domingo, 22 de maio de 2022

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) – 23


SECA NORDESTINA


A seca nordestina é inevitavelmente associada ao sofrimento e à desesperança.

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos...
Ademar Macedo (RN)
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O sertão está molhado...
Não de chuva... mas do pranto
desse povo abandonado
que a seca castiga tanto!...
Gonzaga da Silva (RN)
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Fugindo à seca que o vence,
busca pousada e guarida
o sertanejo cearense,
pelos caminhos da vida...
João Sobreira (CE)
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No sertão, se a chuva some,
a seca traz desencanto:
resta a palma para a fome,
para a sede resta o pranto.
Hildemar de Araújo Costa (BA)
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Sentindo o peso da mágoa,
o camponês baixa a fronte:
nos seus olhos tem mais água
do que nas veias da fonte!...
Manoel Cavalcante (RN)
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Que quadro desolador
na caatinga do sertão:
- chora o homem a sua dor
de pobreza no seu chão.
Francisco Bezerra (RN)
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Desolação, fome, mágoa.
Apenas o sol a pino,
restaram dois pingos d'água
nos olhos do nordestino.
Orlando Brito (MA)
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Se a seca nos traz a mágoa,
seca total não existe:
sempre cai um pingo d'água
dos olhos de um povo triste.
Aprygio Nogueira (MG)
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A terra inteira secou!...
E a dor me fez sofrer tanto,
que quando a chuva voltou,
tinha secado o meu pranto!
Professor Garcia (RN)
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Quando o sol se faz mais forte
e a chuva responde... não!
A silhueta da morte
se espraia pelo sertão.
Francisco José Pessoa (CE)
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A seca nordestina tem gerado o fenômeno do retirante. Não há cena mais triste do que a do sertanejo partindo da sua terra para não morrer de fome e sede nos anos em que a seca assola o Nordeste brasileiro.

Lá se vão os retirantes!
Deixam seus campos, seus bois...
- O coração morre antes,
o corpo morre depois!…
Aparício Fernandes (RJ)
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Quando parte o retirante,
em busca de outra paragem,
a miséria em seu semblante
é toda a sua bagagem.
Luiz Rabelo (RN)
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Os hirtos mandacarus,
espalhados no sertão,
lembram tristes corpos nus
de retirantes sem pão...
Luiz Rabelo (RN)
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Ao migrante maltrapilho,
que cruza o adusto sertão,
só resta, ao morrer-lhe o filho,
o consolo da oração...
Santiago Vasques Filho (CE)
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Se é pena ver o semblante
de um Nordeste sem matriz,
mais pena é ver retirante
dentro do próprio País!
Sebastião Soares (RN)
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A pior seca nordestina documentada foi a de 1915, retratada no romance de Rachel de Queiroz, O Quinze.

E se não fosse uma raiz de mucuna arrancada aqui e além, ou alguma batata-branca que a seca ensina a comer, teriam ficado todos pelo caminho, nessas estradas de barro ruivo, semeado de pedras, por onde eles trotavam trôpegos se arrastando e gemendo [...].


Pela seca castigado,
o nordestino sofrido
já está acostumado
a viver desassistido.
Francisco Mota (RN)
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Nas extensões do sertão,
este drama secular
da seca sem solução
continua a envergonhar.
Francisco Bezerra (RN)
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A seca em nosso sertão
tem sinônimo de "sacola":
- ao invés de solução
o que nos mandam é esmola...
Paulo Roberto da Silva (RN)
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O que seria esperado e razoável é que as chamadas autoridades brasileiras executassem algum projeto sério para minimizar as consequências da seca. Como este projeto não existe, o sertanejo apela à providência divina.

Quando a seca dilacera
a paisagem nordestina,
todo sertanejo apela
à providência divina.
Luciano Marinho (RN)
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Triste, ajoelhada, chora
a família nordestina,
pra que a seca vá embora
por intervenção divina.
Hélio Alexandre Silveira e Souza (RN)
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Ao ver a morte de frente,
sem esperança de chuva,
todo o sertão chora e sente
a terra ficar viúva...
Raimundo Andrade de Paiva (CE)
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Obrigado a conviver com a seca o nordestino sabe dar valor aos menores sinais de chuva. Esta é vista como uma verdadeira bênção:

As chuvas que vêm caindo
no mês de junho, tão finas,
transformam, como sorrindo,
as plantações nordestinas.
Antídio de Azevedo (RN)
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A chuva traz esperança
ao nordestino sofrido
que, ao ver comida e bonança,
a Deus ora... agradecido.
Joamir Medeiros (RN)
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Pela ameaça da fome,
quando a seca teima e avança,
a chuva ganha outro nome,
passa a chamar-se... esperança!
Héron Patrício (SP)
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O agricultor, na incerteza,
roga por chuva ao além...
Chora quando a natureza
responde e chora também.
Hélio Pedro Souza (RN)
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Meu sertão só se refaz,
quando a chuva, volta e meia,
traz, em seus pingos, a paz
e põe seus rastros na areia!
Professor Garcia (RN)
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Se a chuva cai no sertão
deste solo nordestino,
o inverno se faz canção
e tudo mais é divino...
João Vasconcelos (CE)
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A chuva é bênção divina
sobre o sertão sofredor,
mesmo uma simples neblina
faz eclodir uma flor.
Gonzaga da Silva (RN)
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Às vezes acontece também o contrário, quando a chuva em excesso leva à destruição, atingindo principalmente os habitantes das periferias das cidades e os ribeirinhos.

O meu sofrido Nordeste
tem castigo permanente,
é depois da seca agreste
que a chuva produz enchente.
Hildemar de Araújo Costa (BA)
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É água o singelo nome
da preciosa matéria
que, se escassa, gera a fome,
se excede, gera miséria...
Alba Helena Correa (RJ)
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O nosso amado sertão,
tão sofrido e castigado,
sofre agora a maldição
de um inverno exagerado.
Ana Maria Nascimento (CE)
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O simbolismo do mandacaru
O mandacaru [Cereus jamacaru), também conhecido como cardeiro ou cacto, é planta típica da caatinga, símbolo de resistência do Nordeste brasileiro. Já foi inspiração de poetas, celebrizado no Xote das meninas, de Zé Dantas e Luiz Gonzaga; Mandacaru quando fulora na seca é o sinal que a chuva chega no sertão [...]. O trovador também se inspira em seu simbolismo:


Se o mandacaru floresce
nos longes do meu torrão,
a nossa esperança cresce
de ver chuva no sertão!...
Gonzaga da Silva (RN)
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Mandacaru é Nordeste
na sua rude canção,
em que o homem se reveste
das asperezas do chão.
Francisco Bezerra (RN)
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Mandacaru cismarento,
sentinela do sertão,
testemunhas o lamento
de um povo a estender a mão!
Francisco Bezerra (RN)
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Quando o inverno a terra veste,
uma flor ao sol reluz:
é o mandacaru do agreste
que abre seus braços em cruz!
Fernando Câncio (CE)
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O sertanejo resiste, tal como o mandacaru.

Sertanejo, bravo e forte,
enfrenta a seca e os horrores
sem temer a própria morte,
vencendo os próprios temores!
Joamir Medeiros (RN)
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A força do sertanejo
é feita de sofrimento,
chega o tempo, eu antevejo,
de resgatar seu talento.
Gonzaga da Silva (RN)
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A força do sertanejo
pelo seu trabalho medra:
– É um trovão em arpejo
em cada cerca de pedra!
Gilda Moura (RN)
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Por mais que a seca lhe creste,
como resposta, o sertão,
queima-se em incenso agreste,
a clamar chuva em seu chão.
Ubiratan Queiroz (RN)
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Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.
Livro enviado pelo autor

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