terça-feira, 21 de setembro de 2021

Arquivo Spina 51: Cleusa Piovesan

Jaqueline Machado (Homenagem ao Bicentenário de Anita Garibaldi)


Ana Maria de Jesus Ribeiro. Assim se chamava a mulher mais famosa da causa farroupilha, dessa causa tão importante, que teve o seu início no ano de 1835.      

Ana nasceu em 30 de agosto de 1821, em  Morrinhos, arredores de Laguna – SC.

Por imposição de sua mãe, casou-se aos quatorze anos com o sapateiro Manoel Duarte de Aguiar. A relação era conflituosa e durou apenas quatro anos.     

Quando o italiano Giuseppe Garibaldi, que a essas alturas já era reconhecido como um herói, chegou em Laguna com as tropas farroupilhas de Davi Canabarro e Joaquim Teixeira Nunes, conheceu Ana, que também era revolucionária. Os dois se apaixonaram fulminantemente. Realizava-se ali, um encontro de almas. De almas gêmeas, pois um parecia emitir o reflexo da luz do outro.

Para poderem desfrutar de seu amor, os dois fugiram para Itaparica. Iniciava-se assim, um épico romance repleto de lutas e aventuras. Em um combate travado em Santa Catarina, Ana, que agora era chamada de Anita, por Garibaldi, entra para a guerra e prova a sua bravura.  Entre um evento revolucionário e outro, Anita, tem o seu primeiro filho: Menotti. Pouco tempo depois, Giuseppe e Anita se casam.  

Alguns anos se passam e ela já cansada e com três filhos, não abandona o seu espírito de guerreira. Devido às cavalgadas noturnas e a alimentação inadequada, Anita contraiu febre tifoide e ficou muito doente. Mesmo com a saúde debilitada, segue com o marido e as crianças para Nice. Lá, eles lutam pela unificação da Itália. A saúde da heroína piora e, em 1849, com apenas vinte oito anos de idade, ela morre nos braços de seu amado. Italianos, uruguaios, libertários e os farrapos brasileiros republicanos, choraram a sua morte. Chamada de a heroína dos dois mundos, ela está enterrada em Roma, na colina de Janículo.

Essa guerreira incrível, nos deixou como legado, nos ares do Rio Grande, faíscas de paixão expelidas por suas armas de fogo. Gestos de ousadia pela atitude em fugir para viver o seu verdadeiro amor, capacidade de aprender, ao vencer tantas batalhas. E, acima de tudo, CORAGEM de ser feliz em plena guerra. Anita tinha um "q" de deusa... por isso tornou-se brilhante em tudo o que fazia... e mesmo doente, morreu vitoriosa...Por esses motivos e tantos mais, me curvo orgulhosa aos pés do altar da história dela que, por terra, rios e mares teve em vida, as bênçãos sagradas de Atena, Sekhmet,  Ártemis e Iansã...     
    
Salve, salve, salve, ANITA GARIBALDI! Uma mulher valente pra valer!

Solange Colombara (Cristais Poéticos) 3

NOSSOS MOMENTOS


Amo seu cheiro de avelã,
Amo seu gostoso hálito de hortelã.
Amo quando sorri.
Sem palavras pronunciar
Sinto que me ama, quando meu nome chama.
Amo nossas despedidas.
O gosto que fica em nossos corpos
Sempre fará com que voltemos...
Para juntos, saborearmos novamente,
Nosso momento.
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PROMESSA

Nos prometemos um dia trocarmos
Um abraço tão apertado
Capaz de sentirmos os pés saírem do chão.

Nos prometemos um dia trocarmos
Um olhar tão profundo
Capaz de nossas almas tocar.

Nos prometemos um dia trocarmos
Um beijo tão doce
Capaz de preencher nosso hálito de chocolate, o ar.

Nos prometemos um dia
Não pedirmos nada em troca,
Além de, naquele nosso momento,
Sentirmos apenas o tempo parar.
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SAUDADE

Tanto a dizer,
Com um abraço
Ou um olhar.
Nó na garganta,
Boca seca,
Olhos a lacrimejar.
Desejo de ver,
Envolver nos braços
E beijar.
É tanta, tanta,
Que quando chega
Perde-se o ar.
Difícil explicar,
Fácil demonstrar.
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SEU SORRIR

Seu sorriso é tão contagiante
Que quando você sorri
O mundo inteiro sorri junto.

Seu sorriso é tão contagiante
Que quando você sorri
O mundo inteiro canta alegremente.

Seu sorriso é tão contagiante
Que quando você sorri
O mundo inteiro para

E sonha,..
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SEUS POEMAS

Os poemas que você escreveu para mim
Jamais existirão.
É como se o vento soprasse
E os levasse em outra direção.

Os poemas que você escreveu para mim
Jamais existirão.
Quando penso ler alguns na linha do horizonte
O sol vem, deita, adormece meus sonhos.

Os poemas que você escreveu para mim
Jamais existirão.
Lindos versos de amor...
Frutos da minha imaginação.

Fonte:
Solange Colombara. Meus momentos de hiato. SP: Areia Dourada, 2019.
Livro enviado pela poetisa.

Lima Barreto (Contos Argelinos) Elkazenadji ; O Juramento

ELKAZENADJI


O reinado de Abu-Al-Dhudut foi curto, mas cheio de episódios interessantes que o cronista argelino Cide Mohâmmed Ben-Alá conta do modo mais ingênuo ao mesmo tempo florido, capaz de fazer o delicioso encanto dos mais habituados à literatura árabe.

A tradução que vamos dando, além da resumida, fana muito o viço da luxuriante floração do original; mas, se tempo houver e editor, havemos de dar uma completa, respeitando o mais possível as palavras do autor argelino, assim como o seu rendilhado pensamento. Contemos.

Escolheu Abu-Al-Dhudut, nos últimos dias de seu reinado, para ser o seu kazenadji (ministro dos negócios internos do reino), um levantino de nome Cide Ércu Ben-Lânod muito estimado pelas suas letras e sabido nelas como o mais douto ulemá.

Cide Ércu Ben-Lânod tinha vivido muito tempo em Marselha, como cônsul de Abu-Al-Dhudut; e, fosse pela sua origem infiel, fosse pelo tempo que levou naquela cidade de França, o certo é que contraiu todos os vícios dos cristãos, especialmente dos francos. Feito kazenadji, ganhando muitos presentes e dispondo do tesouro do sultão, era de esperar que Cide Ercu Ben-Lânod aumentasse as mulheres do seu harém e vivesse sabiamente entre elas, como mandam o Profeta e os livros sagrados. Não tinha em grande conta os preceitos do Corão e, apesar dos conselhos de um dos seus sogros, Cide Glei Ben-Sério, continuou nos seus sacrílegos hábitos de passar as noites fora de sua casa, em visitas amaldiçoadas a certos lugares da feitoria francesa que ficava perto da capital de Al-Patak. Não contente com ir ele a tão daninhos lugares, seduziu muitos bons muçulmanos a fazer o mesmo. Um destes era o kaïa, Pessh Ben-Hoa, que vem a ser entre nós o chefe da polícia militar. Não deixava este funcionário de, todas as noites, acompanhar Cide Ércu Ben-Lânod nas suas profanações às regras e preceitos do Profeta.

Ambos, chegados que eram à feitoria, logo se encaminhavam para uma grande casa de uma velha francesa, de nome Susah-Hana, a que chamavam Cidade das Flores; e entregavam-se a todos os pecados que a religião proíbe.

Deixavam-se arrastar pelo vício de beber licores espirituosos, coisa que mais depressa faz com que entreguemos as nossas almas aos espíritos malfazejos; e cercavam-se de mulheres infiéis, mediante alguns cequins de ouro, com as quais tinham propósitos mais próprios de se os ter com as verdadeiras esposas.

A religião do Profeta dá a tal respeito tão grande liberdade que não se podia acreditar que aqueles fiéis tivessem prazer em fazer semelhante coisa, fora da comunhão dos crentes.

Mas Cide Ercu Ben-Lânod tinha tomado tal gosto por aquele vinho dos francos que borbulha e ferve como os gases danados das entranhas da terra, que não havia meio de deixar de ir uma noite à casa da velha Susah-Hana.

O kaïa (o chefe da polícia militar) também se havia habituado e não deixava de acompanhar o kazenadji. Certa noite, em que eles tinham bebido bem doze odres do tal vinho, estando, como de costume, na Cidade das Flores, Cide Ercu Ben-Lânod deu em altercar com o seu companheiro:

— Tua tropa não presta pra nada! Os franceses sim é que têm tropa.

O kaïa, que era um chefe orgulhoso e patriota, ficou indignado com o despropósito do ministro e respondeu:

— Se tu queres ver, Cide Ercu Ben-Lânod, vou agora mesmo formá-la e cercar o palácio de Abu-AI-Dhudut.

O kaïa, meio trôpego e balançando-se que nem uma fragata franca no porto de Argel, levantou-se, veio até à porta, chamou um spahi (soldado de cavalaria) e deu as suas ordens.

Os dois ficaram dormindo e a força do kaïa cercou o casbá (palácio do sultão), como lhe tinha sido ordenado.

Foi um espanto geral e as tropas do agha (ministro da Guerra) acudiram; houve combate, morrendo de parte a parte cerca de dois mil homens.

Cide Ércu Ben-Lânod e o kaïa Sirdar Pessh Ben-Hoa despertaram na tarde seguinte e nunca a cidade pôde saber por que motivo as tropas do último tinham cercado o casbá e guarnecido as estradas que iam ter a ele.
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O JURAMENTO

Logo que Abu-Al-Dhudut se apossou do trono de Al-Patak, todos os seus companheiros e amigos quiseram também fazer o mesmo nos remos vassalos, embora muitos dos soberanos destes tivessem ajudado Abu na sua usurpação.

O primeiro agha (ministro da Guerra) ansiava por ocupar o governo do canato* de Al-Súgar, região rica e vasta, que até ali era governada pelo cã Ross Al-Xeiroso.

Este príncipe não se incomodava muito com a administração dos seus domínios e vivia em passeios e festas, fora da sua capital.

Poderoso e rico, tinha ajudado muito Abu-Al-Dhudut a subir no trono de Al-Patak, de forma que todos supunham que as pretensões do agha não seriam favorecidas pelo novo sultão.

O agha, porém, não se incomodou com os serviços que Ross Al-Xeiroso tinha prestado a seu amo e senhora e tratou de encher o canato de Al-Súgar de spabis, bombardeiros e outras tropas irregulares, sob o pretexto de que as tribos do deserto ameaçavam a capital do canato e Ross Al-Xeiroso nada fazia, deixando-se ficar entregue aos prazeres e folguedos.

Este príncipe, vendo que o agha continuava nos seus propósitos de usurpação, pediu uma audiência a Abu-Al-Dhudut, no que foi imediatamente atendido.

Recebeu-o Abu no divã do casbah (palácio imperial) e fez todas as promessas ao príncipe vassalo:

— Ross Al-Xeiroso, juro pelos santos livros, pelo Corão, que prefiro pôr termo aos meus dias do que te ver fora do governo de Al-Súgar.

Ross Al-Xeiroso saiu seguro de que continuaria no governo e que seu filho herdaria a sua coroa de príncipe, mantendo a sua descendência nela.

Em breves dias, porém, soube que agha tinha mandado mais tropas para os seus domínios. Correu de novo a Abu-Al-Dhudut, que lhe reiterou as promessas feitas.

Ross Al-Xeiroso voltou a divertir-se alguns dias, quando teve notícias que o agha, à frente das tropas que para lá tinha enviado, tomara conta do governo de Al-Súgar e, como cã, fora reconhecido por todos, inclusive por Abu-Al-Dhudut.

Esperou ainda alguns dias a ver se o sultão se matava; ele, porém, continuou a viver a melhor das saúdes. Ross Al-Xeiroso, contudo, espera até hoje que Abu-Al-Dhudut cumpra a sua palavra santa de sultão e chefe dos crentes.
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* Canato ou canado – é um ente político governado por um cã, palavra que, em mongol e em turco, significa "líder tribal" ou senhor de um território - seja um principado, reino ou mesmo um império.

Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama. Publicado originalmente em 1920.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Versejando 77

 

Carolina Ramos (O Golpe)

Quando viu a bagagem deslizar de manso para o bojo do avião, admitiu que cinquenta por cento de seu plano dera certo. Plano de cinco fases, cuidadosamente elaborado anos a fio, à espera do momento propício para o desfecho.

Trabalhara como um leão a vida toda, sem nunca lograr ser rico. E, somente sendo rico, teria condições de tornar concreto seu mais acalentado sonho; - Viajar e escrever! – binômio mágico que traduzia integralmente a essência de tudo o quanto aspirava na vida!

Mas... viajar, como?! Tinha nada mais que o necessário para sobreviver! E escrever, como? – se o tempo gasto para garantir-lhe a sobrevivência não lhe deixava a menor sobra?! Nem migalhas restavam para que pudesse comprar, com liberdade, aqueles míseros minutos que, afinal, eram tão somente improvisados graças aos instantes roubados ao sono e que lhe permitiam sentar-se ao computador e digitar pensamentos acumulados na massa cinzenta de um cérebro irresistivelmente engajado no mundo das letras, desde que nascera!

Com base nestas ponderações, surgira a primeira célula do seu ousado plano. Deixou que ela se expandisse e evoluísse, em surdina, trabalhando muito e muito, nas horas mortas, sonolento e determinado a levar avante, a qualquer custo, aquele plano urdido em segredo. Plano quase maquiavélico... mas que o tomaria rico, em tempo hábil!

Mais cedo que o programado, conseguiu um pé-de-meia. Murcho, furado... mas... sempre alguma coisa.

Com esse começo, abriu algumas contas na rede bancária. E depois destas, outras. E outras tantas, mais tarde.

Graças ao bom-papo, infiltrou-se nas gerências. Fez amigos. Ter amigos, naquele caso, era fonte de renda. Apadrinhou-se.

Conseguiu favores, cheques especiais com limites não sonhados – polpudos empréstimos de pai para filho... E muita coisa mais.

Em dado momento, somando cifras e parcelas, em sua maioria virtuais, reconheceu que estava rico!

Chegava a hora de por em execução a segunda fase do arriscado plano: - Vendeu a casa em que morava. Pediu prazo para desocupá-la. Enquanto isso, preparou a modesta bagagem. Desfez-se de tudo o que lhe pareceu supérfluo.

Com pesar, deu o cachorro, leal amigo, a um outro amigo, tão leal quanto ele. Escolheu a dedo roteiros e agências de viagens. Preparou o passaporte com os vistos especiais, indispensáveis.

Às vésperas do embarque, sacou polpudamente tudo o que tinha em caixa, indo até quase o limite dos cheques especiais de todas as contas bancárias das quais era correntista.

Pediu empréstimos. Ao embolsá-los, viu seus sonhos crescerem além do que imaginara! Abriu contas no Exterior.

E, então, a terceira fase do plano impôs-se. Cômoda... e bem menos trabalhosa que as anteriores:

– Refestelado numa classe executiva, atirou-se ao espaço, rumo às maiores capitais e principais cidades europeias. – Deliciado com os encantos do Velho Mundo, deu larga volta ao redor dele, sentindo-se um nababo! Sem medir e nem poupar coisa alguma!

Divertiu-se como se a vida estivesse para acabar! Não perdeu um só espetáculo digno de ser visto! Não se excedeu na compra de roupas, joias ou presentes, mas... comeu e bebeu do bom e do melhor! Adquiriu alguns livros. As bibliotecas sempre exerciam sobre ele fascínio especial, em qualquer tempo. Jamais entrara numa, sem sair com um ou dois volumes sob o braço. Mesmo que da própria mesa não usufruísse de igual fartura.

Reconhecia que a fome do saber era mais compulsiva que a fome física.

Mochila murcha... E sem um centavo nas algibeiras, retomou, certo dia, ao ponto de origem.

Trazia de volta, nos olhos maravilhados, paisagens e visões inesquecíveis!

Entesourara, na alma feliz, emoções sem conta!... Riquíssimo tesouro que a vida jamais lhe conseguiria roubar!

– Daí, para a parte final do plano, apenas um passo.

Na praça de origem, seu nome fervia escaldado nos caldeirões do mundo financeiro!

Sem a menor tentativa de defesa, admitiu a inadimplência irresponsável.

Uma vez julgado e condenado por estelionato, foi trancafiado num xadrez.

Por que voltara?! Por que não se perdera nos labirintos do Velho Mundo, ficando por lá mesmo?!

– Explicara: – Não era desonesto! Era apenas um devedor consciente... que não só admitia a dívida, mas também a absoluta impossibilidade de quitá-la!

Queria, sim, com todo empenho, pagar à sociedade tudo o quanto lhe devia! E, já que não tinha bens, a cadeia era o lugar mais do que apropriado para a expiação da sua culpa. Por isso mesmo entregava-se... Aceitava a pena que lhe quisessem dar... sem qualquer relutância.

Levou para a cela grande volume de blocos de papel, algumas esferográficas e aquela modesta e ultrapassada máquina de escrever, companheira inseparável das vigílias literárias anteriores, antes de embrenhar-se nos ínvios labirintos virtuais, passados para trás pelas dificuldades apresentadas.

Outro companheiro fiel foi com ele – o radiozinho de pilha – pequena janela por onde entravam os ecos da vida lá de fora – e do qual jamais se separaria.

Começava assim a quinta e última fase do seu bem elaborado plano:

– Teria casa, comida, roupa lavada e privilégios adquiridos de um diploma... até ali mal aproveitado, reconhecia. Tudo isso e muito mais calculadamente conquistado e garantido por lei! Enrustidas nesse acervo, as promessas de horas e horas de ócio infinito!

Horas livres de compromissos e obrigações. Horas inteiras ao seu inteiro dispor! Para escrever e escrever como e quanto quisesse!

Sentiu-se rico!... Por ter conseguido tempo de sobra para narrar, sem ser interrompido, as fartas impressões colhidas e vividas fora daquelas grades! E sem relógios por perto a lhe imporem limites, sem telefones a lhe atazanarem os ouvidos e sem ninguém a lhe dar ordens ou cobrar datas. Sua única responsabilidade: – manter-se vivo e ativo para trabalhar por conta própria, sem patrões!

Teve absoluta certeza de que, afinal – longe de sentir-se preso, estava, como nunca, livre por inteiro!

Aspirou fundo, como a querer engolir todo o ar do mundo! E, dono do espaço e dono de si mesmo... abriu, satisfeito, as asas do pensamento!...

Aquele seu ousado e bem elaborado plano... dera certo!... E ponto final!

- Ponto final?! Claro que não! Não foi assim que tudo terminou.

Os tempos haviam mudado... E o arquiteto daquele sonho desassombrado sequer notara!

– Tudo estava diferente! Quem devia, pagava, entre grades, as despesas da "hospedagem" e com o próprio suor do seu trabalho – nada de ócio gratuito!

E foi assim... que aquele plano, elaborado com minúcia extrema, acabou por fracassar redondamente, uma vez que o trabalho imposto jamais deu folga para que a ousadia do ingênuo escritor pudesse funcionar como sonhara.

Tarde demais, entendeu ele a sabedoria do dito popular: – "O crime não compensa!"

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

Barão de Itararé (Versos Diversos) 2

INCONTENTADO


Apenas um olhar, pedi-Ihe um dia,
Para acalmar meu coração no peito.
Mil olhares, assim como queria,
Recebi-os, que olhares não rejeito.

Depois, pedi um sorriso... E ela sorria,
Duma maneira tal, dum certo jeito,
Que, apesar de sorrir como eu pedia,
Não me achava, contudo, satisfeito.

Depois pedi-lhe am beijo... convencido
Que ela fosse negar) mas a imoral
Permitiu que a beijasse em plena face.

Outras coisas pedi. E, aborrecido,
Por não me ter negado, eu, afinal,
Pedi, por  Deus, que nunca mais me olhasse.
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MEU FRAQUE

No guarda-roupa eu tenho um belo fraque,
Meu traje predileto de passeio.
Quando de tarde o visto, até receio
Que a minha namorada se embasbaque.

Quando me quero dar certo destaque,
Vai aos bailes comigo e não faz feio.
Amigo da miséria, resgatei-o
Duas vezes que foi ao bric-a-brac.

Um fraque assim no mundo igual não há
Parece novo, pois ninguém dirá,
Que já cinquenta invernos completou.

Esse meu fraque fica-me tão justo,
Que quando o visto, eu mesmo, às vezes, custo,
Acreditar que foi do meu avô...
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MEU LEITO

Naquele canto escuro está meu leito,
Cama de vento, um colchão pegado...
nessa pobre cama que me deito,    -
Quando venho da rua fatigado.

Nessa mesma cama que hei sonhado
Muito sonho d'amor, que está desfeito...
D’uma feita sonhei que fui eleito
Senador, mas não sei por qual Estado.

Muito embora não tenha travesseiro,
O sangue não me sobe... nem me desce,
Circulando em seus rítmicos harpejos.

Passaria deitado o dia inteiro,
Se essa cama de vento não tivesse
Tantas pulgas e tantos percevejos...
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 SONHO DOURADO


Se eu fosse rico, casaria contigo…
Na certa, que a proposta aceitarias...
E te juro que em mim encontrarias
Marido fiel e dedicado amigo.

Depois, juntos, iríamos viajar...
Não na Europa, que lá tu não me vias.
Mas podíamos fazer todos os dias
Uma volta no bonde circular.

O mundo todo morreria de inveja.
Sozinhos ficaríamos na vida,
Passeando sempre de vestidos novos.

Mas eu sou pobre qual ratão de igreja...
Consola-te comigo, pois, querida,
Porque a homem põe e... o diabo come os ovos.
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TEU OLHAR

Deixa beber na luz do teu olhar,
A inspiração para fazer meus versos.
Não te importes... Deixa o povo falar...
O mundo é assim... Os homens são perversos.

Mas que tens, hoje? Que te fiz, querida?
Não me trates assim, não sejas má.
Deixa beber a luz apetecida...
Revira bem os olhos para cá.

Ah! Teu olhar tem algo de sublime,
Que não vejo no resto das mulheres
E que a palavra do homem não exprime.

Por esse olhar, passado de ternura,
Dou um dente, meu bem, e, si quiseres,
Sou capaz de dar toda a dentadura...

Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.  (II Parte – Cobras e Lagartos)

Lima Barreto (Contos Argelinos) Sua Alteza Imperial Jan-Ghothe

Abu-Al-Dhudut gozava placidamente o trono do país de AlPatak, que ele tinha usurpado da maneira mais inconcebível.

Sabia que era impopular, que o povo ridicularizava com canções satíricas a sua pessoa desgraciosa e proclamava também os seus méritos intelectuais com anedotas hilariantes.

Isto, porém, não o aborrecia, porque, tendo a mesa farta, um harém sortido e sobretudo honras das tropas, dos caids e presentes dos príncipes estrangeiros, ele se satisfazia e se julgava um grande sultão igual àqueles que ilustraram o trono de Al-Patak.

De quando em quando, tinha desejos de se fazer notável e tomava alvitres singulares. Certa vez quis ser protetor das letras e fundou uma academia no seu palácio. Nem de propósito: Dhudut juntou nela tudo quanto foi mau rimador na cidade.

Em outra, entendeu em dar casas baratas a toda gente e gastou na construção delas tanto dinheiro que foi preciso lançar pesados impostos para que o tesouro não ficasse vazio. Tal coisa veio redundar no seguinte: o artífice pagava mais barata a casa, mas comprava pelo dobro a passagem e os alimentos. Assim mesmo, os engrossadores proclamaram-no él-mézuar, que quer dizer, segundo alguns — o pai dos operários.

Para uma única coisa ele tinha jeito: era para criar aduladores. Calcularam os sábios que cada adulador custava, uns pelos outros, ao tesouro público cinco libras por dia e que, com eles, Abu-Al-Dhudut gastou no seu curto reinado cerca de vinte mil contos na nossa moeda.

Impopular e odiado, por causa de suas vexações e crueldades, quis ter dedicações; e, para isso, abriu as portas das prisões aos criminosos condenados e não prendia os que eram apanhados em flagrante.

A capital do Estado ficou assim entregue aos malfeitores que, não contentes com a espórtula que recebiam do chefe de polícia — kaïa — extorquiam, sob ameaça, dinheiro aos mercadores.

Para os cargos do governo, para os principados vassalos, ele nomeava parentes obscuros e sem saber, chegando até a fazer ulemá do Beit-El-Mal, juiz das heranças, um seu primo que não sabia ler o Corão.

O povo de Al-Patak é manso e ordeiro, por isso ele vivia sossegado, tramando violências com o seu vizir Pkent-Phin', um homem cruel e violento, que fora na sua mocidade criador e castrador de cavalos.

Não contava, portanto, com nenhum levante do povo e passava a vida na mesa e no harém, em passeio e festas, sem cuidados nem incômodos. Os seus parentes também levavam a vida da mesma forma, tanto mais que haviam ficado ricos com as riquezas do Estado e com os presentes que recebiam em troca de proteção a este ou àquele.

Um dia veio, porém, que, não se sabe como, o povo se levantou, levou a tropa de vencida, varou as muralhas que cercavam o palácio de Abu-Al-Dhudut e tratou de pô-lo na rua.

Embora o sultão tivesse ficado com muito medo, não quis logo sair pelo caminho escuso que lhe ensinava haver o seu fiel eunuco Brederodes. Quis ainda carregar algumas riquezas e correu aos subterrâneos do palácio.

Esperava encontrar lá cequins de ouro, aos sacos; diamantes, pérolas, rubis, topázios, safiras, barras de ouro, enfim, riquezas sem número que haviam sido amontoadas pela longa geração de vinte sultões.

Desceu escadas secretas, sempre acompanhado do seu fiel Brederodes, enquanto o povo ululava diante das portas do palácio e as mulheres do harém ganiam e soltavam gritos estridentes, os quais não lhe davam nenhuma pena.

Descia com febre e obsedado.

Chegado que foi ao tesouro, o guarda veio abrir-lhe a porta chapeada, couraçada e lenta de mover nos gonzos.

O sultão logo perguntou:

— Onde estão os diamantes, escravo?

O guarda respondeu:

— Saberá Vossa Majestade que o Vosso sublime irmão, sua Alteza Imperial Jan-Ghothe, levou-os todos?

— E os cequins? e a prata? e as pedrarias?

O guarda, com todo o respeito e muita calma, respondeu:

— Saberá Vossa Majestade que o vosso sublime irmão, sua Alteza Imperial Jan-Ghothe, levou tudo.

Abu-Al-Dhudut quase desmaiou; e, chorando, disse para o eunuco:

— Brederodes, como sou desgraçado! Não ficou nada para mim!
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Continua…

Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama. Publicado originalmente em 1920.

Marcelo Spalding (Dicas para a criação de personagens na ficção)

Um dos temas mais instigantes da ficção, a construção de personagens. Muitas vezes, a primeira ideia que nós temos é de uma personagem que queremos criar. Não é por acaso, nesse sentido, que tantos livros e filmes têm no título o nome do protagonista (Frankestein, Dom Casmurro, Dom Quixote, Batman, Peter Pan).

Há diversas técnicas para construção da personagem e diversas tipologias das personagens. A mais simples e útil para começarmos a pensar tecnicamente em nossos personagens é a que distingue as personagens planas das personagens esféricas. A terminologia vem de Edward Morgan Forster, citado por Antonio Cândido em A Personagem de Ficção.

Personagens planas são aquelas que não mudam com as circunstâncias e são facilmente identificados na narrativa. Em geral, são coadjuvantes, mas há muitos protagonistas (especialmente em histórias maniqueístas) que comportam-se de forma plana: super-heróis, vilões, princesas, bruxas. A personagem plana é aquela que é sempre boa, é sempre má, é sempre apaixonada, é sempre sacana. Não há variação de caráter, ele não hesita. Nos casos mais radicais, essas personagens são meros estereótipos que funcionam na narrativa como parte do cenário (o mordomo, o ladrão, a vizinha gostosa). No humor e nas histórias infantis esse tipo de personagem costuma fazer muito sucesso. Talvez essa seja uma das explicações do sucesso permanente de Chaves.

Personagens esféricas: são as personagens modernas, capazes de surpreender de maneira convincente. É o herói que tem medo, raiva, rancor, é o vilão que mostra sua face humana, é a esposa romântica e apaixonada que olha para o vizinho ao lado. Segundo Cândido, a marcha do romance moderno foi no rumo de uma complicação crescente da psicologia do personagem; deste ponto de vista, poderíamos dizer que a revolução sofrida pelo romance no século XVIII consistiu numa passagem do enredo complicado com personagem simples para o enredo simples (coerente, uno) com personagem complicada. Basta compararmos o Ulisses na Odisseia de Homero com o Ulisses de Joyce. Ou o Super-Homem com o Batman.

É interessante notar, nesse sentido, que mesmo nas narrativas infanto-juvenis há uma maior complexidade na elaboração dos personagens. Em Shrek, por exemplo, as personagens clássicas, estereotipadas, são satirizadas, dando lugar a um ogro como herói e a uma ogra como princesa. Em Os Incríveis, os heróis são proibidos de usar seus poderes e vivem como uma família de classe média. Em Monstros S/A, são exatamente eles, os monstros, os protagonistas da história. Isso sem falar nas sombrias versões juvenis de Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve.

Por outro lado, o grande erro na construção de um personagem é o maniqueísmo. Originalmente, o termo remonta a uma filosofia religiosa sincrética e dualística que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo (Santo Agostinho, por exemplo, a princípio fora influenciado pelas ideias maniqueístas, mas terminará por combatê-las).

Em suma, hoje dizemos que uma obra maniqueísta é aquela que divide as personagens em bons e maus, sendo os bons sempre muito bonzinhos e os maus, sempre muito maus. As personagens, assim, são sempre planas, nunca complexas. Os exemplos mais tradicionais encontramos nos blockbusters hollywoodianos e nas novelas da Globo, que chegam a ter o núcleos dos bons e o dos maus.

Ocorre que, sem entrar em discussões sociológicas ou psicológicas, na vida real nós não somos apenas bons ou apenas maus, até porque sendo assim não sobreviveríamos nesse mundo por muito tempo. Em geral, as pessoas têm medos, receios, preconceitos, ansiedades, e transmitem isso em pequenos detalhes, lutando para fazer o bem, mas naturalmente comportando-se de forma duvidosa vez que outra. Não estou falando que as pessoas seriam capazes de matar, mas tampouco seriam humilhadas e mal tratadas sem sequer levantar a voz ou transformar o choro em raiva, como acontece em tantas cenas de novela.

Dessa forma, um texto feito de forma maniqueísta não é verossímil, pelo menos desde meados do século XVIII. Sendo assim, a não ser que de forma planejada e proposital, evite enredos maniqueístas e protagonistas planos. As exceções clássicas são a comédia e as obras para o público infantil, mas vale refletir sobre por que as crianças hoje se identificam tanto com o Shrek e tão pouco com o príncipe, os jovens apreciam tanto com o sombrio Batman e tão pouco o belo Super-Homem.

Um exemplo de construção verossímil da personagem, embora maniqueísta, é o já citado Peter Pan. O menino pode voar, mas só se tiver pensamentos felizes, além de ser fundamental a presença da fada Sininho. É a partir desses dois elementos que Peter Pan, soprando o pó de pirilimpimpim em Wendy, poderá voar com ela e seus irmãos. Peter Pan, assim, pode voar, mas enfrentará diversos perigos, pois não é imortal, não tem super-poderes, não é invisível. Se de uma hora para outra se tornasse, haveria uma quebra na relação de confiança com o espectador. E o mais interessante, nesse caso, é o final melancólico, quando Peter Pan acena para Wendy do lado de fora da janela de sua casa, alijado daquele mundo dos humanos que crescem: o contrato ficcional foi mantido, Peter Pan é o menino da Terra do Nunca, ainda que os demais meninos perdidos tenham ido morar com a família de Wendy.

Outro exemplo da literatura/cinema que consegue mesclar realidade e ficção com relativa destreza é Harry Potter, série capaz de arrebatar primeiro as crianças, depois essas crianças crescidas e agora elas já como leitores maduros e universitários. Já na primeira cena vemos o menino procurando a estação sete e meio do trem, se não me engano, para entrar no mundo dos bruxos. Suas magias dependem de sua varinha, e Potter só pode voar com a vassoura ou ficar transparente com a capa, elementos que vão guiando o leitor/espectador ao longo de toda a série.

A regra de ouro na construção de histórias fantásticas, portanto, é a verossimilhança. Dos conflitos, do cenário e especialmente das personagens.

Fonte:
Texto enviado pelo autor, do Portal Escrita Criativa.

domingo, 19 de setembro de 2021

Adega de Versos 46: Vanice Zimerman

 

Olivaldo Júnior (Revoada de Palavras) 1

MARINA


Do alto de sua janela, Marina regava as plantinhas ao chegar em casa. Moça, pele clara, com um ótimo emprego, parecia se destacar no mercado publicitário a cada dia. Era feliz.

As visitas pipocavam no apartamento de Marina, que adorava receber bem. Havia inclusive notícias de homens e mais homens interessados nela, que parecia levitar nos ares.

Orgulho dos pais, certo dia, não foi trabalhar. Logo ela, que não faltava nunca! Uma amiga desconfiou de seu sumiço, foi até sua casa. Não, a corda não tinha faltado. Silêncio.
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O MENINO E A AURORA SOBRESSALENTE

Para o Henrique

Era um menino que se chamava Henrique. Atendendo ao chamado da natureza, ele cresceu, mas, por dentro, era o mesmo, um menino. Sei que é difícil permanecer menino, quando todas as forças do mundo querem nada menos do que nos retrair e nos tornar cada vez mais duros e insensíveis ao próximo. O próximo, para o Henrique, era o próximo mesmo, o semelhante, aquele que para um pouco para ouvir o próximo, mesmo ausente, distante.


Hoje, esse menino já crescido perdera o pai para o câncer. Hoje o dia está bem triste, cinzento, sem muita luz, nem poesia. Estive há poucos dias com esse amigo, que, conformado com o que o destino reservara ao pai, me sorria, aliás, como sempre fazia. Sorria como se a vida fosse uma luta em que não há vencedor, apenas oponentes, um em cada lado da linha, porém, oponentes que se justapõem, pois se complementam nessa luta diária, constante.

Henrique. Eis o nome do menino que é adulto, posto à prova constantemente pela vida, que é de morte. Não da morte que nos mata com um só golpe, mas da morte que nos enclausura em seu casulo, para que, de dentro dele, possamos voar, tenhamos longas e lepidópteras asas, tão borboleantes quanto a aurora sobressalente que só um menino consegue guardar em suas íris. Que essa aurora sobressaia nos céus do Henrique e de sua família.

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Ronnaldo de Andrade (Album de Spinas*) 1

6x7


Sumiste, de repente,
aterrando uma pedra
no simplório sapato

deste que agora, de fato,
manca com bolhas no pé.
É! Faltou-me ter mais tato
no romance. Sofro o efeito
do meu sã, verdadeiro ato!
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BOTÃO X ROSEIRA

Velhice: grande dádiva,
presente perfeito para
quem sabe envelhecer.

Quando enxerga a vida florescer,
se vive experiência, tem sonhos,
as mãos rugosas ganham poder.
Gera-se (é comum) tantas vidas,
tantos vivem tanto — Sem viver!
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NA AUSÊNCIA DO SEU CORPO
ENTREGO-ME ÀS FANTASIAS


Pensando em você
fico na madrugada
a numerar estrelas.

Ausculto cânticos alegres de corujas,
a ventania pronunciado-me seu nome
causar sensações... Não sei dizê-las!
Reputo as pardas paisagens noturnas
sem eu nem sequer compreendê-las!
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NÃO HÁ PROGRESSO SEM DESTRUIÇÃO

Naquele estreito caminho
caminhei inúmeras vezes;
hoje descomunal estrada!

O progresso apareceu de madrugada
extirpando árvores, rasgando a terra,
barulhento, com a rapidez exagerada.
Esticando o caminho, toda paisagem
foi, para minha amargura, modificada!
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QUANDO SE VIVE O PRESENTE
COM SAUDADE DO PRETÉRITO


Embaixo da braúna,
cheio de ferrugens,
aquele velho arado.

Amigo, companheiro de minhas labutas,
dos momentos inimagináveis de solidão;
ouvinte imparcial, quase sempre calado.
Hoje estamos ultrapassados, é verdade:
somos museus daquele tempo passado.
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*Algumas Regras da Estruturação do Spina

O Spina é um poema constituído por duas estrofes. A primeira estrofe é iniciada, necessariamente, por uma acepção trissílaba. Com três versos com três palavras em cada.
A segunda estrofe é composta de cinco versos com cinco palavras em cada, e não há a obrigatoriedade de ser iniciada por uma acepção trissílaba.
O sistema rímico é ABC//DECFC ou ABC//CDCEC.
Algumas conjunções estão proibidas no SPINA.
1) Aditiva: e;
2) As adversativas: mas/ porém/ todavia/ contudo/ no entanto/ entretanto;
3) A conclusiva e explicativa: pois;
4) Nas causais fica vetada unicamente: pois Nas subordinativas, censura-se somente uma. Ela faz parte das conjunções causais: pois;

Mais regras do Spina no link
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2020/07/ronnaldo-de-andrade-spina-nova-forma.html


Fonte:
Spinas enviados pelo poeta.

Fabiane Braga Lima (Caixinha de Crônicas) 1

NAQUELA NOITE


Naquela noite, não restava mais nada, a minha mente foi voltando ao normal, enxerguei a vida, não havia mais o medo de ficar presa no meu subconsciente. Fui enxergando aos poucos, onde tinha me perdido, fui me encontrando aos poucos. Deu uma vontade grande de chorar, quis voltar, mas não havia mais nada, apenas destroços e meus versos feitos nas madrugadas. Como é triste, e dolorido saber que deixamos de viver por meras ilusões, como é triste saber que perdemos tempo, pois eu perdi. Nada faz sentido, é como um relógio empoeirado e quebrado, presa no tempo. E quando realmente acordei, não me lembrava de mais nada, precisava cuidar do meu psicológico. Naquela noite, não ouvia vozes, nas quais me perturbavam, não havia sombras do passado. Naquela noite, eu acordei e resolvi viver. Foi preciso a arte me esmagar para que eu pudesse sentir que tenho alma, e sede de vida...!
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ENIGMA

Repugnante e sem razão, sou eu sem você. Então, surge do nada, dominada por este amor desmedido, me entrego. Encantada com seus mistérios, e seu jeito de me acalentar em teus braços, meu corpo o deseja.

De repente, todo desejo desaparece! Estou enlouquecendo, tu se tornaste um vício, preciso encontrar os desígnios da tua alma, e tua melhor parte! Mas, todo este sentimento é muito forte, fico eu intacta, como se estivéssemos entrelaçados, mas só escuto eco, apenas eco e mais nada.

No oculto! Sacia-me no silêncio, sinto minha pele arder por te querer, assim, desmedida. Profanação! Minha cura e loucura, mistérios da alma o grito intenso no silêncio!

Aquieto-me e penso: — Nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais.

Desvendar te não ouso!
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A VIDA ME DEU OUTRA CHANCE

Creio que a vida me deu outra chance... Quantas vezes tropecei, caí e depois me levantei. Como um pássaro caído, alcei voo, errante e sem destino! Morri e renasci, nas minhas andanças, nos meus infindos e fantasiosos devaneios. Acordei em desatino, pude ver com os meus olhos e sentir na minha pele todas as dores. Pensei: - Que valor tem um poeta que fala de dor! O mundo já vive assombrado, necessita de amor e não de dor. Eu vivo na certeza e na tristeza daqueles que se foram por um maldito vírus. Vivo numa realidade assombrada, mas grata por estar viva!

Fantasio meus devaneios, para não sangrar a dor da realidade reinante. Tento e quero levar um pouco de amor para este mundo. Revigoro-me a cada dia para que o amor seja o meu objetivo. Se eu cair e não me levantar mais! É porque caminhei sobre espinhos e me feri. Mas eu sempre quero estar de pé, pois! Eu vivo. EU VIVO.

Fonte:
Textos enviados por Samuel da Costa.

sábado, 18 de setembro de 2021

Varal de Trovas n. 524

 

Nilto Maciel (Mundoca e Mundico)

Passavam os dias nas ruas. Há muito tempo no batente da Igreja do Patrocínio. Ponto bom. Sentavam-se junto à parede, estiravam as pernas e se preparavam para os primeiros pedidos. Esmolinha pelo amor de Deus, ajudinha para os ceguinhos. E levantavam as vasilhas amassadas, para facilitar o acolhimento das moedas e cédulas. Quando se sentiam sós, conversavam. Ela sempre recebia mais. Esse povo pensa que não sou cego? Contavam e recontavam as esmolas. Hoje o povo está miserável. Havia quem parasse para conversar com eles. Fazia perguntas de todos os tipos: se eram cegos de nascença, onde moravam, com quem viviam, por que não procuravam abrigos públicos? Passavam por eles homens e mulheres de todos os feitios: lentos, bêbados, pesados, perfumados, bem vestidos, suados, bonitos. Tropeçavam em seus pés e pediam desculpas. Fossem moedinhas ou cédulas de maior valor, agradeciam sempre: Deus lhe abençoe; Deus lhe dê em dobro; Deus lhe pague. Conheciam alguns transeuntes. O doutor já passou? Ainda é cedo. Voltavam para casa ao anoitecer, bolsos e bolsas repletos de dinheiros e presentes. Quem deu esta pulseira, Mundoca? Ela se zangava. Ia querer saber de tudo? Foi homem ou mulher? Tomasse cuidado com certos homens. Começavam dando presentinhos e terminavam querendo recompensas. Ora, ora. Fosse tomar banho de bica. Por que iria dar recompensa? Por acaso ela parecia alguma sirigaita que andasse se oferecendo? Amuavam-se por horas. Iam dormir brigados.

No outro dia, ele voltava a falar do homem bonito, de paletó, perfumado, que teimava em passar pela calçada, ficar parado, olhando para ela. Você acha ele bonito? Mundoca se irritava: Como ia saber, se não enxergava ninguém? Queria saber de uma coisa? A partir daquele dia, não pediria mais naquele lugar. Ia procurar outro ponto. Se fizesse aquilo, não voltasse mais para casa. Procurasse outro besta ou fosse viver com o macho bonito. Mundico, você acha que ele me quer, eu, uma pobre cega? Não sabia se ele a queria, mas que ela o deseja, disso tinha certeza. Viu-a suspirar de noite, cheia de dengues. Prostituta!

Todo dia contavam as esmolas. Sete mulheres, oito homens. Quase nada hoje. Uma miséria! E você? Seis homens, seis mulheres. Quanto você ganhou? Porém, nem todo dia os homens e as mulheres da cidade se mostravam mesquinhos. Mais de vinte hoje, Mundico. Muitas vezes o esmolador lançava a moeda no rumo da vasilha e sumia. Quem foi, Mundoca? Nos primeiros tempos tentavam contar as pessoas que passavam diante deles: um, dois, três, cem, mil. Vamos parar no mil. Não, na terceira esmola. Tem muita gente neste mundo, Mundico. E aqui na cidade? Talvez cem mil. Muito mais. Um milhão? Sei lá o que é um milhão.

Ao meio-dia deixavam o batente e saíam à procura de restaurantes. Pediam sobras. À noitinha, pegavam o ônibus. Às vezes conseguiam lugares nos bancos. Quando se desorientavam, pediam ajuda de passageiros. Mas quase sempre sabiam onde se achavam. Depois do jantar contavam as esmolas. Quem deu a nota de dez? Um homem. E esses centavinhos?  

O homem bonito tornou a incomodar Mundico. Por que você acha que ele é bonito, Mundoca? Será porque tem muito dinheiro, veste paletó e usa perfume caro? Você quer ele, Mundoca? E, na escuridão do casebre, o torvelinho das palavras se misturou aos gestos descontrolados e aos atos mais primitivos.

No dia seguinte e nos outros, Mundico voltou sozinho aos degraus da Igreja do Patrocínio, a contar moedas e cédulas e a dizer Deus lhe pague, Deus lhe proteja, Deus lhe dê em dobro.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte. Porto Alegre: Bestiário, 2006.
Livro enviado pelo autor.

Ialmar Pio Schneider (Versos Diversos) – 3 –

“A NOITE ESTÁ CHEGANDO E SOPRA O VENTO”

A noite está chegando e sopra o vento;
as árvores balançam sem cessar,
esta canção que soa como um lamento
parece vir de longe, vir do mar...

Escutando-a me ponho a meditar:
onde estejas, talvez, neste momento
e se amaste e não queres mais amar,
por que viver um drama tão violento ?!

Pois, quem sabe dirás, quando sozinha:
“O que afinal meu coração anseia ?”
E nem hás de supor quanto és mesquinha...

Oh! vem comigo olhar a lua cheia,
e te sabendo finalmente minha,
eu serei teu, fantástica sereia !
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MÁGOAS E QUEIXAS

Fazer versos é fácil - dir-me-eis -
se lerdes minhas páginas singelas
e simplesmente reparardes nelas
mágoas que nem de longe conheceis....

Se assim pensardes, nunca entendereis
da própria alma as fatídicas procelas
surgindo à noite, não em tardes belas,
e sois felizes porque não sofreis...

Se, no entanto, sentirdes a tristeza
transparecendo aqui nas entrelinhas
destes versos, que os leva a correnteza

a transbordar em zonas ribeirinhas,
é possível que tendes, com certeza,
queixas amargas iguais às minhas !
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RENÚNCIA

Viver sem teu carinho, sem teu beijo,
por receio de não ser compreendido;
e, ao mesmo tempo, louco de desejo
ao vivo amor não encontrar olvido.

Querer a fuga como um triste andejo
em busca de outros ares, aturdido,
mas por desgraça não achar ensejo
onde viver amado e ser querido.

Quanto amor te devoto e, todavia,
meu sentimento vago renuncia
tua presença meiga em minha vida...

E eu me contenho alheio ao teu sorriso,
como alguém reservado e indeciso
que não sabe se elege a preferida…
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SONETO DO ABANDONADO

Se teu amor chegasse de mansinho
e aos poucos me envolvesse corpo e alma;
se ele viesse me trazer carinho
quando me desespero e perco a calma...

Se fosses o fanal do meu caminho
e me surgisses numa noite calma,
como alguém que procura um quente ninho
para amar e aquecer o corpo e a alma...

Ambos unidos pelo mesmo afeto,
tanto sincero quanto predileto,
viveríamos horas mais amenas...

Mas enquanto não vens não tenho nada;
minha vida é uma casa abandonada
onde alguém chora a sós amargas penas
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SONETO MÍSTICO

Estou sentindo um sopro realmente...
É a hora em que refrescas minha fronte
e sou Tua flor, erguida em alto monte,
a quem deste um aroma permanente.

O dia em que eu tombar murcho no chão
recolhe para Ti todo o perfume
para que eterno queime no Teu lume
incensando Tua plácida mansão.

Não o deixes perder-se em treva densa,
mas faze que ele sempre a Ti pertença
co’a glória de servir-Te e que somente

um dia - não sei quando - em Teu louvor,
retorne finalmente à mesma flor
pra que unidos os guardes eternamente.
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SUPREMA DESGRAÇA

Despetalar as flores, na demência
do desespero horrendo dum delírio.
Nem ao menos poupar o branco lírio
e já não escutar a consciência.

Arrasar o jardim desta existência
na fúria dum remorso sem martírio.
Perder a crença de encontrar o empíreo
e sufocar a luz co’a própria ciência.

Depois olhar pra trás e ver ainda
um jardim florido e uma luz infinda,
e não ter forças pra voltar atrás...

Mas ter somente uma opressão maldita,
e ao lado nem ao menos ter a dita
do perdão dos pecados e da paz…
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VÍTIMA

Nestas horas serenas e patéticas
eu canto um rio de amor em profusão;
e faço dos meus sonhos comunhão
das ondas rubro-verdes e poéticas...

As minhas esperanças são proféticas
e existe nelas uma solidão,
por quem bate em delírio o coração
se desfazendo em pulsações atléticas.

Oh! cantar tristemente noite e dia
sem demonstrar nos olhos a alegria
dos que estão satisfeitos com a vida,

é a tristeza suprema que atraiçoa,
é o copo envenenado de água boa
que nos mata sem vermos a ferida!

Fonte:
www.sonetos.com. Acesso em 15.01.2016. (site fora do ar)

Sammis Reachers (In box)

Lá se vai uma carangada de anos.

Foi dentro do antigo supermercado Max Box, no Fonseca, em Niterói.

Tudo que nasce avança em direção a seu ápice. E descai. E morre. Ali foi o ápice dele. A aceleração de seus processos. Seu arroubo ao apogeu. Numa fila de supermercado. Num dia cinza de outono quente.

Era funcionário do Detran. Aposentadoria em 12 anos.

Abriu os braços e gritou. Aqueles gritos primais, sabe, que ensinam em terapias. Depois de ter cativado a atenção de todos, sacou dois revólveres. Como se ensina nos filmes. Pessoas correram, ele fez mira. Fez e fez e deflagrou... pânico em donas de casa, estudantes comedores de Trakinas e velhotes que vão ao supermercado apenas para comprar um real de pão francês e filar um cafezinho.

Foi rendido por um segurança mais ousado e sangue-frio. Nenhum dos dois disparou. Nenhum dos que podiam, entendeu.

Puxou dois anos no Galpão da Quinta, o Presídio Evaristo de Moraes. Uma semana depois de ganhar as ruas, ao sair de um churrasco de aniversário do filho, foi atropelado por uma moto.

De sua casa seu filho herdou, além das 168 fitas VHS de westerns yankees, chicanos ou spaguettis, oitenta e sete contumazes revólveres, que, fora os dois apreendidos no mercado, formavam a coleção de revólveres de Geremias, “a maior de São Gonçalo e a segunda no Estado”.

Era meu amigo, trabalhamos juntos na antiga CTC de Leonel Brizola.

Morreu sem nunca ter dado um tiro. O Geremias.

Estante de Livros (Livros de Aluísio Azevedo)


Uma Lágrima de Mulher


Maffei, ambicioso pescador de uma das Ilhas de Lipari, no mar da Sicília, decide ir para Nápoles procurar riqueza e deixa a filha Rosalina com Ângela, uma espécie de ama. Volta anos depois, mas encontra a jovem filha apaixonada por Miguel Rizio, pobre, sem família que desse um enlace feliz a esse romance, decide levar Rosalina para Nápoles, pois lá ela arranjaria um marido, se não rico, mas que desse a ele (Maffei) um título de nobreza. Viaja pensando que matara Miguel em uma briga que tiveram, deixando ordem para que dessem fim ao corpo.

Miguel sobrevive e, anos mais tarde, consegue descobrir onde Rosalina mora, indo a seu encontro. Mas a Rosalina que existe é outra, transformada, cercada de luxos, com outros aprendizados e novas experiências.

Encontramos aí já os traços do naturalismo (excetuando-se o romantismo exagerado), quando o mundo social e hereditário influencia na formação do indivíduo.

O final do livro traz semelhanças shakesperianas, mas não surpreende. A pequena novela é ambientado na primeira metade do século XIX e é o primeiro romance de Aluísio Azevedo.

Aluísio Azevedo situa suas personagens - Miguel, Rosalina, Maffei e Ângela - em uma aldeia de pescadores nas ilhas Lipari, na Grécia, onde inicia a narrativa. Posteriormente, em Nápoles, Itália, além de mostrar as mudanças de caráter em Rosalina, antes ingênua e meiga, e em Maffei, de austero a ambicioso e amoral, põe a nu a hipocrisia daquele meio social, que define como uma sociedade flutuante, onde burgueses ricos e nobres falidos estabelecem relações promíscuas.
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Casa de Pensão

Casa de Pensão foi publicada em 1884 e é bem ao gosto naturalista, a exemplo de O cortiço, tanto que se fundamenta em um caso verídico (Questão Capistrano).

Tem como foco a trajetória de Amâncio, jovem provinciano do Maranhão, mandado pelo pai rico para a corte, onde poderia fazer um bom curso de medicina, à altura da capacidade do filho. Amâncio era um jovem com algum talento, mas estava mais interessado em “curtir” o Rio de Janeiro do que se esforçar para exercer a profissão de médico, afinal não precisava do diploma, dada a riqueza do pai. Morando em pensões de má qualidade, envolveu-se em situações não desejadas porque se julgava suficientemente esperto para viver levando vantagens e aproveitando-se de certas oportunidades.

Depois de um julgamento no qual fora acusado de sedutor, foi inocentado, mas acabou morto pelo irmão da mulher que seduzira.

Uma das últimas cenas da narrativa mostra a mãe de Amâncio chegando ao Rio para visitar o filho, assustada com o movimento da cidade. Acreditava que encontraria o filho cumprindo tudo o que a família e a província esperavam dele, até que viu uma foto estampada em uma vitrine de um estabelecimento comercial, que retratava o filho morto, com o dorso nu, deitado em uma mesa de necrotério.

O Naturalismo, presente na obra Casa de Pensão, é uma vertente literária dentro do Realismo. Suas características específicas são: o determinismo, sendo as personagens modificadas pelo ambiente em que vivem, pelo momento histórico e pela herança genética; a animalização e sexualização das personagens; e a inclinação ao pensamento socialista em detrimento do pensamento burguês.
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O Cortiço

O Cortiço foi publicado em 1890 e bem recebido pela crítica, fato que se deve à sintonia que o autor tinha com a doutrina naturalista muito prestigiada na Europa do século XIX. É composto por 23 capítulos que retratam a vida das pessoas em uma habitação coletiva – o cortiço, situada na cidade do Rio de Janeiro.

A obra é o marco do Naturalismo Brasileiro; relembrando que essa escola objetivava comprovar as teses científicas por meio de suas personagens, por isso essas obras eram chamadas de romances de tese. Mostra como o comportamento das personagens é influenciado pelo meio, pela raça e pelo momento histórico em que se insere, assim como a mistura de raças serve para a degradação humana. Portanto, a obra tece diversas críticas às diferenças sociais.

O Cortiço narra a busca do português João Romão pelo enriquecimento e para tal ele explora os empregados e é capaz de tudo para atingir seus objetivos. Romão é dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Bertoleza, sua amante, o ajuda trabalhando sem descanso. Opondo-se a João Romão, está Miranda, um comerciante bem sucedido que disputa com o taverneiro um pedaço de terra para aumentar seu quintal, entretanto, não havendo acordo, há o rompimento provisório da relação entre eles.

João Romão motivado pela inveja que tem de Miranda que possui uma condição social superior passa a trabalhar de forma árdua e a privar-se de certas coisas para enriquecer mais que o outro português. Entretanto, quando Miranda recebe o título de Barão, João Romão entende que não basta ter dinheiro, é necessário também ter uma posição social reconhecida e ostentar certos luxos, como frequentar lugares requintados, teatros, usar roupas finas, ler romances etc, isto é, inserir na efetiva vida burguesa.

Quando Miranda recebe o título de Barão e passa a ter superioridade afirmada sobre seu rival, João Romão opta por várias mudanças no cortiço, que agora ostenta ares aristocráticos, perdendo as características de miséria e desorganização, passando a se chamar Vila João Romão.

Há, em paralelo, os moradores do cortiço que têm menor ambição, dentre eles, Rita Baiana e Capoeira Firmo, Jerônimo e Piedade. O romance busca mostrar a influência do meio sobre o homem, um exemplo bem claro disso é o português Jerônimo que tem uma vida exemplar, porém passa de trabalhador disciplinado para preguiçoso, displicente, para justificar afirma que “o calor dos trópicos tiravam-me as forças do corpo”.

Como estratégia de ascensão social João Romão pede a mão da filha de Miranda, porém, Bertoleza representa um empecilho já que percebe as manobras do dono do cortiço para livrar-se dela e exige usufruir dos bens que ajudou a acumular. Para se livrar da amante, Romão a denuncia como escrava fugida e em desespero Bertoleza comete suicídio, assim o caminho fica livre para o matrimônio de João Romão.

Em O Cortiço, o tempo é linear, com início, meio e fim. Embora não sejam mencionadas datas, apreende-se que a história se passa no Brasil do século XIX.

A obra explora dois espaços. O primeiro é o cortiço, um amontoado de casas desorganizadas, onde vivem os pobres. Representa a promiscuidade das classes baixas e a mistura de raças; funcionando como um organismo vivo (biológico). Junto a ele estão a pedreira e a taverna do João Romão.

O segundo espaço é o sobrado do Miranda, ao lado do cortiço, representando a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços fictícios lado a lado geram uma mistura de raças e são enquadrados no bairro de Botafogo, evidenciando a exuberante natureza do local como meio determinante.

Fontes:
Uma Lágrima de Mulher
Diário Literal
Visionvox. Sinopses.

Casa de Pensão
Wilson Teixeira Moutinho, in site Cola da Web. Resumos.

O Cortiço
Miriã Lira, in site Cola da Web. Resumos.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 5

 


Raul Pompéia (Quase Tragédia: Conto da Lua-de-Mel)

Quando se é recém-casado por esses primeiros dias velozes que fogem para o passado, com uma rapidez incrível, em que almeja-se ardentemente que a noite desça, porque se ama o recato das sombras, em que suspira-se pela manhã, porque a manhã traz aquela preciosa luz fresca que convida a esses passeios ricos de efusões e mútuas expansões amorosas. Nesses rápidos dias que os europeus gostam de saborear à beira do Adriático, cobrindo-se com o céu da Itália, ou no meio dos lagos da Suíça, entre os nevoeiros que descem das cumeadas glaciais e brancas. Nesse fragmento de vida que os Fluminenses passam refugiados nas alturas verdes e saudáveis da Tijuca, nos saborosos dias da lua-de-mel, há certas confidências murmuradas docemente entre os esposos, confissões muito em segredo, que só entre os dois pombinhos se dizem, e como arrulhos se perdem na ventania que a floresta manda...

E assim deve ser. Tal é a doçura estranha dessas conversações, tal é a intimidade religiosa, em que se confundem a expansão e a reserva, num mistério tão delicado, que é melhor, muito melhor que se percam no espaço, longe dos ouvidos indiscretos como o canto do pássaro na mata virgem...

Foi numa dessas entrevistas meigas e misteriosas, que a pequena Adélia pôde saber porque motivo, pouco antes do seu casamento, Eduardo deixara dois dias em seguida de ir vê-la à casa do pai e soubera também o motivo daquela palidez cruel com que ele reaparecera, rindo muito, jurando que aquilo fora um ligeiro incômodo, que já estava perfeitamente bem, sem conseguir entretanto, ocultar absolutamente que sofria.

Haviam se casado.

Aqueles dois dias e aquela palidez, foram a tristeza da sua alegria no casamento.

Eduardo estava pálido, dentro da casaca preta que mais pálido o fazia. Adélia ficara também pálida e melancólica.

Quando ela soube o motivo, quando descobriu a cicatriz recente que ele tinha pouco acima do calcanhar direito, foi então que a melancolia desapareceu-lhe, mas como não sofreu ainda de vê-lo doente da ferida que mal acabava de fechar-se!

Pôs-se a refletir no fato.

Teve medo de interrogar positivamente Eduardo. Fez conjeturas, todas as conjeturas, e tratou muito dele, maternalmente como uma irmã, como uma filha, muito empenhada em vê-lo completamente restabelecido...

Eduardo pelo contrário inebriado de amor por ela, não cuidava de si. Só queria beijá-la. Cobria-lhe de beijos as pálpebras, ambas as faces, os lábios, beijava-lhe até, coisa incrível! Beijava-lhe a concha das orelhinhas rosadas de veludo! Pobre Eduardo!...

Afinal Adélia veio a conhecer tudo. Tudo... que poema! Escapara de ver na candura nívea das asas do seu amor uma triste mancha de sangue. A história do seu noivado por um triz que dava em tragédia e todos os sorrisos e juras por uma linha que não degeneraram em pranto e desespero.

Felizmente tudo ficara em riso, o sangue se reduzia a salpicos vermelhinhos, pontuando as asas de neve dos seus Cupidos.

Parece invenção. Entretanto, a cicatriz lá estava, pouco acima do calcanhar de Eduardo, como a prova palpitante.

Foi assim.

Moravam em Santa Teresa. Da casa de Adélia, no alto, avistava-se embaixo, numa das ruas da encosta do morro, a casa onde morava Eduardo.

Todas as tardes, depois que ele a pediu em casamento, o moço subia a ver a noiva e visitar a família do futuro sogro.

Raramente faltava. Quando ficou determinado o dia do casamento, as visitas de Eduardo tomaram-se infalíveis. Em todo o lugar falava-se do próximo enlace.

Repentinamente, com grande espanto de todos da casa de Adélia e principalmente desta, Eduardo falta um dia. Mandaram saber porquê.

— Estava incomodado.

Falta segunda vez...

Duas vezes... Era incrível...

Um noivo como ele faltar duas vezes... era grave.

Nova visita.

— Vai melhor... mas...

Todos ficaram sobressaltados.

Quanto caiporismo!

Havia alguns dias que tudo acontecia naquela casa. Um telegrama viera, noticiando moléstia grave de um parente que estava em Cabo Frio, o padrinho de Adélia, para sinal. A estouvada da Joana quebrara uma dúzia de pratos, por querer carregá-los todos duma vez em pilha; ainda mais, entrara pelas janelas da frente, uma grande borboleta preta que fora pousar exatamente na caixa do enxoval da menina...

O cão do vizinho uivara toda a noite...

Acontecia tudo. Até na véspera mesmo da doença de Eduardo, a casa fora visitada à noite, pelos ladrões que haviam espatifado a hera de um muro que dava para a ribanceira de um morro por onde naturalmente os gatunos haviam passado. E isso não fora uma vez só. Primeiro, o pai de Adélia muito escrupuloso dos seus penates, examinando o jardim, como de costume vira o caminho aberto na hera. No outro dia achou a planta mais estragada... já começavam a desaparecer peças de roupa do quintal, por exemplo um lenço de Adélia que ficara no coradouro...

No outro dia, o velho esperou.

Pôde, apenas, distinguir uma sombra escorregando para o lado da ribanceira. Correu ao jardim com a decrépita espingarda, que representava a derradeira segurança do seu lar, mas não viu nada.

Ainda uma vez, esperou o tratante (que afinal parecia não ser tão bandido como se supusera a princípio, porque as galinhas não desapareciam do galinheiro, nem as roupas do coradouro). O velho pai de Adélia escorou-o, dedo no gatilho e olho na hera do muro. Logo que percebeu a sombra... fogo!...

Não se ouviu nem um grito, através da noite, mas o pai de Adélia não teve ânimo de ir verificar se acabava de fazer um cadáver...

Na manhã seguinte, achou-se sangue pela hera e pelo chão.

Contudo a preocupação de Adélia não era a borboleta preta na caixa do enxoval, nem o cão do vizinho uivando à noite, nem mesmo as suspeitas verificadas de que os ladrões visitavam o quintal... A sua preocupação era outra.

Havia dias, que ela encontrava, todas as manhãs, uma flor, no peitoril da janela do seu quarto.

Não acreditava em duendes, mas tinha medo de verificar qual era a mão misteriosa que depunha ali o matutino brinde. Depois, era tão bom não saber coisa alguma e adorar todo o dia aquela rosa, aquele cravo, ou aquele raminho de violetas que dir-se-iam cair do céu com o orvalho!...

Repentinamente deixam de aparecer as flores!...

E esta desgraça, que ela amargava de si para si intimamente, como nos dias anteriores, saboreara a contemplação dos brindes misteriosos, acabrunhava-a, mortificava-a.

Uma suspeita que minava-lhe o cérebro, avultou, ocupou-lhe o espírito todo... Aqueles ladrões... aqueles ramos de hera quebrada no muro da ribanceira... o sangue... o sangue sobretudo!...
.................................................................

Uma daquelas entrevistas deliciosas de mel veio trazer luz às apreensões. O gatuno era ele. Levara o lenço de Adélia com que santa intenção! O pobre... As flores era ele o duende que as depunha todas as noites no peitoril...

E o tiro! O horrível tiro da paternal vigilância fora também para Eduardo!...

Eis aí como o noivado de Adélia teve uma quase tragédia e como os Cupidos do seu amor tiveram salpicos rubros na brancura das asas.

Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.

Argentina de Mello e Silva (Jardim de Trovas) 7


A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!
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A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.
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À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser "lelé da cuca".
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"Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela"
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).
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Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa –  que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.
= = = = = = = = = = =

Casa a Maria do Céu...
e que grande trapalhada
porque segurando o véu
segue toda a filharada!
= = = = = = = = = = =

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.
= = = = = = = = = = =

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
– chora por não ter marido
e quando tem... também chora!
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Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!
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Diz a mulher ao marido
(velho bem intencionado)
"daqui a meses, querido,
vai nascer teu enteado".
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Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.
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É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca;
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca...
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Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho,
"honni soit qui mal y pense"!
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Esta expressão francesa significa: «Maldito seja quem pensa mal a esse respeito!»
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Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça,
mas é só cão perdigueiro;
corre atrás, não come a caça.
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Mesmo que ele seja "um pão"
quando se torna marido
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!
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"Não tem profundeza a trova"
disse alguém - profunda asneira.
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!
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No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
"Favor não trazer coroa,
só ramos cheio de brotos"
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Nua, a Godiva, coitada!
causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa "suspense" algum.
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O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela vai pra trabalhar !
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O homem pensa, sofisma.
Cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?
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Paquerador o Andrada,
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.
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Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
"Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha".
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Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali...
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.
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Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.
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– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou.
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.
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Tanta "pílula" espalhada...
tanta gente sem-vergonha...
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.
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Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?
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Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
"Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era "lisa a mona".

Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba/PR: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Ao Dr. Mário, de coração

Ele chegou aqui no início de 1960, rapaz ainda, com 28 anos. Veio conhecer a cidade a convite de um primo, Dr. Propício Caldas, um dos grandes pioneiros da medicina em Maringá. De pronto gostou, ficou. Até hoje não teve tempo de se aposentar.

O queridíssimo Dr. Mário Lins Peixoto, nosso primeiro cardiologista, nasceu em Rio Largo, nas Alagoas. Formado pela Universidade Federal de Pernambuco, fez residência médica no Hospital dos Servidores do estado no Rio de Janeiro e três anos de pós-graduação em cardiologia no Hospital Mount Sinai de New York, nos Estados Unidos.

Com esse belo currículo, em pouco tempo tornou-se um dos mais conceituados profissionais em sua especialidade, projetando-se não apenas em todo o Paraná, mas também em âmbito nacional. Basta lembrar três dos seus muitos títulos: membro titular da Academia de Medicina do Paraná; membro efetivo da Sociedade Brasileira de Cardiologia; diretor clínico da Cardioclínica Maringá e do Hospital Paraná.

Minha primeira conversa com o Dr. Mário Peixoto foi na primeira vez em que resolvi fazer um checape. Ele disse que já me conhecia de nome, costumava ler o que eu escrevia nos jornais, e revelou que, como eu, também gostava de ler e escrever. Após fazer aqueles exames todos, brincou comigo: “Poeta não dá trabalho para cardiologista. Pode ir tranquilo, porque você vai ter vida longa”. Eu tinha uns 30 anos na época, hoje tenho 88.

Depois convivi durante muito tempo com ele no Rotary e aproveitei sempre cada oportunidade para aprender bastante. Além de ler muito, Mário conhece o Brasil todo e boa parte do mundo. Fala de qualquer assunto com aquela autoridade de quem realmente sabe das coisas. Literatura, música, pintura, economia, política, história.

Mas o que mais admirei nele logo que o conheci foi o tamanho de sua generosidade. Lembro um momento comovente. Num certo dia fui fazer uma reportagem na Santa Casa e vi o Dr. Mário numa salinha recebendo umas pessoas bem pobres. Um dos religiosos que ali trabalhavam me contou: “Esse doutor tem lugar garantido no céu. Toda semana ele passa uma tarde inteira aqui atendendo carentes. E não cobra nada”. Já ouvi de vários colegas dele outras histórias parecidas com essa, referindo-se à bondade do Dr. Mário Peixoto.

Com muita razão a Câmara Municipal outorgou ao ilustre cardiologista o título de Cidadão Benemérito de Maringá, por iniciativa do seu colega D. Heine Macieira, então vereador. Mário é um dos personagens mais marcantes da história desta cidade, participante ativo de numerosas instituições sociais, ex-presidente do Rotary Clube e da Sociedade Médica de Maringá, ex-vice-presidente da Sociedade Paranaense de Cardiologia. Um homem fora de série.

Que bom que Deus me tem permitido o privilégio de privar de sua preciosa amizade e de sua linda família há mais de meio século. Um abração, Doutor. De todo o coração.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 27-5-2021)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.