGARIA o trem às sete e trinta da manhã de sexta-feira, impreterivelmente. Nenhum minuto a mais, nem a menos. Preparou as malas. Reviu item por item o que pretendia levar na bagagem. Dormiria cedo. Nada de televisão, esta noite. Antes de se recolher botou o celular para despertar às cinco. Ligou para Ana, sua noiva. Meia dúzia de palavras. Dia seguinte teriam mais de quinze horas para ficarem juntos num passeio que prometia ser inesquecível. Trocaram carinhos. Beijos e juras de amor. O essencial para manter acesa a chama do coração. Desligaram simultaneamente com um meloso “boa noite, durma bem. Te amo”.

***

Às cinco horas em ponto, o celular despertou Aloísio de um sono gostoso. Pulou da cama ligeiro e correu para o banheiro. Fez a barba, tomou banho, vestiu as roupas novas que havia comprado. Discou para a noiva às cinco e trinta. Ela estava pronta, esperando a ligação:

— Falta só engolir o café que a mãe fez, amor, e comer um pãozinho com manteiga.

— O trem sai às sete e meia em ponto.

— Legal. Estarei lá.

— Então, até...

— Até.

— Te amo!

— Eu também.

***

Do bairro onde ficava a casa de Aloísio até a estação, meia hora. Dava para fazer o percurso a pé, caso optasse por não pegar ônibus lotado. Talvez, por isso, Aloísio tenha, realmente, resolvido caminhar. Geralmente, àquela hora, apesar de ser o último dia útil, os passageiros dos coletivos andavam iguais a sardinhas em lata. O quadro não mudava nunca. Somado a isso, o inconveniente da galera, aglutinada (apesar do desodorante e do perfume baratos), conservava os sovacos cheirando a bacalhau apodrecido. Pensando nesses contratempos, saiu e se pôs em marcha, com uma boa margem de antecedência. Quando Ana saltou, do outro lado da pista, ele igualmente descia as escadas de acesso à estação ferroviária, trazendo, à reboque, uma bolsa enorme. Foi a jovem quem o avistou primeiro. Levantou os braços e gritou:

— Beeeeeem... Espere.

Aloísio ouviu a voz da consorte na segunda chamada. Deteve os passos. Ana cruzou a avenida movimentada, usando a passarela enorme que se estendia de um lado a outro, indo afluir, de frente, ao átrio de embarque. A sombra da beldade passava por cima dos ônibus e carros com tanta velocidade, que sequer dava para ver ou medir o tamanho da sua euforia delineada no asfalto abarrotado de rodas e pneus. Depois de um amontoado de beijos e abraços à volta ao mundo real:

— Vamos nessa?

— Demorô.

— Que horas?

— Sete em ponto.

— Temos ainda trinta minutos.

— O trem nem encostou...

— E não chegou muita gente, pelo visto.

— Mas observe que está tudo aberto.

— Percebi.

— Dá tempo pra comprarmos alguma coisa pra comermos pelo caminho, se você quiser. Embora eu ache que não seja preciso. Mamãe fez cachorros quentes e sanduíches de mortadela e queijo.

—Tem razão, amor. Vamos economizar. Sua sogra mandou frutas, biscoitos e dois litros de refrigerantes, além daquele bolo de chocolate que faz você lamber os beiços.

***

O chefe da estação, de andar lento e cansado (lembrava o velho e obeso sargento Garcia da série Zorro) barrou os dois à roleta de acesso à plataforma:

— Bom dia, meus amados. Vocês dois pretendem ir para onde?

— Pegar o trem.

Risos.

— O trem? Meus filhos, a esta hora ele está bem longe daqui. Outro, agora, só amanhã...

— O trem partiu? Como? O horário de saída não é às sete e trinta?

— Perfeitamente. Só tem um probleminha: que horas no seu relógio?

— Sete e vinte.

— E no seu, moça?

— Sete e dezenove.

— Desculpe. São oito horas e vinte e cinco minutos. Só para lembrar aos pombinhos: o horário de verão começou ontem, à meia noite. Pelo visto, vocês dois empacaram no horário velho. Posso dar uma sugestão? Troquem os tiquetes para amanhã, ou se preferirem, para o próximo final de semana. Os valores pagos não se perdem. Valem por um ano.

— Oh my God!...

— Não acredito! Amor, que mico. Racha a cara!...

Aloísio, na verdade, se esquecera de adiantar os ponteiros. Ana também, levada pela euforia de saber que passaria um final de semana inteiro com seu príncipe encantado. Vencido o impacto do primeiro choque, e depois de trocados os bilhetes, ambos se retiraram cabisbaixos e chorosos, procurando refúgio na onda gigante da tristeza frustrante que de repente os envolveu.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor

domingo, 4 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 397

 


Zaé Júnior (Caderno de Trovas)


Ao cumprir o meu dever
de filho, de pai, de irmão,
aprendi que compreender
vale mais que ter razão!
- - - - - -
A ternura que deixaste,
pai, qual herança tão nobre,
deixou-me na alma o contraste
de ser rico... sendo pobre!
- - - - - -
Brilhando ao sol, em cascata,
as águas, fazendo festa,
jorram confetes de prata
no carnaval da floresta!
- - - - - -
Cansado, mas com coragem
de continuar a jornada,
a vida é a minha bagagem,
que vou deixando na estrada!
- - - - - -
Com pena das minhas penas,
tais penas o assum levou,
e apenas penas pequenas
das próprias penas deixou!
- - - - - -
Copiando os astros distantes,
o sereno, em seus desvelos,
pousa estrelas de diamantes
na noite de teus cabelos!
- - - - - -
Depois da chuva inclemente,
levando um pássaro morto,
o ninho, na água corrente,
é nau fantasma e sem porto!
- - - - - -
Depois do amor sem censura,
nossos agrados sutis,
dizem coisas de ternura
que a nossa boca não diz!
- - - - - -
Dividindo, sem paixão,
tudo o que nos pertenceu,
levaste o teu coração,
mas não me deixaste o meu!
- - - - - -
Do teu perfil, na verdade,
só podes ver um pedaço,
pois para a tua vaidade,
o espelho tem pouco espaço!
- - - - - -
Em frente à perfumaria,
enquanto o ônibus espera,
pergunta o cego ao seu guia:
- Já chegou a primavera?
- - - - - -
Em silêncio vejo pura,
disfarçada em teu olhar,
a lágrima de ternura
que não querias chorar!
- - - - - -
E quando o inverno chegar,
saudosos, em seus desvelos,
meus dedos irão esquiar
na neve dos teus cabelos!
- - - - - -
Fiz da vida um labirinto,
do qual, se eu tento escapar,
quanto mais fujo, mais sinto
que estou no mesmo lugar!
- - - - - -
Há quem renove a esperança
e com promessas se iluda...
mas o Ano Novo é mudança,
que em verdade nada muda!
- - - - - -
Herói, que vence o cansaço
da vida em rude batalha,
tem no peito um marca-passo,
sua invisível medalha!
- - - - - -
Lembra? Eu brincava de Rei,
você... de escrava brincava;
do meu sonho hoje acordei,
escravo de minha escrava!
- - - - - -
Manhã... a geada caindo...
Mas se do inverno estou farto,
beijo os teus olhos se abrindo
e é primavera em meu quarto!
- - - - - -
Meu barraco, sem queixume,
fiz com redes de cipós...
mas a vida, com ciúme,
um a um desfez os nós!
- - - - - -
Meu cirquinho no quintal
era um circo de verdade;
na infância, não tinha igual
nem tem igual na saudade!
- - - - - -
Meu pai, a tua bondade,
que nos deu pão na pobreza,
é agora a farta saudade
que se serve em nossa mesa!
- - - - - -
Meu reino é um casebre antigo
onde um sol, sem majestade,
vem, de cócoras comigo,
aquecer minha saudade!
- - - - - -
Na Academia onde moram,
em sussurrante coral,
os imortais também choram
a morte de um imortal!
- - - - - -
Na existência dividida
pela incompreensão da idade,
se não te encontrei em vida,
te encontro, pai, na saudade!
- - - - - -
Na infância a gente brincava,
eu de sol, você de lua...
e o universo começava
e acabava em nossa rua!
- - - - - -
Não me agrada a falsa glória
que o jogo da vida tem,
pois sei que toda vitória
sempre é derrota de alguém!
- - - - - -
Não queiras cobrar com sangue
o mal que te machucou,
pois o mal é um bumerangue
que volta à mão que atirou!
- - - - - -
Na penumbra, sobre a toalha,
vultos que a vela produz
mostram que a sombra não falha,
por menor que seja a luz!
- - - - - -
No meu palco de ilusão,
quando se fecha a cortina,
ao terminar a sessão,
a ilusão nunca termina!
- - - - - -
No princípio, a solidão,
mas tu voltaste... e depois,
não coube em meu coração,
o que restou de nós dois!
- - - - - -
O atalho me leva à ermida,
a ermida me leva a Deus;
e Deus me leva à outra vida,
que a levou dos olhos meus!
- - - - - -
O bonde rangeu nos trilhos,
meu pai desceu, não sei onde...
Seguimos, a mãe e os filhos,
sozinhos no mesmo bonde!
- - - - - -
O chão não é de ninguém
nem do seu "dono", um instante;
do chão os homens só têm
sete palmos... e é o bastante!
- - - - - -
O meu sonho é um passarinho,
que de voar ficou farto
e acabou fazendo o ninho
na janela do meu quarto!
- - - - - -
O poeta mais que o soldado,
se quiser ser vencedor,
terá que amar, ser amado,
e só perder por amor!
- - - - - -
O tempo é como a caverna,
que não tem volta nem fundo,
onde a vida, que é eterna,
dura apenas um segundo!
- - - - - -
Ouço a melodia amena,
que vem do cosmos disperso
e minha alma, tão pequena,
ganha amplidão de universo!
- - - - - -
Plantando a vida se cansa...
e o caboclo, sem espaço,
colhe tão pouca esperança,
que não vale o seu cansaço!
- - - - - -
Quando a saudade é saudade,
saudade que faz penar,
saudade é felicidade
que se foi e quer voltar!
- - - - - -
Quando a seresta termina
sob o lampião do jardim,
a solidão, em surdina,
toca apenas para mim!
- - - - - -
Quem perde o tempo não sabe
que perde a vida também,
pois jamais a vida cabe
no tempo que a gente tem!
- - - - - -
Queres ferir-me gritando,
mas em soluços aflitos,
os teus murmúrios chorando
me ferem mais que teus gritos!
- - - - - -
Sagrado seja esse chão
no qual rezando, o roceiro
planta o próprio coração,
para a fome do ano inteiro!
- - - - - -
Se descobrir é preciso,
mais preciso é navegar;
"Terra à vista"... e um paraíso
floresceu além do mar!
- - - - - -
Sem abrigo, ao vento forte,
sem jardim e sem escolha,
sou frágil trevo sem sorte
à espera da quarta folha!
- - - - - -
Sem família, na orfandade,
aprendi triste lição;
quanto mais dói a saudade,
menos dói a solidão!
- - - - - -
Sem fronteiras, num só laço,
os homens são mais felizes,
pois a Terra, lá do espaço,
não se divide em países!
- - - - - -
Seu regresso foi surpresa,
pois já ninguém o esperava;
nem sentou... tinha outro à mesa,
na cadeira em que sentava!
- - - - - -
Teu olhar azul celeste
só sabia dizer não;
tantos não azuis disseste,
que azul virou poluição!
- - - - - -
Vovó, desfiando o rosário
das peraltices que fez,
foi zerando o calendário,
virou criança outra vez!

Fonte:
Zaé Junior. Pássaro Aprendiz: 1001 trovas.

Zaé Junior (1929 – 2020)


Zaé Mariano Carvalho de Nascimento Junior é o nome inteiro de Zaé Junior.

Nascido em Botucatu, interior de São Paulo, em 8 de junho de 1929, mas na década de 1930 mudou-se para a capital paulista. Desde os 10 anos fazia sonetos a 4 mãos com seu pai. A música também entrou em seu coração e Zaé aprendeu sozinho a tocar violão e piano.

Gostava também de desenhar e com isso ganhava uns “trocados”, para ir ao cinema ou algum passeio. Fazia “caricaturas”. Adorava desenhar, mas trabalho prá valer foi na Serviços Holerit, desenhando letras muito miúdas, para pagamento de funcionários públicos. Zaé estava com 14 anos. Passou depois a fazer “histórias em quadrinhos”, pequenos trabalhos em revistas. Em seguida foi para a Rádio Cosmos, e depois para a Rádio Gazeta. Ao mesmo tempo cursava Filosofia na USP. Casou-se cedo, com uma colega de faculdade e tiveram duas filhas: Cibele e Cilena. Prestou concurso público para a rede estadual de ensino e tornou-se professor.

Aí já estava na televisão. Esteve na Tupi, onde produziu nos anos 1950, o “Capitão Estrela”, na Excelsior, na Record, indo em seguida para uma agência de publicidade.

E foi aí que o rapaz eclético encontrou seu grande campo: no departamento de criação de várias agências. Sua vida sempre foi inteiramente louca: dava aulas à noite, trabalhava em mais de um jornal ao mesmo tempo, escrevia para revistas, trabalhava em rádio, em televisão e em agências de publicidade. Cinema de propaganda criou e dirigiu mais de 2000 trabalhos. Dentre eles alguns ficaram famosos e permaneceram anos no ar.

Fez também muitos roteiros para televisão, inclusive para a TV Globo. Criou e dirigiu sua própria agência: a Promark Propaganda e Marketing, desde 1973. Zaé Junior também compôs músicas, sendo que uma delas, gravada pela Odeon, foi o disco mais vendido em 1965.

Sempre esteve na cúpula intelectual das emissoras de televisão e das agências de publicidade em que trabalhou. Em 1961, entrou para a agência McCann Erickson. Lá, veio a oportunidade de supervisionar um horário de telenovelas da TV Excelsior, que apresentou sucessos como “A Deusa Vencida”, escrita por Ivani Ribeiro e dirigida por Walter Avancini. Na época, foi pioneiro em compor trilhas de novelas. Escolheu grandes astros e estrelas, entre eles Regina Duarte que lançou na novela “A Deusa Vencida”.

Ao longo da trajetória, também lecionou na Escola Superior de Propaganda e Marketing, na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e na primeira turma da Escola de Comunicações e Artes da USP.

Ana, a neta dele o descreve como teimoso. “A teimosia dele era uma forma de resistir. Não aceitava a idade que tinha e lutava para continuar sendo independente.”

Zaé também deixou marcas na imprensa brasileira. Escreveu para a extinta revista O Cruzeiro e para alguns jornais. Foi um dos fundadores do Museu da Televisão e autor de quatro livros: o infantil “A Gruta Misteriosa”, o de trovas “O Pássaro Aprendiz”, e dois de poesias: “O Homem e seu Quintal” e “Fugaz Eternidade”. “O homem e seu quintal” recebeu muitos elogios de Vinicius de Moraes, que sobre ele disse: “Zaé é poeta inteiro, dos grandes”.

Zaé Júnior sofria de mal de Alzheimer, mas nunca se entregou à doença. Ele morreu dia 20 de agosto de 2020, de broncopneumonia.

Fontes:
Museu da TV
Folha de São Paulo