terça-feira, 9 de março de 2021

Dicas para Escritores (Como Conhecer os Personagens de Sua História) – 1

arte de Albert Anker (Suiça, 1831 - 1910)
(artigo do Portal Wikihow)

Escrever uma história não trata-se apenas do enredo. Na realidade, possivelmente os personagens são a parte mais importante da história. São eles com quem os leitores se identificarão ao ler sua história. Se você puder tornar os personagens mais humanos (em vez de estereótipos desinteressantes), o público irá ama-los ainda mais.

Geralmente, os leitores querem ler sobre pessoas reais que têm falhas,
dias ruins e peculiaridades, assim como eles. Mas primeiramente, você precisa conhecer seus próprios personagens. Eles precisam ser reais para você antes que possam ser reais para qualquer outra pessoa.

Como criar e investigar esboços de personagens

1. Crie uma página da biografia de cada um de seus personagens. Em
cada página, crie uma categoria para "nome", "data de nascimento", "altura", "características físicas", prato favorito", "período do dia favorito ", e assim por diante.

2. Adicione detalhes gerais sobre cada personagem às páginas específicas de suas biografias.

– Escreva o nome de um personagem no topo de cada página.
– Preencha os espaços em branco para cada um deles.
– Observe se cada personagem é mais ou menos importante, e como se relacionam entre si na história.

Desenhe uma árvore genealógica, caso necessite de ajuda para manter todos os personagens em ordem.

3. Descreva a aparência física de seus personagens. Não esqueça de
incluir diversidade entre eles. Os personagens devem refletir a vida
real em idade, raça, sexualidade, gênero, tamanho, etc.

4. Considere as peculiaridades e falhas dos personagens.

– Talvez eles nunca fechem os armários da cozinha.
– Talvez eles sempre desliguem o telefone antes de dizer "eu te amo", ou cantem enquanto dirigem, mas nunca na frente das pessoas.
– Talvez eles comam queijo em excesso, e gastem um salário inteiro na seção de queijos do supermercado.

5. Comece a pensar mais profundamente sobre a personalidade de cada personagem.

– O que seu personagem teme?
Talvez ele não goste de aranhas, ou tenha medo d’água.

– O que o motiva?
– O que o  impede de dormir?
Talvez ele não consiga dormir porque sempre sonha com gatos pretos.

– O que o faz chorar?
– O que faz seu coração parar de bater por um momento?
– O que ele mais quer na vida?
– Onde é seu lugar favorito no mundo?
– Quais medicamentos ele usa?

6. Conecte as motivações e os pensamentos mais profundos dos personagens em suas características superficiais.

Por exemplo,
– O que suas cicatrizes ou tatuagens dizem sobre seu passado?
Talvez ele tenha uma tatuagem que o faça lembrar de um animal de estimação querido que morreu.

– Por que seus olhos são castanhos?
Talvez sejam os olhos de sua avó, e ele compartilha uma paixão pela pintura com ela.

– Quando ou por que ele decidiu que gostava de torta de morango?
Talvez tenha sido o doce favorito de sua mãe, que morreu quando ele era criança.

– Por que ele gosta de manhãs?
Talvez esse tenha sido o único período que ele realmente tinha para passar com sua mãe.

Continue se aprofundando.

Pergunte "por que" para cada característica.

– Por que ele tem medo de aranhas?
– Por que ele sonha com gatos pretos?

Anote as possíveis respostas na página da biografia do personagem.

Continua…

segunda-feira, 8 de março de 2021

Adega de Versos 1: Nemésio Prata

 


Figueiredo Pimentel (O Anjo da Guarda)


Um pobre homem, chamado Luís, vendo que não podia mais viver na cidade por ser muito cara aí a vida e não ter ele dinheiro para sustentar a família, foi morar na roça, em companhia de sua mulher Marfa, e seu filho Renato.

Tendo assim resolvido, escolheu um lugar bem deserto, onde ele e os seus apenas se sustentavam da caça que o velho matava.

Poucos anos depois Luís veio a falecer.

Renato estava com quinze anos de idade, quando seu pai morreu. Compreendendo que a vida naquelas matas seria muito pesada para ele, pediu a sua mãe para voltarem à cidade, onde podiam viver do trabalho que poderia obter em alguma oficina, dizia ele.

A velha concordou; e, reunindo o pouco que possuíam – um cavalo, uma espingarda de caça e um cão – dirigiram-se para a cidade. Era noite quando aí chegaram. O rapaz correu toda a cidade, e não encontrou vivalma. Bateu em todas portas e ninguém lhe respondeu.

Depois de muito andar por diversas ruas, todas desertas, foi ter a um sobrado, o único que achou aberto.

Bateu palmas, e, não ouvindo resposta, entrou pelo corredor, subiu as escadas, correu a casa, e ninguém encontrou.

Nessa casa todos os quartos estavam abertos, menos um, que se conservava fechado.

Renato tomou conta da casa, e aí dormiu com sua mãe.

No dia seguinte ainda não viu pessoa alguma, nem percebeu o menor movimento pelas ruas; e não encontrando o que comer, foi para o mato, como fazia seu pai.

Quando estava caçando, apareceu à velha Marfa, sua mãe, que ficara no sobrado, o gigante Barraguzão, dizendo-lhe que devia ser morta, por ter-se apoderado da casa, sem seu consentimento, mas que, por ser mulher, a perdoava, com a condição de ela viver ali, e nunca mais sair para lugar algum.

A velha ficou com muito medo, e disse que tinha um filho em sua companhia.

– Esse não quero para nada. Comê-lo-ei esta noite, respondeu o gigante.

– Qual, o senhor não pode com meu filho – retorquiu a velha.

– Por quê? Não é ele um homem como os outros?

– É sim; é um homem.

– Pois então, não há perigo. Pois se eu pude com todo o povo que morava aqui, nesta cidade, não hei de poder com um fedelho? Tinha graça.

– Mas é que meu filho tem muita força, e é capaz de matá-lo.

– Pois bem: se não posso com ele, como dizes, vou te ensinar um meio de acabarmos com ele, propôs o gigante. Quando ele voltar da caça, deita-te na cama, finge-te doente, e a gritar com uma dor muito forte nos olhos. Dize-lhe que o único remédio que te curará é a banha da serpente que existe no mato. Ele, com certeza irá matar a serpente; mas, como não poderá com ela, será mordido pelo animal, e cairá fulminado.

Ao chegar Renato da caça, ao escurecer, a velha Marfa fez o que lhe fora ensinado pelo Barraguzão, e o moço tornou incontinente para o mato, à procura do animal que havia de curar sua mãe.

No caminho encontrou um velhinho que lhe perguntou onde ia àquela hora, por uma noite tão escura.

– Vou matar uma serpente, que mora aqui neste mato, para apanhar a banha, e untá-la nos olhos da minha velha mãe que deixei em casa, gritando com dores, respondeu o bom filho.

– Não vás, disse o velhinho, porque a serpente te matará. Tu não podes com ela.

– Irei, aconteça o que acontecer, objetou Renato. Como é para minha mãe, Deus me há de ajudar.

– Pois vai, que hás de ser feliz, falou o velho.

E assim sucedeu. Chegando à floresta, Renato deu combate à terrível jibóia – um bicho colossal, de cerca de vinte metros de comprimento, e conseguiu matá-la, depois de porfiada luta.

Chegando à casa, fomentou com o remédio os olhos de sua mãe, que não teve remédio senão dizer que ficara boa.

Voltando Barraguzão, à noite, ficou admirado de ver um homem tão valente, e disse a Marfa:

– Teu filho é o homem mais corajoso que tenho visto. Agora amarra-o com esta corda, e vê se ele é capaz de a arrebentar.

Quando o moço voltou da caça, nessa segunda vez, a velha lhe disse:

– Meu filho, reconheço que és valente, mas duvido e aposto mesmo, como não és capaz de arrebentar esta corda que aqui está.

O rapaz aceitou a aposta, e Marfa enleiou-lhe todo o corpo, da cabeça aos pés.

Renato forcejou o corpo e partiu a corda em diversos lugares.

Marfa ficou pasmada de tanta valentia, e, à noite, quando o gigante Barraguzão chegou, narrou-lhe tudo.

Este já não sabia o meio de se ver livre do jovem, quando, depois de muito pensar, disse:

– Bem, teu filho é forte, mas sempre desejo ver se é homem que arrebente esta corrente. Amanhã enleia-o bem nela, para ver se me escapa desta vez.

Ao tornar Renato da caça, a mãe lhe disse:

– Meu filho, és mais valente que cem homens juntos; teu pai não era capaz de fazer o que tens feito por minha causa. Se és tão homem assim, quero ver se eu te prendendo nesta corrente és forte bastante para a arrebentar.

– Isto não, minha mãe, não posso arrebentar uma corrente.

– Pois sim, meu filho: experimenta.

– Pois se minha mãe quer, vamos ver.

Marfa enleiou-o na corrente, com a qual lhe deu uma porção de voltas em redor do corpo. Renato esforcejou-se, mas nada conseguiu.

Neste instante apareceu o gigante, com um grande facão, e dirigiu-se para o rapaz, a fim de matá-lo.

– Pode matar, disse Renato. Desejo apenas que me faça três coisas, que lhe vou pedir.

– Cumprirei vinte, quanto mais três, prometeu Barraguzão, que começou a amolar a faca.

– Primeiro: Não quero que faça uso dos objetos que meu pai deixou, isto é, do cavalo, da espingarda e do facão. Segundo: Quando me matar, não estrague o meu corpo, e parta-o em cinco pedaços. Terceiro pedido: Ponha-me dentro de dois jacás, no cavalo, com a espingarda e o facão e vá atirar-me no mato.

O gigante fez o que lhe pediu o moço.

Nesse entretempo, o cavalo, assim que se viu com os jacás que encerravam o corpo de seu amo partido em cinco pedaços, disparou a toda a brida, e foi ter à casa do velhinho que Renato encontrara na floresta, quando fora matar a serpente.

O velho tinha uma filha. Estava essa moça à janela, e reconhecendo o cavalo de Renato, pelos sinais que dele lhe fizera seu pai, foi chamar o velho, que assim falou:

– Minha filha, o que ali estás vendo é Renato, que vem morto, partido em cinco pedaços; vai buscar o cavalo, pois quero dar vida ao pobre rapaz.

O velho pediu a banha da serpente, de que também guardara uma grande porção, ao sabê-la morta pelo corajoso mancebo, juntou os pedaços do corpo de Renato, que logo ficou bom.

– Sentes alguma coisa, meu filho? Ou estás inteiramente sarado? –  inquiriu o velho, ao vê-lo restituído à vida.

– Falta-me a vista, respondeu Renato.

O ancião pediu certo unguento misterioso, cujo segredo só ele tinha, e com ele esfregou os olhos do moço, que recuperou imediatamente a vista.

O jovem apanhou a espingarda e o facão, e partiu para a casa do gigante.

Assim que entrou, viu Barraguzão dormindo. Enterrou o facão no peito do monstro, e matou-o.

Marfa, ao ver o gigante morto por seu filho, atirou-se-lhe aos pés, pedindo que a perdoasse.

Renato fê-la levantar-se, dizendo que nada lhe faria , por ser sua mãe. Voltou à casa do velho; a quem contou tudo quanto fizera. O velho então lhe disse:

– Meu filho, a tua melhor ação é ter salvo tua mãe, que, apesar de ter sido má, sempre é tua mãe. Sou o teu anjo da guarda, que para aqui vim, somente para te defender.

Dizendo isso, desapareceu, subindo para o céu. Renato casou-se com a moça que o velhinho criara. Voltou para a cidade, e encontrou toda ela povoada, porque estava apenas encantada com a presença do gigante, e só se desencantaria quando ele morresse.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. 
Publicado em 1896.

Caldeirão Poético XXXVIII


Amilton Maciel Monteiro
São José dos Campos/SP

8 DE MARÇO – DIA DA MULHER


A mulher é a flor que enfeita a vida.
Sem ela o mundo todo não tem graça,
tal qual jardim sem rosa, ou margarida...
ou um lar mergulhado na desgraça.

A mulher é uma aurora colorida,
que o dia, imerso em luz, a beija e abraça.
E essa aurora tão bela e tão querida,
Faz com que a vida em nós, pulse e renasça!

Mulher é a obra prima que Deus fez,
só para nos tornar feliz de vez,
com sua simpatia colossal.

Por isto, nada mais que merecido
do que à essa deusa ser oferecido
nesta data o seu Dia Mundial!
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Dante Alighieri
Florença/Itália, 1265 – 1321, Ravena/Itália

RIMA 183

Se dela o doce olhar me mata aqui,
e as palavrinhas brandas de tal sorte,
e se Amor sobre mim a faz tão forte,
só quando fala ou só quando sorri,

ah! que será, se acaso ela por si,
por minha culpa ou por malvada sorte,
separa os olhos da mercê, e à morte,
lá onde me protege, então me fie?

Porém se tremo, e em coração gelado
vejo às vezes mudar sua figura,
medo é de antigas provas derivado.

Mulher é coisa móvel por natura;
onde eu sei bem que um amoroso estado
no peito dela pouco tempo dura.
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Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP

UM CANTO


Não sou estrela que brilha,
Nem um brilhante valioso.
Não sou pedra, nem árvore e nem flor.
Sou barro a ser moldado
Pelas mãos do Criador.

Encontro-me num distante Continente
Onde o destino me levou.
Às vezes triste, às vezes contente...
Nada altera, o que eu sou.

Gosto de cantar o meu verso,
De improviso e de repente,
Saio do meu deserto,
Para todos quero cantar...

Não sou estrela que brilha,
Não sou pedra preciosa,
Nem árvore e nem flor.
Sou barro a ser moldado
Pelas mãos do Criador!
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José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

O DIA DAS MULHERES

Hoje cumpro o mais justo dos misteres,
Como poeta e amigo da beleza:
Dou parabéns a todas as mulheres,
Vendo nelas, do amor, a realeza!

Às rainhas do lar e deste mundo,
Que, sem elas, pra nada serviria,
Eu desejo, com o apreço mais profundo,
Um reinado de paz e de alegria!

Que haja flores na rota da existência
De toda mãe, que é nosso amor primeiro,
E nunca mais a mão da violência
Baixe sobre a mulher, no mundo inteiro!
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Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP

QUEIXA DE MULHER


De tudo o que mais preciso,
se queres mesmo a verdade,
é de um cálice de risos
e um prato fundo de amizade…
De dois dedinhos de prosa,
de um pires de companhia,
de uma palavra carinhosa
e uma braçada de alegria.
De uma pontinha de afeto,
de paciência um tantão!
Do meu doce predileto
e de uns afagos na mão.

De umas gotas de carinho
e um pouco de afinação.
De um copo cheio de vinho
e de um punhado de atenção…
De um brinde em copos cruzados
e um gesto de gentileza.
De alguns raminhos de agrado
para enfeitar minha mesa.
Quero uns pingos de cuidados
e que não sejas tão ausente!
o resto… deixa de lado,
que eu vou tocando o batente!
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Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçú/SP

A MULHER DE VERDADE

(Dia Internacional da Mulher)

Não, não era Amélia a mulher de verdade.
A mulher de verdade nem é a que sabe
mais do que todas as outras como se pilota
um fogão, como se faz de arroz e feijão
o banquete para seu Fred Flinstone e volta
mais cedo para casa do que de costume,
só porque o marido não gosta que ela rode
na rua até tarde, porque ele sente ciúme.

A mulher de verdade é a que tem nas mãos
as mãos que percorrem os sonhos do homem
e, ao mesmo tempo, trabalha e ganha o pão
de cada dia, estuda para ver outro horizonte
que não o de suas avós, amando um homem,
ou até mesmo uma igual, que a vida é ação
que se consuma na emoção até que lhe conte
outra História em que a mulher seja o ser
que Eva não foi, nem nunca mais poderá ser.

A mulher de verdade é a que se faz de forte
mesmo quando o barco vira e seu norte
se descompassa, vira sul, leste, oeste, o sol
que não estava no script neste seu farol,
de onde avista sua história como uma diva,
uma Marilyn Monroe, Julia Roberts, viva
porque é feita de emoção e luz, dá à luz
e ainda se curva à cruz e enxuga de Jesus
o rosto masculino, cheio de dúvidas, Pai,
porque foi homem, não Maria, não um cais,
mas um barco que se transfigura com fé
no terceiro dia, que a mulher, a de verdade,
foi criada por último, depois da “cidade”
do Éden sobre sonhos de Adão já estar lá,
à espera de Deus, de Alá e de quem há
de ser dona de tudo: ela, a musa, a mulher.
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Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

SONETO DO CORIFEU

(da peça Orfeu da Conceição)

São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 35) Como a esperança do amor em noites altas...


DONA PREGUIÇA, AO VER o seu Canário Belga pousar no beiral de sua casa, se vira para o recém-chegado e faz carinha de desconsolada. Fala:

— Que bom que apareceu. Estou com uma fome dos diabos. Não me faria um grandíssimo favor?

Seu Canário acha melhor dar uma de bom samaritano. Como tem interesse na intrigante mamífera e, sendo sabedor que, apesar de relaxada e ociosa, de quando em vez ela dá umas puladinhas de cerca, assente, pressuroso:

— Qual favor, dona Preguiça?

—Como o senhor voa rápido, corta os ares com uma velocidade indescritível buscaria algo para eu comer lá na lanchonete do seu Zé Macaco?

Num primeiro momento o impulso da ave foi o de mandar dona Preguiça lamber sabão. Todavia, se agisse desta forma, cairia por terra qualquer possibilidade de se achegar a ela e tentar alguma coisa mais “caliente”. Impossível? Jamais! Lembrou imediatamente do seu amigo distante, o Shrek, onde um burro, sem eira nem beira, se apaixona por uma dragão fêmea. Pensando firmemente nesta probabilidade, apesar de todos os prós e contras, não deixou de perguntar o que lhe veio na mente, para ver até onde a dondoca pretendia chegar:     

— E por que a senhora mesma não vai lá pessoalmente?  Aproveita a noite fresca, o céu estrelado... Sem falar que as horas ainda não se perderam à revelia do silêncio!...

Dona Preguiça, todavia, tem resposta para tudo, na ponta da língua. Rebate ladinamente esperta:

— Porque estou muito cansada, seu Canário. Quase oito da noite. Trabalhei até agora. Saio de casa às quatro da manhã para pegar no batente às nove horas em ponto. Isto de segunda a sábado. Imagine! Como ando muito devagar, o senhor tem conhecimento da minha fama. Gasto uma eternidade enorme para fazer um percurso de meio quilômetro. Até chegar no Zé Macaco... Ele já se recolheu. Hoje dei sorte... Dividi o táxi do seu Leão da juba grande com as irmãs Simone e Silmara, as  fogosas onças Pintadas.

Seu Canário vai mais fundo. Indaga:

— Ainda que mal pergunte. A senhora trabalha aonde?

— Na padaria do seu Pedro Javali.

Seu Canário fica sério e arqueia as sobrancelhas:

— Estranho!

— O que acha estranho seu Canário Belga?

— Praticamente não saio do comércio do seu Javali e nunca vi a senhora por lá. Por favor, não me entenda mal...

— De forma alguma. Espera lá. Eu sei o motivo. Fico o tempo todo na cozinha fazendo lanches e preparando pelo menos umas doze ou treze garrafas de café e outras tantas de sucos os mais diversos. Daí o senhor não me ver. Geralmente quem atende no salão são as coelhas Bia e Carol. Mas me diga aí, seu Canário... Que me recorde, das vezes em que apareci no salão, confesso, igualmente, nunca topei com o senhor sentado numa das mesas.

— Por certo dona Preguiça, por certo lhe assiste inteira razão. Eu só passo de passagem, digo, voo de passagem para pegar as refeições de meus dois pequenos Belguinhas.

— Que bacana! Então o senhor é freguês do meu patrão Javali?

— Não exatamente...

— Não entendi. Não faz compras regularmente no empório colado à padaria?

— Eu explico dona Preguiça. Eu e minha família (faço referência a meus dois filhinhos) moramos nos fundos do estabelecimento, ou mais precisamente, no topo de uma árvore enorme.

— Raios e trovões! O senhor se refere àquele carvalho nos fundos do quintal?

— Esse mesmo em carne e osso.

— Como disse...?!

— Em galhos, raízes e folhas.

— Ah, sim! Quer dizer que aquela cantoria que escuto logo cedo, vem de seus pequenos?

— Com certeza, dona Preguiça. Com certeza.

— Encantada. Não sabia que era nosso vizinho! Às vezes, seu Javali joga uns restos de comidas fora...

— Eu sei. E, quando isso acontece, eu entro em cena catando estas migalhas e distribuindo para meus bebês.

Dona Preguiça vendo seu Canário Belga falar de filhos e não mencionando esposa, questiona abelhuda:

— E sua companheira? Deve ter uma, suponho?

— Qual o quê! Bateu asas e se mandou com um periquito australiano pra bem longe...

— Verdade?

— Sim. A sem vergonha me trocou por outro...

— Já que é assim, seu Canário, posso lhe ajudar...

— Como me ajudar, dona Preguiça? Vai me pedir em casamento?

Dona Preguiça ri a boas gargalhadas:

— Pra Deus nada impossível. Quem sabe! Quando falei em ajudar, fazia referência ao invés de deixar que seu Javali jogue as sobras fora, eu as guardaria e entregaria diretamente ao senhor...

— Faria isto por mim?

— Sem problemas, seu Canário, sem problemas.

— Perfeito. Fechou. Vamos lá. O que é que a distinta quer comer?

— Uau! Iria buscar um lanche?

— Uma mão lava a outra, dona Preguiça.

— Eu sei seu Canário, eu sei. E as duas, o rosto. Aguarde um minuto que vou lá dentro buscar o dinheiro.

Assim foi. Uma hora e meia depois dona Preguiça volta com o dinheiro. Seu Canário, de posse dele, corre... Corre... Corre  não, voa, até a lanchonete de seu Macaco e traz o pedido para dona Preguiça, que se deleita com a guloseima. Estava com uma fome dos diabos e aquele sanduíche de folhas de embaúba e brotos de árvores frutíferas, com queijo derretido lhe caiu como um quitute de primeira ordem.

Seu Canarinho não aceitou nenhum naco da iguaria que lhe fora oferecida. Estava de papo cheio e seu interesse maior seria o de cantar aquela preguiça de hábitos requintados, dona de grandes garras e que, igualmente aos demais da sua cadeia familiar, dormia catorze ou dezoito horas por dia. Isso não importava. Desde que ele lavasse a égua, ela poderia dormir quantas horas lhe desse na telha. Aquela lindeza de corpo cinza claro, com manchas pretas lhe deixava em estado desesperador. Precisava dar um jeito de ser mais contundente em suas cantadas e chegar aos finalmente com a menor brevidade possível.

Desde que sua adorada esposa, dona Passarinha lhe colocara um belo par de chifres, seu Canário se fechara para o mundo. Todavia, com o passar dos dias e dos meses, começou a se sentir triste e macambúzio. Precisava reagir. Sair do ostracismo e seguir a sua vida. Arranjar um novo cobertor de orelha, alguém para dividir seus medos e receios e, claro, uma nova esposa que ajudasse a criar seus dois filhotes. Os meninos estavam crescidinhos, mas, sem o amparo da visão materna necessária e indispensável. Dona Passarinha, de fato, se fora de vez e jamais voltara a dar as caras, sequer para rever os filhotes que orfaram sem saber o verdadeiro motivo daquele triste abandono.

— Pois então, seu Canário — diz dona Preguiça após se fartar com o lanche. — A partir de amanhã começarei a recolher, eu mesma, o que seu Javali, meu patrão, jogar fora e guardarei para o senhor, digo para seus filhotinhos...

— Obrigado, dona Preguiça. Ficarei imensamente grato pela sua ajuda e compreensão. A propósito: como farei para pegar estas “guloseimas?”.

— O senhor poderá vir aqui em minha casa ou diretamente ter comigo em meu horário de saída...

— Não será muito incômodo para a sua pessoa, dona Preguiça?

— Que é isto, seu Canário! Incômodo é doença. Farei com maior prazer. De mais a mais, pense em seus pequenos...

— Por certo, dona Preguiça. Por certo. Bem, vou deixa-la em paz. Hora de ir embora. Meus bichinhos estão sozinhos, lá em casa, e eu preciso me fazer presente. Sabe como é, né. A noite vai alta. Daqui percebo a sua escuridão se achegando com um tremor inesperado. Hora de partir. Tenha bons sonhos, querida. Durma com os anjos.

— O senhor também, seu Canário Belga. Deposite em seus “gatinhos” beijos do coração aqui da tia Preguiça.

Seu Canarinho Belga vira as costas e sai de cena num rasante espetacular, deixando dona Preguiça acabando de se fartar com as migalhas finais do sanduíche. Em casa, agasalhado aos filhos, seu Canarinho Belga pensa com suas penas: “Aquela Preguiça vai acabar aqui em cima aconchegada comigo... Ah, isto vai”.

Por sua vez, enquanto se recolhe, dona Preguiça ainda lambendo os beiços em face do lanche devorado, não deixa de ter pensamentos pecaminosos:

— Apesar de toda a minha fama de bambeza e atonia, ainda trarei para a minha humilde moradia, ou melhor, para a minha alcova aquele passarinho com cara de safadinho. Quer saber? Vou investir. Essa história das iguarias que o velho Javali joga fora me servirá de ponte para atingir, em cheio, o coração desse Canário de voos majestosos. Que diabo daria o casamento de uma folívora placentária igual a mim com um ser da família dos fringilídeos de plumagem compacta e sem frisos? Amanhã, quando sair da padaria, consultarei a senhora dona Coruja.

Seu Canarinho, mais esperto, dia seguinte, sai cedo depois de deixar os filhotinhos devidamente alimentados. Bate às portas de dona Coruja, tida na floresta como a simbolizadora ou a guardiã da inteligência, do mistério e do misticismo, entre outras variantes. Paga a consulta e entra direto no assunto:

— Senhora dona Coruja, me mata uma curiosidade. Do relacionamento de um Canarinho Belga com uma simpática de uma certa Preguiça, o que resultaria?

Dona Coruja responde de primeira, na lata, sem pestanejar:

— Certamente, meu caro senhor Canário Belga, uma linda ninhada de pilosas voadoras.    

Fonte:
Parte integrante do livro de crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, ‘COMÉDIAS DA VIDA NA PRIVADA’ – Editora AMC-GUEDES - Rio de Janeiro. 2021.
Texto enviado pelo autor.

Dica de Escrita: Impressão sob demanda e o que isso muda para os escritores


artigo do Portal Escrita Criativa
 
Em um passado nem tão distante assim, o caminho para um escritor publicar livros era um só: despertar o interesse de uma editora que editasse, publicasse, distribuísse e vendesse a sua obra. Nesse caso, a dificuldade era conseguir uma editora. Com o avanço da tecnologia digital, o escritor passou a ter mais liberdade no processo, podendo escolher uma editora mais facilmente, mesmo que ainda em troca de um investimento considerável.

Hoje, o mercado editorial evolui conforme aumenta o número de escritores e clientes para estes serviços. Neste contexto, a impressão sob demanda (ou POD – Print on Demand) surge como uma possibilidade para os escritores que desejam ter seus livros impressos, na tiragem que quiserem, e entregues ao seu público de uma forma rápida e prática.

Para falar com mais detalhes sobre este assunto, conversamos com Luisa Aranha, escritora com cinco anos de experiência em publicações independentes e autora do Guia de Autopublicação pela Amazon, e Marcelo Spalding, escritor, professor e fundador da Metamorfose Cursos. Eles comentaram sobre as principais vantagens de se optar pela impressão sob demanda, além de terem dado dicas para quem deseja começar a imprimir seus livros desta forma.

Quais as principais vantagens de se optar pela impressão sob demanda para um escritor?

Marcelo Spalding: A impressão sob demanda é muito importante para que possamos imprimir uma quantidade de livros compatível com a realidade do autor iniciante. Antigamente tínhamos que rodar 1000 exemplares, e poucos autores que estão começando conseguem vender tantos livros. Hoje é possível fazer 100, 150, 200 exemplares com custos razoáveis e competitivos.

Luisa Aranha: A principal vantagem é não se preocupar com estoque e envio. Hoje em dia, você adiciona o livro em uma plataforma sob demanda e ela coloca em todos os marketplaces possíveis. Estando disponíveis em lojas virtuais, o livro ganha uma visibilidade também maior que apenas a bolha do escritor.

Quais as dicas que você daria para quem deseja começar a imprimir seus livros dessa forma?

Marcelo Spalding
: Minha principal dica é: gráfica NÃO É EDITORA. Alguns autores acham que, pela facilidade atual de imprimir livros, inclusive em menor quantidade, basta enviar seu arquivo de Word e você se torna um escritor. Um livro precisa de um editor e/ou leitor crítico, que ajude o autor a ter uma visão crítica sobre seu trabalho. A autopublicação é muito importante e, por vezes, salutar para o escritor, mas ele não pode queimar etapas para economizar. Este é um dos motivos que sempre sugiro a impressão de pelo menos 100 exemplares, porque há custos fixos envolvidos na produção de um livro que para serem pagos, é necessária uma certa quantidade de livros vendidos.

Luisa Aranha: Conversar com autores que já utilizem dessas plataformas e com profissionais do meio para entender todo o processo. Não é porque se trata de uma publicação sob demanda que ela não precisa passar por todo o processo de editoração. Muitas vezes, o que atrapalha quem quer começar é não saber como funciona o processo de editoração de um livro. Por isso, informar-se é essencial. No ano passado, lancei o Guia da escritora independente na Amazon e lá tem um passo a passo para quem quiser se aventurar, que pode ajudar bastante.

Principais vantagens da impressão sob demanda:

• O autor pode encomendar a quantidade (tiragem) que quiser, sem o risco de acumular um grande número de livros caso não consiga vendê-los, assim como a editora pode pedir para imprimir somente a quantidade de exemplares que o cliente solicitar;

• Facilidade de gerenciamento do estoque e da entrega dos livros, já que as plataformas sob demanda fazem essa gestão;

• Menos custos e menos estoque (ou zero estoque), o que beneficia principalmente os escritores iniciantes;

• Qualidade de impressão garantida pelo sistema digital, sem borrões, respingos e outras falhas;

• O autor tem mais opções de acabamento, tipos e cores de papel, podendo personalizar o seu livro mais facilmente e com menos custos do que na impressão tradicional;

• Mais facilidade caso o escritor queira atualizar suas publicações anteriores.

Alguns cuidados com a impressão sob demanda:

• O escritor tem menos controle sobre o processo, principalmente quanto às entregas (se chegam no prazo prometido, se os livros chegam em bom estado etc.);

• Evite pular etapas importantes para a sua trajetória como escritor e para a qualidade final do trabalho. Para isso:

• Tenha um leitor crítico para avaliar suas obras antes de atirá-la ao público. O escritor Stephen King, por exemplo, tem uma primeira leitora, que é a sua esposa, e mais dois leitores críticos que avaliam as suas obras antes de ele enviar à editora;

• Faça uma boa revisão final, de preferência contrate alguém só para isso. O escritor está tão envolvido com o livro que pode não ver erros que um revisor detectaria facilmente;

• Confie a diagramação e o layout do livro a uma empresa ou profissional de confiança. Pode ser a própria editora ou um profissional freelancer.

• Cuidado com as expectativas no processo. Depois de imprimir, a impressão sob demanda não garante a venda dos seus livros. Cabe a você, escritor, criar e cuidar da sua imagem na internet e fora dela, ter um mailing com contatos e possíveis compradores dos seus livros, oferecer a sua obra em todos os lugares possíveis, estabelecer parcerias, criar eventos, e tudo o que for necessário para vender mais exemplares;

Para escolher o melhor fornecedor para a sua impressão sob demanda, fale com quem já percorreu o mesmo caminho, ou seja, com escritores que já usaram ou usam este serviço. Procure avaliações na internet e, por fim, alinhe todas as suas expectativas com a empresa. A Editora Metamorfose tem trabalhado com a Print Store, de Porto Alegre, mas que atende todo o Brasil.

Vale lembrar que um livro, mesmo sendo impresso nesse sistema sob demanda, contém horas de trabalho do escritor, boas doses de sonho, expectativas, conhecimento, entrega, cansaço e brilho no olho. Tudo isso exige que você cuide de cada etapa deste processo com atenção e carinho. E isso vai além da escrita do livro.
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domingo, 7 de março de 2021

Rachel de Queiroz (O Ateu)


Era uma vez, já faz muito tempo, havia um homem que era ateu. Naquele pequeno povoado onde morava não existia nenhum outro ateu igual a ele, de forma que o coitado vivia em grande isolamento. Mas era orgulhoso e não se queixava, mesmo quando se sentia mais solitário, por exemplo nos dias de domingo em que todo o povo da terra ia ouvir missa e ele ficava vagando entre as árvores da praça; ou na véspera de Natal, quando as pessoas só se preocupavam com o Presépio e com a Missa do Galo. Tocavam os foguetes, os sinos repicavam, todo o mundo se alegrava e ia cear, mas o ateu declinava os convites que lhe faziam: não tendo rezado não se achava com direito à ceia, pois ele com ser ateu não deixava de ser honesto; trancava-se em casa e ficava de vela acesa, lendo um dos seus livros de ateísmo. E, se alguma das pessoas vindas de longe para assistir às festas naquele povoado, estranhava a silhueta do homem solitário a ler junto à fresca da janela e perguntava por que não estava ele na missa ou na ceia, o povo da terra explicava:

– Ele não pode, coitado. É o nosso ateu.

No mais, o ateu vivia como os outros. Trabalhava no seu ofício, plantava couve e orégano no quintal, criava dois cachorros perdigueiros e, à boca da noite, tomava parte na roda dos conterrâneos que conversavam sentados nos degraus do chafariz. E quando a conversa tocava em assunto de religião sempre havia uma observar:

– Você, que é ateu…

Mas, então chegou um ano em que o nosso ateu, por diversas razões, parece que deu para se sentir ainda mais só. Esqueci de contar que ele era solteiro. Embora a cidade alimentasse um certo orgulho em possuir aquela singularidade – um ateu público –, as moças não sentiam coragem de casar com um homem assim marcado e que, mal expirasse, iria decretado para o inferno. Veio uma peste canina e matou os dois cachorros perdigueiros; parecia castigo para mais agravar a solidão do pobre ateu. E os livros dele, de tão lidos e relidos, já não lhe contavam mais nada. De dia, o trabalho ajudava a fazer companhia; e de tarde tinha os amigos. Mas nessas eras antigas os homens eram muito religiosos e grande parte do tempo levavam na igreja: de manhã era a missa, de tarde o terço, de noite a novena e, a qualquer pequena festa, as procissões. E nessas horas numerosas em que toda a gente se metia na igreja, o ateu saía de casa, sentava à sombra do cruzeiro, sentia o cheiro bom do incenso queimando nos turíbulos, e lhe dava uma certa vontade de entrar, de ver o dourado nas vestes dos santos, e escutar o belo latim do padre. Mas continha-se; que diria o povo se o visse lá dentro?

Outras ocasiões de inveja tinha-as nos dias de procissão, quando todos os seus amigos vestiam uma opa de seda colorida e iam carregar o andor, as varas do pálio ou os tocheiros acesos, e ele ficava nas esquinas, as mãos penduradas dos cotovelos, na sua roupa velha do diário. Então voltava a trabalhar, embora fosse dia de festa, e ninguém se escandalizava com isso pois todos compreendiam a sua condição de ateu, embora lhe lamentassem a desventura.

E foi aí, na altura do fim desse ano, apareceu uma moça – por sinal sobrinha do padre – que se apaixonou pelo ateu. Como começou ninguém sabe, mas o amor tem disso: vai passando uma moça pela rua, vê um homem que toda a vida viu, e de repente sente um baque no peito e está amando aquele homem. Ele a princípio ficou apenas enternecido ante os olhos que ela lhe punha, tão doces e amigos; mas depois, descobrindo-se amado – ele, a quem ninguém amava–, começou a amá-la também.

E todas as pessoas do lugarejo lamentavam os namorados, sabendo que podiam pensar em casamento, que o padre não iria entregar a sua ovelhinha inocente às mãos de um ateu confesso.

Assim chegou o Natal e foi arrumando o Presépio e começou a romaria dos visitantes que iam beijar o pé do Menino. E a namorada do ateu deu de teimar que ele a acompanhasse nessa visita obrigatória. Ele dizia que não e só com muito custo consentiria em entrar na sala e ficar a um canto, enquanto ela fizesse a sua devoção. Mas assim a rapariga não aceitava:

– Que é que custa um beijo? Você não me beija?

Ele sorria:

– Mas você é gente, é de carne e eu lhe quero bem. O Menino, como vocês chamam, é um bonequinho de louça.

A moça argumentou que de louça também era a xícara que ele levava aos lábios e não lhe fazia mal nenhum. Ele então alegou o seu amor-próprio. Afinal era o ateu dali, o único. A moça nesse ponto começou a chorar, a dizer que se ele tinha mais amor-próprio do que amor a ela estava tudo acabado. O ateu se assustou com a ameaça e consentiu, embora constrangido. Acompanhou à moça triunfante; entrou na fila atrás dela, enfrentou os olhares de espanto. De um em um, os devotos paravam diante da manjedoura, dobravam o joelho, rezavam uma jaculatória e beijavam o pé do Menino. Chegou a vez da namorada que, feita a sua reverência e dado o beijo, virou-se e sorriu para o seu bom ateu, a fim de o animar. Ele correu o olhar em torno e viu em todos o mesmo ar de animação e esperança. Resolveu-se: dobrou o joelho áspero, curvou a cabeça sobre os pezinhos do santo. E sentiu debaixo dos lábios, não o frio da porcelana, mas o calor da carne, o movimento, a pulsação da carne. Ergueu os olhos assombrado. Encarou o Menino e viu que Ele lhe sorria radioso, e dos olhos lhe saía uma luz que jamais olhos de louça teriam.

Dizem que o ateu caiu no chão, com os braços em cruz, chorando e adorando. E naquela noite de Natal acabou-se o único ateu do povoado.

Mas dizem também que ele não se casou com a namorada. Não podia, pois largou tudo e foi ser frade.

Fonte:
Rachel de Queiróz. O brasileiro perplexo. 
Publicado em 1964

Vanice Zimerman (Poemas Escolhidos) 5

 
A Chuva e o Silêncio

Madrugada fria
Começa a chover
O pensamento deixa-se levar,
Tentando entender a tua ausência,
Busca encontra-te,
Enquanto o silêncio
E o som da chuva apaixonam-se...
Imagino teu rosto.
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Ausência das letras

Na folha de papel
A ausência das letras e versos
Um ponto de interrogação invisível
Envolve as reticências…
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Labirinto

Nas flores da orquídea
Frágil labirinto perfumado
A teia lembra
Um vidro trincado…
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Madrugada azul

Madrugada chuvosa,
Desdobra-se a folha de papel
Dilui-se a tinta, misturam-se os versos
Saudade em tons de azul…
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Momentos Mágicos

Madrugada,
Enfim, a saudade aconchega-se
Nos fios horizontais e transversais
Traçados pelo destino,
Nas tramas da camisa branca…
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Noite fria

Noite fria
No espelho da sala,
Ainda o teu reflexo,
Silêncio…
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No toque das teclas

No toque das teclas
Digitam-se emoções
Amor e a saudade
Ao alcance das mãos
Um rosto, um olhar
Tão distante,
Um sonho…
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O encanto do por do sol

Há um encanto
Em cada pôr do sol
Nas cores lindas aquarelando,
O céu e as nuvens...
Enquanto a saudade tinge de azul
As lembranças de um amor distante,
Sinto o vento…
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Olhares...

Olhares imóveis
Espiam o fim de tarde.
Esculturas em bronze
Sonham com o vento…
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Papel de seda

Fim de tarde,
Presa nos fios de luz
A pipa ensaia voar
A cada dia, desbota-se a cor azul,
Os tons de cinza envolvem
O papel de seda,
Enquanto o dia despede-se
Com as carícias do vento…
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Sombras e Perfume

Manhã de sol,
Abro a janela.
Na parede da sala,
As sombras das rosas do jardim
Passeiam no quadro de rosas.
Perfume e sombras em sépia…

Fonte:
Recanto das Letras da Poetisa

Nilto Maciel (A Noite da Noite)


Maria sentada num banco da praça. Arranja a blusa, passa dedos entre cabelos. Alisa pelos dos braços, passa perna sobre outra. Bate pé no chão. Lixo amontoado junto ao tronco de árvore. As praças poderiam ser imensos pomares. Frutas para famintos e felizes. Do húmus da terra nasceria a paz social. Ora, para que se preocupar com a felicidade coletiva? Precisava pensar em si mesma, viver mais, varar o tempo com serenidade. Pôs-se de pé e a andar pela calçada. Crianças brincavam, mulheres conversavam, homem lia jornal, dois cachorros catavam aventuras. Por onde andava o diabo? Talvez enroscado num galho da árvore. Em forma de formiga ou de lagarta? Maria ajeitou a blusa e deu meia-volta. Melhor não passar perto das crianças. Talvez se assustassem, chorassem, corressem, caíssem. Melhor ainda não se aproximar do homem do jornal. O grande crime do dia na manchete poderia estar fazendo o leitor pitar cigarro. Maria aligeirou o passo e se dirigiu ao outro lado da praça. Aproximou-se de um banco e sentou-se. O tempo passava com lentidão ou pressa? Quantos pensamentos já tivera desde a chegada ao logradouro? Quantas formigas mortas? Quantos crimes aconteceram na cidade? Por onde andavam Airam, Aimar, Ramia e Riama? Em casa, nas ruas, na vida? Pouco importava. Ora, ora, carecia de varar o tempo, puxar o futuro para o presente, torar os galhos do passado. E se nevasse naquele instante? Não, só havia neve no outro lado do mundo. Irritou-se e cruzou as pernas. Deu um grito – tempo! – de assustar cachorros, crianças, mulheres, homens solitários, todos os diabos escondidos atrás das árvores. Tempo, tempo, tempo...                                                              
***

Entrou o carro de Airam numa ruela. Como ler a carta logo, senão ali? Estacionou o veículo junto à calçada e desligou o motor. Deu beijo no envelope e rasgou-lhe a borda. Papel branco, letra miúda. Leu a data. “Airam, meu amor”. Levou o papel ao rosto. Cheiro de mofo ou de pecado? Seria real a existência de outra ou estaria com ciúme? Como não pecar todos os dias, se viver exigia olhar o mundo? Palavras, verbos, todos os verbos, substantivos, os mais comuns, adjetivos inúteis... Amor, ciúme, saudade, lábio, bocas, olhos, nariz, corpo, gozar, rezar, parir, viver. Tudo cabia numa carta, numa promessa, numa mentira. Jogou o papel no banco do carro. Meninos rumavam para a escola, risonhos, livros e cadernos debaixo dos braços. Nem olharam para o carro verde. Por que não conversar com Maria, tão ajuizada? Não, melhor com Aimar. Ou com Ramia? Não, Ramia falava demais. E Riama falava de menos. Meteu a chave na fenda da ignição e o motor zuniu. Precisava rodar pela cidade, esquecer o amor, o passado, viver nova aventura. Sarar feridas, sanar-se de vez. Passou pelos meninos, em disparada. Ouviu risos e gritos. Ainda sofreriam por amor ou desamor.  Se não morressem cedo num grito de pavor.                                         
                                                           ***

Sentou-se Aimar numa cadeira, junto a uma mesa, e circunvagou o olhar pelas dependências do clube. Crianças e jovens nadavam nas piscinas, corriam, gritavam. Assentou óculos escuros à frente dos olhos. Agarrou um livro e se pôs a folheá-lo. Um garoto passou à sua retaguarda a borrifar água em torno de si mesmo. Alguns respingos molharam o livro. Aimar fez menção de lançar o objeto na direção do menino, que correu sem perceber o gesto inimigo. Ao longe, jogavam basquete. Moças com biquinis minúsculos passeavam para lá e para cá. Rapazes musculosos riam e cochichavam. Aimar abriu o livro. Rimar biquíni com mini ou com zine? Ou não rimar jamais? Buscou um lápis na bolsa ou no bolso. Fez um rabisco num verso. Rabasco, rabesco, rabisco, rabosco, rabusco. Conhecia um basco feioso, um Bosco bonito e buscava um besco ou um bisco. Pediu ao garçom creme com chocolate e leite. Nada de prato, colher e garfo. Queria luxar à sua maneira. Tomar o líquido sem temer o sólido. Uma ponta de sol inundou-lhe as pernas. Estirou-se mais na cadeira e jogou o livro sobre a mesa. Se Maria gostasse de clube, ela, Aimar, não estaria tão só. Mas Maria gostava mais de andar e andar. Perder-se nas ruas, no meio da multidão. E Ramia? Preferia olhar o mundo. Um clube para ela parecia muito pequeno. Como comparar uma piscina com o mar? Ora, para que comparações? Desde menina a falar de mares e marés.  Nada parecida com Airam, tão ocupada com o amor. Como andava transtornada! Não olharia para a piscina, os rapazes, o livro, mesmo o mais repleto de amor. Talvez Riama gostasse de se sentar ao seu lado, fechar os olhos, falar de ontem, da manhã. Por onde andava Riama? Olhou para o livro aberto pelo vento. A leitura do livro pelo vento. Livro lido pelo vento.
***

Ramia sentou-se junto a uma barraquinha.  Banhistas nadavam, pulavam, rolavam, brincavam, gritavam, riam. As verdes águas bravias. Longe pescadores remavam barcos. O vento levantava areia. A moça se ergueu e correu para o mar. Rapazes se voltaram para ela. Disseram graças, riram. Ela não lhes deu ouvido e se jogou nas ondas. Nadou, nadou, nadou. O sol esquentava tudo: olhos, águas, ventos. Ramia voltou à praia, sacudiu-se, ajeitou os cabelos e caminhou para o ponto de partida. Os rapazes repetiram as graças e ela mudou de pouso. Em pé se pôs a secar o corpo. Sentou-se, ajustou os óculos escuros no rosto e se deixou a olhar para o mar. Talvez tivesse chegado o tempo de arranjar namorado. Quem? Pedro Marinho ou Paulo Ribeiro? Riama não gostava deles. Uns vagabundos.  Maria não os conhecia, ou, se os conhecia, deles não falava. Aliás, quase não falava, o tempo todo na rua, a bater pernas. Coitada! Examinou os dizeres do vento. Fechou os olhos para ouvir mais a voz do mar. Se sereia fosse, nadaria até o fim das águas, o fundo do oceano. Não, nada de ouvir ventos. Ao seu espírito pertencia olhar o mundo. Olhar tudo, do grão de areia ao Sol, da formiga ao Mar, dos pelos de seu corpo ao chão. Arregalou os olhos o quanto pôde, até que o verde do mar lhe pareceu mais verde ainda.                      
***

Riama entregou o bilhete ao rapaz do circo e se dirigiu à arquibancada. Acomodou-se ao lado de uma mocinha.  Lembrava Ramia quando mais nova. Não, o nariz da menina parecia mais achatado. Além do mais, Ramia não gostava de circo. Airam, sim, adorava animais. Cachorros, sobretudo. Ultimamente, porém, andava esquisita. Não conversava mais, trancava-se no quarto, acordava tarde. No picadeiro um homem forte se anunciou. Tigres enormes em jaulas. A menina se assustou, deu um gritinho. Não queria Riama ver a morte. Não queria a morte da hiena. Não queria o dardo no lombo do leão. Não queria domar a fera. Não queria sedar o tigre. Não queria ouvir uivar o lobo. Não queria laçar o touro. Queria no circo ver a vida. Queria ver o pavão e seu leque de cores. Todas as cores da natureza. Olhou as pessoas estarrecidas. Quis se olhar, mas não se lembrava do espelho. O palhaço falava e cantava sem parar. O outro palhaço imitava o primeiro. As crianças gargalhavam. O picadeiro era um altar agitado. Riama sentiu tremerem as pernas. E se a fera pulasse para fora da jaula? Quem poderia deter a sua fúria? Ó homem, temei o temível! Tambores tocaram. Bateram palmas, aplaudiram com estardalhaço. Não queria Riama ver a morte. Não queria mais o circo, o temor, o riso, a corda bamba. E se retirou, em prantos.       
                                                           ***

Cansada, sentou-se Maria no sofá. Abotoou a blusa e olhou para Ramia. Por que não voltavam ao pomar, todos os dias? Colheriam as melhores frutas, correriam, como antigamente, subiriam aos galhos mais altos. Riama se apresentou, a enxugar os cabelos com a toalha. Não se lembravam mais do vento? O verde do mar nunca mudava de cor. Maria abaixou a cabeça. Tudo mudava, pois se não mudasse seria inerte. Queriam ver como ela mudava de lugar? Ergueu-se e se pôs a passear pela sala. Sentada numa poltrona, Aimar despertou, como se estivesse muito longe dali. Pensava no livro que havia dias folheava. Não tinha nenhuma história. Apenas uma infinidade de ações, acontecimentos, numa confusão de personagens indo e vindo, em permanente vai-e-vem. Maria se irritou. Deixasse Aimar de se iludir. Por onde andava Airam? Estou aqui. E se apresentou, sonolenta. Maria cruzou as pernas.  Por onde andava o diabo? Airam sentou-se numa cadeira. Por que não compravam mais um sofá? Naquele só cabiam duas pessoas. Três, se magras. Maior do que o amor só o ciúme. Deixasse de tolices. Somos todas tolas leitoras de cartas e livros. Pareciam uma só pessoa. Ramia fechou os olhos. Como sentia piedade das outras! A luz se apagou de repente. Seria a noite? Sim, a noite do tempo, a noite da morte, a noite dos olhos, a noite dos livros, a  noite do ciúme. A noite da noite.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte. Porto Alegre: Bestiário, 2006.
Livro enviado pelo autor.

Marcelo Spalding (Dica de Escrita) As formas nominais do verbo


A forma nominal do verbo é uma palavra que tem a classe gramatical de verbo, mas uma função sintática nominal (e por isso é chamada forma nominal). Por exemplo:

    Brincar (sujeito) é sempre muito bom.
    Ele estava jogando (objeto).
    Ela tinha chegado (objeto).

Como ela não conjuga como um verbo e nem varia como um substantivo, assume uma forma fixa, o que facilita muito sua compreensão.

    Ele está jogando, elas estão jogando, nós estamos jogando.

Essa facilidade tem incentivado seu uso através de locuções verbais em substituição a formas conjugadas.

    Eles iriam jogar, ela tinha jogado, nós vamos jogar

NO LUGAR DE

    Eles jogariam, ela jogara, nós jogaremos.

Locução verbal, vale lembrar, é quando temos um verbo conjugado + um ou mais verbos na forma nominal, como:

Tinha esquecido;
Devíamos ter lembrado;
Estamos conversando.

Podemos dizer que há três tipos de formas nominais do verbo, o gerúndio, o particípio e o infinitivo.

O INFINITIVO


É definido pelo Houaiss como "uma forma nominal que representa o verbo, nomeia uma ação ou estado, mas que é neutra quanto às suas categorias gramaticais tradicionais, ou seja, tempo, modo, aspecto, número e pessoa". Uma peculiaridade do infinitivo é que ele pode ser substantivado (Brincar é bom; seu adormecer era tranquilo), o que o permite exercer funções sintáticas de sujeito ou objeto.

Cuide para não confundir o infinitivo com o futuro do subjuntivo, pois nesta o verbo deve ser conjugado. Diz-se "eu vou cantar", "nós vamos cantar", mas "se eu cantar amanhã", "se nós cantarmos amanhã".

O GERÚNDIO


 
 
É definido pelo Houaiss como "uma forma nominal do verbo terminada em -ndo, usada para exprimir uma circunstância ou formar, quando conjugada com os auxiliares andar e estar, verbos frequentativos (estava estudando, vinha chegando) ou para expressar a ação inicial de um verbo, quando junto dos auxiliares ir e vir (ia falando, vinha dizendo).

Muito utilizada no inglês, gerou no português, por más traduções da língua de Shakespeare, o famoso gerundismo (imagem acima). Deve-se, portanto, evitar construções como "Vou estar telefonando" pela inutilidade do gerúndio nesse caso. Melhor seria "Vou telefonar" ou simplesmente "Telefonarei".

O PARTICÍPIO

Segundo Houaiss, "uma das formas nominais do verbo, formado com os sufixos -ado (para a primeira conjugação) e -ido (para a segunda e terceira conjugações) colocados, nos verbos regulares, após o radical do infinitivo (amado, parado, vendido, sentido). Alguns verbos possuem particípio irregular, como pôr/posto, fazer/feito, e há ainda os que possuem dois particípios, um regular e outro irregular, como pagar/pagado e pago."

Em alguns casos, o verbo anterior modifica a forma de particípio que deve ser usado a seguir. Por exemplo, se diz "A mulher tinha morrido", mas "A mulher estava morta". Ocorre que na segunda frase o que temos, na verdade, é um adjetivo derivado de um verbo.

TER ou HAVER…      SER ou ESTAR…
Aceitado                   Aceito
Acendido                  Aceso
Elegido                     Eleito
Entregado                Entregue
Expulsado                Expulso
Extinguido               Extinto
Imergido                 Imerso
Isentado                 Isento
Matado                   Morto
Morrido                  Morto
Prendido                Preso
Salvado                 Salvo
Submergido          Submerso
Suspendido          Suspenso        

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sábado, 6 de março de 2021

Varal de Trovas 484

 


Contos e Lendas do Mundo (A Flor Solitária)


Em um deserto distante, vivia uma solitária flor. Tão bela, delicada e com um perfume tão bom que a própria areia desviava-se com a ajuda do vento para não molestá-la.

Afinal, era a única flor do deserto...

Ela dava à paisagem árida um toque de vida e luz.

- Por que nasci assim? - pensava ela - tão longe de minhas irmãs e primas?

Olhava ao redor e só via areia clara e o céu azul. Os grãos de areia adoravam visitá-la.

Ela, tão linda e colorida, alegrava e dava vida àquele deserto.

Alguns grãos de areia viajavam dias e dias para conhecê-la. Comentavam entre si como era mais bela a paisagem graças à presença daquela flor.

Mas a flor, por não entender sua missão, sentia-se muito só. Se existia um motivo para a sua vida, qual seria ele?

Os grãozinhos de areia tentavam se comunicar com ela, mas por pertencerem a dimensões, ou reinos diferentes (vegetal e mineral), eles não conseguiam transmitir à flor o quão importante e necessária era a sua presença ao deserto.

Em cada amanhecer, a flor olhava ao redor em busca de algum sinal de vida.

Deprimida, ela, então, definhou e morreu.

Os grãos de areia, que nada puderam fazer, entristeceram-se. Já não queriam mais passear e até o vento, naqueles dias, desistiu de soprar...

Perguntavam eles:

- Será que a flor que procurava vida ao seu redor não percebeu que ela era a própria vida? Ela era a alegria e o colorido da paisagem! Por que insistiu em procurar fora aquilo que estava dentro dela?

Fonte:
Universo das Fábulas

Professor Garcia (Quintilhas Decassilábicas Agalopadas) I


Agradeço a infinita divindade
pela graça de um mundo tão bonito;
pelo pão que não falta em minha mesa,
pela paz, a saúde e a luz acesa
que me inspira nos rumos do infinito.
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Deus me fez desprovido de vaidade
mas me deu um tesouro sem medida:
a mulher e três filhas, certamente,
dois netinhos sorrindo, de presente,
eis o orgulho maior de minha vida!
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Esta nossa quintilha potiguar
em dez pés é bonita e diferente;
cada verso é uma pedra preciosa
com o perfume e a beleza de uma rosa
encantando o romper do sol nascente.
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Eu não sei até quando eu vou lutar,
porque Deus é quem traça a minha agenda,
mas enquanto houver gás no candeeiro,
vou fazer desta luz o meu roteiro;
da quintilha em galope, uma oferenda.
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O que dói mais na vida, é a dor que fica,
dos momentos felizes que passamos:
quando a foice da morte tão malvada
interrompe uma longa caminhada
retirando sem dó, quem mais amamos!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Lima Barreto (Uma Conversa Vulgar)


O meu conhecimento com aquele venerável velho me viera devido às relações que mantive com um seu neto, que fora meu colega de colégio. Isto que se passou comigo e ele, e conto agora, deu-se há anos.

Tinha eu totalmente, por aquela época, abandonado os estudos, o neto já havia falecido; e, abandonando os estudos, como se diz, procurara e já ocupava um emprego público. Apesar da irremediável falta do meu antigo colega, continuava a frequentar a casa do velho Florêncio, cujas conversas muito apreciava. A sua residência era fora da cidade, em um sítio lá pelas bandas de Campo Grande, bem tratado, com muita laranja, galinhas, perus; e a casa de moradia era vasta e tinha muitos cômodos.

Ele morava com a filha, mãe do meu antigo colega, uma mocetona, irmã deste, e um seu irmão, que poderia ter ai os seus cinquenta e poucos anos, um tipo acabado de pequeno proprietário rural das nossas terras.

Este irmão, o mais moço dos quatro, sendo que dois já eram mortos, tinha tido uma mocidade acidentada; e, aos quarenta e poucos anos, sossegara, fazendo-se o mais plácido roceiro que se pode imaginar.

Aposentando-se Florêncio no lugar de escrivão do almoxarifado da Marinha, viera ele morar com o irmão ali, acompanhado da filha, viúva com dois filhos, um dos quais, o homem, como já disse, fora meu colega no internato secundário. Quando cismava, sem mesmo me anunciar, ia aos sábados para lá, dormia e todo o domingo, fosse a cavalo pelos arredores, fosse jogando o solo, nós três — ele, o irmão e eu — passava-o eu na maior satisfação.

Não era lugar bonito, mas era são, e toda a gente do velho Florêncio era de uma meiguice para mim de me encher de saudades quando saía de manhã, segunda-feira, para vir para a morrinha da repartição.

Calhou aquela segunda-feira cair em dia que era do recebimento da sua aposentadoria no Tesouro. Florêncio disse-me logo, pela manhã, na segunda-feira:

— Você, Bandeira, acompanha-me até o Tesouro, que quero ir com você até ao Pão de Açúcar, no tal bonde aéreo.

Sendo os primeiros dias do mês e eu não tendo faltado até ali, podia bem acompanhá-lo no passeio que premeditava.

Florêncio contava perto de setenta anos mas ainda era forte, pisava com liberdade e segurança e a sua conversa tinha o pitoresco e o encanto singular de ser como as "memórias" vivas do Rio de Janeiro.

Muito observador, com uma memória muito fiel para data e fisionomias, tendo vivido em certas rodas de algum destaque, podia-se, conversando com ele, saber a vida anedótica do Rio de Janeiro, quase desde a coroação e sagração de Pedro II, em 1841, até nossos dias.

Apreciava-o muito por isso, e, sem precisar provocá-lo, bastava um incidente qualquer, uma velha casa avistada, em qualquer parte, um encontro, um sobrenome, para ele me contar histórias pitorescas da vida social, política, sentimental ou escandalosa do Segundo Reinado.

Saímos do Tesouro logo que recebeu o seu dinheiro, e fomos em demanda do largo de São Francisco.

Notei que ele olhava para um lado e outro, como procurando alguém. Quase no meio da praça, quando a atravessamos, em direção à rua do Ouvidor, veio a seu encontro um homem, não muito velho, orçando aí pelos quarenta e poucos, mas avelhantado, sujo mesmo, barba por fazer. Era mulato claro, de feições regulares.

Logo que se apertaram as mãos, Florêncio disse ao outro:

— Você não foi ao Tesouro!

— Atrasei-me...

E gaguejou, sem encontrar desculpa.

O velho meu amigo não esperou que ele a encontrasse e foi dizendo:

— Você não toma juízo... Onde você está morando?

— No mesmo quarto, "seu" Florêncio.

— Por que não vai para casa descansar um pouco?

— “Seu” Florêncio, é longe... Aqui sempre faço os meus biscates...

— Bem. Tome lá, Ernesto.

E puxou uma nota de dez mil-réis e a deu-lhe.

Senti no olhar do Ernesto uma doida vontade de ir-se, logo que sentiu o dinheiro na algibeira.

Afinal deixamos o rapaz e reencetamos o caminho da rua do Ouvidor. Eram quase duas horas da tarde e o largo de São Francisco, se bem que decaído do antigo movimento, quando todas as linhas de bondes de São Cristóvão e Tijuca nele paravam, tinha alguma agitação.

Emparelhávamos com a estátua, quando o velho Florêncio me disse:

— Você conhece esse homem?

— Não.

— É filho do visconde de Castanhal.

— Como? O capitalista?

— Sim; o capitalista.

— Não se acredita.

— Vou contar a você como ele o é. Quando Castanhal chegou aqui era simplesmente José da Silva. Homem tenaz, abriu, onde hoje é a luxuosa rua Gonçalves Dias, antiga dos Latoeiros, uma casa para vender leite em copos, em garrafas e laticínios. Não havia dessas casas na cidade e logo foi a dele se afreguesando. Silva atendia à freguesia na sala; e no interior, para encher as garrafas, lavar os copos, cozinhar para ele e tratar da sua roupa, tinha uma preta com quem vivia amasiado. Na rua Gonçalves Dias, canto da do Ouvidor, naquela época, vinham parar os bondes do Jardim Botânico, cujo título era então em inglês.

“ José da Silva lembrou-se de gelar o leite, isto é, por certo número de garrafas mergulhadas no gelo, que vinha da América do Norte, nos porões dos navios, pois ainda não se havia descoberto o processo de fabricá-lo artificialmente. O leite gelado "pegou", como se diz; e sendo o lugar frequentado, em breve José da Silva viu-se obrigado a aumentar a casa que até aí só tinha duas portas.

“ Um outro seu patrício invejou-lhe a sorte e Silva, finório que era, tratou logo de passar o estabelecimento adiante com grande lucro. Mas... eu não contei a você uma coisa.”

— Qual é?

— O Silva e a crioula tiveram um filho e o mulatinho cresceu até aos cinco ou seis anos, na leiteria de Silva, conhecido dos fregueses como filho dele. Assim o conheci. Passaram-se cinco ou seis anos sem que eu soubesse do Silva, crioula e filho, quando, indo a Catumbi e passando na porta de uma estalagem, vejo aproximar-se de mim uma crioula que me tratava pelo nome. Disse-me que era a rapariga de José da Silva, em cuja casa de laticínios me conheceu. Há três anos — é ela a falar — ele, o Silva, a abandonara, para casar-se convenientemente. Nada dera a ela nem ao filho; e a sua vida, com o pequeno Ernesto, havia sido até aquele dia um tormento de angústia e de misérias. Mandei que me procurasse em casa.

“Morava por esse tempo com minha mãe e irmãos na rua do Senado, numa casa de altos e baixos, com uma chácara que dava para o morro já desaparecido. Falei a minha mãe que a admitisse em casa ao que ela acedeu; e, por minha vez eu, que já estava na Marinha, consegui colocar o molecote no arsenal como aprendiz. Minha mãe morreu, etc., etc... O pequeno prosperou, aprendeu a ler, fez-se em breve oficial; e, quando acabamos com a casa paterna, ele pôde armar a sua e sustentar a mãe. Parecia marchar muito bem e Ernesto nunca me deixou de procurar.

“Gostei sempre dele, pois era bom filho, honesto, zeloso, e digno de toda a proteção. Há não sei que desgosto recalcado nessa gente, não sei que ponto fraco, que rachadura, que eles acabam sempre arrebentando de alguma forma. Este Ernesto depois da morte da mãe deu em beber. Perdeu o emprego e vive agora como você vê. Tenho muita pena dele, dou-lhe dinheiro, sabendo mesmo que é para beber; mas não sei que coisa me diz, que tenho alguma culpa nas carraspanas que transformaram esse rapaz ou na razão da transformação que o levou a bebedeiras contínuas, que me apiedo dele, do seu vicio e lhe dou dinheiro."

— Que pai!

— Não há muito que censurá-lo. Hoje, não sei; mas, naquele tempo, essas ligações preliminares, intróito e prefácio do venerável casamento com bênção sacerdotal e sacramental da igreja, eram admitidas; e as suas rupturas simples, inflexíveis, assim como a do Silva com a mãe do Ernesto, não vexavam ninguém. Os futuros sogros, para dar o “sim" aos futuros genros, só admitiam uma coisa: e que elas, as rupturas, se realizassem e os seus genros futuros nunca mais procurassem, não só as raparigas, o que era justo, mas o filho ou filhos também...

Nós tínhamos chegado à avenida Central. A moderna via pública tinha o movimento do costume: os mesmos mirones, os mesmos estafermos com as mesmas caras idiotas para as mulheres e moças que passavam. Subitamente, Florêncio pega-me pelo braço e, apontando, diz:

— Você sabe quem é aquela moça que vai ali?

— Onde?

— Com aquelas duas senhoras?

— Quem é?

— É a filha mais moça do Castanhal; é irmã do Ernesto que acabamos de deixar.

Ainda me demorei olhando pelas costas a moçoila que seguia em direção à rua do Ouvidor; e considerei bem o seu vestuário caro, na moda, de cujo corpete surgia o pescoço bem modelado e de uma linda tinta moreno-claro.

Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama. Publicado originalmente em 1920.

Isabel Furini (Lançamento do E-Book “Mulheres poetizam”)


E-book reúne trabalhos de grandes poetas no mês da mulher

Na década de 70, a Organização das Nações Unidas oficializou o 08 de março como "Dia Internacional da Mulher". Valorizar a mulher, sua luta, seu trabalho, seu caminho é o objetivo da comemoração desse dia. Sustentar que a mulher não nasceu só para cozinha, ela pode ocupar espaços no mundo político, cultural, científico, econômico, jurídico, educacional e outros.

Neste mês lançaremos o e-book "Mulheres Poetizam" com a participação de maravilhosas poetas convidadas. São 26 poetisas, cada uma das delas participa com 3 poemas inéditos.

Veja abaixo os títulos dos poemas que estarão no e-book:

Adriane Garcia:
Leve
Paixão e anjo caído
Estampidos

Anna Apolinário:
Revés
Os olhos catastróficos de Louise Brooks
Carmen

Barbara Lia:
o centauro no jardim
Poema sem título
Outono

Carla Ramos:
Nos Sussurros da Alma
Morro em aparência
Renasço em Essência

Devora Dante:
2021
Los Samanes
Árbol#1

Elciana Goedert:
Expectativa
Reforma íntima
Trem da saudade

Elieder Corrêa da Silva:
Realidade
Natureza
Hoje

Etel Frota:
Le couteau dans la bottine
Trágico
Pequeno tratado das delicadezas

Flavia Quintanilha:
Como água
estrela
notas envelhecidas

Isabel Furini:
Espelho, espelho meu
Francesca Woodman
Antonela

Jessica Iancoski:
Aglutinação
Silepses
Sem a palavra o amor não acontecer

Jeovania P.:
deuses
trem surrealista
dor de poeta

Juliana Meira:
Poema sem título 1
Poema sem título 2
Poema sem título 3

Juliana Oliveira Nascimento:
Brasil
Maturidade
Entusiasta

Marcela González:
Hastío
Anhelo
Despertar

María Antonieta Gonzaga Teixeira:
Tempo
Lições
Sonhar é preciso

Maria da Glória Colucci:
Iguais
elas por “elas”
quisera

Maria Teresa Marins Freire:
Rever
Prisão
Passado

Marílis de Assis:
Vale das águas
Versos
Solidão

Marli Terezinha Andrucho Boldori:
Metamorfose
Toque invisível
Súplica

Regina Bacellar:
Repentino adeus – fragmentos de 2020,

O Palhaço

Rita Delamari:
Mulheres da Vitória
Anjo
Prece

Sheina Lee:
Camino a la igualdad
El bosque de los pinos
La magia de los libros

Solange Rosenmann:
Que procura é esta?
Sou caminho
corpo-alma

Sonia Andrea Mazza:
A mis rosas
corazón torturado
a mis sueños

Vanice Zimerman:
escombros
aracne
haicai

Fonte:
Revista Carlos Zemek. 5 mar. 2021
http://revistacazemek.blogspot.com/

sexta-feira, 5 de março de 2021

Silmar Böhrer (Croniquinha) 18


Nas minhas andanças pelos caminhos do sem fim tenho visto duas espécies de seres humanos. Uma delas é como o candeeiro, facho de luz reverberando para todo lado. A outra caiu no planeta como um meteoro, que chega aparentando luz, mas não passa de um lampejo instantâneo. A primeira ilumina e inspira; a outra não deixa vestígios.

A menos que estejamos alienados de tudo, eu sempre lembro das palavras do romancista, que nos sugere viver atentos "numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, segurando firme o facho de luz, iluminando as misérias do mundo, combatendo a escuridão, a despeito da incompreensão, da náusea, do horror".

Sejamos pontos de luz alumiando constantemente.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Caldeirão Poético XXXVII

Elisa Alderani

Ribeirão Preto/SP

MALAS


Quanta gente arrumando malas.
Desmanchando malas...
Fabricando sonhos, arquivando histórias.
Olhando ao longe a sua bela Terra...
Lágrimas como rios descem a serra.

Tempo para partir, tempo para chegar.
Tempo... Para mudar de vida.
Corações partidos, suspensos no ar.
Caminhos atrapalhados, desconhecidos.
Brasil, Santos, São Paulo.
Imigrantes chegando; navios repletos de sonhos.
Cheiro de malas velhas trazendo esperanças.
Chão estrangeiro: Brasil da verde serra.

Sou última imigrante...
Procuro minha mala entre tantas...
Mala transformada. Eu, artista da vida.
Fotografias, cartas...
Histórias novas e antigas.
Coração partido, tristeza e pranto,
Por ter deixado minha Pátria amada...
Ilusões de riquezas nunca realizadas.

São Paulo... Malas abertas.
Quanta gente trazendo artes escondidas,
Por entre chapéus e jornais.
Imagens de santos e castiçais.
Trajes tão diferentes...
Espelhos, refletindo a vida.

Relógios regulando o tempo...
Correndo por entre arranha-céus.
Pontes novas, e antigas.
Multidões desconhecidas,
com sonhos iguais, enlaçadas.

Ilusões no túnel do passado...
É o caminho do imigrante Italiano...
Povo de um só coração, fazendo história,
Uma realidade que não seja só memória.
Difundindo novas esperanças.
Na Verde Terra Brasileira...
Acolhedora e bela!
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Clarisse da Costa
Biguaçu/SC

HORA DO ADEUS


Meu anjo negro
É hora de eu me desligar desse amor
Dizer adeus ao passado
E as marcas que ficaram
No corpo
Com o toque de suas mãos;
Sei que em algum momento
Você me amou;
Foi um breve instante
Entre a fantasia e a realidade;
Mas eu não posso
Viver de breves momentos;
Quero ter uma noite inteira
Só pra mim;
Quero ter o dia inteiro pra mim;
Então eu vou seguir;
Não espere que eu olhe pra trás;
É bem mais difícil não lhe amar.
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Ógui Lourenço Mauri
Catanduva/SP

APRENDE A SER


Sem alarde, sem vanglória de teu feito,
Sê fraterno, segue os passos de Jesus.
Coração, pulsando o amor dentro do peito,
Planta Fé no Irmão Maior que te conduz!

Pugna sempre pelo "ser" antes do "ter",
Pois, dos bens materiais, não compensa o acúmulo.
Faze da fraternidade teu haver,
O tangível, tu não levas no além-túmulo.

Atitudes caridosas e que tais
São as rotas do bem em rumo bendito.
Prioriza teus valores, os morais,
Que te seguem a caminho do Infinito.

Essas provas, por ti foram escolhidas;
Recupera tua senda com vantagem!
Deixa o lodo que criaste noutras vidas,
Aproveita, para acerto, esta passagem!

Verte os olhos aos carentes e te integra;
Do Divino Mestre, segue Sua obra.
"Humildade sem ganância", tens a regra;
Com o irmão, divide tu o que te sobra!
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Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçu/SP

O ENCONTRO DAS ÁGUAS

(Encontro das Águas do Rio Negro com Rio Solimões)

Eras um rio, eu era outro,
e, num golpe do destino,
eu, menino, em desatino,
encontrei em suas águas
um consolo para mágoas
que já não movem,
nem comovem
nenhum dos meus
céleres moinhos.

Eras um rio, eu era outro,
mas, no mapa da história
que nos leva ao “tesouro”,
tive das águas meu ouro,
tive dos sonhos a glória,
tive das barcas meu rumo,
pretexto pra ver se arrumo
um tempo pra nós dois.

Assim, ao pé das casas
que anseiam ter asas,
ribeiras palhoças beira
rio, beira rua líquida
que leva ao mar, sereia
de água doce nos guia,
nos livra de sermos
tão sós a ponto de não
nos encontrarmos
e deixarmos um vagão
de esquecimento
nos levar toda a alegria.

Eras um rio, eu era outro,
cada qual em seu curso,
cada qual com o discurso
mais afiado e cercado
de peixes, caranguejos
que, no mangue ao lado,
careciam de mil beijos
pra ressuscitarem,
pra repaginarem
tantas páginas em branco,
tantas lágrimas em si.

Eras um rio, eu era outro.
Isso talvez tudo resuma.
Isso talvez jamais assuma
que éramos rio no corpo
e mar na alma, atlântico
que se curva ante o sopro
que empurra as águas
para o mesmo cais.
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Pedro Du Bois
Balneário Camboriú/SC

CONFLITO

O homem traz o conflito de ser a imagem
acondicionada antes. O novo despreparado
negado na origem da altivez na fala
assumida pela estampa: reflexo calado
ao entrevisto. Conflitos atritam e luzes
esquecem ritos: gritos são escutados
ao longe que além da construção repousa
o bruxo e nele habita o homem em conflito.

Ser ele mesmo e o outro acreditado
em palavras e normas em números
e estatísticas em linguagens estrangeiras e livros
não abertos. Ter a cor e a descoloração dos anos
no adiantamento e carregar o atraso: por acaso
o homem aflito deixa na água cristalina do copo
o alívio por ser sedento em autonomia
e castigo: tem o conflito em geradas luzes
necessárias aos encontros no anacrônico
senso de o futuro despender o passado.
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Vivaldo Terres
Itajaí/SC

ÍNDIA


Índia és das brasileiras a mais bela,
Das brasileiras, és a mais singela.
Cheia de simplicidade e amor.
És a flor que perfuma o ambiente,
És o sol que ilumina esta gente,
Enchendo o coração de luz e calor.

Este teu corpo moreno!
Que o belo sol irradia.
Transmite luz e alegria.
Para todos os teus irmãos.

És a fonte da humildade,
Banhada de esperança.
Com os cabelos soltos ao vento...
Pedindo apoio cristão.

Pois o teu povo sofrido!
Até então quase extinguido,
Vê em ti a salvação.
Sabem que és guerreira forte.
E que não temes a morte,
Com o bodoque na mão!
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Fonte:
Todos os poemas foram enviados pelos respectivos/as poeta/isas