domingo, 29 de maio de 2022

Samuel da Costa (Ópera mundi [de tudo que te é avaro])


''Dê-me tua mão, diz que tem saudade…
Esqueça nosso árduo passado, vaidade
Meu corpo febril, aqueça, junto ao teu
Sem receio, diz que me deseja, sempre.''
Fabiane Braga Lima


            Lenny passa em revista seus equipamentos de trabalho disposto na pequena bancada de trabalho! Dispostas, de forma aleatória, as sofisticadas e importadas máquinas fotográficas, os últimos modelos lançados no mercado mundial, passando por ultrapassadas máquinas analógicas, indo parar em caros celulares e tablets. Mas tem a voz, a orientação do pai: — Filmes, tudo analógicos, nada destas bobagens eletrônicas atuais!

— Madalena! Traga o seu kit! E a tua mochila! — A dona da casa ainda estava olhando profundamente para o que me melhor tem a disposição. Evitou olhar para a assistente de produção como quem admite uma derrota.

— Madame? — Atônita a assistente olha para o chão sem saber o que fazer ou dizer.

— A tua câmera bag infeliz, aquela que te dei de presente não sei quando! — Lenny se vira e joga a chave do carro para a assistente. — Deixa a tua motoneta aqui e vá pegar tudo o que tens em casa, os tripés não precisa vou usar os meus. Vai mulher!

 O grito bem alto, da dona da casa fez estremecer a pequena assistente de produção, que girou nos calcanhares e se dirigiu até a garagem.

Lenny sabia que a assistente tem o que ela precisa naquela hora, a velha tecnologia mecânica, as velhas polaroides, rolleiflexes de uma série de câmaras analógicas difíceis de encontrar no mercado. Colecionadora da velha tecnologia, Madalena é a cara da corrente foto-arte, ela é ligada umbilicalmente de corpo e alma ao movimento do romantismo.

A jovem sonhadora Madalena, não se encaixa mesmo na atual avalanche tecnológica digital. Lenny sabe do amor platônico da assistente por ela, muitas das vezes Lenny pensou em levar a assistente para a cama de fato. Mas Lenny não mistura trabalho com vida pessoal, em definitivos as aventuras de Lenny eram fora de casa e fora da vida profissional.

Lenny olha para o relógio na parede, não demoraria muito para as duas modelos chegarem e fotógrafa vai vestíbulo, vai até as araras separar os figurinos que pretendia usar. A fotógrafa pensa na mãe se um dia visse a filha adorada trabalhando de camareira, a requintada senhora desmaiaria, Lenny sorri para si mesmo, pois nunca esteve tão feliz e realizada. Ela não se sentiu assim nem mesmo quando chutou o ex-namorado, um jornalista bonachão, alto e gordo, um verdadeiro imbecil, um típico membro da classe média interiorano praiana.

A fotógrafa pensa em ligar para a assistente, para apressá-la, mas prefere ir até a varanda e acender um cigarro, os cigarros mentolados de Madalena que cedo ela pegou da balsa da assistente. Lenny não se reconhecia, sempre fora livre é verdade, mas um alguém que sussurra ditames ao seu ouvido, um som quase inaudível. Ela sabia que não é um sentimento de não pertencimento é outra coisa, algo bem mais profundo. E, de repente, vem uma lembrança da infância, não muito distante, uma lembrança adormecida que ressuscitou com a visita inesperada do senhor Otto Blumenthau. Estavam de férias no litoral, a família toda, estavam na orla da praia, que tinha sofrido um engordamento recentemente, no rádio local tinha um locutor histérico que discursava com o engordamento das areias da praia.

O pai de Lenny estava sentado em uma cadeira alugada para turistas, ele estava com o rádio no colo. O velho Otto Blumenthau estava lendo um jornal de circulação nacional e o político tinha um charuto caribenho apagado na boca. No céu azul, as aves marinhas grasnavam no alto, a mãe de Lenny ao lado do pai, ambos bem vestidos com suas roupas de veraneio, o casal abrigado por um guarda-sol. E os irmão de Lenny? A fotógrafa não sabia onde estavam, só ouvia eles que gritavam um para o outro: — A bola! A bola chuta a bola! — Os dois riram alto. Também tinha o vento ameno, o barulho do vento e as ondas que quebravam na orla da praia.

E tinha o abismo gelado, ela caminhou até a beira do abismo álgido, Lenny saiu de perto dos pais e caminhou e caminhou, e veio os gritos da mãe e Lenny voltou os olhos para trás. O pai baixou o jornal, ele estava com o charuto aceso na boca naquela hora e olhou e ergueu o jornal de volta na altura dos olhos. A mãe de Lenny correu até ela e abraçou, a ergueu do chão e voltaram para onde estavam instalados. A mãe de Lenny estava chorando, parou para gritar com a babá e para os seguranças. Depois se voltou para o marido

— Vamos embora, Otto! Chega Otto! Vamos voltar pra casa!!! — Os gritos histéricos da esposa do político chamaram a atenção de todos e todas.

– Cala boca, mulher, é só um sphyrna, e ainda é só um filhote!

— Um o quê?

— Um pequeno tubarão-martelo, um filhote ainda! Eu já vi maiores e mais vorazes lá no congresso! — O pai falou com o charuto na boca enquanto a mulher chorava com a pequena Lenny nos braços. A babá sorria, os seguranças sorriam e o chefe de gabinete de Otto sorriu seco.

De volta ao tempo presente, a fotógrafa tem a fotografia do tal tubarão-martelo em toda a parte. A lembrança do pai dando a máquina fotográfica descartável, que o pai de Lenny tinha comprado de um ambulante na calçada da praia. O pai somente deu a máquina fotográfica como quem dá brinquedo para uma criança. Otto simplesmente deu para a pequena Lenny, sem dizer nada, e lá foi a pequena Lenny tirar uma fotografia do sphyrna na beira mar. E foi assim que Lenny produziu a primeira fotografia, e foi assim que o pai de Lenny, mandou revelar a fotografia e orgulhoso mandou ampliar e emoldurar a fotografia da filha.

O barulho da porta da garagem se abrindo trouxe Lenny para a realidade em que vivia. E a fotógrafa tragou a fumaça do cigarro e foi ver se Madalena cumpriu a tarefa que ela tinha dado ou escutaria uma avalanche de desculpas vagas e tolas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Como funcionam os jornais (parte 2, final)

O que são os editoriais?


Um jornal publica sua visão sobre fatos atuais, regionais ou nacionais, nos editoriais. O editorial é um texto opinativo não assinado que reflete a posição coletiva da redação do jornal. Editoriais não são notícias, são opiniões baseadas em fatos. Por exemplo, os editoriais podem criticar a atuação de autoridades públicas como o prefeito, o chefe de polícia ou o conselho de alunos local. Por outro lado, podem também elogiar pessoas por suas contribuições. Seja qual for o assunto, jornais esperam que seus editoriais aumentem o nível de discussão na comunidade.

Isto ocorre de duas maneiras que são familiares para o leitor: as cartas ao editor e os artigos de opinião editorial. As cartas estão sempre entre as seções mais lidas de um jornal, pois é onde os leitores expressam suas opiniões. Alguns jornais limitam as cartas a um determinado número de palavras, 150, 250 ou até 300, enquanto outros publicam cartas de qualquer tamanho. Os artigos de opinião editorial normalmente têm de 850 a 1000 palavras. Os jornais têm espaço para cartas ao editor e artigos de opinião editorial, disponíveis como parte de sua contribuição para o diálogo.

O editorial é dirigido por um redator que não trabalha no setor de notícias. Pessoas que trabalham em jornais chamam isso de "separação entre a Igreja e o Estado", o que significa que há uma linha que não deve ser ultrapassada entre notícia e opinião. Se esta linha for ultrapassada, o jornal perde seu bem mais valioso, a credibilidade. Por este motivo, os redatores em alguns grandes jornais são subordinados ao editor, que é o diretor-geral da empresa, e não ao editor-executivo. Em outros jornais ele pode ser. Seja qual for o modelo da organização, nenhum dos dois departamentos pode dizer um ao outro o que publicar no jornal.

Por que os anúncios são importantes para um jornal?
 
O número de páginas é determinado não pelo setor de notícias, mas pela quantidade de anúncios vendidos para aquele dia (além de cadernos especiais devido a grandes eventos ou acontecimentos, como tornados, campeonatos esportivos ou outros acontecimentos importantes). O setor correspondente coloca os anúncios nas páginas antes de serem liberados para o setor de notícias. Como regra, os jornais imprimem um pouco mais de anúncios do que notícias. Os anúncios correspondem a 60% ou mais das páginas semanais, mas na edição de domingo é comum que as notícias tomem mais espaço do que os anúncios. A proporção de anúncios com relação a notícias deve ser alta porque os jornais não conseguem sobreviver sem os ganhos que os anúncios proporcionam. Os editores chamam este espaço deixado de "buraco na notícia". O setor de anúncios e o de notícias não influenciam no conteúdo um do outro.

Três tipos de anúncios dominam os jornais modernos:

1) anúncios de exibição - com fotos e gráficos, estes anúncios podem custar milhares de dólares, dependendo do tamanho. Estes anúncios, normalmente de lojas de departamento, cinemas e outros negócios, podem ser preparados por uma agência de publicidade ou pelo próprio departamento de anúncios. São chamados de carro-chefe e são responsáveis pela maior parte da renda;

2) anúncios classificados - normalmente chamados de classificados, são publicados em caracteres miniatura chamados de ágatas. Estes anúncios são de pessoas que querem comprar ou vender produtos, empresas procurando funcionários ou comerciantes oferecendo serviços. Os classificados têm preço acessível, são populares e eficazes, atingindo milhares de prováveis consumidores;

3) folhetos - o terceiro tipo de anúncio é feito por grandes cadeias de lojas. Estes folhetos coloridos são colocados no meio do jornal para serem distribuídos com a edição de domingo. Os folhetos trazem ganhos menores do que os anúncios carro-chefe. Os jornais cobram para distribuir os folhetos, mas não tem controle sobre seu conteúdo ou qualidade de impressão.

Como é produzido um jornal?


O setor de produção faz o trabalho pesado. Nestes departamentos há especialistas que operam e fazem a manutenção das prensas, fotocompositoras, digitalizadores de imagens e máquinas de impressão fotográfica. Alguns funcionários trabalham no turno diurno, enquanto outros no noturno.

Com início em torno de 1970, os setores de produção de jornal iniciaram um movimento histórico longe da tecnologia de trabalho intenso das máquinas fotocompositoras Linotype e outras "de última geração" usadas em impressão em relevo. Esta foi a mesma técnica usada por Johannes Gutenberg no século XIV: imprimir uma página de papel diretamente em um bloco. A invenção da fotocomposição, baseada em processos fotográficos, acelerou a produção e reduziu os altos custos de despesas gerais da impressão em relevo. Além disso, a fotocomposição funcionava melhor com as novas prensas em offset que estavam começando a ser usadas.

A maioria dos jornais diários mudaram para alguma forma de impressão em offset. Este processo grava a imagem de uma página de jornal em chapas finas de alumínio (páginas com fotos ou letras coloridas precisam de mais chapas). Estas chapas, agora com a imagem positiva revelada a partir do negativo de uma página, vão para outros especialistas para colocação na prensa. Este processo é denominado offset porque as chapas de metal não encostam no papel que entra na máquina. Em vez disso, as chapas transferem a imagem feita com tinta para um rolo de borracha que imprime a página.

Embora as máquinas para impressão de jornais sejam grandes e barulhentas, são delicadas com o papel de imprensa, o papel de que é feito o jornal. Estas máquinas precisam ser delicadas pois o papel de imprensa é caro e deve passar por esses rolos enormes sem serem rasgados. Estas complexas máquinas de três andares, que podem custar mais de US$ 40 milhões, são chamadas de prensas rotativas, pois usam papel contínuo em vez de folhas individuais.

Além de colocar tinta no papel, a prensa também monta as páginas do jornal na sequência correta. Tudo ocorre tão rápido que uma prensa em offset consegue produzir 70 mil cópias por hora na correia transportadora, que por sua vez manda as cópias para o setor de distribuição que já está aguardando.

Como são distribuídos os jornais?

A responsabilidade de levar o jornal da gráfica até o leitor é do setor de distribuição. Jornais grandes publicam dois, três ou até quatro edições, todas devendo estar prontas para deixar a gráfica em um horário determinado. A primeira edição, às vezes chamada de edição "buldogue", vai até os locais mais distantes da área de circulação. Isto pode significar vários municípios ou até mesmo um estado inteiro. As edições posteriores contêm notícias mais frescas e chegam até áreas menores. A edição final, que vai para impressão depois da meia-noite, contêm as notícias mais recentes, mas cobre uma área geográfica menor, normalmente uma cidade.

Qualquer assinante de um jornal diário sabe que ele é jogado em sua porta ainda de madrugada. Empresas terceirizadas chamadas de transportadoras compram os jornais com desconto e fazem a entrega, usando veículos próprios. Quando jornais vespertinos eram comuns, os veículos usados eram bicicletas. O primeiro emprego de muitos jovens americanos era como entregador de jornais pela vizinhança.

O departamento de circulação determina as rotas que os entregadores devem seguir. Este departamento também é responsável pelas vendas em máquinas de moedas. Ele mantém um registro de faturamento dos assinantes, interrompe e inicia as entregas mediante solicitação e usa mensageiros para entregar jornais que possam ter sido esquecidos.

Devido à circulação do jornal, o número de pessoas que o recebem tem grande impacto nos índices de anúncios. A Audit Bureau of Circulations, agência independente de aferição de tiragens, examina e autoriza as quantidades para circulação. Isto assegura ao setor de anúncios e aos anunciantes que a demanda de circulação é válida.

Em 18 horas de trabalho bem coordenado, realizado por vários setores, o que as pessoas que trabalham em jornais chamam de "um rascunho da história" passa por sistemas de computador, máquinas de tratamento de imagens e impressões (que deixariam Gutenberg perplexo) indo até seu destino final, os leitores. Depois das 3h30 da manhã, poucas pessoas ficam na gráfica. Os funcionários de todos os outros setores já foram para casa. As prensas ficam silenciosas, talvez em manutenção pelo restante da noite. O silêncio repentino não dura muito. Em menos de quatro horas, o jornal desperta e começa tudo de novo.

Fonte:
Julia Layton & Bob Wilson "Como funcionam os jornais" 1 de abril de 2000.
HowStuffWorks.com.  27 de maio de 2022

sábado, 28 de maio de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 5

 

Humberto de Campos (A Coberta)

Não há quem não conheça, em todo o Brasil, a fecundidade da mulher cearense. Terra privilegiada e infeliz, em que a natureza, ao mesmo tempo, se destrói e se refaz, o Ceará constitui um caso curiosíssimo pelo modo por que aumenta, no meio das maiores calamidades, a sua população. À semelhança dos dragões fantásticos dos belos contos medievais, cujo sangue, ao cair na terra, se transformava em legiões de guerreiros, cada cearense que tomba de fome ou de sede, rebenta, no ano seguinte, multiplicado por dez. E daí serem frequentes, em todo o Estado, os casais com vinte, trinta, e até quarenta filhos, que se espalham depois pelo mundo, honrando pelo talento, e dignificando pelo trabalho, o glorioso nome do Ceará.

As famílias de prole modesta que vivem no Sul, compreendem dificilmente como pode uma pobre mãe lidar com uma tribo tão numerosa. E, no entanto, nada mais fácil para o cearense. Eu conheci, por exemplo uma senhora daquela procedência, que descobrira um processo originalíssimo de fiscalizar o seu exército de descendentes. Mãe de dezessete filhos, de um a quatorze anos, D. Josefa aproximava-se, à tarde, da mesa de cozinha, e partia, ali, uma ou duas rapaduras. Chamava os filhos e, deixando-os a comer, ia colocar-se ao lado do único pote d’água que havia na casa. Acossada pela sede, originada pela absorção do açúcar, a meninada corria, logo, a beber, enquanto D. Josefa os ia contando:

- Um. .. dois. . . três. . . quatro... cinco.. seis...

E assim por diante, até dezessete. Se havia apenas dezesseis, a bem-aventurada gambá-humana saía a procurar, como o pastor da parábola, a ovelha desgarrada.

D. Ifigênia de Medeiros, outra senhora que a seca de 1918 desterrou do seu Estado natal, possuía, entretanto, um processo mais simples. Casada em 1898, aos treze anos, com um fazendeiro de Itapipoca, teve desse consórcio abençoado, que durou seis anos, nove filhos, sendo quatro meninos e cinco meninas. Contraídas novas núpcias, no mesmo ano da viuvez (1904), com um tabelião de Sobral, forneceu D. Ifigênia ao Ceará, em mais cinco anos de matrimônio e caldos de galinha, sete meninas. Viúva pela segunda vez, casou em 1909 com um agricultor da serra de Uruburetama, a quem deu cinco meninos e cinco meninas, em nove anos. Perdido este terceiro esposo em 1918, recusou a fecundíssima senhora seis ou oito pretendentes que lhe apareceram, preferindo embarcar para o Rio de janeiro, onde se encontra desde aquele ano.

Apresentado a essa virtuosa nortista, que vive, hoje, em relativa abundância, perguntei-lhe, curioso, se ela não se confundia com tanta criança em casa.

- Eu? - atalhou, sorrindo. - Absolutamente!

E explicou-me o seu processo de evitar confusões:

- Eu adotei, para comodidade, o seguinte sistema: os filhos de cada marido usam roupa de uma cor. Os do primeiro, por exemplo, em número de nove, usam roupa de cor cinzenta.

E chamou para dentro:

- Lili? Iaiá? Amélia? Nenê? Totó? Bibi? Alfredo? Almerinda?

Aparecida a primeira parte da tribo, D. Ifigênia continuou:

- Os filhos do meu segundo marido vestem-se de azul.

E chamou:

- Teté? Lulu? Judith? Ester? Virgilina? Margarida? Sebastiana?

A segunda turma apareceu.

- Os do meu terceiro marido trajam amarelo.

E gritou:

- Jequiriçá? Pindoboçú? Coema? Jaci? Lindóia? Ubirajara? Peri? Iracema? Jacaúna? Guaraciaba?

O terceiro turno surgiu.

Evacuada a sala, D. Ifigênia sorriu; acrescentando:

- E ainda tem!

- Ainda tem? - exclamei, espantado.

- Tem, sim!

E entrando para o quarto contíguo, trouxe, nos braços, um pequenito de três meses.

Esse, nascido no Rio de janeiro, vinha embrulhadinho numa coberta de retalhos, em que se misturavam o branco, o azul, o preto, o amarelo, o roxo, o rosa, o pardo, o verde, o encarnado…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Carlos Estevam (Caderno de Trovas)


Dizem que o amor é eterno,
é ave de arribação:
chega com o frio do inverno,
foge com o sol do verão!
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Eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento…
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Meu coração é um cofre
onde minha alma, gemendo,
guarda as mágoas que alguém sofre
e as mágoas que vou sofrendo.
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Musa dos olhos brilhantes,
senhora dos versos meus,
não desprezes meus descantes,
que os meus descantes são teus!...
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"Nem toda flor tem perfume"
(diz o povo e di-lo bem).
Mas ter amor sem ciúme
é coisa que ninguém tem.
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O mundo inteiro proclama:
que falso o que o mundo diz!...
"É sempre feliz quem ama"...
E há tanta gente infeliz.
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Pobre de quem diz: "eu tive
um sonho ardente e murchou"
Mas ai daquele que vive
de um tempo que já passou!...
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Que alguém dissesse, eu queria,
porque é que Nosso Senhor
ao lado de uma alegria
planta sempre um dissabor?
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Querem que eu viva sorrindo,
desejo igual tenho eu,
mas não pode viver rindo
quem de rir já se esqueceu...
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Teu rosto, lírio moreno
por teus cabelos cercados,
semelha um astro pequeno
num céu de inverno engastado!
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Teus olhos meigos e lhanos,
por quem suspiros arranco,
são dois negros africanos,
escravos de um rosto branco.
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Teus olhos, meu bem amado,
são dois lagos de ternura,
são dois cofres onde o fado
colocou minha ventura.
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Um problema me consome
mas não lhe dou solução:
como escreveste teu nome
dentro do meu coração?

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TROVAS ENCADEADAS
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Ando a sonhar uma vida
cheia de coisas risonhas.
E reconheço, querida,
que a mesma vida tu sonhas!

No entanto, lírio adorado,
não sei porque, mas suponho
que o sonho por nós sonhado
não há de passar de um sonho.
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Andorinhas das alturas
Que adejais por sobre mim,
de onde vindes tão escuras,
porque sois negras assim?!...

Ai! andorinhas serenas,
vindes, bem sei, donde venho,
pois se tendes negras penas,
penas bem negras eu tenho.
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De há muito que anda essa gente
no vil manejo da intriga,
a falar constantemente
desse afeto que nos liga.

Mas se esse amor, grande e santo,
não vai ofender ninguém
que mal faz que eu te ame tanto?...
Que tu me queiras, que tem?
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De uma gentil feiticeira
os sapatinhos achei
e neles, por brincadeira,
meu nome escrito deixei.

Desde aí (que maravilha),
toda vez que a noite desce,
em cada estrela que brilha
meu nome, escrito aparece!
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Oh! Noites de lua cheia,
Oh! Noites cheias de lua,
se a vossa luz incendeia,
que os meus descantes destrua.

Eu sinto que morro breve,
pra que deixá-los ficar?!...
Noites brancas, cor de neve,
transformai-os em luar!
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"Quem cega (uma vez, na feira,
dizia, um cego, a cantar),
só vê na própria cegueira
aquilo que o fez cegar".

Se assim é, fica sabendo
meu impossível desejo:
ceguei, os teus olhos vendo,
pois outra coisa não vejo.
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Que tens nos olhos a noite,
disseram-me e eu protestei.
E, se há quem provar se afoite,
de novo protestarei!

As provas chovem aos molhos,
a crer ninguém me conduz...
Se tens a noite nos olhos,
de onde é que sai tanta luz?
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"Sonhei contigo", disseste,
e eu, com tristeza, te digo:
que grande mal me fizeste
dizendo: sonhei consigo!...

Sim, minha flor, se sonhaste
comigo e vens me contar
é que, decerto, deixaste
de algumas noites sonhar.
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Tristezas que em mim se encerram
que com o riso se unificam,
são males que não me aterram,
são mágoas que fortificam!...

E eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento.

Fontes:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Contos e Lendas do Paraná - 10 (Jandaia do Sul – Londrina – Matinhos – Missal)


Cidade de Jandaia do Sul

A lenda de Jandaia


Há muitos anos vagava entre os pinheirais uma esbelta menina de olhos da cor de pinhão e seus cabelos esvoaçavam, como fios dourados em espigas de milho. Nunca se soube de onde ela veio, apenas que seu pai era um bravo cacique, que deveria habitar a imensidão da terra roxa, colher frutos silvestres e beber dos mananciais cristalinos.

Mas, ansiosa, aguardava o dia em que haveria de surgir um companheiro, que seria destro na caça e forte na guerra. Já lhe dissera Tupã, quando ela se banhara numa cascata, mirando-se nas águas: “Jandaia haverá de receber, em breve, aquele que te revelará os arcanos do amor, foste talhada para os seus braços e só a ele servirás. Tu o verás presente entre os esplendores do sol e o vigor dos arbustos”.

Em todas as manhãs, muito antes da alva, Jandaia subia no cimo da colina perscrutando os pinheiros frondosos e aguardando o romper do sol, que também viria fixar-lhe o bronze de sua pele. Numa radiosa manhã, quando Jandaia inebriava-se de luz, eis que se aproxima um cervo com uma flecha cravada, tombando a seus pés. Surge, em seguida, um caçador, jovem e forte. Ele se deslumbra, ante aquela princesa selvagem.

Jandaia acaricia o cervo, depois dirige seu olhar para o moço guerreiro e acena-lhe para que se aproxime. Ele deixa o arco e as flechas e acolhe-a nos braços. Em frêmitos a mata regozija-se. Jandaia cinge-o em seus braços; sendo observada pelo sol. Este, enciumado, aquece os lábios rubros de Jandaia, a enfeitiça e seduz, agora mais que em todas as outras manhãs. Enciumado, arrebata-a para si. Ela, então, sente que ama o sol e deve-lhe sua existência.

Tupã, tomado de uma grande ira, vendo que Jandaia pertencia ao sol e não ao guerreiro que enviara, transformou-a numa cidade. Para que todos pisassem sobre ela e cobrissem de asfalto seus braços bronzeados.

O sol, condoído, surge todos os dias, com o mesmo calor de outrora, espargindo-se sobre a cidade e, como se não bastasse, ordena ao Cruzeiro do Sul, à noite, para que a vigie. Por isso, Jandaia recebeu mais um nome. Devendo sempre chamar-se Jandaia do Sul
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Cidade de Londrina
Guairacá

Guairacá, lobo dos campos e das águas, era o cacique corajoso, aquele que defendia os guaranis e a terra com denodo e bravura, desde o baixo Iguaçu até o Paranapanema e do Tibagi ao Paranazão. Era uma região ambicionada notadamente pelos castelhanos, que já haviam dominado os rio da Prata e Paraguai. Os castelhanos sempre quiseram invadir essas terras. Mas sempre enfrentaram os bravos de Guairacá, dos cem mil arcos vencedores.

Um outro guerreiro de grande valor o sucedeu quando de sua morte e comandou os guerreiros no agitado período daquele pedaço do Brasil: Mbiaçá. Numa homenagem póstuma, ele chamou aquela região de Guairacá para que todos se lembrassem daquele que rechaçara as tentativas dos homens estranhos. Foi este fato que, por muitos e muitos anos, frente a toda a sorte de inimigos impediu que a terra e a gente fossem avassaladas pelos estrangeiros, castelhanos e portugueses, que abreviaram seu nome para Guairá, tendo sido cantado em prosa e verso:

“Andava Guairacá mui valeroso,
Astuto, sabio, artero e mui valiente
Compuzo una terrible palizada
De aguas y comidas abastada.

El fuerte fué con mana fabricado
A los lados con muchos torreones,
Estaba a todas partes resguardado
Con sus trincheras, fosas y bastiones.
Sin duda Satanás ha revelado
A Guairacá el modelo y Invenciones.”

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Cidade de Matinhos
O homem de branco


Conta-se que na região de Matinhos existiam muitos índios carijós e que havia muito ouro nas montanhas. Das histórias dos primeiros colonizadores, destaca-se a figura de um “homem de branco” que, à época, começou a fazer contato com os índios e ficou amigo deles. Os índios perceberam que o homem queria o ouro deles e tentaram logo se proteger.

Cada vez que este homem os procurava, eles se afastavam, porque constataram que o ouro estava desaparecendo. Na verdade os brancos queriam a região, o Bairro Tabuleiro, morro do Cabaraquara, onde existem, ainda, muitos sambaquis entre as matas.

Um dia o “homem de branco” começou a ficar doente, com muitas dores. Acredita-se que a causa foi envenenamento, causado pelos próprios indígenas, através de bebidas que foram oferecidas ao homem. Até hoje, alguns moradores do antigo local relatam que o “homem de branco” ainda assombra a região e a quem mora ali.
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Cidade de Missal
Indianer*


Na década de 1960 no oeste do Paraná havia muitas florestas, com muitos animais selvagens e aves de diversas espécies. Devido a tantas riquezas, iniciou-se a venda dessas terras, entre os rios Ocoí e São Vicente. Assim, vieram os pioneiros, cheios de sonhos e ânimo, pressentindo a riqueza que provinha daquele chão.

Onde hoje é a Esquina Gaúcha, antiga Placa, uma das comunidades pertencentes à cidade de Missal, os colonos abriram as primeiras clareiras, construíram as primeiras casas e galpões, transformando a mata em terras para lavoura.

Segundo a lenda, alguém silenciosamente os observava, dia e noite. Com o passar do tempo, a presença e os olhares do observador começaram a ser percebidos. Os pioneiros o tinham como um índio, que com imensa tristeza e dor os observava destruir sua linda floresta, que para ele era sua casa. No alto das árvores, em meio às folhagens, o índio estava por perto e ao perceber que alguém o pressentia, ou estava vindo a seu encontro, sumia misteriosamente. As pessoas, então, comentavam entre si, temerosas:

– Hast du auch der Indianer gesehen?**

Os pioneiros fizeram várias tentativas de descobrirem seu paradeiro; imaginava-se que ele se protegia morando dentro de alguma grande árvore oca de nome “peroba” (atualmente essa árvore é considerada símbolo de Missal). Quando anoitecia, todos ficavam esperando o aparecimento do visitante misterioso.

Os jovens quando iam à casa dos vizinhos, ou a bailes, escutavam ruídos de galhos secos quebrando-se, folhagens mexendo-se e sentiam que “algo” ou “alguém” os acompanhava em tais passeios.

O tempo passou, sem que ninguém nunca descobrisse o misterioso e discreto seguidor, as histórias se espalharam. Os pioneiros, assustados, nunca descobriram quem era e quais suas intenções. Jamais souberam se seria um Indianer. Tão misteriosamente quanto surgiu e tão silenciosamente quanto fora sua companhia foi seu desaparecimento, sem que ninguém realmente o tenha visto.
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* Indianer = Índio
**– Hast du auch der Indianer gesehen? = – Você também viu o índio?

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Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Como funcionam os jornais (parte 1)

Introdução


Os jornais foram a primeira forma de comunicação de banda larga. Muito antes dos computadores, televisão, rádio, telefones e telégrafo, os jornais eram a maneira mais barata e eficiente de atingir as massas populares com notícias, comentários e anúncios. Os jornais, desde o tempo em que eram apenas uma grande folha de papel impressa à mão, têm sido um meio de comunicação de acesso aleatório, pois os leitores podem passar fácil e rapidamente pelas diferentes seções de um jornal, voltando a elas dias ou semanas depois. Além disso, pelo fato de seu "software" possuir uma linguagem comum, ele é universal e eterno. Por exemplo, um jornal publicado antes da Revolução Americana pode ser lido hoje como foi lido em 1775.

Neste artigo, vamos dar uma olhada nos bastidores de um complexo negócio em crescimento, que é a administração de um jornal, usando o The Herald-Sun, de Durham, na Carolina do Norte, como exemplo real. Vamos examinar como as notícias são cobertas e descritas, como chegam ao jornal, como o jornal chega na gráfica e finalmente é distribuído, chegando às bancas e à sua casa. Também daremos uma olhada no jornal como uma empresa e discutiremos como ocorre o equilíbrio entre lucratividade e as funções de prestação de serviço e comunicação na sociedade.

Embora o jornal de 1775 ainda seja legível, existe uma grande diferença entre ele e seu equivalente moderno. Em 1775, o jornal era publicado sob os caprichos de um governo colonial britânico, com pouca tolerância para a livre expressão de ideias, principalmente ideias políticas radicais. A Primeira Emenda à Constituição, parte da Declaração dos Direitos dos Cidadãos Americanos adicionada à Constituição Americana em 1791, proibiu leis que restringissem a liberdade de imprensa. Em uma era de reis e imperadores, isso significou um enorme passo rumo à liberdade individual e uma afronta à autoridade do Estado.

Os princípios e práticas que regem os jornais de hoje (objetividade jornalística, escrita concisa, notícias nacionais e internacionais) surgiram depois da Guerra Civil americana. Esta era a Idade de Ouro dos jornais diários, não somente pelo grande número de jornais então em circulação, mas também pelos lucros que eles geravam, permitindo a magnatas da imprensa como William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer viverem em um patamar suntuoso. Nunca antes os jornais haviam exercido tanta influência na política e na cultura americana. Hearst, cujo império, ou melhor, parte dele, ainda existe até os dias de hoje, era tão poderoso que foi responsabilizado (ou culpado) pela explosão da guerra contra a Espanha em 1898.

O CRESCIMENTO DO TELEJORNALISMO

Com o crescimento do telejornalismo na década de 60, os jornais se confrontaram com seu primeiro grande concorrente. Hoje, a ABC News (em inglês) declara que mais americanos ficam informados através da ABC do que de qualquer outra fonte - e isso é provavelmente verdade. Os 1600 jornais diários americanos continuam servindo milhões de leitores, mas não são mais o meio de comunicação de massa dominante do país. O que mais se questiona nesse inicio de século é como fazer para sobreviver e progredir na indústria do jornal com a cultura atual mais sintonizada nos meios eletrônicos de comunicação que na tinta de impressão.

OS JORNAIS VÃO SAIR DE CIRCULAÇÃO?

Podemos dizer com certeza que os jornais não vão cair no esquecimento, como aconteceu com o Código Morse. Eles são um meio de comunicação portátil e conveniente. Ninguém leva o monitor do computador para a mesa do café da manhã para ler as notícias matinais. Além disso, os jornais têm provado estar dispostos a se renovar para os leitores de hoje, enfatizando bom design, fotos coloridas e histórias detalhadas que relatam ou interpretam acontecimentos atuais.

Pessoas e departamentos diferentes contribuem para um processo que lembra um rio com inúmeros afluentes. Entre eles estão cinco com grande importância para os leitores de um jornal: notícias, editorial, anúncios, produção e distribuição.

O QUE SÃO NOTÍCIAS E COMO FUNCIONAM?

Curiosamente, para uma publicação denominada jornal, ninguém jamais criou uma definição padrão para o que é uma notícia. Mas o termo tem normalmente uma significação ampla: coisas anormais (falhas humanas, falhas mecânicas e desastres naturais são frequentemente "notícia").

Repórteres são os olhos e os ouvidos do jornal. Eles colhem informações de muitas fontes: algumas públicas, como registros na polícia, e outras privadas, como um informante do governo. Às vezes um repórter prefere ser preso do que revelar o nome de uma fonte confidencial. Os jornais orgulhosamente se consideram o Quarto Poder, que expõe o mal comportamento do Legislativo, Executivo e Judiciário.

Alguns repórteres são responsáveis pelos furos de reportagem ou por uma área de cobertura, como tribunais, prefeitura, educação, negócios, medicina e assim por diante. Outros são chamados repórteres gerais, o que significa que ficam de plantão para qualquer tipo de acontecimento, como acidentes, eventos cívicos e histórias interessantes. Dependendo das necessidades de um jornal durante o ciclo diário de notícias, repórteres especializados mudam facilmente do furo de reportagem para notícias gerais (novos repórteres eram chamados de focas, mas o termo não é mais usado).

Nos filmes, os repórteres têm trabalhos emocionantes, agitados e perigosos, vivendo de acordo com a famosa declaração sobre a vida nos jornais: "confortar os aflitos e afligir os confortados". Embora alguns jornalistas já tenham acabado mortos devido a investigações, o trabalho em um jornal é rotina para a grande maioria dos repórteres. Eles são nossos cronistas da vida diária, filtrando a realidade e trazendo um senso de ordem para um mundo desordenado.

Todos os repórteres atendem, em última instância, a um editor. Dependendo de seu tamanho, um jornal pode ter inúmeros editores, começando com um editor-executivo, responsável pelo setor de notícias. Subordinado ao editor-executivo está o editor-geral, que inspeciona o trabalho diário do setor de notícias. Outros editores das áreas de esportes, fotografia, estadual, nacional, coluna e óbitos, por exemplo, também podem ser subordinados ao editor-geral.

No entanto, o editor mais conhecido - e de alguma forma o mais crucial - é o editor-chefe. Os repórteres trabalham diretamente para este editor, que determina histórias, reforça prazos e é o primeiro a ver os rascunhos dos repórteres no sistema de composição ou na rede de computadores. Estes editores são chamados de gatekeepers (guardião/porteiro), pois controlam quase tudo o que deve ou não entrar na próxima edição do jornal. Normalmente trabalhando sob o estresse das notícias de última hora, suas decisões são traduzidas diretamente no conteúdo do jornal.

Uma vez que o editor metropolitano termina de editar o rascunho de um repórter, a história vai do sistema de composição até outra parte do setor de notícias, a mesa de redação, através da rede de computadores. Aqui, os vice-editores verificam a ortografia e outros erros. Eles também procuram nos artigos tudo aquilo que pode confundir o leitor ou deixar perguntas sem respostas. Se necessário, eles podem verificar fatos na biblioteca do jornal, que mantém uma coleção de livros de referência, microfilmes e cópias online de edições antigas.

A chefe da mesa de redação manda as histórias concluídas para outros editores, que ajustam histórias locais, as manchetes (escritas pelo editor, não pelo repórter!) e as fotos digitais nas páginas. Os jornais fazem cada vez mais este trabalho, chamado de paginação, com computadores pessoais, usando programas disponíveis em qualquer loja de artigos para computador. Microsoft Windows, Word e Quark Express são três programas que, apesar de não serem específicos para produção de jornais, são facilmente adaptados para isso. Antes de vermos o que ocorre com as páginas eletrônicas feitas pela mesa de redação, é útil entendermos como outros setores do jornal contribuem com o ciclo de produção.
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Continua…

Fonte:
Julia Layton & Bob Wilson "Como funcionam os jornais" 1 de abril de 2000.
HowStuffWorks.com. 27 de maio de 2022

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 20

 

Lêdo Ivo (A palavra escrita no muro)

Era quase um garrancho, mas o menino a leu, letra por letra.

  E disse:

  – Boa noite.

  A palavra respondeu:

  – Boa noite.

 Diante da delicadeza da resposta, o menino perguntou:

  – Quem é você?

  E ela, rindo com todas as letras do seu corpo, respondeu:

  – Sou uma palavra.

  O menino pensou que ela estivesse presa, já que não podia sair do lugar, e perguntou-lhe:

  – Mas quem pôs você de castigo aí no muro?

  A palavra retrucou:

  – Eu não estou de castigo. Estou livre. Todas as palavras que você lê nos muros da cidade são livres. Nenhuma delas está em cativeiro.

  – Mas você está presa.

  A palavra tornou a desmentir:

  – Eu não estou presa. Num muro uma palavra é livre como um pássaro. Menino, vou dizer-lhe uma coisa para você guardar a vida inteira. Nenhuma palavra vive em cativeiro.

O menino lembrou-se, então, de que em sua casa havia um grande dicionário que tinha nome de gente.

E ponderou:

– Mas, num dicionário, as palavras estão presas.

A palavra (seria uma palavra senhora ou senhorita?) riu, exibindo seus belos e brancos dentes feitos de sílabas, e explicou:

– Mesmo num dicionário as palavras são livres. Um dicionário não é uma prisão. É uma praça onde a gente se reúne.

– Pra quê? – interrogou o menino.

– Para servir aos homens. Todos nós temos uma serventia. Estamos a serviço da vida, do amor. Uma palavra é como um sol. Esquenta as pessoas. Quem sabe palavra não sente frio!

– Mas quem foi que pôs você aí no muro? – quis saber o menino.

– Foi um homem. Foi a mão de um homem.

– Foi de dia ou foi de noite? (O menino era curioso, queria saber tudo.)

A palavra não precisou se lembrar da hora em que fora colocada no muro como se fosse uma criança que a mãe põe no colo. Sabia isso na ponta da língua, pois as palavras também têm uma língua, como gente:

– Foi de noite. Estava muito escuro. Você sabe que a noite é nossa irmã? Muitas vezes, em certos lugares, só de noite é que a gente pode andar.

– Mas as palavras andam?

– Menino, as palavras andam sempre. São como os ciganos. Não podem ficar paradas em lugar nenhum, nem nos livros nem na boca dos homens. Já lhe disse que somos passarinhos. Nascemos para voar.

– Então, como foi que você nasceu?

– Eu não nasci. Eu estava voando. Então pousei na mão de um homem como se fosse um passarinho. Ele não precisou de gaiola para me agarrar. Era um homem que tinha vindo de um comício, o povo tinha gritado muito. Ele estava precisando de uma palavra para dizer o que queria, tudo aquilo que estava dentro do seu coração e não podia manifestar-se porque eu ainda não tinha aparecido. Então eu pousei na mão dele. Esta rua estava escura, quase ninguém passava. O homem olhou para um lado e para o outro, viu que nenhum soldado estava passando, não havia polícia por perto, e pôs-me aqui. Dia e noite as pessoas passam e, mesmo em silêncio, conversam comigo, e levam-me em suas lembranças e nos seus corações. É um pouco difícil de explicar, mas eu sou levada e no entanto fico aqui, sem sair do lugar. Você entende?

– E como é o seu nome, palavra-passarinho? – quis saber o menino.

– Meu nome é LIBERDADE, menino.

– A senhora tem um nome muito bonito!

– Não me chame de senhora, chame-me de você. Eu sou você.

Fonte:
Lêdo Ivo. O menino da noite. Publicado em 1995.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 7

A cruz, qual velho estandarte,
lembra a ausência que se explica,
na solidão de quem parte,
na tristeza de quem fica!!!
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Ao lado da antiga cama,
no olhar triste da parede,
um torno velho reclama
a ausência de tua rede!
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Entre os que não sabem ler,
há cego sem ter razão;
Falta-lhe a luz do saber
mas não a luz da visão!
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Essa criança tão pobre,
tem tanto encanto e magia,
que um anjo, quando a descobre,
vem beijá-la todo dia!
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Esses bens com os quais me iludo,
tudo aos teus pés eu deponho;
não me serve ter de tudo,
se não te tenho em meu sonho!
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Eu, a viola, uma rede,
e ao lado, a candeia acesa,
mostra a sombra na parede
da solidão sobre a mesa!
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Há na primeira centelha
da luz do sol da manhã,
dois lábios de cor vermelha
na boca morna da chã!
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Meu corpo, o tempo derrota;
mói tudo quanto eu transponho...
Mas morre e não muda a rota
da poeira do meu sonho!
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Na ausência do teu ciúme,
morre a angústia e nasce a flor!
e esse enredo se resume
em nova história de amor!
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Não há deserto que impeça
os passos de um beduíno
que, aos poucos, rompe sem pressa,
a poeira do destino!
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No abraço, o amor é tão lindo,
mas no adeus, que desencanto!...
Começa sempre sorrindo,
mas sempre termina em pranto!
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No fogão velho, um mormaço
atiça o fogo apagado,
e aquece as preces que eu faço
sobre as cinzas do passado!
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No rancho, em meio à pobreza,
crianças pedindo pão;
faltava pão sobre a mesa,
sobrava amor pelo chão!
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Nos pratos dessa balança,
há impurezas e impuros;
como se ter confiança
em tribunais tão perjuros?...
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Nossas mãos, guardam segredos,
e esses segredos, tão sós,
são presos aos nossos dedos,
por laços cheios de nós!
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O "adeus" para mim, descreve,
algo, que jamais se alcança!…
Se alguém me diz "até breve",
não diz "adeus" à esperança!
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O sol em seu caminhar,
à tarde, em seus rituais,
apaga as luzes no mar
e acende os faróis do cais!
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Ouço o mar, sem queixa alguma
e, em noites de lua cheia,
seus versos feitos de espuma
bordam poemas na areia!
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Ó, velho mar, teus cantares,
dão-me estranhas sensações,
de ouvir vozes de outros mares
nos meus mares de ilusões!
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Quem sonha e quem crê no amor,
pela espera, o amor alcança;
pois, vivem na mesma flor:
O sonho, a crença e a esperança!
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Se a lágrima, é dor pulsando,
que dói na alma, quando cai,
ela dói muito mais, quando
faz finca pé mas não vai!
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Se em tua cruz há três cravos,
três candelabros de luz,
meus braços são dois escravos
dos cravos de tua cruz!
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Se há desilusões, fracassos,
és culpada desta dor!…
Foste buscar noutros braços
pobres migalhas de amor!
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Se o meu verso não te alcança,
ama os poetas passarinhos,
que o verso deles balança
os poetas que estão nos ninhos!
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Se uma lágrima deságua,
molhando os véus do meu rosto,
é um pingo das gotas d’água
que há nos olhos de um sol posto!
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Sozinho e arrastando a cruz,
sem ter a luz da visão…
O pobre cego, sem luz,
busca a Luz na escuridão!...
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Teus olhos à noite, ao vê-los,
eu tento manter a calma,
como se ouvisse os apelos
da alma da noite, em minha alma!
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Vim te pedir ajoelhado,
mãos postas diante do altar,
perdão por cada pecado
que eu não soube perdoar!
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Vi, nas velhas cicatrizes
do tempo da mocidade...
Meus pés presos às raízes,
e as mãos, às mãos da saudade!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Ana Lúcia Merege Correia (Uma História do Livro no Brasil)

Na virada entre os séculos XIX e XX, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, conheceu um rápido desenvolvimento urbano e econômico. A imigração fez crescer o número de habitantes; foram criadas faculdades de Direito, Engenharia e Medicina; a rede de transporte marítimo e ferroviário cresceu e se tornou mais eficaz, e vários setores econômicos foram estimulados, incluindo a produção e o comércio de livros.

O “Almanach rio-grandense” publicado em 1874 pela tipografia Deutsche Zeitung arrola apenas três livrarias em Porto Alegre: a de Joaquim Alves Leite, aberta em 1850, que vendia vários produtos além de livros; a de Madame Marcus, frequentada por estudantes; por fim, a Livraria Rodolfo José Machado, fundada em 1854, que também atuava como editora. Nas décadas seguintes, porém, esses números iriam crescer, passando a incluir várias novas casas, entre as quais as filiais porto-alegrenses da Livraria Americana e da Livraria Universal.

Segundo Eduardo Arriada, da UFPel, a mais importante editora gaúcha daquela época era a Livraria Americana, de Carlos Pinto. Fundada em 1871 na cidade de Pelotas – um dos maiores centros comerciais do estado --, a Livraria foi responsável pela edição do “Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul” entre 1889 e 1917, atuou no setor de livros didáticos e publicou literatura nacional e estrangeira, com nomes como Daudet, Maupassant, Zola e Dostoievsky. Suas obras saíam na série de bolso Biblioteca Econômica, com baixo preço e pequeno formato. Laurence Hallewell afirma que as traduções e edições não eram autorizadas pelos detentores dos direitos de publicação, configurando-se no que hoje conhecemos como “pirataria”.

Em 1917, a Americana passou a ser propriedade da Livraria Universal, fundada em 1887 pelos irmãos Carlos e Guilherme Echenique. A Universal seguiu um caminho parecido com o da empresa de Carlos Pinto: inicialmente sediada em Pelotas, abriu filiais em Rio Grande e em Porto Alegre, publicou obras didáticas e de literatura e até mesmo seu próprio almanaque: o “Almanaque Popular Brasileiro”, dirigido por Alberto Ferreira Rodrigues. Encerrou suas atividades em 1929, quando Porto Alegre já contava com várias importantes livrarias. A maior parte se concentrava na Rua dos Andradas, também conhecida como Rua da Praia.

A Livraria do Globo também ficava nesse endereço. Fundada em dezembro de 1883 pelo português Laudelino Pinheiro Barcelos, era, a princípio, um negócio modesto, que anunciava a venda de “livros, músicas, papel, miudezas e objetos de escritório”. Pouco depois, Barcelos ampliou o negócio por meio de uma oficina tipográfica, na qual passou a realizar impressões por encomenda. Em 1890 contratou o jovem e dinâmico José Bertaso, que rapidamente galgou degraus na empresa, tornando-se sócio de Laudelino e, com a morte deste em 1919, proprietário da Livraria do Globo. Segundo Hallewell, Bertaso previu a escassez de papel que se seguiria à Primeira Guerra Mundial e fez um bom estoque, depois vendido com lucro. Também adquiriu a primeira máquina de linotipo do estado.

Em 1917, a Livraria do Globo abriu sua primeira filial, na cidade de Santa Maria. Em 1922, começou a publicar novas vozes da literatura gaúcha: Telmo Vergara, Darcy Azambuja, Ernani Fornari e vários outros. Ao mesmo tempo, visando à maior projeção da empresa, Mansueto Bernardi, encarregado do departamento de propaganda, fez publicar também alguns livros traduzidos, contratou editores especializados e artistas gráficos e fundou a “Revista do Globo”, um periódico de variedades que contou com colaboradores de renome, tanto nas ilustrações quanto na redação de artigos e colunas.

Ao deixar a firma, Bernardi foi substituído no setor editorial por Henrique, filho de José Bertaso. Em 1932, a direção da revista passou às mãos de um jovem escritor, Érico Veríssimo, já então colaborador e tradutor de vários livros publicados pela Globo. Entre os de maior sucesso estavam as histórias policiais da Coleção Amarela, iniciada em 1931 e que publicou 85 títulos em 18 anos. Em 1936, segundo Hallewell, a empresa contava com quinhentos funcionários e ocupava um prédio de três andares, e Henrique Bertaso viajava pela Europa a fim de adquirir os direitos de publicação de obras alemãs, italianas, espanholas e francesas.

Em 1938, após seu livro “Olhai os Lírios do Campo” se tornar um sucesso de vendas, Veríssimo assumiu o papel de conselheiro literário, uma espécie de curadoria principalmente dos livros a traduzir, que saíam pelas coleções Nobel e Biblioteca dos Séculos. Esta publicou obras de vulto, como “A Comédia Humana”, de Balzac. A edição de dezoito volumes foi considerada pelo crítico Nelson Werneck Sodré a maior realização da Globo até então, com destaque para o coordenador, Paulo Rónai. Além das traduções, a editora continuava a publicar autores brasileiros, principalmente locais, desde uma edição crítica dos “Contos Gauchescos e Lendas do Sul”, de João Simões Lopes Neto (1865 – 1916), até livros de estreia, como “A Rua dos Cataventos”, de Mário Quintana, que saiu em 1940.

No início dos anos 1950, a quantidade de obras traduzidas se reduziu bastante, visto que medidas tomadas pelo Governo dificultavam o pagamento feito a autores e editores residentes no exterior. Os números voltaram a crescer na década seguinte, porém a Globo havia mudado seu foco para a produção de livros didáticos, publicações técnicas e obras de referência. O departamento de Dicionários e Enciclopédias era um dos mais ativos na empresa, e contou com a colaboração de autores e pesquisadores renomados, tais como Leonel Valandro, Francisco Fernandes e Álvaro Magalhães, organizador da “Enciclopédia Brasileira Globo”, que, segundo Hallewell, foi a primeira a contar com verbetes elaborados exclusivamente por especialistas brasileiros. Outro nome de relevo foi Edgard Cavalheiro, que mais tarde viria a ser gerente da Editora Cultrix.

Em 1972, Érico Veríssimo publicou “Um Certo Henrique Bertaso”, livro em que narrava sua experiência na Editora Globo e homenageava o editor. Este faleceu em 1977, e pouco depois se iniciou uma grande reformulação, com a mudança da sede da firma para o Rio de Janeiro e a abertura de franquias. Em 1986 a empresa foi vendida à Rio Gráfica Editora, pertencente a Roberto Marinho, dono do conglomerado midiático também chamado Globo, que passou a utilizar a marca para os produtos da gráfica. Assim, o nome e a história da pequena livraria fundada em Porto Alegre continuam através de uma editora pertencente ao Grupo Globo, com sede em São Paulo, que publica livros de literatura e de não-ficção e revistas como a Época e a Galileu.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 6

 

Aluísio de Azevedo (Músculos e Nervos)


Terminava a primeira parte do espetáculo, quando D. Olímpia entrou no circo, pelo braço do pai.

Havia grande enchente. O público vibrava ainda sob a impressão do último trabalho exibido, que devia ter sido maravilhoso, porque o entusiasmo explodia por toda a plateia e de todos os lados gritavam ferozmente: “Scot! À cena Scot!” Dois sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir. Muitos espectadores, de chapéu no alto da cabeça, estavam de pé e batiam com a bengala nas costas das cadeiras; as cocotes pareciam loucas e soltavam guinchos, que ninguém entendia; das galerias trovejava um barulho infernal, e, por entre aquela descarga atroadora, só o nome do idolatrado acrobata sobressaía, exclamado com delírio por mil vozes.

– Scot! Scot!

Olímpia sentiu-se aturdida; o pai, no íntimo, arrependia-se de lhe ter feito a vontade, consentindo em levá-la ao circo, mas o médico recomendara tanto que não a contrariassem… e ela havia mostrado tanto empenho no capricho de ir aquela noite ao Politeama…

De repente, um grito uníssono partiu da multidão. Estalaram as palmas com mais ímpetos; choveram chapéus; arremessaram-se leques e ramalhetes, Scot havia reaparecido.

– Bravo! Bravo, Scot!

E os aplausos recrudesceram ainda.

O ginasta, que entrara de carreira, parou em meio da arena, aprumou o corpo, sacudiu a cabeleira anelada, e, voltando-se para a direita e para a esquerda, atirava beijos, sorrindo, no meio daquela tempestade gloriosa.

Depois de agradecer, estalou graciosamente os dedos e retirou-se de costas, a dar cambalhotas no ar.

Desencadeou-se de novo a fúria dos seus admiradores, e ele teve de voltar à cena ainda uma vez, mais outra, cada vez mais triunfante.

Olímpia, entretanto, com a cabeça pendida para a frente, o olhar fito, os lábios entreabertos, dir-se-ia hipnotizada, tal era a sua imobilidade. O pai tentou chamá-la à conversa; ela respondeu por monossílabos.

– Queres… vamos embora.

– Não.

Na segunda parte do espetáculo, a moça parecia divertir-se. Não despregava a vista de Scot, a quem cabia a melhor parte dos trabalhos da noite.

O mais famoso era a sorte dos voos. Consistia em dependurar-se ele de um trapézio muito alto, deixar-se arrebatar pelo espaço e, em meio do trajeto, soltar as mãos, dar uma cambalhota e ir agarrar-se a um outro trapézio que o esperava do lado oposto.

Cada um destes saltos levantava sempre uma explosão de bravos.

Scot havia feito já por duas vezes, o seu voo arriscado; faltava-lhe o último e o mais perigoso. Diferenciava este dos primeiros em que o acrobata, em vez de lançar-se de frente, tinha de ir de costas e voltar-se no ar, para alcançar o trapézio fronteiro.

O público palpitava ansioso, até que Scot afinal assomou no alto trampolim armado nas torrinhas, junto ao teto.

Cavou-se logo um fundo silêncio nos espectadores. Os corações batiam com sobressalto; todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do artista, que, lá muito em cima, parecia, nas suas roupas justas de meia, a estátua de uma divindade olímpica. Destacava-se-lhe bem o largo peito, hercúleo, guardado pelos grossos braços nus, em contraste com os rins estreitos, mais estreitos que as suas nervosas coxas, cujos músculos de aço se encapelavam ao menor movimento do corpo.

Com uma das mãos ele segurava o trapézio, enquanto com a outra limpava o suor da testa. Depois, tranquilamente, sem o menor abalo, prendeu o lenço à sua cinta bordada e de lantejoulas e deu volta ao corpo.

Ouvia-se a respiração ofegante do público.

Scot sacudiu o braço do trapézio, experimentando-o, puxou-o afinal contra o colo e deixou-se arrebatar de costas.

Em meio do circo desprendeu-se, gritou: “Hop!” deu uma volta no ar e lançou-se de braços estendidos para o outro trapézio.

Mas, o voo fora mal calculado, e o acrobata não encontrou onde agarrar-se.

Um terrível bramido, como de cem tigres a que rasgassem a um só tempo o coração, ecoou por todo o teatro. Viu-se a bela figura de Scot, um instante solta no espaço, virar para baixo a cabeça e cair na arena, estatelada, com as pernas abertas.

O recinto do circo encheu-se logo. Nos camarotes mulheres desmaiaram, em gritos; algumas pessoas fugiam espavoridas, como se houvesse um incêndio; outras jaziam pálidas, a boca aberta e a voz gelada na garganta. Ninguém mais se entendia; nas torrinhas passavam uns por cima dos outros, numa avidez aterrada, disputando ver se conseguiam distinguir o acrobata.

Este, todavia, sem acordo e quase sem vida, agonizava por terra, a vomitar sangue.

Olímpia, lívida, trêmula, estonteada, quando deu por si, achou-se, sem saber como, ao lado do moribundo. Ajoelhou-se no chão, tomou-lhe a cabeça no regaço, e vergou-se toda sobre ele, procurando sentir nas faces frias o derradeiro calor daquele belo corpo escultural e másculo. E, desatinada, ofegante, apalpava-lhe o peito, o rosto, a bronzea carne dos braços, e, com um grito de extrema agonia, molhava a boca no sangue que ele expelia pela boca.

Scot teve um estremecimento geral de corpo, contraiu-se, vergou a cabeça para trás, volveu para a moça os seus límpidos olhos comovidos, agora turvados pela morte, soltou o gemido derradeiro.

E o corpo do acrobata escapou das mãos finas de Olímpia, inanimado.

Fonte:
Aluísio de Azevedo. Aos vinte anos. Publicado em 1895.

Caldeirão Poético XLVI: Argentina


Alfonsina Storni
Suiça (1892-1938) Argentina

A SÚPLICA


Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
ainda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.

Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria...
E o outono ainda me encontra à sua espera.

Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estala, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos,

que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!

(Tradução de Oswaldo Orico)
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Arturo Capdevilla
(1889-1967)

EM VÃO


Quanto verso de amor, cantado em vão!
Como minha alma está ficando velha
ao recordar a história em que se espelha
a insensatez dos tempos que se vão!

Quanto verso de amor, gemido em vão!
A princípio, o nectário e eu, a abelha...
Depois... Meu coração todo se engelha
na neve amarga em que se fez ancião.

Quanto verso de amor, perdido em vão!
 — Minha janela em luzes se recorta...
Ainda vivo... que flores!... é verão...

Dá-me pena, entretanto, à minha porta,
como uma triste borboleta morta,
tanto verso de amor, chorado em vão!

(Tradução de Mello Nóbrega)
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Carlos Alberto Leumann
(1886-1952)
 
TRAGÉDIA SIMPLES


Tinham ambos quinze anos. Com delírio
queriam-se; porém, ela escondia
sua enorme ternura, e ele temia
dizer-lhe o seu segredo, o seu martírio.

O tempo ia correndo, enquanto Sírio
com reflexos de prata o céu feria.
E passaram-se os dias... Certo dia
ela ficou tão branca como um lírio.

Morreu sonhando... E ele, com passo tardo
buscando-a pela fúnebre pradeira,
achou a tumba entre o crescido cardo.

E ali, junto da amada companheira,
alma ferida de pungente dardo,
falou de seu amor a vez primeira.

(Tradução de Jacy Pacheco)
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Héctor Pedro Blomberg
(1899-1955)

VELHAS CARTAS DE AMOR


Ah, queimá-las não pude... É que elas — quem diria? —
guardam murchas assim, tua morta paixão,
— a febre de uma noite, as lágrimas de um dia —
como o eco já sem voz de urna última canção.

Tuas cartas! — num tempo a que eu retornaria —
fizeram palpitar de amor meu coração...
Depois, veio o silêncio, a distância, a agonia,
e o bálsamo do tempo — a cruel consolação!

Vivem nelas ainda um romance apagado,
a luz da mocidade, o fogo de um passado,
a glória de uma vida aos vinte anos em flor...

Ontem, contava-as, sim — com um gesto indiferente...
Mas, sobre elas caiu uma lágrima ardente...
E não pude queimar tuas cartas de amor...

(Tradução de J. G. de Araújo Jorge)
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Luís Cané
(1897-1957)

METAMORFOSE


Sufocar este amor, enriqueceu
meu coração de canto e de harmonia,
e em claro manancial de poesia
sua secreta dor se converteu.

Tornou-se canto tudo o que sofreu;
a pena sem consolo, em alegria,
minha noite por dentro, fez-se dia,
e se pôs a lembrar do que esqueceu...

A sofrer por amor, fez disto um gozo,
na face, a flor de um riso, invés de pranto,
e oculta na raiz, a alma ferida...

E a fingir um destino venturoso
e a parecer que o canto era só canto,
acabou alegrando a própria vida!

(Tradução de J. G. de Araújo Jorge)

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Sílvio Romero (Barceloz)

(Folclore do Pernambuco)


EM UMA NOITE CHUVOSA de fazer horror estavam três fadas cumprindo o seu fado no jardim que ficava ao lado da casa de Barceloz, namorador das flores em botão, no que levava as noites todas velando. Como eram, por esse motivo, as fadas privadas de cumprir com sua missão naquele lugar, combinaram encantar a Barceloz na ocasião em que estivesse namorando o bogari. Apareceram nessa noite tenebrosa as três fadas, e na ocasião em que chegou o moço à janela puseram-se a julgá–lo.

Dizia a primeira: “Este, que nos tem atrapalhado, há de sete anos não falar, e tendo esta flor para seu sustento.”

A segunda disse: “Neste tempo há de tornar-se em mato virgem, não vindo alma viva nestes ermos durante os sete anos.”

A terceira disse: “Só há de ser desencantado pela filha da Peregrina, que está cumprindo a mesma pena.”

Ditas estas palavras Barceloz encantou-se, a casa e todos que nela existiam. Quando Barceloz estava com seis anos de encanto a Ninfa, filha da Peregrina, completou os sete, e seguiu o mesmo destino de sua mãe, retirando-se em direção ao Reino da Torre de Ouro.

Anoitecendo-lhe no meio do caminho, e sendo noite escura e chuvosa, ela, como mulher, teve medo de ficar nas matas medonhas, e continuou a andar, a ver se encontrava alguma casa. Perdendo a esperança de a encontrar procurou uma árvore bem copuda e agasalhou-se debaixo à espera do sol.

Alta noite chegaram as fadas, e então disse a primeira: “Fademos, manas, fademos; no Reino da Torre de Ouro tem de haver uma grande festa, e tem-se de fazer uma escolha para desencantarem a mata que foi Barceloz, o Campo Negro, e a Bela das Belas. Estes três reinos têm de ser desencantados pelas três Peregrinas. Ninfa desencanta a Barceloz, a Morena desencanta a Bela das Belas, e Nandi o Campo Negro.”

Ninfa que aí estava ouviu toda a conversa, pôs-se quieta e assustada. Ao romper do dia pôs-se em caminho, e chegou trêmula de fome à beira de um rio, onde estava uma velha lavando roupa.

A velha disse: “Minha netinha, o que faz você por aqui? Como é tão bonitinha! Eu quero levá-la para minha casa: quer morar comigo?”

A moça respondeu: “Não posso ficar morando, posso ficar uns dias para descansar da viagem.”

— “Eu”, disse a velha, “só quero ter o gosto de te ver em minha casa.”

Seguiram ambas. Chegando elas à casa, tiniam todas as coisas como se fossem repiques de sinos, e a Peregrina ficou pasmada de ouvir tanto rumor em sua chegada.

A velha respondeu: “Isto é meu filho que te desconheceu.”

A velha apresentou a Peregrina ao filho, e este perguntou-lhe para onde ia.

“Vou”, respondeu a moça, “ao Reino da Torre de Ouro; vou desencantar a um infeliz que está encantado no Reino das Matas.”

Disse então o moço: “Ainda este ano lá não chegarás, e podes ir descansada que não hás de desencantar a Barceloz, pois só um beija-flor que ele tem a beijar; o bogari dar-te-á cabo da pele, e também uma serpente ao pé da janela, que só o vê-la faz horror; mas como minha mãe muito te quer, eu te vou dar alguns esclarecimentos. Leva este bogari e esta bola de vidro; acharás por estes dois objetos avultada quantia, que não deves aceitar. O rei também há de querer comprá-los; também lho não vendas. Ao chegares a Barceloz deve ser ao meio-dia, hora em que o beija-flor foi à fonte, e a serpente dorme; põe a flor na boca de Barceloz, e a bola na boca da serpente, e espera que venha o beija-flor; na chegada dele tira a flor do ramo e guarda. Quando o passarinho beijar a flor que está na boca de Barceloz, o passarinho cai, e a serpente acorda e quer morder, mas quebra os dentes na bola. Barceloz então se desencanta, aparece o palacete, e deves tirar do dedo do moço um anel que deves guardar para quando fores chamada pelo rei, e ele há de servir de sinal para casares com o moço, vencendo as invejosas.”

Assim fez a Ninfa. Depois de tudo acabado, foi ela ter à presença do rei. Todos os sábios duvidaram que essa tivesse tanto ânimo. Ela mostrou o anel, que todos reconheceram. De repente chegou outra mulher, dizendo que ela é que tinha desencantado a Barceloz, e a Ninfa foi condenada à morte; mas foi livre por não ter a outra apresentado prova alguma; foi então aquela condenada à morte, casou-se Ninfa com Barceloz, havendo muita festa pra festa.

Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Coleção Acervo Brasileiro vol. 3. Jundiaí/SP: Cadernos do Mundo Inteiro, 2018. Publicado originalmente em 1954.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 09: Beija-Flores

 

Marina Colasanti (Uma ideia toda azul)


Um dia o rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda e, tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com alegria, linda ideia dele toda azul.

Brincaram até o rei adormecer encostado numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levá-la. É tão fácil roubar uma ideia! Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a ideia escondida debaixo do manto, o rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, ele saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao corredor das salas do tempo. Portas fechadas e o silêncio. Que sala escolher?

Diante de cada porta o rei parava, pensava e seguia adiante. Até chegar à sala do sono. Abriu. Na sala acolchoada, os pés do rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gases, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta. A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Ideias o rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o rei logo levou a mão à corrente.

Ninguém mais se ocupa de mim – dizia, atravessando salões, descendo escadas a caminho da sala do tempo. Ninguém mais me olha – dizia. Agora, posso buscar minha linda ideia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado. Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o rei não era mais o rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na sala do sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza. Depois, baixou o cortinado e, deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.

Moral: ideia não é para ficar adormecida, mas para ser realizada, sob pena de se perder.

Fonte:
Marina Colasanti. Uma ideia toda azul. Publicado em 1979.

Vasco de Castro Lima (Sonetos ao Soneto)

I

Soneto! Com quatorze primaveras,
te conheci! Foi predestinação!
Plantei quatorze rosas em botão
no teu nobre jardim cercado de heras.

Por entre as confidências mais sinceras,
eu te entreguei, cativo, o coração.
Meus dias, minha cruz, minha ilusão,
tu vestiste de aromas e quimeras.

Confiei-te sonho, amor, prantos, espinhos!
E tu, recompensando os meus louvores,
dás-me a tua acolhida e os teus carinhos.

Teus passos seguirei para onde fores!
Teremos, a abençoar nossos caminhos,
Um suave arco-íris de quatorze cores!...
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II

... Assim, desde que eu era uma criança
e erguia os meus castelos de menino,
tornei-me teu ardente paladino,
lutando armado de perseverança.

Vivo a exaltar tua beleza mansa,
mesmo nos dias em que, à Dor, me inclino,
cansado de correr sem um destino,
cansado de esperar pela Esperança.

Soneto! As tuas taças quero erguê-las,
pois, mesmo tendo o coração tristonho,
espero, sempre e sempre, merecê-las.

Sim, tu me guias, lúcido e risonho,
formando, no alto, com quatorze estrelas,
o Cruzeiro do Norte do meu Sonho!
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III

Quando, sangue e luz, no céu apontas,
rompendo as alvas brumas levantinas,
tu és, Soneto, um astro que fascinas,
radiosa estrela de quatorze pontas...

Uma pulseira de quatorze contas,
Um colar de quatorze turmalinas...
... Soberbo girassol entre boninas,
Também nos prados — novo sol — despontas...

Quanta vez, no silêncio ou no tumulto,
se te vejo nas cores da alvorada,
saio feliz, no rasto do teu vulto!

E vendo-te, na abóbada estrelada,
quero subir, rendendo-te o meu culto,
os quatorze degraus da tua escada!
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 IV

Soneto, a tua vida de fulgores
desliza numa escarpa de martírios;
se és um campo coberto de alvos lírios,
também és um vergel de negras flores.

Regaço de alegrias e amargores,
ninho de mansuetudes e delírios,
nasces da chama espiritual dos círios,
como nasces do sol, que acende as cores.

Tu — florido e sonoro baluarte;
tu — rei do Amor, por mais que o ódio aguces;
tu — novo Cristo de um Calvário de Arte;

mesmo que cantes, mesmo que soluces,
revives todo dia, em toda parte,
as quatorze Estações da Via-Crucis!
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V

És, no reino das Artes — o Monarca;
no Culto da Poesia — és o Senhor!
És, Soneto, na Idade — um Patriarca,
tu, que vences o tempo e o seu clamor!

Nos caminhos, deixaste a tua marca,
Celebraste o Prazer, ungiste a Dor!
— Ronsard, Bilac, Herédia, Arvers, Petrarca;
e Bocage e Camões, poetas do Amor;

Stecchetti, Shakespeare, Antero e Dante;
Teresa de Jesus, Rueda e Chocano,
Foram quatorze eternas vibrações...

Reboa, assim, no espaço, triunfante,
como se fosse a voz de um peito humano,
o bater de quatorze corações!    

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.