terça-feira, 27 de outubro de 2020

Luiz Otávio (Um Coração em Ternura…) 5


A DESVENTURA É UMA ESCOLA...

Ao meu médico e amigo Dr. Francisco Gugliotti

A Desventura é uma Escola, ..
Curso de Aperfeiçoamento...
Dá Serenidade à alma,
e ao coração — sentimento...

Tenho vários companheiros
na minha infelicidade;
Inquietação, Incerteza,
mais o Silêncio e a Saudade…

O silêncio é doce amigo;
tenho-lhe grande amizade.
Mas dos outros não gostei.
Principalmente a Saudade…

A Saudade é implicante,
tem jeito dissimulado...
 Não sendo amiga da gente,
vive sempre ao nosso lado...

A desventura é uma Escola,
nem útil, não nego não...
Mas quem dera que chegasse
o dia da "Colação"...
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AO CREPÚSCULO

No meu quarto a brisa sopra
e a lâmpada rodopia…
O crepúsculo se insinua
bem de leve... Finda o dia...

Toca o Rádio... É Beethoven
numa triste melodia...
No meu peito sinto leve
agulhada, fina e fria…

Eu tão moço! Que tristeza!,..
E esta doce melodia,
a avivar minha incerteza
neste triste fim de dia!…
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CULPEM A VIDA...

"Deixa a tristeza de lado,
este tom sempre magoado,
de um Tempo que já morreu...
Este lirismo, hoje pobre,
do poeta Antônio Nobre,
de Casimiro de Abreu..."

…Mas nunca tem culpa a gente,
da vida que se viveu…
Eu não quis ficar doente...
Nem fiz o Destino meu...

Os meus versos são apenas,
reflexos de minhas penas,
o que eu já sofri enfim;
se lembram Nobre um momento,
culpem ao meu sofrimento,
à minha Dor... não a mim!…
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DESÂNIMO

Então é o fim? Ou fugirei ainda
de tão horrendo leito — a sepultura!?
Se aqui há tanto sol, e a vida é linda,
mais dói esta partida prematura…

E esta constante dúvida não finda:
"Meu Deus eu morrerei? Eu terei cura?"
Não é justo colher a flor que ainda
há de ser fruto, — a vida não madura…

Quase sempre nós temos um ideal;
e em sua busca tenho sido um forte!
Porém agora a luta é desigual,

e eu temo muito pela minha sorte!
Pois sei que é bem traiçoeiro este meu mal
e é sorrateira muito mais a morte...
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PERSISTÊNCIA

Se hoje, até velhos castelos,
bombas podem arrasar,
quanto mais os meus castelos
arquitetados no ar!...

Porém, por mais que estes dias,
sejam cruéis, intranquilos,
por mais também que os destruam,
tornarei a construi-los…
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POBRE LUIZ!

E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

…Quem sabe se ouço a voz desse soldado,
que eu vejo — com o olhar cheio de mágoa
perdido no Deserto ensolarado,
a pedir, quase morto, um pouco d'água!?

... Quem sabe se ouço a voz dessa velhinha,
que lá de sua tão longínqua terra,
pensa no filho e reza — coitadinha! —
para que acabe bem depressa a guerra!?...

...E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

…Quem sabe se ouço imprecações de Dor,
gemidos ou tremores de receio,
ou o barulho estranho de um motor,
de algum soturno avião de bombardeio!?

…Quem sabe (e eu a pensar sinto a mão fria!)
você, amor, que vive tão distante,
julga talvez que estou em agonia,
e pensa em mim agora nesse instante!?...

...E nessa agitação, nesse abandono,
sinto que alguma coisa de anormal,
me faz perder completamente o sono...

E amanhã, quando então sair, já dia,
de face branca e com olhar bem fundo,
hei de escutar, em frases de ironia,
a voz tola e inconsciente desse mundo:
"Se não deixar de vez esta boêmia,
verá bem cedo seu tristonho fim!"
"Sempre trocando a noite pelo dia,
vai muito mal, vai muito mal assim!"
"Está tão magro e pálido o infeliz!"
"Estas noites perdidas em orgia!
Pobre Luiz!"
— Oh! sim, pobre Luiz...

Fonte:
Luiz Otávio. Um coração em ternura…: poesias. RJ: Irmãos Pongetti, 1947.

Contos e Lendas do Mundo (Entre as Rosas)

Era final de inverno...

Mais um ano havia passado e não se chegara a nenhuma conclusão.

Os partidários das diversas facções, dia após dia, perdiam-se em longas e intermináveis discussões sobre esta ou aquela candidata, sem chegarem a um consenso.

Decantava-se a beleza da papoula, as qualidades das alfazemas, o perfume dos cravos, as virtudes de pureza e humildade de lírios e violetas.

Tudo em vão. Num canto despretensioso do mundo, onde as espécies vegetais cresciam silenciosamente, um pequeno arbusto travava sua luta diária pela sobrevivência, alheio a toda sorte de discussões.

Conformada com sua forma tosca, retorcida, prenhe de espinhos pontiagudos e consciente de que nunca alcançaria a beleza de um dente-de-leão, acostumara-se a ser desprezada e humilhada, sem no entanto deixar de prestar atenção nas pequenas criaturas que dependiam de sua existência para sobreviver.

A elas dedicava a sua vida, emprestando a segurança de seu tronco e ramos para abrigar insetos das chuvas e ventanias.

Era feliz, pois, se não tinha a beleza, tinha a utilidade, e isso lhe bastava.

Naquela manhã fria de final de invernia, ainda não totalmente desperta da noite, a plantinha rude viu despregar do céu uma linda estrela cor de prata. Sorrindo, acompanhou-lhe a trajetória em arco perfeito pelo céu escuro, descendo, descendo, em direção à floresta ainda adormecida. Era tão suave e linda aquela forma que, instintivamente, todos na floresta: árvores, arbustos, pássaros e flores, acordados pela luz repentina, curvavam-se para vê-la passar.

A estrela flutuou entre sorrisos, agradecendo a simpatia da floresta, até chegar perto do arbusto cheio de espinhos.

Aproximou-se lentamente da plantinha e falou-lhe docemente.

- Não te inscrevestes na eleição da rainha das flores, por isso vim pessoalmente buscar-te.

– Mas, senhora - gaguejou a planta - eu? Como posso aspirar a ser rainha de qualquer coisa, não vês o quanto sou feia?

- O Senhor da vida ordenou-me que viesse buscá-la.

- Se este é o seu desejo, aqui me tens, senhora.

E partiram em um rastro de luz, na direção do conselho das flores.

As demais candidatas riram-se da pretensiosa intenção daquele feio arbusto.

A plateia silenciou quando entrou no ambiente a primavera, anunciada pelo som de mil clarins.

O arbusto, espantado, reconheceu a estrela que a trouxera até ali.

- Então, senhores conselheiros - questionou a primavera - o Senhor da vida deseja saber se já encontraram a legítima representante de Seu reino!

- Não, senhora. Estávamos para decidir-nos, quando fomos interrompidos pela vaidade dessa planta sem qualidades que aí está. Veja! Quanta ousadia!

A primavera voltou-se para a plantinha que chorava de vergonha e humilhação e perguntou:

- O que mais desejas nesta vida?

E a planta respondeu entre lágrimas.

- Amar e ser amada.

A primavera, então, tocou os galhos espinhosos e, logo, botões surgiram dos galhos seminus, abrindo-se em mil pétalas sedosas, de perfume inesquecível.

– Qual é o teu nome? - perguntaram todos.

- Eu sou a Rosa.

Moral da Estória:
Quando o amor tocar os espinheiros do mundo, as rosas brotarão em cada alma.

Fonte:
Universo das Fábulas

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 419

 


Daniel Maurício (Poética) 7

 

Lygia Fagundes Telles (Então, Adeus!)


Isto aconteceu na Bahia, numa tarde em que eu visitava a mais antiga e arruinada igreja que encontrei por lá, perdida na última rua do último bairro. Aproximou-se de mim um padre velhinho, mas tão velhinho, tão velhinho que mais parecia feito de cinza, de teia, de bruma, de sopro do que de carne e osso. Aproximou-se e tocou o meu ombro:

— Vejo que aprecia essas imagens antigas — sussurrou-me com sua voz débil. E descerrando os lábios murchos num sorriso amável: – Tenho na sacristia algumas preciosidades. Quer vê-las?

Solícito e trêmulo foi-me mostrando os pequenos tesouros da sua igreja: um mural de cores remotas e tênues como as de um pobre véu esgarçado na distância; uma Nossa Senhora de mãos carunchadas e grandes olhos cheios de lágrimas; dois anjos tocheiros que teriam sido esculpidos por Aleijadinho, pois dele tinham a inconfundível marca nos traços dos rostos severos e nobres, de narizes já carcomidos… Mostrou-me todas as raridades, tão velhas e tão gastas quanto ele próprio. Em seguida, desvanecido com o interesse que demonstrei por tudo, acompanhou-me cheio de gratidão até a porta.

— Volte sempre — pediu-me.

— Impossível — eu disse. — Não moro aqui, mas, em todo o caso, quem sabe um dia… — acrescentei sem nenhuma esperança.

— E então, até logo! — ele murmurou descerrando os lábios num sorriso que me pareceu melancólico como o destroço de um naufrágio.

Olhei-o. Sob a luz azulada do crepúsculo, aquela face branca e transparente era de tamanha fragilidade, que cheguei a me comover. Até logo?… “Então, adeus!”, ele deveria ter dito. Eu ia embarcar para o Rio no dia seguinte e não tinha nenhuma ideia de voltar tão cedo à Bahia. E mesmo que voltasse, encontraria ainda de pé aquela igrejinha arruinada que achei por acaso em meio das minhas andanças? E mesmo que desse de novo com ela, encontraria vivo aquele ser tão velhinho que mais parecia um antigo morto esquecido de partir?!…

Ouça, leitor: tenho poucas certezas nesta incerta vida, tão poucas que poderia enumerá-las nesta breve linha. Porém, uma certeza eu tive naquele instante, a mais absoluta das certezas: “Jamais o verei.” Apertei-lhe a mão, que tinha a mesma frialdade seca da morte.

— Até logo! – eu disse cheia de enternecimento pelo seu ingênuo otimismo.

Afastei-me e de longe ainda o vi, imóvel no topo da escadaria. A brisa agitava-lhe os cabelos ralos e murchos como uma chama prestes a extinguir-se. “Então, adeus!”, pensei comovida ao acenar-lhe pela última vez. “Adeus.”

Nesta mesma noite houve o clássico jantar de despedida em casa de um casal amigo. E, em meio de um grupo, eu já me encaminhava para a mesa, quando de repente alguém tocou o meu ombro, um toque muito leve, mais parecia o roçar de uma folha seca.

Voltei-me. Diante de mim, o padre velhinho sorria.

— Boa noite!

Fiquei muda. Ali estava aquele de quem horas antes eu me despedira para sempre.

— Que coincidência… — balbuciei afinal. Foi a única banalidade que me ocorreu dizer.— Eu não esperava vê-lo… tão cedo.

Ele sorria, sorria sempre. E desta vez achei que aquele sorriso era mais malicioso do que melancólico. Era como se ele tivesse adivinhado meu pensamento quando nos despedimos na igreja e agora então, de um certo modo desafiante, estivesse a divertir-se com a minha surpresa. “Eu não disse até logo?”, os olhinhos enevoados pareciam perguntar com ironia.

Durante o jantar ruidoso e calorento, lembrei-me de Kipling. “Sim, grande e estranho é o mundo. Mas principalmente estranho…”

Meu vizinho da esquerda quis saber entre duas garfadas:

— Então a senhora vai mesmo nos deixar amanhã?

Olhei para a bolsa que tinha no regaço e dentro da qual já estava minha passagem de volta com a data do dia seguinte. E sorri para o velhinho lá na ponta da mesa.

— Ah, não sei… Antes eu sabia, mas agora já não sei.

Fonte:
Figuras do Brasil. 80 autores em 80 anos de Folha. SP: Ed. Publifolha. Folha de São Paulo.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 6


adminimistério
 
Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.

Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?
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a lei do quão

Deve ocorrer em breve
uma brisa que leve
um jeito de chuva
à última branca de neve.
Até lá, observe-se
a mais estrita disciplina.
A sombra máxima
pode vir da luz mínima.
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aviso aos náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
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o mínimo do máximo

Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
apenas o mínimo
em matéria de máximo.
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saudosa amnésia

a um amigo que perdeu a memória

Memória é coisa recente.
Até ontem, quem lembrava?
A coisa veio antes,
ou, antes, foi a palavra?
Ao perder a lembrança,
grande coisa não se perde.
Nuvens, são sempre brancas.
O mar? Continua verde.

Fonte:
Paulo Leminski. Distraídos venceremos. Publicado em 1987.

Aparecido Raimundo de Souza (Parte Vinte e Cinco) Quando a Desculpa da Muleta é o Aleijado


O TELEFONE TOCOU DEZ VEZES. Na décima primeira, o sujeito atendeu:

—  Alôaaa...

O que ligava estava agastado e super nervoso. Pê da vida. Xingou o cara para quem telefonava, dos pés a cabeça. Só não chamou o desgraçado de santo. O que atendeu, ao contrário, se achava super tranquilo e de bem com a vida:

— Mexerica, seu filho de uma égua. Por que demorou atender? Infeliz, você nem imagina a minha preocupação. Quase tenho um piripaque.

— Fala ai, Polvilho. Fica calmo. Estava no banheiro. O que você  manda?

— Como o que eu mando? Tá me tirando? Fez o que pedi?

— Fiz. Ontem mesmo.

— Ah, tá. Deu tudo certo?

— Deu.

— Posso ficar tranquilo?

— Deve.

Polvilho ainda bufando de raiva e extremamente preocupado, procurou se acalmar:

— Desculpe ter me alterado. Achou fácil o endereço?

— Moleza! Com aquele mapa que me deu...

— E como foi o encontro  com o maldito Torresmo?

— Correu tudo bem. Como aliás, havíamos previsto. Ele pegou os cento e cinquenta mil reais, contou, recontou e chiou um pouco pelo fato de você ter demorado a dar sinais de vida. De resto, nada de novo.

— Graças a Deus! Jesus Cristo seja louvado.

— Só teve um detalhe que me pediu para lhe comunicar o mais urgente possível.

— Detalhe? Que detalhe.

— Você esqueceu os juros do mês passado. Ele quer que você mande para ontem.

— Que inferno, Mexerica. Esqueci a droga dos juros. Você pediu um prazo?

— Pedi.

— E ele?

— Foi meio imparcial. Deu até sábado. Nem um dia a mais, nem a menos. Caso você não se manifeste, ele irá lhe procurar pessoalmente ai no seu restaurante.

— Diabos, Mexerica. Sábado agora?  Espia, mano! Hoje é quarta.

— Eu sei. Fiz das tripas coração. Pedi quinze dias, ele virou bicho. Tem que ser sábado agora. Deixou isto bem sintetizado. O valor você já sabe. Vinte e cinco por cento do capital de cento e cinquenta mil reais.

— Com essa história de juros, acredito tenha pago e repago  o capital do amaldiçoado umas quinze vezes.

— Bem, ele disse que sábado é o prazo final. Mandou que você desse seus pulos. Preciso estar com o Torresmo às duas horas em ponto. Polvilho, meu prezado, não tenho nada com a sua vida. Mesmo assim, vou lhe dar um conselho. Conselho de amigo. Acho que esta é a hora. Procura se virar nos tais juros e ai você fica livre da agiotagem desse espertalhão.

— Farei isso, Mexerica. A propósito: você me ajudaria com um novo favor?

— Se estiver ao meu alcance...

— Por tudo quanto é sagrado. Não quero tornar a ver a fuça do Torresmo na minha frente. Você leva o dinheiro dos juros para mim? Sábado pela manhã, ai pelas oito, você vem aqui no restaurante  e pega comigo o valor. Combinado?

— Combinado, meu amigo.

Assim que Polvilho saiu de cena, Mexerica ligou correndo para a Melissa, sua namorada:

— Oi, gatinha. Arrumou as malas?

— Seu idiota. Claro que sim. Aliás, estão prontas tem mais de uma semana. E aí, quando vamos meter os pés na estrada?

— Neste sábado. Estou com as passagens.

— De verdade, amor?

— De verdade. Passa a mão nos seus cacarecos e se encontra comigo na rodoviária. Vou esperar por você em frente ao guichê da empresa. Não se atrase. Vamos pegar o primeiro. Lembra. Onze horas. Esteja lá.

— OK, meu amor. É certo mesmo, né?

— Ainda duvida de mim, Melissa. Beijos. Não esquece. Sábado agora. Vamos embarcar às onze em ponto. Se cuida.

— Você também, amor.  Te amo!
***************

Sábado às sete horas da manhã, Polvilho tornou a ligar para o Mexerica. Como sempre, a demora da criatura em atender. Quando ia tocar pela décima sexta vez, Mexerica se fez ouvir:

— Bom dia. Fala, meu amigo.

— Filho do tinhoso. Por que demora tanto em atender a esse  telefone?

— Porque estava com a minha velha, Polvilho. Você sabe como é. Mamãe não sabe das minhas tretas. E aí, está com a grana?

— Estou.

— Posso ir buscar?

— Agora.

— Está no restaurante?

— Sim. Pode vir.

— OK. Estou a caminho. Só o tempo de pegar um Uber.

No estabelecimento comercial, sem mais delongas Polvilho   passou a grana limpinha do tal do juro em aberto para o amigo Mexerica, como fez anteriormente com o capital:

— Te devo mais esta.

— Fique tranquilo. Você não me deve nada. Amigo é para estas coisas.  

— Confere, por favor.

— Confio em você, Polvilho. Se não confiasse...

— Obrigado pela parte que me toca. Apesar do ladrão do Torresmo ter me arrancando as cuecas e as calças, agradeça a ele por ter me quebrado o galho. Alias, um galhão. Hoje, me livro desse verme para sempre. Tome aqui dois mil e quinhentos reais pelo transtorno que lhe causei.

— Qué isso, cara. Você é meu amigo.

—  Por isto quero que aceite. Sei que precisa. É um presente.

— Sempre vou estar às suas ordens, Polvilho. Se precisar, sabe onde me encontrar. A propósito: na volta tomamos uma cerveja?

— Se for uma só, estou dentro. Estes juros extras me deixaram a ver navios.

— Vamos fazer o seguinte. Eu pago uma e você promove a saideira. Fechado?

— Fechado, amigão. Vai com Deus. Que os anjos do céu lhe acompanhem! Depois me dê notícias.

Trocaram efusivos apertos de mãos e Mexerica pulou para dentro de um automóvel de aplicativo. Ligou para a Melissa imediatamente. A jovem atendeu, de pronto:

— Amor, estou indo para a rodoviária. Voa, minha princesa. Tá quase na hora do ‘buzuzão’ partir.

— Ok, lindo. Estou a caminho. Chego dentro de vinte minutos.
****************

Desde este sábado, Mexerica tomou chá de sumiço. Desapareceu do pedaço. Escafedeu, segundo amigos e vizinhos próximos,  para lugar incerto e não sabido, levando a sua namorada Melissa, à tiracolo. Como toda história que envolve grana alta nunca teve final feliz, esta não poderia fugir à regra. Uma semana depois Torresmo em carne e osso, baixou com a sua turma de guarda costas mal encarados no restaurante de Polvilho:

— Olá meu amigo Torresmo. Quanta honra! A que devo a sua tão amável visita?  — Vou mandar meus cozinheiros prepararem aquele almoço para você e seus amigos. Entrem, fiquem a vontade.

Torresmo, forte como um touro, não se ateve à palavrórios. Agarrou Polvilho pelo pescoço e o levantou no ar:

— Vim receber meu dinheiro, seu safado e caloteiro. Quero minha grana agora. Eu disse agora. Ou paga, ou reza.

Polvilho tentou falar... Sequer chegou a balbuciar:

— Torres... Tor... Res... Torres... Mo...  Eu te pa... Paguei tu... Tudo.

— Verdade?

— Mandei meu amigo Mexerica levar seu dinheiro. E ele...

— Tratei com você. O Mexerica que se exploda.

Foram suas últimas palavras. As extremas, a bem da verdade. Polvilho foi atirado carinhosamente dentro de um dos carros pretos que faziam parte da comitiva de Torresmo. Desde este dia, o coitado do Polvilho parece ter se dissolvido na água. Nunca mais foi visto.      

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor.

domingo, 25 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 418

 


Contos e Lendas do Mundo (O Rio e o Mar)

Sobre as pedras brancas e lapidadas ele percorria. Percorria só, atento às ondulações em suas margens. Observando dia e noite a mata que o protegia. Sabia estar indo para algum lugar, mas não podia prever aonde daria seu curso.

Por vezes sentia-se só e alegrava-se quando os animais vinham nele beber. Dia e noite suas águas percorriam e desejava saber o porquê da sua natureza assim ser. Queria parar um pouco e desfrutar das mesmas coisas que todos desfrutavam na mata.

Um dia ao entardecer entristeceu-se e se pôs a chorar. Sentia muita solidão...

Suas lágrimas inundaram a mata, causando pânico aos que nela viviam:

- Rio, por que choras? Tua tristeza desequilibra a natureza na qual vivemos!

- Choro por sentir-me só. Enquanto todos possuem companhia, eu percorro sozinho, sem ninguém para falar, ninguém para brincar. E sinto medo, pois não sei para onde estou indo...


Todos na mata silenciaram diante da tristeza do rio. Também não sabiam aonde ele iria chegar. Não podiam ajudá-lo. E assim. Todos ficaram parados, vendo o rio passar...

Sua tristeza era profunda e não havia meios de ajudá-lo...

A chuva surgiu inesperadamente de dentro da mata e vendo a tristeza do rio, perguntou:

- O que lhe tira a paz, meu caro amigo?

- Não entendo minha natureza e sinto-me muito sozinho a percorrer por tantos caminhos que nunca chegam a lugar algum.


A chuva vendo o desespero do rio, afagou-o gentilmente com suas águas límpidas.

- Se choras por estares só é porque ainda não descobriste tua real natureza. Nada neste mundo está só, excluído do todo. Aceita tua natureza e percorre feliz em teu curso. És tão necessário quanto a mata e tudo que nela vive.
És tão necessário quanto o sol e tudo que na sua luz é banhado. Teu destino não está longe e quando o encontrares saberás que tudo tem uma razão de ser. Aceita a orientação que vem de dentro, ela sabe o percurso e sabe para onde estás indo.
Confia e tua confiança conduzir-te-á para tua alegria, para teu descanso, para teu reencontro com a tua verdadeira natureza. Quando chegares neste lugar estarás em paz, pois viverás com os teus iguais.

O rio recebeu a chuva com contentamento e tratou de seguir seu curso, confiante no que a chuva lhe falara.

Adiante, uma surpresa, percebeu que estava saindo da verde mata, caindo lentamente sobre um mar azul... Infinitamente azul...

Fonte:
Universo das Fábulas

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 10



Fonte:
Silmar Bohrer. Gamela de Versos. Caçador/SC: Ed. do Autor, 2004.
Livro enviado pelo autor.

Mara Melinni (Cristais Poéticos) 1


CONJUNÇÃO

Quando escrevo, a minh´alma se desprende
Das arestas formais do corpo insano
E viaja, no instante em que se rende
Aos anseios do amor... Sem dor, nem dano.

Neste plano, onde o sonho se revela,
Face à espera que finda, vão-se os medos...
E no enlace do encontro – dele e dela,
Cada beijo murmura seus segredos.

Bem assim, vivo a vida simplesmente
Nos meus versos, buscando a própria cura
Aos anseios que a sorte me consente...

Hei de achar-me naquele que procura
Todo o encanto de amar serenamente
Um ao outro... na mesma criatura!
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CORES DE VIDA
 
Em cada manhã, quando o sol desponta,
Avisto no orvalho, sereno e manso,
Um pouco da vida, desnuda e pronta,
Que só de me olhar, revida e afronta
O sonho pequeno... Que eu não alcanço.

Sem sono e sem remo, sigo a proeza
Do azul que goteja nos madrigais...
Da luz do luar, eu sou fácil presa,
Sou fiel refém da minha tristeza,
Mergulho no mar... Sem deixar sinais.

Perseguindo o vento, sem direção,
Pinto de amarelo a chama silente,
Que desfaz o choro, livrando o chão
Das folhas de outono, a cada estação,
Quando a brisa chega... Na aurora quente.

Mas mudam as cores, muda o meu riso...
Vermelha é a rima mais que perfeita,
Que enfeita o meu céu, faz do paraíso
Berço do pecado, último juízo,
Lembrança de amor, amarga e desfeita.

Então mudo o curso, na longa estrada...
É verde a esperança, que habita em mim.
Revejo na vida, tantos sem nada,
Sua cruz, quantas vezes, triste e pesada,
Afoga o meu peito, é uma dor sem fim.

Assim, pinto branca a felicidade,
Apago a aquarela e renasce a paz...
No fundo da alma, a tela é a bondade
No branco da vida, eu sinto saudade...
Meu sonho incolor, hoje se refaz.

É tão colorido quando amanhece!
Meu verso reluz na névoa do dia...
O sol furta o brilho e o horizonte aquece,
Minh´aura vibrante estende uma prece...
A vida tem cor... Na cor da poesia!
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ESSE SIM, É O "NOSSO TEMPO"!


Meus versos não são profundos,
são bem rasos... Na medida
de cada gota que emana
da minha alma escondida...
Mas te conto o meu segredo:
falo de mim, sem ter medo...
Assim, sou feliz na vida!
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INTENSIDADE

No breve instante, que assim me invade,
Fecho os meus olhos pra me entregar...
No pensamento, descalça e leve,
Caminho em busca de te encontrar...

Noite de lua, eu toda sua...
Sinto os teus passos, na madrugada...
O abraço quente te faz presente...
No beijo teu, fico embriagada...

Faz tanto tempo, tanto tormento,
Mas a distância nos faz querer
Viver de novo o sonho sereno
De um amor que nunca vai se perder.
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LIBERDADE

Eu quero ser livre...
Sentir o vento que percorre o mundo
Beijar meu rosto todo, sem pecado.

Eu quero ser livre...
Ouvir o mar cantar ao pé do ouvido,
Riscando na areia meu corpo molhado.

Eu quero ser livre...
Gravar na nuvem do céu todo o encanto
Do meu sonho mais bonito, nela desenhado.

Eu quero ser livre...
Apreciar a forma e o cheiro da rosa
Que nasceu formosa, num jarro quebrado.

Eu quero ser livre...
Escrevendo versos soltos, controversos,
Transpondo minh’alma num papel riscado.

Eu quero ser livre... E hoje eu sei que sou...
Pois a liberdade sentiu solidão...
Sofreu de saudade por quem tanto amou,
Embalada à voz do seu coração...
E por tanto amar, enfim,
Foi amando assim, que se libertou!
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NOITE

Sonho de imensa noite
Embebeda meu ar
Cenário perfeito
Pra te encontrar...

Hoje imagino
Te pinto, te sinto
E você, tão distante
Aventura errante...

Apesar dos pesares
De esquecer-me
De guardar-me
Te quero incessante...

E, profundamente
Vivo, presente
Imerso na intensidade
Do desejo que te sente.
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SAUDADE

Fecho os olhos
Te encontro
Na imensidão do meu ser...
Que saudade!
É verdade...
Como eu queria te ter!
Faz tanto tempo
Do último momento
Mas nunca pude esquecer...
Hoje eu queria
Viver de novo
Toda aquela magia
Eterna sensação de alegria...
Fazer da distância
Um caminho bem perto
Fazer desse sonho
Um instante certo
Onde eu simplesmente
Estivesse com você...
Onde novamente
Eu pudesse te ter.

Fonte:
Mel Versos

Rachel de Queiroz (Viagem de Bonde)


Era o bonde Engenho de Dentro, ali na Praça Quinze. Vinha cheio, mas como diz, empurrando sempre encaixa. O que provou ser otimismo, porque talvez encaixasse metade ou um quarto de pessoa magra, e a alentada senhora que se guindou ao alto estribo e enfrentou a plataforma traseira junto com um bombeiro e outros amáveis soldados, dela talvez coubesse um oitavo. Assim mesmo, e isso prova bem a favor da elasticidade dos corpos gordos, ela conseguiu se insinuar, ou antes, encaixar. E tratava de acomodar-se gingando os ombros e os quadris à direita e à esquerda, quando o bonde parou em outro poste, o soldado repetiu o tal slogan do encaixe, e foi subindo – logo quem! – uma baiana dos seus noventa quilos, e mais uma bolsa que continha o fogareiro, a lata dos doces, o banquinho e o tabuleiro. E aquela baiana pesava os seus noventa quilos mas era nua, com licença da palavra, pois com tanta saia engomada e mais os balangandãs, chegava mesmo era aos cem. E esqueci de dizer que junto com ela ainda vinha uma cunhãzinha esperta que era um saci, que se insinuou pelas pernas do pessoal e acabou cavando um lugarzinho sentada, na beirinha do banco, ao lado de uma moça carregada de embrulhos e que assim mesmo teve o coração de arrumar a garota. Também o diabo da pequena conquistava qualquer um, com aquele olho preto enviesado, o riso largo de dente na muda.

Esqueci de falar que tudo isso se passava no carro-motor. No reboque, atrás, a confusão parecia maior. Muita gente pendurada entre um carro e outro, e havia um crioulo de bigode à Stalin, muito distinto, tinha cara de dirigente no Ministério do Trabalho, que muito sub-repticiamente viajava sobre o pino de ligação entre os dois carros ou, para dizer melhor, com um pé na sapata do carro-motor e o outro na sapata do reboque. E quando o condutor aparecia para cobrar a passagem, se era o condutor da frente ele punha os dois pés no reboque, e se era o condutor do reboque que vinha com o “faz favor” ele então executava o vice-versa. Sei que não pagou passagem a nenhum dos dois e devia fazer aquilo por esporte; não tinha cara de quem precisa se sujar por cinquenta centavos; esporte, aliás, que todo o mundo aprova e aprecia, pois quem é que não gosta de ver se tirar um pouco de sangue à Light? E aí o bonde andou um bom pedaço sem que ninguém mais atacasse a plataforma.

A turma que chegava, ocupava-se agora em guarnecer os balaústres, formando com os pingentes uma superestrutura decorativa. Mas, alcançando-se o abrigo defronte à Central, quase chegou a haver pânico. Porque no momento em que a multidão da calçada assaltava o veículo, a baiana quis descer, e não era façanha somenos desalojar aquela massa da pressão onde se encastoara, sem falar na pressão de baixo para cima feita pelos que tentavam subir, contra quem pretendia descer. Mas afinal já a baiana aterrissara na calçada e o vácuo por ela deixado era instantaneamente ocupado com uma violência de sorvedouro, o condutor tocara o seu tim-tim de partida, quando ressoaram uns gritos agudos cortando o ar abafado. Era o pequeno saci de olhos pretos a clamar que o povo subindo não a deixara descer. E a tensão geral explodiu em cólera e ternura, e todo o mundo tocava a campainha, alguns confundiam, puxavam a corda do marcador de passagens, o condutor vendo isso pôs-se a imprecar em puro linguajar da Mouraria, uma voz berrava: – já se viu que brutalidade, impedir a criança de descer; a baiana, em terra, chamava a filha com voz macia, o motorneiro, para ajudar e mostrar que não tinha nada com aquilo, desandou a tocar aquela espécie de sino que fica embaixo do pé dele. E enquanto os passageiros compassivos desembarcavam a garota, um senhor, que vinha em pé no meio dos bancos, pôs-se a declamar que era assim mesmo, que motorneiro, condutor e fiscal, em vez de se aliarem com o povo, não passavam de uns lacaios da Light, mas quando chegasse na hora de pedir aumento de ordenado haviam de querer que a população ajudasse com aumento nas passagens. O povo é que é sempre o sacrificado. E o condutor aí se enraiveceu também, e começou a convidar o homem para a beira da calçada, e o senhor disse que não ia porque não se metia com estrangeiros, e um engraçadinho deu sinal de partida e o motorneiro (que já estava por demais chateado) partiu mesmo, deixando o condutor em terra, vociferando; só foi dar pela falta quando chegou com o carro bem defronte do sinal; parou então, e enquanto o condutor corria o guarda começou a apitar, que o bonde tinha parado no meio da luz verde aberta para os carros em direção contrária.

Parecia o dia de juízo, o bonde parado, os automóveis buzinando, o guarda apitando e sacudindo os braços, o pessoal do bonde rindo que era ver uns demônios. Afinal o bonde partiu, tudo pareceu acalmar um pouco, mas aquele senhor em pé que xingara os pobres empregados da Light de lacaios do polvo canadense mostrou que era homem afeito a comícios, não se dava de uma interrupção tumultuosa. Estava acostumado a falar até em meio da fuzilaria, assim que ele disse. E que isso tudo acontecia porque o Governo promete mas não cumpre o dispositivo constitucional – sim, meus senhores, constitucional! – da mudança da capital da República. Imagine que delícia o Rio ficar livre de toda a laia dos burocratas, dos automóveis dos políticos e dos políticos propriamente ditos. Imagine, o Getúlio em Goiás e com ele a alcateia dos lobos, os cardumes de tubarões, os rebanhos de carneiros! Isso aqui ficava mesmo um céu aberto. Pelo menos um milhão de pessoas iria embora, e que maravilha o Rio com um milhão de vagas nos transportes, um milhão de vagas nas residências, um milhão de bocas a menos, para comer o nosso mísero abastecimento! As favelas se acabam automaticamente, o arroz baixa a quatro cruzeiros! Saem a Câmara e o Senado, e os Ministérios com todas as suas marias candelárias. Pensando nos ministérios – será apenas um milhão de gente que nos deixa? Calculando por baixo, talvez saia mais de um milhão! O que virá em muito boa hora, pois no Rio sobram uns dois milhões!

E aí o bonde inteiro aplaudiu, cada qual só pensava na vaga a seu lado. E, se aquele bonde fosse maior, talvez nesse dia, no Rio de Janeiro, houvesse uma revolução. Talvez o povo do Rio de Janeiro desse ordem de despejo para o seu Governo, lhe apanhasse os trastes, lhe apontasse a estrada, que é larga e vai longe. Mas, feliz ou infelizmente, o bonde era pequeno e, apesar de conter tanta gente, não dava nem para um bochincho. E o Governo, pensando bem, também é de carne como nós – e só um coração de ferro tem coragem de deixar este Rio, assim mesmo apertado, superlotado, sem comida, sem transporte, sem luz e sem água. Como disse um paraíba que vinha junto com o soldado:

– Qual, se no céu faltasse água ou luz, por isso os anjos haveriam de se largar de lá? Céu é céu, de qualquer jeito…

(Publicada em 1953)

Fonte:
O Melhor da Crônica Brasileira – 1. RJ: José Olympio, 1997

sábado, 24 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 417



Eduardo Affonso (Étimo, que vem do Grego ‘etymon’, “sentido verdadeiro”)


Ele desaba para um lado, com o suor escorrendo na testa.

Ela toma fôlego, e murmura, ainda arfante.

– Uau! Você foi formidável…

– Sério? Tão ruim assim?

– Não. Foi formidável. Sensacional.

– Ah, tá. É que “formidável” vem do latim “formidabilis, e significa “o que causa medo, terrível”.

– É? Não sabia. O que eu quis dizer é que você foi bárbaro.

– Desculpe. Não quis ser grosseiro com você.

– Mas não foi!

– Você disse que fui bárbaro. E bárbaro, do grego “barbaros”, quer dizer “estrangeiro, estranho, ignorante”.

– Imagina! Eu te achei ótimo. Um homem com pegada, porém intelectualmente sofisticado…

– Como assim? Eu não sou falso!

– Não falei que você é falso!

– Falou. Disse que sou sofisticado, e “sofisticado” vem de “sophisticare”, que é o mesmo que “alterar, adulterar, modificar com má intenção”, e de onde, inclusive, vem a palavra “sofisma”.

– Não! Eu quis dizer é que você é um homem ao mesmo tempo viril e fino (no bom sentido, claro!), do tipo que a gente não pode deixar escapar.

– Mas eu não estou usando capa.

– Hã?

– “Escapar” vem do latim “excappare”, de “ex” (movimento para fora) + “cappa” (capa) e o sufixo “are” (que indica ser um verbo). Ou seja, escapar é livrar-se da capa. A menos que você se refira à camisinha…

– Não, não. Já estou até arrependida de ter pedido para você pegar essa famigerada dessa camisinha.

– Mas famigerada – que é uma palavra latina, composta de “fama” + “gerere” – quer dizer algo afamado, que goza de boa reputação. E saiba que achei você muito esquisita

– Esquisita? Eu? (Cata as roupas no chão). Tô fora!

~ Espere! “Esquisito” tem origem no latim exquisitus, “procurado com atenção”, portanto, “de escolha especial, coisa muito boa” e (ela bate a porta)...
 
-  Droga, de novo!
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Moral da história: nunca vá para a cama com um etimologista. Ele sempre dará um jeito de explicar a origem das palavras – e acaba por complicar tudo. Aliás, “complicar” e “explicar” têm a mesma raiz, do latim “plicare” (ato de dobrar um papel), com os prefixos “com” (em companhia de) ou “ex”(para fora de), e é de onde também viveram  suplicar, duplicar, explicitar e até de “cúmplice”, no sentido de… ok, deixa pra lá.


Fonte:
Blog do autor.

Arquivo Spina 23 (Ronnaldo de Andrade)



José Lucas de Barros (Caderno Poético) IV, décimas


AFINEI PELA PRIMA DA VIOLA
O POEMA QUE FIZ PRA MINHA PRIMA.


Adocei a toada sertaneja,
Imitando a ternura dos gorjeios;
Busquei longe a alegria dos recreios
Embalados na terra benfazeja;
Com as bênçãos do Deus de minha igreja,
Recebi lá do céu a melhor rima
E, com todos os brios da auto-estima
De um canário liberto da gaiola,
Afinei pela prima da viola
O poema que fiz pra minha prima.
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A SAUDADE ACERTOU MEU ENDEREÇO
DESDE QUANDO VOCÊ FUGIU DE MIM.


Hoje sobra um lugar em minha cama
e um talher sempre limpo em minha mesa,
Mas não há mais lugar para a tristeza
Que em meus olhos mil lágrimas derrama!
Como é dura a existência de quem ama
Na distância cruel que não tem fim!
Todos sabem que agora vivo assim,
Porque, nesta prisão que não mereço,
A saudade acertou meu endereço
Desde quando você fugiu de mim!
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COISAS GUARDADAS QUE EU TENHO
QUE ÀS VEZES VOCÊ NÃO TEM.


Quero mostrar-lhe o desenho
Da vida, desde menino,
Um traçado do destino,
Coisas guardadas que eu tenho:
Carrego o peso de um lenho
Que Deus transforma num bem,
E quando a descrença vem,
O Mestre de Nazaré
Me devolve aquela fé
Que às vezes você não tem.
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É PRECISO SABER ENVELHECER.

– É tranquilo viver a juventude
No remanso febril dos verdes anos,
Sem sentir o amargor dos desenganos
Nem as dores da falta de saúde;
Mas não é permanente essa virtude,
Porque o tempo interfere no viver,
Muitas vezes trazendo desprazer,
Com o peso enfadonho da canseira.
Quem quiser ser feliz a vida inteira,
É preciso saber envelhecer.

– Há um modo de vida em cada idade
Por desígnio da própria natureza.
Ninguém pode guardar toda a beleza
Nem a graça da eterna mocidade;
Entretanto, pra ter felicidade,
Não precisa estressar-se nem correr,
Basta o amor no trabalho e no lazer
Pra manter a alegria da existência,
Pois, de acordo com as leis da Providência,
É preciso saber envelhecer.
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FUTURO É QUASE PRESENTE,
PRESENTE É QUASE PASSADO.

 
Até parecem mentira
Certas coisas deste mundo:
Numa fração de segundo,
A roda do tempo gira;
Quando um instante se retira,
Outro encosta no tablado.
O tempo é tão apressado
Que passa pisando a gente...
Futuro é quase presente,
Presente é quase passado.
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O POETA TAMBÉM CHORA,
MAS CHORA COMO QUEM CANTA.


Todo poeta se inspira
Na vibração de seu canto,
Embora, às vezes, o pranto
Em seu caminho interfira;
Afeito ao toque da lira,
O som das canções o encanta,
Mas, se um dia a musa santa
De seus sonhos vai embora,
O poeta também chora,
Mas chora como quem canta.
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OS MEUS SONHOS DE POETA
JÁ FORAM REALIZADOS.


Nunca fui um bom esteta,
Mas fiz da forma uma lei
E na trova não frustrei
Os meus sonhos de poeta;
O que falta. Deus completa
Pra redimir os pecados
Dos versos desengonçados
Que discrepam dos demais,
Por isso meus ideais
Já foram realizados.
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POESIA VEM DE ALGUM CANTO
QUE EU NUNCA SOUBE EXPLICAR.


Coisa tão simples... Deus cria,
Dá de graça a qualquer pobre,
Mas nenhum gênio descobre
Os mistérios da poesia;
Filha da noite e do dia,
Tem luz de estrela e luar;
Percorre os caminhos do ar
E nos bafeja; entretanto,
Poesia vem de algum canto
Que eu nunca soube explicar.

Fonte:
José Lucas de Barros. Pelas trilhas do meu chão. Natal/RN: CJA Ed., 2014

Jerônimo Mendes (O Homem da Mochila Verde)


Sábado, dia de sol. Seis horas da manhã. Reunidos na pracinha da Lagoa, à espera do ônibus, quarenta super atletas.

Vida tranquila essa de jogador. Futebol de segunda a domingo, sem reclamação, viagens, festas, hotéis.

O adversário esperava por nós a cem quilômetros de distância, na vizinha Ponta Grossa. Um misto de amadores e peladeiros, mais dispostos à festa do que o jogo em si.

Duas horas de viagem, muito samba, cerveja, piadas e gozações no trajeto. Nessa hora fazemos de conta que não temos pai, mãe ou irmão e todos entram na dança.

O local, meio retirado e fora do perímetro urbano da cidade, mas diga-se de passagem, agradável ao extremo. Uma bela represa, água cristalina, muito verde e o ar da maior pureza.

O anfitrião, veterinário gente boníssima, vêm logo ao nosso encontro. Apesar de todo aquele patrimônio, muito educado, simples e camarada. De bolsa esportiva na mão, seguimos em frente formando fila pela mesma ordem de desembarque, a fim de atravessarmos a ponte sobre a represa, ligando a entrada da fazenda ao local da recepção, na outra margem do rio.

Pontezinha danada, toda bamba, construída sobre o apoio de tambores vazios, flutuantes na água. O pelotão futebolístico vai aglomerando-se, comandado pelos mais afoitos. Entra um, dois, trás, quatro . . . do décimo em diante foi um tombo apenas. A ponte não suportou o peso e mandou todos para a água, sem direito à troca de calção de banho.

Foi um Deus nos acuda. Alguns nadam, outros riem. Ninguém quer perder a bolsa, o relógio e aquele ray-ban polido especialmente para o passeio. Pares e pares de sapatos sobem à tona rapidamente e deslizam correnteza abaixo. A festa começou apimentada. Um susto e nada mais. Nenhum ferido ou afogado. O pior está por vir, depois de uma recepção fria e descontraída.

Segue o almoço, churrasco e chope à vontade. A partida, marcada para as quatro da tarde, parecia impossível de ser realizada. Imaginem um jogo depois de se devorar um boi e ingerir alguns barris de chope. Tudo em nome da alegria e confraternização.

Após o almoço fomos intimados a trocar de roupa. Cada um procura o local mais propício. Vestiário, nem pensar.

Na pressa de aprontar-me antes dos demais, entrei no único banheiro disponível na fazenda. Antigo, do tipo casinha. Quando a gente passava as férias na casa da avó havia sempre uma no fundo do quintal. Pequena, apertada, sem muita claridade, sem vaso, apenas aquela abertura em forma de losango concebida, única e exclusivamente, para o encaixe do traseiro.

Deixei a mochila de lado e fui logo tirando a roupa. Tinha devorado parte do boi e tomado um bom banho na represa, restava o futebol. Estava doido para colocar o uniforme e bater uma bolinha. Metido a zagueiro, queria ser o primeiro da fila e garantir uma vaga no time.

Depois de ter ficado nu por inteiro senti falta da mochila verde e branca que comprei com orgulho somente para viagens de futebol. Tinha o símbolo do nosso clube, o Araucária, custou caro na época, poucos foram os felizardos que conseguiram uma. Será que deixei fora da casinha ? Hesitei, embora soubesse de antemão que entrei com a danada na mão.

- Lúcio, vê se minha mochila ficou aí por fora.

- Aqui não ! Lá dentro também não . . .

- Meu Deus, será ? Imaginei o pior .

Em pânico, desloquei os dois globos oculares lentamente para dentro daquela figura geométrica, o losango apertado onde mal cabia um traseiro. Jamais caberia uma mochila cheia de roupas e pertences, pensei, com os olhos marejados de raiva.

Recusei-me a crer, mas era verdade. Minha bolsa, verde e branca, agora mais verde do que branca, repousava no fundo do vale, velejando sobre os excrementos acumulados ao longo de anos. Entreaberta, via-se apenas a perna direita da minha calça boca-de-pito bege suspensa do lado de fora, parcialmente rebocada. Algumas centenas de moscas a contemplam feito prótons e elétrons ao redor do núcleo.

Disfarçadamente, saí da casinha, à cata de um galho ou um pedaço de pau qualquer. Apanhei o primeiro que apareceu e voltei afoito, havia de recuperar a mochila. Documentos, tênis, roupas, dinheiro e o meu ray ban do Paraguai. Deus do céu !!!

De cima para baixo eram mais ou menos uns dois metros. Desci o galho calmamente e consegui enroscá-lo na alça. Tentei trazer a mochila com cautela e, ao aproximá-la da boca do losango, despencou novamente, de ponta cabeça. É demais . . . os urubus estão a meu favor.

Meu desejo é chorar e acabo rindo. Nesse momento havia uma plateia de gozadores assistindo ao evento. Um barril de chope triplica o riso, pode crer. Com muito jeitinho consegui retirá-la. A notícia se espalha, alguns colegas rolam no chão, outros gritam : - Dá-lhe, verdão!!!

Segurando-a na ponta dos dedos disparei em direção à represa. Uma legião de moscas tentou acompanhar-me e lembro apenas de ter sido mais rápido do que elas. A torcida aplaude, se diverte. A bolsa ficou submersa na água durante toda a tarde, presa por uma pedra enorme que encontrei no fundo do riacho. Tive pena dos peixes. Nem preciso contar o resto do dia. Do jogo, soube apenas o resultado, derrota na certa.

À noite, o time inteiro foi para o restaurante dançante, exceto o bocó da mala que acabou dançando sozinho e permaneceu dentro do ônibus meditando, sob um cheirinho nada convidativo. Pelo menos trouxe a mochila de volta, sem perder a pose nem o meu curto e rico dinheirinho.

O homem da mochila verde. Quem viu vai lembrar, isso foi há mais de vinte anos.

Fonte:
Jerônimo Mendes. Muito além do cotidiano: crônicas. Curitiba/PR, 2001.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Varal de Trovas n. 416

 


Carina Bratt (Escuridão)


De repente me vi presa no amorfo estranho da falta de luz. Acorrentada aos escombros de um pretume encarcerado, denso e pesado, me senti neófita. De olhos arregalados, abertos até as orelhas, apesar disso não via nada. Nem um palmo enxergava adiante do nariz. Veio então, me acudir à mente, instantes passados da minha vida. Momentos bons e alegres, outros tristes e de profunda melancolia.

O que mais me deixou num vazio pior que o tenebroso das trevas. Meu pai. Recordei dele num momento azedo, virulento, avinagradamente amargo. E que momento foi esse? Meu velho herói no leito de morte, para ser mais precisa, poucas horas antes de nos deixar de vez. Papai Francisco (que o Eterno o tenha em sua santa misericórdia), sabia que não voltaria para casa.

Desde que fora internado às pressas, carregava na consciência a afixação de que não regressaria. E aos poucos, com a sua paciência de Jó, foi nos preparando o espírito, como se quisesse aliviar a nossa dor maior. A do seu recuo da vida, da sua deserção de continuar lutando pela existência que se esvaia em passos tartarugados. Militar linha dura, seu Francisco não dava o braço a torcer.

Suas palavras, como diziam os antigos, não faziam curvas. O que ele falava podia se escrever. Era como assinar com um fio de bigode. Com seu passamento, a rotina em casa mudou. Bem sabíamos, não ouviríamos mais as suas risadas, os seus comentários sarcásticos, as suas turras com mamãe, a implicância com as futilidades, a dinheirama que eu gastava com produtos caros para meus cabelos.

Foi papai quem me liberou para viajar com meu primeiro patrão, o Aparecido, quando eu ainda tinha dezessete para dezoito anos. Por dona Marcela, minha mãe, eu jamais arredaria os pés de suas saias. Mas papai viajava na maionese. Entendia meus sonhos e achava que “o filho depois que cresce e cria asas, quer voar ao sabor do seu próprio vento”. Recordo como se fosse hoje, das palavras de meu velho ao Aparecido: “Seu moço, minha filha está indo uma, não quero que volte duas”. Papai, esperto, arisco, sinalizava uma possível gravidez.

E eu fui, alegre, feliz, saltitante na inocência virginal, ansiosa do meu primeiro emprego, voluteando nas alças da minha imaginação. Desde pequena, o incerto me obstinava me embirrava me seduzia como um passo impensado em direção ao abismo. Apesar do buraco à frente, que se abria enorme, vasto, eu não me importava em cair. Queria dar causa aos meus próprios erros e me levantar dos infortúnios, me fortalecer, me reestruturar sem a ajuda de quem quer que fosse.

O desconhecido me fascinava, o forasteiro me extasiava, o oculto me enceguecia e eu via nesse passo ao acaso, ao não sei para onde, algo que não pressentia no corriqueiro da vida sob o teto da proteção familiar. Desde pequena queria ir além do portão da rua. Desde menina (ainda em tempo do grupo escolar) necessitava descobrir as novidades das outras artérias que se juntavam aquém da esquina que eu via todos os dias. Me sentia entalada, minguada, aperturada.

Meus olhos se assemelhavam a um depósito de coisas sobrenaturais, prontos para ver o mundo lá fora, de perto, como também viver longe do teto de casa consanguínea. Tinha uma carência enigmática, coberta de hera e loucura, loucura essa quase assombrada de pegar o bonde da minha vida, de abraçar coisas novas. O calor materno me tolhia soltar as amarras e viver plenamente a vida, como eu desejava.

O apetite aguçado de cortar o cordão umbilical me obcecava me hipnotizava, me enfeitiçava. E de fato, me desalgemei, me desaferrolhei e fui. Segui. Sai da comodidade do meu quarto me desprendi das bonecas das amiguinhas e, claro, dos meus pais, numa sexta-feira por volta de vinte e duas horas, levando meia dúzia de calcinhas, duas calças jeans e quatro blusas que mamãe comprara de última hora. Com a morte de meu pai tantos anos depois... Nada mudou de forma. Ou mesmo de cor.

As minhas viagens se tornaram mais constantes e espaçosas. Hoje, aqui, amanhã acolá, aeroportos cheios e com problemas na hora de embarcar. Dependendo da rota a ser cumprida, chego a ficar fora por quase trinta dias seguidos. Com papai nos braços de Deus, dona Marcela, minha querida mãe, coitada, acabou sozinha de vez, estudando novas formas de fazer blusinhas de crochê para recém-nascidos.

Desamparada (não desprezada, isso jamais), todavia, sacrificada, postergada, desajudada, desfavorecida, envolta com as malhas de uma solidão imensa e insana, que não só ela, mas eu igualmente, passei a deixar como meu papito em pequenas gotas de uma estranha contribuição, como longos passeios noturnos sobre telhados adormecidos.

Fonte:
Texto enviado por Aparecido Raimundo de Souza

Fabiano Wanderley (Baú de Trovas) 2


Abraçado a uma criança
chora o pai, vendo a enxurrada.
Sem seca, volta a esperança,
o verde, a terra molhada!
- - - - - -
A palavra proferida,
o seixo após atirado
e uma ocasião perdida,
não retornam; são passado!
- - - - - -
A vida é compreendida,
olhando-se para trás.
Porém, para ser vivida,
mire em frente, nada mais...
- - - - - -
Com mãos e pés, calejados,
revelando ardores seus,
em prece, os pobres coitados
procuram ajuda em Deus.
- - - - - -
Com todas limitações
que lhes cercam as crianças,
buscam sempre nas lições,
seu futuro de esperanças...
- - - - - -
Defronte a um jardim em flores,
à sombra dos arvoredos,
oh varanda, céu de amores,
és clausura de segredos!
- - - - - -
Desfez-se tudo e a saudade
se fez presente, ao dispor
e num bilhete, a verdade:
As cinzas do nosso amor.
- - - - - -
De um sentimento inerente
ao riso, à dor e a paixão,
há na lágrima premente
impulsos de um coração.
- - - - - -
És a flor que no alto aflora,
nativa essência, fagueira,
a aquarela que se arvora,
ornando a montanha inteira.
- - - - - -
Na roça, a feia Arabela,
seu calor aflora a pelos.
Roça tanto na janela,
que tem dor nos cotovelos.
- - - - - -
Neste instante divinal,
de raro e puro candor,
eu vivencio, afinal,
a lauta ceia do amor.
- - - - - -
O enigma de nossas vidas
traz razões, que aos olhos meus,
são teses indefinidas:
— Mistério! Coisas de Deus!
- - - - - -
O meu destino eu aceito,
por que ele me foi legado,
tal qual um rio no leito,
eu sigo o curso traçado.
- - - - - -
O passado é um doce-amargo,
é o retrato de uma vida;
é o ontem que passa ao largo,
dessa estrada, hoje, vivida.
- - - - - -
Paquerando a dona Bela,
não sai da sorveteria,
esfriando o calor dela
e pondo o marido em fria.
- - - - - –
Para a vida, um furo traz
transtornos, não muito amenos:
Na camisinha: – Um, a mais!
no paraquedas: – A menos!
- - - - - -
Para teres, certamente,
um viver com distinção,
faze conscientemente,
do trabalho uma oração!
- - - - - -
Parece até que é piada,
mas é vero o conteúdo,
pobre diz que não tem nada,
mas, se chove, perde tudo!
- - - - - -
Pode parecer bizarro,
mas são coisas do Senhor.
Com a argila, o João-de-Barro,
constrói seu ninho de amor.
- - - - - -
Por que Senhor, conceber
desigualdades no estar:
- Na feira, o pobre vai ver
o que não pode comprar!
- - - - - -
Quando a lua em seu açoite,
unge o céu com seu brilhar,
no plenilúnio da noite
Deus se esconde pra rezar...
- - - - - -
Quando à noite, o véu recua,
ornando um clarão disperso,
majestosa, sai a lua,
da varanda do universo!
- - - - - –
Que bom fazer mais um ano
nessa estrada prometida,
sentindo o calor humano,
estando de bem com a vida.
- - - - - -
Sua voz me consolida
e em seus gestos me alicerço.
Ele é a luz que rege a vida:
— O Arquiteto do Universo!
- - - - - -
Tudo que houve no passado,
quiçá, futuro premente,
não pode ser postulado
como augúrio do presente.
- - - - - –
Um sorriso de criança
transporta a paz para um lar.
Com ele, há luz e esperança,
contidas num doce olhar...
 
Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. Natal/RN, 2014.

I Concurso Virtual Relâmpago da ABT - Academia Brasileira de Trova (Prazo: 5 de Novembro)


Com o intento de celebrar os 60 anos da Academia Brasileira de Trova (ABT) no dia 26 de dezembro vindouro e considerando o atual quadro pandêmico em que infelizmente nos encontramos, temos o prazer de lançar o I Concurso Literário Virtual da ABT (2020).

Entende-se por TROVA a composição poética (poema) de quatros versos setissilábicos (em sílabas poéticas, não meramente gramaticais), rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto, expressando um sentido completo.

Poderão participar do presente certame até as 23:59 (do horário de Brasília) do dia 5 de novembro de 2020:

1. Na CATEGORIA "ACADÊMICO": membros efetivos e correspondentes da ABT em dia com a anuidade, além dos membros honoríficos;

2. Na CATEGORIA "ESPECIAL": brasileiros maiores de 18 anos que não pertençam aos quadros da ABT.

Todos podem se inscrever em ambas as categorias, mas no máximo com duas trovas em cada uma delas, a saber:

- TROVA LÍRICO-FILOSÓFICA - tema: Adelmar Tavares (o Rei da Trova e patrono da ABT);

- TROVA HUMORÍSTICA - tema: Barriga.

Enviar os trabalhos para o seguinte e-mail:
academiabrasileiradetrova@gmail.com


Quem se inscrever em ambas as categorias deverá adotar o mesmo pseudônimo em ambas.

Os vencedores receberão no mês de dezembro, respectivamente, certificados virtuais de:

1º a 3º lugar;
3 menções honrosas;
3 menções especiais.

ATENÇÃO: Em nenhuma hipótese poderá aparecer o nome do concorrente no texto. Ademais, o pseudônimo utilizado não poderá permitir que o concorrente seja reconhecido.

Logo, no corpo do e-mail informe:
- pseudônimo;
- nome completo;
- e-mail; cidade e estado onde reside;
- a(s) trova(s).

A participação neste concurso significará a aceitação irrestrita do regulamento presente, sendo irrecorrível e soberana a decisão do júri no que tange a dirimir quaisquer dúvidas não esclarecidas neste mesmo regulamento.

Academia Brasileira de Trova
Presidente: Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Vice-Presidente: Tito de Abreu Fialho (in memoriam)
Diretora cultural: Marilza Terezinha de Abreu Fialho
Diretora jurídica: Messody Ramiro Benoliel
Comissão de Pareceres: Alba Helena Correa (Presidente)
Maria do Carmo Zerbinato (in memoriam)
Abílio Kac
Diretor Financeiro: Salvador Pereira Matos
Secretária-geral: Suely Saad

Informações:
academiabrasileiradetrova@gmail.com

Fonte:
Paulo R. O. Caruso

Concurso Literário Relâmpago Virtual da ALAP (Prazo: 5 de Novembro)

Promovido pela Academia de Letras e Artes de Paranapuã

Poderão participar do presente certame até as 23:59 (do horário de Brasília) do dia 5 de novembro de 2020:

Gêneros:
Trova Lírico-Filosófica; Trova Humorística; Haicai; Soneto; Cordel; Aldravia; Poetrix; Poesia Livre; Acróstico; Conto; Microconto; Crônica E Ensaio.

1. Na CATEGORIA "ACADÊMICO": membros efetivos da ALAP EM DIA COM A ANUIDADE, além dos membros correspondentes e honoríficos;

2. Na CATEGORIA "ESPECIAL": escritores de prosa e verso, todos maiores de 18 anos provenientes de qualquer nação, desde que se expressem em língua portuguesa (incluindo os membros honoríficos).

Enviar os trabalhos para o seguinte e-mail:
alap.paranapua@gmail.com


Não haverá pagamento de taxa de inscrição.

Em cada categoria todos podem se inscrever em todas as modalidades, mas no máximo com um trabalho apenas em cada uma delas.

Quem se inscrever em diversas modalidades deverá adotar o mesmo pseudônimo em todas elas (independentemente de se inscrever em literatura e/ou artes plásticas).

Se algum(a) concorrente utilizar mais de um pseudônimo no certame, será imediatamente desclassificado.

Os vencedores serão classificados, respectivamente, com certificados virtuais de 1º a 3º lugar, e, a critério da organização, menção honrosa (4º lugar) e menção especial (5º lugar) e receberão no mês de dezembro os respectivos certificados.

O tema de cada modalidade será o seguinte:

Em literatura:

1. Para Trova humorística: CUECA;

2. Para Trova lírico-filosófica; Haicai, Soneto, Cordel, Aldravia, Poetrix, Poesia Livre e Crônica: ESPERANÇA;

3. Para Conto: o cenário que você imagina no pós-pandemia;

4. Para Microconto: qualquer tema, desde que seja humorístico;

5. Para Ensaio: João Cabral de Melo Neto, que em 9 de janeiro de 2020 celebraria 100 anos de idade.

Como Enviar
 
 Em WORD, o limite de laudas / versos para cada modalidade que não tem tamanho específico será o seguinte:


1. Para Ensaio e Conto: 5 laudas, Times New Roman ou Arial 12, espaçamento 1,5, margens superior e inferior 2,5 cm, margens direita e esquerda 3 cm.

2. Para Microconto: 140 caracteres (com espaços).

3. Para Crônica: 3 laudas, Times New Roman ou Arial 12, espaçamento 1,5, margens superior e inferior 2,5 cm, margens direita e esquerda 3 cm.

4. Para Poesia Livre: 30 versos.

ATENÇÃO: Em nenhuma hipótese poderá aparecer o nome do concorrente no texto. Ademais, o pseudônimo utilizado não poderá permitir que o concorrente seja reconhecido.

Logo, solicita-se que a participação seja feita da seguinte maneira:

- no corpo do e-mail informe seus DADOS:
modalidade (se for mais de uma, o(a) concorrente pode fazer uma listagem); pseudônimo;
nome completo;
e-mail;
cidade e estado onde reside;

- em anexo, num arquivo de WORD, o(s) texto(s).
Se houver mais de um, eles poderão vir juntos no mesmo arquivo de Word ou separados (a critério do(a) autor(a)). De qualquer forma, na página do texto deve aparecer respectivamente: o título do texto seguido do pseudônimo e, abaixo, o teor do texto.

Observações finais:
A participação neste concurso significará a aceitação irrestrita do regulamento presente, sendo irrecorrível e soberana a decisão do júri no que tange a dirimir quaisquer dúvidas não esclarecidas neste mesmo regulamento.

Obviamente não serão aceitos textos e obras que ofendam crenças, orientação sexual, cor / raça e que denotem outros tipos de ofensas.

O(a) concorrente é plenamente responsável pela veracidade das informações prestadas e pela eventual prática de plágio total ou parcial, sendo que tal prática acarretará a eliminação imediata do(a) concorrente e exonerará de responsabilidade o organizador do concurso.

Academia de Letras e Artes de Paranapuã
Presidente: Acad. Marice Prisco
Vice-Presidente: Acad. Flávia Mariath
Diretor Cultural e Financeiro: Acad. Oliveira Caruso
 
Fonte:
Paulo R. O. Caruso