Dizem que o amor é eterno,
é ave de arribação:
chega com o frio do inverno,
foge com o sol do verão!
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Eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento…
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Meu coração é um cofre
onde minha alma, gemendo,
guarda as mágoas que alguém sofre
e as mágoas que vou sofrendo.
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Musa dos olhos brilhantes,
senhora dos versos meus,
não desprezes meus descantes,
que os meus descantes são teus!...
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"Nem toda flor tem perfume"
(diz o povo e di-lo bem).
Mas ter amor sem ciúme
é coisa que ninguém tem.
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O mundo inteiro proclama:
que falso o que o mundo diz!...
"É sempre feliz quem ama"...
E há tanta gente infeliz.
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Pobre de quem diz: "eu tive
um sonho ardente e murchou"
Mas ai daquele que vive
de um tempo que já passou!...
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Que alguém dissesse, eu queria,
porque é que Nosso Senhor
ao lado de uma alegria
planta sempre um dissabor?
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Querem que eu viva sorrindo,
desejo igual tenho eu,
mas não pode viver rindo
quem de rir já se esqueceu...
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Teu rosto, lírio moreno
por teus cabelos cercados,
semelha um astro pequeno
num céu de inverno engastado!
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Teus olhos meigos e lhanos,
por quem suspiros arranco,
são dois negros africanos,
escravos de um rosto branco.
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Teus olhos, meu bem amado,
são dois lagos de ternura,
são dois cofres onde o fado
colocou minha ventura.
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Um problema me consome
mas não lhe dou solução:
como escreveste teu nome
dentro do meu coração?
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TROVAS ENCADEADAS
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Ando a sonhar uma vida
cheia de coisas risonhas.
E reconheço, querida,
que a mesma vida tu sonhas!
No entanto, lírio adorado,
não sei porque, mas suponho
que o sonho por nós sonhado
não há de passar de um sonho.
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Andorinhas das alturas
Que adejais por sobre mim,
de onde vindes tão escuras,
porque sois negras assim?!...
Ai! andorinhas serenas,
vindes, bem sei, donde venho,
pois se tendes negras penas,
penas bem negras eu tenho.
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De há muito que anda essa gente
no vil manejo da intriga,
a falar constantemente
desse afeto que nos liga.
Mas se esse amor, grande e santo,
não vai ofender ninguém
que mal faz que eu te ame tanto?...
Que tu me queiras, que tem?
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De uma gentil feiticeira
os sapatinhos achei
e neles, por brincadeira,
meu nome escrito deixei.
Desde aí (que maravilha),
toda vez que a noite desce,
em cada estrela que brilha
meu nome, escrito aparece!
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Oh! Noites de lua cheia,
Oh! Noites cheias de lua,
se a vossa luz incendeia,
que os meus descantes destrua.
Eu sinto que morro breve,
pra que deixá-los ficar?!...
Noites brancas, cor de neve,
transformai-os em luar!
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"Quem cega (uma vez, na feira,
dizia, um cego, a cantar),
só vê na própria cegueira
aquilo que o fez cegar".
Se assim é, fica sabendo
meu impossível desejo:
ceguei, os teus olhos vendo,
pois outra coisa não vejo.
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Que tens nos olhos a noite,
disseram-me e eu protestei.
E, se há quem provar se afoite,
de novo protestarei!
As provas chovem aos molhos,
a crer ninguém me conduz...
Se tens a noite nos olhos,
de onde é que sai tanta luz?
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"Sonhei contigo", disseste,
e eu, com tristeza, te digo:
que grande mal me fizeste
dizendo: sonhei consigo!...
Sim, minha flor, se sonhaste
comigo e vens me contar
é que, decerto, deixaste
de algumas noites sonhar.
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Tristezas que em mim se encerram
que com o riso se unificam,
são males que não me aterram,
são mágoas que fortificam!...
E eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento.
Fontes:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
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