quinta-feira, 6 de abril de 2023

Estante de Livros (Diário de um pároco de aldeia, de Georges Bernanos)


Sinopse: 
Escrito em 1934 e publicado em 1936, este romance confessional traça o doloroso itinerário espiritual de um jovem sacerdote, pobre e doente, enviado para uma terriola habitada por uma sociedade pragmática, descrente de fé e de cristandade. Neste cenário começa a luta contra a penetração do mal com armas como a humildade, o sofrimento e a solidão.

A história, em tom confessional, descreve a vida de um jovem padre católico na paróquia de Ambricourt, no norte da França, quase divisa com a Bélgica. A vida do padre é marcada por um câncer no estômago e pela falta de fé da pequena população local.

Comentários: 
Uma grande obra é aquela que agrega conhecimentos sobre a realidade e aumento de consciência da condição humana. Diário de um pároco de aldeia faz isso com magistral propriedade. Mais que isso, ultrapassa esses propósitos e nos dá uma verdadeira demonstração de fé, cristianismo e santidade e uma aula verdadeiramente filosófica. É uma história comovente, muito bonita e maravilhosa, contada com grande maestria literária. Entretanto, não é um livro fácil de ler porque é um livro com sentido filosófico onde a personagem central está argumentando em torno de ideias e o leitor moderno não está mais acostumado com isso.

O nosso herói é um jovem padre, cujo nome nós não sabemos e que registra em seu diário a vida angustiante que leva numa paróquia de interior. A obra denuncia como o Cristianismo está sendo transformado em rotina no mundo moderno, simbolizada pelo padre na aldeia de Ambricourt. No fundo, a história retrata a morte simbólica do mundo.

O livro começa com o padre descrevendo como é a vida na sua paróquia. O tempo todo se tem a impressão de que o padre está lutando contra um caso perdido, como se àquele lugar não pudesse ser recuperado.

Minha paróquia é uma paróquia como todas as outras. Todas as paróquias se parecem. As paróquias de hoje, naturalmente. Eu dizia ontem ao pároco de Norenfontes: o bem e o mal devem ficar em equilíbrio nelas, só que o centro da gravidade está lá embaixo, bem lá embaixo. Ou se preferir, os dois se sobrepõem nelas sem se misturar como dois líquidos de densidades diferentes. O padre riu na minha cara. Ele é um bom sacerdote, muito benevolente, muito paternal, e que no arcebispado passa até por incréu, um pouco perigoso. Suas tiradas fazem a alegria das casas paroquiais, e ele as reforça com um olhar que ele gostaria que fosse vivo, e que acho tão gasto e cansado que sinto vontade de chorar.

Minha paróquia é devorada pelo tédio, essa é a palavra certa. Como todas as outras paróquias. O tédio a devora diante de nossos olhos e não há nada que possamos fazer. Talvez um dia destes sejamos contagiados, e descubramos em nós esse câncer. Pode-se viver muito tempo com isso.”

Há algo de errado na sociedade e que acaba influindo na vida do pároco. E como o padre é jovem, os problemas são maiores, as dúvidas são maiores, e os sonhos são grandes. O problema está no grande abismo que separa o pároco entre o que ele sonhou ser e o que a aldeia espera que ele seja, e o que ele consegue ser, na prática.

Ele é um pároco numa cidade de gente descrente, gente cínica, gente ferozmente pragmática. Ele não tem nenhum colega de profissão que o ajude de verdade, porque todos eles estão apenas tentando transformá-lo em um ser tão cínico quanto eles. Em última análise, ficou sozinho e completamente solitário nessa vida.

“Eu me dizia então que o mundo é devorado pelo tédio. Naturalmente, é preciso refletir um pouco para se dar conta disso, não é uma coisa que se perceba imediatamente. É uma espécie de poeira. A pessoa vai e vem, sem a ver, respira essa poeira, come e bebe essa poeira, e ela é tão fina que nem faz barulho quando é mordida. Mas basta parar um momento e ela torna a cobrir o rosto e as mãos da pessoa. É preciso se agitar sem parar a fim de sacudir essa poeira de cinzas. Por isso mesmo, o mundo se agita muito.”

Este tédio que o padre descreve, é algo que não se percebe que acontece, uma espécie de poço invisível, um estado de coisas profundo e estabelecido, que não se consegue mexer. É como a poeira com a qual as pessoas se acostumam e com a qual não conseguem lidar. Este é mais ou menos o clima que se estabeleceu ali na paróquia do nosso herói.

O padre acha que a sua própria vida não tem mistério algum e o diário que ele se utiliza é um exercício para anotar as coisas que acontecem, com sinceridade que ele tem com ele mesmo.

SENTIDO DA OBRA:
1. A obra é um estudo sobre a santidade. O padre vai morrendo ao longo da história e há um sentido simbólico por trás disso.

2. O mote da obra é o confronto entre a conformidade e inconformidade.

3. O autor nos mostra o paradoxo entre espiritualismo e pragmatismo. O padre de Ambricourt simboliza o espiritualismo, enquanto o padre de Torcy e o senhor deão, seu superior, simbolizam o pragmatismo.

CONCLUSÃO:
A obra busca despertar a consciência de que o pragmatismo está sufocando o espírito do cristianismo.

Fonte:
Anatoli Oliynik. Anatoli: um blog cultural

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Tertúlia da Saudade 03: Milton S. Souza

 

Arthur de Azevedo (O chapéu)

O Ponciano, rapagão bonito,
Guarda-livros de muita habilidade,
Possuindo o invejável requisito
De uma caligrafia
A mais bela, talvez, que na cidade
E no comércio havia,
Empregou-se na casa importadora
De Praxedes, Couceiro & Companhia,
Casa de todo Maranhão credora,
Que, além de importadora, era importante,
E, se quebrasse um dia,
Muitas outras consigo arrastaria.

Do comércio figura dominante,
Praxedes, sócio principal da casa,
Tinha uma filha muito interessante.
O guarda-livros arrastava-lhe a asa.

Começara o romance, o romancete
Num dia em que fez anos
E os festejou Praxedes co'um banquete,
Num belo sítio do Caminho Grande,
Sob os frondosos galhos veteranos

Que secular mangueira inda hoje expande.
A mesa circular, sem cabeceira,
Rodeando o grosso tronco da mangueira,
Um belíssimo aspecto apresentava:
Reluzindo lá estava
O leitão infalível,
Com o seu sorriso irônico,
Expressivo, sardônico.
Sabeis de alguma coisa mais terrível
Do que o sorriso do leitão assado?
E nos olhos, coitado!
Lhe havia o cozinheiro colocado
Duas rodelas de limão, pilhéria
Que sempre faz sorrir a gente séria.
Dois soberbos perus de forno; tortas
De camarão, e um grande e majestoso
Camorim branco, peixe delicioso,
Que abre ao glutão do paraíso as portas;
Tainhas ouríchocas recheadas,
Magníficas pescadas,
E um presunto, um colosso,
Tendo enroladas a enfeitar-lhe o osso,
Tiras estreitas de papel dourado.

Compoteiras de doce, encomendado
A Calafate e a Papo Roto; frutas;
Vinho em garrafas brutas.
Amêndoas, nozes, queijos, o diabo.
Que se me meto a descrever aquilo,
Tão cedo não acabo!

O Ponciano fora convidado:
Quis o velho Praxedes distingui-lo.
Fazia gosto vê-lo
Convenientemente engravatado,
De calças brancas e chapéu de pelo,
E uma sobrecasaca
Que estivera fechada um ano inteiro
E espalhava em redor um vago cheiro
De cânfora e alfavaca.

Mal que o viu, Gabriela
(Gabriela a menina se chamava)
Lançou-lhe uma olhadela
Que a mais larga promessa lhe levava...
Como que os olhos dele e os olhos dela
Apenas esperavam
Encontrar-se; uma vez que se encontravam,
De modo tal os quatro se entendiam
Que, com tanto que ver, nada mais viam!

Apesar dos perigos,
Por ninguém o namoro foi notado.
Pois que o demônio as coisas sempre arranja.
Praxedes, ocupado,
Fazia sala aos ávidos amigos;
A mulher de Praxedes, nas cozinhas,
Inspecionava monstruosa canja
Onde flutuavam cinco ou seis galinhas
E um paio, um senhor paio,
E os convivas, olhando de soslaio
Para a mesa abundante e os seus tesouros
Não tinham atenção para namoros.
Quando todos à mesa se assentaram,
Ele e ela ficaram
Ao lado um do outro... por casualidade,
E durante três horas, pois três horas
Levou comendo toda aquela gente,
Entre as frases mais ternas e sonoras
Juraram pertencer-se mutuamente.
Quando na mesa havia só destroços,
Cascas, espinhas, ossos e caroços,
E o café fumegante
Circulou, - nesse instante,
Eram noivos Ponciano e Gabriela.

- Como, perguntou ela,
Nos poderemos escrever? Não vejo
Que o possamos fazer, e o meu desejo
É ter notícias tuas diariamente.
Respondeu ele: - Muito facilmente:
Quando a casa teu pai volta à noitinha
Traz consigo o Diário, por fortuna;
Escreverei com letra miudinha,
Na última coluna,
Alguma coisa que ninguém ler possa
Quando não esteja prevenido. - Bravo!
Que bela ideia e que ventura a nossa
Porém se esse conchavo
Serve para me dar notícias tuas,
Não te dará, meu bem, notícias minhas. -
Mas não esteve com uma nem com duas
O namorado, e disse:
- Temos um meio. - Qual? Não adivinhas?
Teu pai usa chapéu. . - Sim... que tolice! -
- Ouve o resto e verás que a ideia é boa;
Um pedacinho de papel à-toa
Tu meterás por baixo da carneira
Do chapéu de teu pai; dessa maneira
Me escreverás todos os dias... - úteis.
Oh!, precauções inúteis!
Durante um ano inteiro
O pai ludibriado
Serviu de inconsciente mensageiro
Aos amores da filha e do empregado.
- Até que um dia (tudo é transitório,
Até mesmo os chapéus) o negociante
Entrou de chapéu novo no escritório.

Ponciano ficou febricitante!
Como saber qual era o chapeleiro
Em cujas mãos ficara o chapéu velho?
Muito inquieto, o brejeiro
Ao espírito em vão pediu conselho;
Dispunha-se, matreiro,
A sair pelas ruas, indagando
De chapeleiro em chapeleiro, quando
O chapeleiro apareceu!... Trazia
O papelinho que encontrado havia!
Atinara com tudo o impertinente
E indignado dizia:
- Sou pai de filhas!... venho prontamente
Denunciar uma patifaria!
O hipócrita queria
Mas era, bem se vê, cair em graça
A um medalhão da praça.

O pai ficou furioso, e, francamente,
Não era o caso para menos; houve
Ralhos, ataques, maldições, etcetera;
Mas, enfim, felizmente
Ao céu bondoso aprouve
(O rapaz tinha tão bonita letra!)
Que não fosse a menina pro convento,
E a comédia acabasse em casamento.
Ponciano hoje é sócio
Do sogro, e faz negócio.
Deu-lhe uma filha o céu
Que é muito sua amiga
E está casa não casa;
Mas o ditoso pai não sai de casa
(Aquilo é balda antiga)
Sem revistar o forro do chapéu.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Artur de Azevedo. Contos em verso. Publicado originalmente em 1898. 

Amélia Luz (A arte é vida)


A arte é vida em grandeza 
brotando na nossa alma
em fantasia e em calma 
formando a nossa identidade
em total liberdade. 

No singelo, no belo,
no imenso, no profundo, 
nas estrelas incontáveis dos mistérios 
deste mundo colossal e fecundo.

A arte é ritmo na batuta mestra do maestro,
nos acordes e nas sinfonias musicais, em espirais.
No teatro, em drama ou comédia,
 no riso ou na tragédia,
a arte é um caminho iluminado sem fim.

É palco, luzes, ribalta e vida na beleza da dança,
na expressão corporal sublime
que suave delineia e define
o entusiasmo, a emoção, 
a coreografia em explosão
que nos faz sentir a sedução 
dos movimentos leves e compassados.

A arte é fusão de cores, 
tufos de flores em tinta na tela,
arco-íris vivo, colorido, 
que nos mostra com certeza
que Deus é o artista primeiro ao nos fazer
à sua imagem e semelhança.

Escultor primoroso da vida
diante do espetáculo maravilhoso do universo
em que, humilde confesso, 
a arte é o imenso, o desconhecido,
o todo, a cultura, o global, o infinito. 

Na linguagem pura da poesia
na comunicação incontida 
de apreciar, aplaudir, 
viver e sentir o dia que nos espera lá fora,
como a mais perfeita obra de arte
presente grandioso que recebemos a cada manhã
das mãos operosos do nosso Criador.

Fonte:
Poema enviado pela poetisa.

Aparecido Raimundo de Souza (Irritante)

ALFINETE CARDOSO pega o telefone e liga para um número que está sobre a mesinha de cabeceira escrito num papel de guardanapo. Na quinta vez, atende uma voz feminina:

— Bom dia! Pois não?

— Bom dia. De onde fala?

— Que número o senhor ligou?

— O que estou falando com você, perdão, com a senhora.

— Tudo bem, senhor, mas qual o número?

— Minha linda, aí não é do Jóquei Clube?

— O senhor deve ter ligado errado. Aqui é da “Funerária Suba em Paz e Renasça na Eternidade”.

— Credo em cruz. Funerária? Estou fora. Obrigado.

Três minutos depois Alfinete Cardoso tenta novamente. Na pressa, pode, de fato, ter discado um número errado ao invés do correto. Na oitava vez, um homem de voz grossa se faz presente:

— Bom dia?

— Bom dia, meu amigo. Com quem falo, por favor?

— Com quem o senhor pretende, ilustre cavalheiro?

— Com o Durcaine do Jóquei Clube.

— Não, meu amigo. Aqui não é do Jóquei Clube. E nem tem essa pessoa com tal nome. Como é mesmo o patronímico que o senhor mencionou?

— Durcaine.

—  Realmente o senhor se enganou.

— O que funciona aí?

— O açougue do Barbosinha.

Alfinete Cardoso se espanta:

—  Meu Deus, não é possível. Açougue do Barbosinha?

— Sim senhor. Por que a estranheza?

— Por nada, desculpe.

Impaciente, a criatura parte para nova tentativa. Comprime as teclas pausadamente, objetivando não errar. Na segunda vez, atende uma criança:

—  Oi... quem é?

— Sou eu... é vovô?

Alfinete Cardoso apura o rosto num sorriso amarelo. Fala com certa ternura na voz:

— Como é seu nome, meu doce?

— O meu?

— Sim!

A menina, feliz da vida se debulha faceira num enorme contentamento:

— Você sabe, vô. É Lulu. 

— Lulu, que nome bonito. Mamãe está?

— Acho que está!

— Chama ela pro titio.

— É vovô?

— Não, não é o vovô.

— Quem é então?

— Chama sua mãe para o titio.

— É vovô. Vovô por que mudou a voz?

— Não mudei...

— Mudou sim, E você não é meu tio, é vovô. Pai da minha mãe. 

Alfinete Cardoso, irritado, pensa em desligar o telefone:

Todavia, desiste:

— Minha gatinha querida, chama a sua mamãe:

— Me dá um tempo. Vou espiar se ela está no troninho.

Alfinete Cardoso meio sem graça cai numa gargalhada repentina: 

— Era só o que me faltava...

Dois minutos depois a garota retorna à carga:

— Vô, a mãe não está.  

— Meu Deus! E quem ficou aí com você?

— A Ziguinha, vô. Você sabe. Por que pergunta se já sabe que é a Ziguinha e não a mamãe?

— Não sou seu avô, minha linda. E quem é a Ziguinha?

— Vovô, por acaso você bebeu?

Alfinete Cardoso começa a dar sinais de estar às portas de mandar aquela garotinha às favas e encerrar o papo furado: 

— Lulu, Luluzinha, pelo amor de Deus, me chama a sua mãe.

— Vô, ela não está. Serve a Ziguinha?

— Que seja. Pede para vir falar comigo.

— Você vai me comprar a nova bonequinha da Barbie? Ontem você prometeu... 

— Gracinha, já falei: não sou seu avô.

— É sim. Por que está mudando a voz? A mamãe pegou você no flagra beijando a Ziguinha... eu sei de tudo... 

— De tudo o que, como, Lulu?

— Vô, não cansa a minha beleza. A Ziguinha cantou a pedra pra mamãe... sou pequena, mas não sou besta. Mamãe está careca de saber que você tem um caso com a Ziguinha. Vai me dar a nova bonequinha da Barbie?  

Silêncio momentâneo:

— Ei, vô, tá me ouvindo?

A quietude continua...

— Vô... fala comigo... vôôôôôôô...

Alfinete Cardoso se encontra a poucos passos de explodir:

— Estou ouvindo.

— Vai me dar a bonequinha nova da Barbie?

— Se eu der você chama a sua mãe ou a tal da Ziguinha?

— Não. Mas passo o telefone para o meu tio Durcaine. Ele acabou de chegar do Jóquei Clube... 

Durcaine finalmente entra na linha. Sorri bonachão:

— Fala meu amigão Alfinete. Tudo azul?  

Alfinete Cardoso pálido, sem voz, atônito e espantado, interrompe imediatamente a comunicação.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Vanice Zimmerman (Tela de Versos) 14

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 79

O trabalho dá a sobrevivência prazerosa, mas não podemos deixar de pensar que, se precisamos do mundo, o mundo também precisa de nós. A recíproca sempre foi verdadeira. Se cada um fizer a sua parte na cidade, no bairro, na sua casa, essa vida terá muito mais razão para existirmos. E o mundo será melhor para todos. Os custos serão pequenos, e os resultados, imensos. O comodismo prende, desafia, desarma. Em algum momento podemos ser empreendedores e não o somos. 

E a gente lembra Ralph Emerson: " Nós podemos mais do que fazemos ". 

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

George Abrão (Os mandamentos da amizade)

1° NUNCA SE ESQUEÇA DE UM AMIGO

Pois se um dia você e ele afastarem, por mudança ou outras contingências, se a amizade for verdadeira, vocês sempre estarão juntos em espírito. Tenho alguns exemplos disso e vou citá-los: 

Em minha adolescência e juventude, minha amizade era muito grande com os irmãos Carlos Alberto de Almeida dos Santos Piedade e com seu irmão Walter Jorge. Eles foram morar em São Paulo e ficamos sem nos ver por quase cinquenta anos, um dia nos reencontramos pela Internet e pouco tempo depois pessoalmente, na minha Jaguariaíva, quando do lançamento de um dos meus livros. E foi como se nos tivéssemos visto no dia anterior.

O mesmo aconteceu com os meus amigos Enio de Almeida Faria, Rubens Roberto Blaszezyk e Luiz André Sartori, os quais, depois de também mais de quarenta anos, nos reencontramos também em Jaguariaíva e nossa amizade continuava igual.

Com os meus amigos Chiquinho Woitiski, João Euzebio Delgado Ferreira, Manoel Queiroz Leite, ainda não me reencontrei pessoalmente, mas em nossas conversas pela Internet é como se estivéssemos sempre juntos.

E assim com muitos outros, que peço desculpas por não nominá-los para não parecer repetitivo.

2° SEMPRE MANTENHA O SEU AMIGO E A ELE SEJA FIEL

Pois não existe amor mais puro nem mais sincero do que o amor entre amigos, é uma coisa divina, inexplicável.

3° A VERDADE É PRIMORDIAL ENTRE AMIGOS

Se a verdade não imperar sempre entre amigos, a amizade não existe realmente.

4° NUNCA DEIXE UMA AMIZADE ACABAR POR CAUSA DE FUTILIDADES 

Pois existem coisas que nunca deveriam terminar.

5° RESPEITE SEMPRE AS IDEIAS E O “JEITÃO DE SER DO SEU AMIGO

Pois seu estilo, gosto, ideologias, podem não ser os mesmo que os dele.

6° NÃO CONTE A PESSOA ALGUMA UM SEGREDO QUE LHE FOI CONFIADO PELO SEU AMIGO

Se for algo em que seu amigo está errado: repreenda-o, mas o elogie para as outras pessoas.

7° FAÇA TUDO O QUE FOR POSSÍVEL PARA AJUDAR O SEU AMIGO QUANDO ELE PRECISAR

Às vezes não conseguimos ajudá-lo efetivamente, mas um gesto de carinho, uma palavra, um momento de atenção, sempre ajudam.

8° TRATE O SEU AMIGO COMO TRATARIA UM SEU IRMÃO

Pois um irmão, muitas vezes, pode não ser seu amigo; mas um amigo, sempre será seu irmão.

9° SEMPRE E A QUALQUER HORA OU LUGAR, DÊ A MERECIDA ATENÇÃO AO SEU AMIGO

Atenda-o da mesma maneira que você gostaria que ele o atendesse sempre aos seus chamados, como você gostaria que ele atendesse aos seus.

10° NA MEDIDA DO POSSÍVEL, FAÇA SEMPRE O SEU AMIGO FELIZ

Pois de toda felicidade que você lhe der, a recíproca será certa.

POIS:
“Amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração” – Milton Nascimento

Fonte:
Ebook enviado pelo autor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LII


JARDINEIRO...

MOTE:
Sou jardineiro imperfeito,
pois no jardim da amizade,
quando planto amor perfeito
nasce sempre uma saudade...
ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

GLOSA:
Sou jardineiro imperfeito,
mas meu adubo é o amor,
eu amo sem preconceito,
dou a todos, meu calor!

Eu colho muito carinho,
pois no jardim da amizade,
que encontro no meu caminho
existe a felicidade!

Vivo feliz, satisfeito,
espero que o tempo passe...
Quando planto amor perfeito
é um perfeito amor, que nasce!

Mas junto de tantas flores,
às vezes, contra a vontade,
recordando os meus amores,
nasce sempre uma saudade…
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MUITO ALÉM DAS ESTRELAS...

MOTE:
As estrelas... na amplidão,
nem todos conseguem vê-las.
Um sonhador põe a mão
muito além dessas estrelas!
ALOÍSIO ALVES DA COSTA
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

GLOSA:
As estrelas... na amplidão,
embelezam o Universo,
e o poeta com emoção,
as retrata no seu verso!

Ficam distante... não perto,
nem todos conseguem vê-las,
mas quem traz o peito aberto
pode, contudo, entendê-las!

Com amor no coração
e a alma, pura estesia,
um sonhador põe a mão
e logo as torna poesia!

Eu quisera ser poeta
para poder concebê-las,
e pôr a minha alma inquieta,
muito além dessas estrelas!
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ESPERANÇA...

MOTE:
Esperança é o sol aberto
que meu destino conduz,
deixando o sonho mais perto,
bem menos pesada a cruz.
ALONSO ROCHA
Belém/PA, 1926 – 2011

GLOSA:
Esperança é o sol aberto
que vem dourar o meu dia,
onde feliz eu desperto,
esquecendo a nostalgia!

Esse sol tão envolvente,
que meu destino conduz,
tem um calor diferente,
que vem de vibrante luz!

Nesse meu vagar incerto,
quem me sustenta é a esperança,
deixando o sonho mais perto
aumenta a minha confiança!

E um raio de sol, então,
cheio de brilhos, reluz,
tornando, com emoção
bem menos pesada a cruz.
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TEMA DE MINHA VIDA

MOTE:
Meu verso não se renova,
pois esta angústia sofrida,
mais do que tema de trova,
é o tema da minha vida!
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

GLOSA:
Meu verso não se renova,
se repete, indefinido,
pois nenhuma emoção nova
vem a ele dar sentido!

Vivo em prantos, sempre triste,
pois esta angústia sofrida,
me faz ver, que nada existe,
nem a esperança... perdida!

Esta tristeza comprova
que vivo na solidão!
Mais do que tema de trova,
é tema do coração!

Dor, tristeza, angústia, enfim
e o pranto da despedida
foi o que sobrou pra mim...
é o tema da minha vida!
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ILUSÕES

MOTE:
Ferem, sim, mas quero tê-las,
ao longo da caminhada.
Ilusões! Cacos de estrelas,
que enchem de luz minha estrada!
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

GLOSA:
Ferem, sim, mas quero tê-las,
agridoces ilusões,
quero também merecê-las,
sentir suas emoções!

Quero que sigam comigo
ao longo da caminhada,
me amparando, dando abrigo,
enchendo de tudo, o nada!

Quero, em meu peito, acendê-las
e deixá-las crepitar...
Ilusões! Cacos de estrelas,
que não cansam de brilhar!

Seguindo nessa ilusão,
me sentirei muito amada,
com luzes no coração
que enchem de luz minha estrada!
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MINHA ALMA GAÚCHA

MOTE:
Do Rio me dou ao luxo
de um abraço terno e doce...
Mesmo eu não sendo gaúcho,
minha alma é como se fosse!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Nova Friburgo/RJ

GLOSA:
Do Rio me dou ao luxo
de realizar meu desejo,
sou poeta e quase bruxo,
sempre a espera do teu beijo!

Sou o feliz ganhador
de um abraço terno e doce...
que me trouxe o teu calor,
com um gostinho agridoce!

Mas aguentei o repuxo,
me tornei um "taura", forte,
mesmo eu não sendo gaúcho,
joguei o laço na sorte!

Rio Grande eu te bendigo!
Amizade é raiz-doce.
Não sou gaúcho, mas digo:
– Minha alma é como se fosse!
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Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVIII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Guerra Junqueiro (Qual será rei?)

Morreu uma vez um rei, deixando quatro filhos, e sem ter designado o sucessor. Reuniu-se a corte, e decidiu-se que a coroa devia pertencer, não ao mais velho dos quatro filhos, mas sim ao mais digno.

Resolveram além disso que o cadáver do rei fosse posto de pé contra um muro, e que o príncipe que acertasse melhor com uma flecha naquele alvo, seria o escolhido para sucessor.

Começou o mais velho. Esticou a corda do arco, apontou durante muito tempo, e a flecha foi atravessar a mão esquerda do defunto. O príncipe soltou grito de alegria, cuidando que seus irmãos atirariam pior, e que por conseguinte seria ele quem viria a reinar.

O segundo acertou em cheio na cara do rei, soltando um grito ainda mais alegre do que o outro príncipe.

O terceiro varou o coração de seu pai, e os seus gritos de triunfo quase que chegavam ao céu, porque lhe parecia impossível acertar melhor.

Quando chegou a vez do quarto filho, tiveram de lhe meter nas mãos as flechas e o arco: mas, desde que olhou para o alvo, arrojou as armas longe de si, e desatou a chorar:

- Oh! meu pai! meu querido pai! exclamou ele, como poderei eu jamais consolar-me de ver o teu corpo crivado de flechas pela mão de teus próprios filhos!

Os grandes da corte ouvindo isto proclamaram-no rei, como sendo o mais digno.

Fonte:
Disponível em Domínio Público
Guerra Junqueiro. Contos para a Infância. Publicado originalmente em 1877.

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 7 – Oxum (continuação)


Oxum é a deusa das águas doces. Esposa do Orixá Xangô. Famosa na cultura Yorubá.

Ela representa a esposa, a mãe. É fiel à  família, no entanto, não faz o tipo submissa. Oxum  é faceira, ama espelhos, batons, joias e doces.

É segura em suas atitudes, sem deixar de ser branda. Sua fala exala candura. E, espontaneamente, todos a respeitam.

Oxum é a dona do ouro, por isso, seus filhos são ricos. Não ricos de bens materiais, ricos das coisas da vida. Quem se deixa conduzir pela força do seu axé, possui sabedoria ao resolver problemas. Ouve seus conselhos e entende que para as águas não há caminhos fechados. Pois a água tem o poder de escorrer entre pedras e espinhos, e por mais confuso que pareça o labirinto, sempre encontra uma saída por onde escorre até alcançar o mar.

Seus protegidos são amantes da alegria, são belos e sensuais. São férteis, porque as águas de Oxum estão sempre a fertilizar o solo dos sonhos.

Essa deusa, Orixá, Entidade, é cultuada no Candomblé e na Umbanda. Chega dançando, cercada de Erês (crianças) ao seu redor.

Seu axé traz o amor desejado e faz a união acontecer.   

Oxum também traz em si, o arquétipo da sereia. É a sereia dos rios. Uma espécie de prima de Iemanjá.  

Suas virtudes são infinitas. E quem mergulha em seus rios, não morre, está sempre a renascer.

CÂNTICO À DEUSA DOS RIOS

Oxum é uma criança
que esqueceu de envelhecer,
mas quando ela dança
seus filhos param de sofrer.
É bela, é muito doce,
cheia de luz e de saber.
Oxum, dona do ouro,
dai-me sustento para viver.
 
Ó Oxum, deusa querida,
das suas águas eu vou beber.
Ser feliz e ter longa vida.
Sua paz quero merecer.
És santa, mulher e deusa,
sangue do bem querer.
Ora iê, iê ô, minha mãe menina,
Ora iê, iê ô, linda flor do amanhecer!

Fonte:
Enviado pela autora.

domingo, 2 de abril de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 22

 

Carolina Ramos (Saudade)

Era o seu encanto aquele neto. Também, o único. E, como tal, soberano absoluto daquele coração cansado.

Morrera cedo a mãe do menino. Ela o criara.

O rosto encarquilhado da velhinha parecia alisar-se de gozo, cada vez que o netinho o tomava entre as mãos, e, a cobri-lo de beijos, segredava-lhe ao ouvido; - "Sabe, vovó, você é a vó mais linda que eu conheço, e é por isso que eu gosto tanto, tanto de você!"

Um dia ... bem, um certo dia, o crupe chegou. Ou difteria, como querem os entendidos. Chegou e agarrou o garoto de surpresa, e não o largou mais. Com suas garras de ferro, estreitou-lhe a gargantinha, pouco a pouco, como a tentar estrangular-lhe a alma!

Ante a tragédia iminente, a velhinha ganhou ânimo de leoa! Cresceu! Avantajou-se! Criou vigor de moça, na luta contra o inimigo implacável!

Com a energia que o desespero concede! Com a clarividência e a coragem que a própria dor empresta!

Tudo inútil! O médico rasgou de um golpe a traqueia obstruída.

A morte ganhou a corrida. E, em vez da golfada salvadora, foi ela quem primeiro atravessou a porta de emergência ...

Olhos esbugalhados de horror, a velhinha sentiu pesar-lhe nos braços o corpo frouxo do neto.

Não chorou uma lágrima sequer. Também, nunca mais sorriu.

Daí para frente, foi ficando cada vez mais pequenina. As costas encurvadas de tanto olhar o chão. Para que olhar à volta, se, para ela não havia mais horizontes?! As mãos sempre frias, trêmulas e côncavas, num desejo mórbido de, antecipadamente, cruzarem-se sobre o peito. Os pés, mais e mais pesados, como a deitar raízes, sempre que parados.

Pela mesma porta em que saíra o caixãozinho branco enfeitado de flores, saiu, não muito depois, um ataúde roxo, quase tão roxo quanto as olheiras e a saudade da velhinha.

Muitos choravam ainda, quando a cova escura engoliu a última flor. Contudo, quem atentasse para a música da brisa, que brincava de fazer dançar o corpo esguio dos ciprestes, teria ouvido, entre risos cristalinos, uma voz meiga de criança que indagava perplexa:

- "E por que choram, vózinha?l Você estava morta ... agora, ressuscitou !..."

E aqueles, cujo privilégio de enxergar além da matéria o permitia, puderam vislumbrar o vulto de duas crianças felizes, uma de cinco anos e outra de quase oitenta, caminhando, mãos dadas, rumo ao sempre.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.