domingo, 22 de outubro de 2023

Antonio de Trueba (A necessidade)


I
Ainda hoje existe, junto à confluência de dois rios, um formoso castanheiro, sob cuja sombra eu me sento, sempre que por ali passo, haja ou não haja calor, e isto pela razão muito natural de que, sendo eu criança, costumávamos sentar-nos, minha mãe e eu, à sombra daquela mesma árvore, quando íamos a uma aldeiazinha, que ficava perto da nossa. À pequena distância do castanheiro veem-se ainda as ruínas de um moinho, tais quais eram nos tempos saudosos da minha infância, e a lembrança de minha mãe, do castanheiro e das ruínas, faz-me recordar de um conto que ela me contou, em uma tarde de verão, ao pé da árvore frondosa, sob cuja sombra, graças a Deus, ainda posso sentar-me.

O último moleiro, que habitou o moinho, era conhecido naquelas redondezas pelo apelido de Sêneca; e vejam lá, não vão mudar para o primeiro o acento que pus sobre o segundo “e” deste apelido, pois que o moleiro de quem estou falando, e que minha mãe conheceu e tratou, era tão modesto, que ainda hoje no céu se veria muito aflito e contrariado, se o confundissem com o filósofo cordovez.

Não tinha Sêneca pretensões a filósofo, mas era-o até sem querer, e a isto devia ele indubitavelmente o seu apelido, o qual cuja aplicação não podemos deixar de reconhecer uma filosofia muito profunda; se não, reparem os leitores, e digam-me se não é bem admirável a do povo, que, com a mudança de um simples acento, marca o abismo, que separa o filósofo da natureza do filósofo do estudo! Tinha eu que fazer, se quisesse referir os muitos rasgos de engenho e sã filosofia com que Sêneca ilustrou a sua trabalhosa e modesta vida, e portanto limitar-me-ei a referir um dos que mais cativaram minha pobre mãe, de quem herdei o gosto que tenho pelas recordações da infância.

II
Sêneca não tinha outra família senão um filho de dez anos, nem outras cavalos, senão um burro de vinte. Morreu-lhe a mulher, que era quem ficava no moinho, curando das moagens, enquanto ele andava com o burro, levando e trazendo foles por aldeias e casais, e o pobre Sêneca viu-se então em graves embaraços, porque os seus ganhos lhe não permitiam tomar uma criada, que substituísse sua mulher no moinho, nem um criado, que o substituísse a ele no transporte dos foles.

— E como te hás de tu arranjar agora? – lhe perguntavam os vizinhos, quando o viram viúvo, e sem outro auxílio mais que o do pequeno.

— Não me dá isso cuidado, – respondia Sêneca - não faltará quem me ajude.

— Isso é bom de dizer, mas quem te há de ajudar?

— Quem?... A Necessidade.

Os vizinhos punham-se a rir do bom humor de Sêneca, porém sem compreender o que ele queria dizer na sua necessidade.

Uma certa manhã aparelhou Sêneca o burrico, pôs em cima dele um saco que continha quatro alqueires de farinha, e chamando o pequeno, disse-lhe:

— Rapaz, toma o burro pela arreata, e leva-me esta carga à padaria de Somorrostro.

O pequeno desatou a chorar.

— Que é lá isso, homem? – perguntou-lhe o pai.

— Que há de ser de mim pelo caminho, se o burro cair, ou se espojar (arriar) no chão! – exclamou o rapazinho, sem cessar de chorar.

— Não te dê isso cuidado, disse Sêneca; se tal acontecer, não faltará quem te ajude a levantar o burro.

— E quem é que me há de ajudar nessas pastagens tão solitárias, que não se encontra por elas viva alma?!

— Quem? A Necessidade. Se o burro cair, ou se deitar no chão e se não puder erguer, chama pela Necessidade, e verás como logo acode em teu auxílio.

— Está bem. - disse o pequeno, limpando as lágrimas com a manga da jaqueta, e pegando na corda do burro, tomou pela margem do rio, caminho de Somorrostro, que distava uma légua do moinho.

— Ora, ora, ora! Sempre este Sêneca tem coisas!... – diziam os vizinhos, ao verem o rapazinho com o burro atrás de si. Com que então a Necessidade, com cujo auxílio contava Sêneca, para levar e trazer os foles, era essa pobre criança?!... E o pequeno, quem é que o há de ajudar?

III
Seguia o filho de Sêneca com o seu burro no cabresto ao longo dos carvalhais, que sombreiam as margens do rio que corre pelo vale profundo, que separa Somorrostro de Galdámez e Sopuerta quando, ao chegar a um pequeno areal muito suave, fez o burro esta reflexão:

— Ai! que bela cama para eu descansar um pouco!... e então, se eu pudesse soltar esta maldita carga, que me vai amolando as costelas!

E de repente, antes que o pequeno olhasse para trás, estirou-se ao comprido no meio do chão.

— Ai! minha mãe!... – exclamou o rapazinho aterrado; porque convém saber que na Espanha, e com especialidade na Biscaia, não só aos pequenos como também aos grandes, o primeiro auxílio que lhes ocorre invocar nas maiores aflições, é sempre o de sua mãe, ainda mesmo que já a tenham no céu.

E pegando numa vergasta começou a açoitar o burro sem dor nem piedade, porém o animal, por mais esforços que fazia para se levantar, não o podia conseguir.

Estava já o pequeno quase a chorar, quando se lembrou do conselho, que o pai lhe havia dado e, em vez de dar largas ao pranto, começou a gritar:

— Necessidade! Necessidade! Faz-me o favor de vir aqui ajudar-me a erguer este burro?!

O pequeno olhava para todos os lados, a ver se aparecia a Necessidade, mas não via ninguém. Já cansado de chamar e de esperar pela Necessidade, desatou o arrocho*, que prendia o saco ao aparelho do burro, e aliviou-o da carga. Em seguida deu-lhe uma vergastada e o animal ergueu-se de um salto.

Então o pequeno tomou o burro pelo cabresto, levou-o para junto de uma ribanceira, e rolando o saco até lá, pôde, a muito custo, colocá-lo em cima do animal; apertou-o bem com o arrocho, montou sobre a carga, atirou uma pancada ao burro, e prosseguiu no seu caminho, mais alegre que umas páscoas.

Passada uma hora chegava o rapaz ao moinho, cantando e fazendo trotar o seu ginete.

— Olá, pequeno, - disse-lhe o pai, apenas o avistou - como foi a tua viagem?

— Muito mal, meu pai.

— Então o que te aconteceu, homem?

— Deitou-se o burro no caminho, e, por mais pancadas que lhe dei, não foi capaz de se levantar.

— E então o que fizeste?

— Desprendi a carga, levei o burro para o pé de uma ribanceira, fui rolando o saco até lá...

— Bem, bem, já percebo. Quer isso dizer que chamaste pela Necessidade, não é assim?

— Chamei, chamei. Fartei-me até de chamar, mas não apareceu...

— Rapaz, disse Sêneca, vê como tu te enganas. Quem te levantou e carregou o burro não foi senão a Necessidade.

Tinha razão Sêneca, e também eu a tenho para dizer aqui que a necessidade presta tanto auxílio e tamanhos benefícios ao homem, que não sei como ainda lhe não deram a cruz de beneficência.
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* VOCABULÁRIO
Arrocho = pedaço de pau curto e torto com que se apertam e torcem as cordas para amarrar fardos, cargas etc.

Fonte:
Antonio de Trueba. Contos escolhidos. Publicados postumamente originalmente em 1927. Disponível em Domínio Público.  

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 2

FAZENDO UM ESBOÇO

1
Anote as suas ideias em cartõezinhos. 

Escreva todos os acontecimentos a história em cartões individuais. Assim, você poderá reorganizá-los facilmente para descobrir o que funciona e o que não. Escreva todas as ideias que tiver, até mesmo as ruins. Você nunca sabe o que vai ficar melhor na versão final.

Você também pode anotar as ideias em um documento do Word ou instalar um software de edição de roteiros, como o WriterDuet ou o Final Draft, se não quiser usar cartões.

2
Coloque os acontecimentos na ordem que eles vão ficar. 

Após anotar todas as suas ideias em cartõezinhos, distribua-as sobre a mesa ou o chão e coloque os acontecimentos em ordem cronológica dentro da história. Fique atento ao encadeamento da trama para ver se ela está fazendo sentido. Caso algum acontecimento pareça fora do lugar, separe os cartões referentes a ele e veja se consegue encaixá-los em outra parte da história.

Coloque os acontecimentos futuros no começo da trama para fazer um filme complexo e cheio de reviravoltas, como A origem.

DICA DA ESPECIALISTA MELESSA SARGENT
Melessa Sargent é Presidente da Scriptwriters Network, uma organização sem fins lucrativos que reúne profissionais de entretenimento que ensinam sobre a arte e o negócio de escrever scripts para TV e novas mídias. A organização oferece um programa educacional amplo, desenvolvendo acesso e oportunidades através de alianças com profissionais da indústria e incentivando melhorias no ramo da escrita na indústria do entretenimento.
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"Como esboço, comece resumindo a trama do show ou filme, depois escreva uma descrição de cada ato. Finalmente, detalhe cada cena. "

3
Pergunte-se sobre a importância de cada cena. 

Dê uma boa olhada no esboço e faça perguntas como: “Para que serve essa cena? ” ou “Como essa cena faz a história avançar? ”. Dê uma boa olhada nas cenas individuais e veja se elas realmente tem algum propósito ou se estão lá só para encher linguiça. Remova todas as partes que parecerem inúteis.

Uma cena de um personagem fazendo compras, por exemplo, não acrescenta nada à história. Para a cena funcionar, o personagem deveria, por exemplo, encontrar alguém no mercado e conversar sobre algo relacionado ao ponto central da trama.

DICA DA ESPECIALISTA
Pense sobre quantos atos você quer incluir. Melessa Sargent, Presidente da Screenwriters Network, diz: "Um roteiro para TV deve ter cinco atos caso seja destinado a uma rede com comerciais, como Globo, Record e SBT. Um roteiro sem comerciais, como Netflix ou Amazon, deve ser dividido em três atos. Nesse caso, inclui-se um teaser, que é considerado o primeiro ato. Roteiros para longa-metragens normalmente são divididos em três atos. "

4
Use pontos altos e baixos para encerrar os atos. 

Toda história deve ser separada em três atos: apresentação, confronto e resolução. A apresentação, ou o primeiro ato, começa no comecinho e termina quando o protagonista faz uma escolha que muda a vida dele para sempre. Durante o confronto, ou o segundo ato, o protagonista tenta alcançar um objetivo e entra em contato com o antagonista, o que leva ao clímax da história. A resolução, ou o terceiro ato, serve para mostrar o que aconteceu depois do clímax.

Dica: 
Os atos dos seriados televisivos costumam terminar logo antes dos comerciais. Assista a séries com roteiros parecidos com o que você está escrevendo e preste atenção no que acontece imediatamente antes dos intervalos.

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Roteiro

sábado, 21 de outubro de 2023

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 13

 

Mensagem na garrafa – 15 –


Mara Melinni Garcia
Caicó/RN

O Tempo do Amor

Às vezes a resposta que eu preciso
Não vem de uma palavra, em expressão…
Mas do calmo calor do teu sorriso
Que manda embora a dor da solidão.

Se o meu gostar não encontra o jeito certo
Ou se é preciso um jeito de existir,
Que exista um jeito de estar sempre perto
E nesse jeito eu possa te sentir.

Nenhum querer possui uma medida,
Ninguém pode gostar pela metade.
Por isso, a cada sol, nascendo o orvalho,
Se vão, pelas manhãs, em cada flor,

O tempo não espera na estação
E o preço, embora pague um bom lugar,
Não traz escolha a quem, sem ter razão,
Não segue atrás do trem que viu passar…

As portas do destino guardam planos
Que as chaves certas abrem, logo à frente.
E às vezes, sem ter chave ou sofrer danos,
Há portas que se abrem, simplesmente.

Por isso, a cada sol, nascendo o orvalho,
Se vão, pelas manhãs, em cada flor,
As gotas tristes, no chorar do galho,
deixando suas lágrimas de amor.

A vida é a seiva mais pura do mundo,
é o mel que adoça o sonho de quem clama…
E o tempo, embora dure um só segundo,
se faz tempo bastante a quem se ama.

Eis sim, uma viagem passageira…
Que cumpre as curvas todas de uma estrada.
E um dia, já na curva derradeira,
Se não faltou amor… Não faltou nada!

Newton Sampaio (Carnaval de camelô)

Charleston nascera baiano e tivera no batismo um nome esquisito: José Perpétuo. Há muito, porém, que adotara aquele outro, dado pelo povo.

Charleston trazia na epiderme a cor das noites sem lua. Isto não impedia, entretanto, que soubesse ser atraente. E atraente sobretudo quando exibia, no riso cascalhante, aberto, permanente, a fila perfeita de seus dentes — uns dentes fortes, bonitos, muito alvos. Este particular é importante. Charleston não conhecia limites em sua jovialidade. 

E se Vargas Vila — diante da extraordinária heroína de uma novela sua — atendeu ao “concurso do sangue” para explicar a maravilhosa “Flor del fango”, definindo-lhe o avô como “insurreto nato” e fixando-lhe na mãe a “passividade atávica” e na raça a mescla de índio indômito com espanhol aventureiro —, se Vargas Vila acendeu na alma desta hija del pueblo o áspero fenômeno hereditário —, com muita propriedade poderia o psicólogo acusar em José Perpétuo o quinhão da ancestralidade.

Filho de uma exuberante quitandeira de São Salvador (perita em dengues de toda espécie, ao soar de qualquer zabumba, e motivo certo e famoso de muitas rixas fatais), amancebada com um guapo mulato da polícia — que nos arraias baianos sabia, como ninguém, impor a ordem aumentando a desordem —, Charleston trazia no sangue a incrível impetuosidade tropical. A ele, pouco se lhe dava existisse ou não o travo da raça — dessa raça que vivia amassando a nostalgia com lunduns desabusados e gargalhadas enormes.

Charleston não entrava em tais cogitações. Do mundo, só lhe apetecia o lado risonho. Nem sabia que um soluço, quando escorraçado da garganta, dilui-se por inteiro em todas as células e aí fica — mínimo —, insignificante, sim, mas vivo, perigosamente vivo, até o desforço inevitável. 

Charleston, quando eu o conheci, tinha brilhado já em várias atividades honestas. Caixeiro na Bahia, porteiro de cabaré no Recife, praça de bombeiros em Minas, chofer de ônibus em Porto Alegre, ferroviário não sei onde — o negro José Perpétuo passara por tudo isso sem jamais desvirtuar o entusiasmo, sem nunca banir dos lábios aquele riso invencível.

Foi como camelô que ele aportou a Curitiba. E tais triunfos alcançou na nova carreira que, na minha opinião, Charleston nasceu pra ser camelô.

É um portento o negro!

Ninguém, como ele, sabe tanto atrair a gente, com o desembaraço de sua fala, com o acento incomparável de sua voz, a um tempo forte e melodiosa. Ninguém, como o filho da quitandeira dengosa e do mulato valente da Bahia, é capaz de atravessar a rua nos momentos de maior movimento, apregoando a liquidação final de uma casa de sedas, ou demonstrando a eficiência de tal ou qual recente produto.

Às vezes Charleston tem de fazer reclame de determinada firma comercial. Lá o vemos, então, coberto de acolchoados e cobertores, mostrando apenas os olhos muito acesos e inquietos e a dentadura soberba.

Em outras, toca o momento das Casas Pernambucanas. E o negro surge travestido de mulher (saia de chita, tamancos barulhentos, brincos bamboleantes, pulseiras ordinárias), mergulhando as fazendas em uma bacia para demonstrar, à evidência, que as cores não desbotam.

Aconteceu, um dia, o inevitável. José Perpétuo procurou o vigário da catedral.

— Seu padre. Vim fazer um negócio com o senhor.

— Qual é, meu filho?

— O reverendo sabe qual é a minha profissão?

— Sei. Por quê?

— Porque... Porque eu quero fazer propaganda dos sacramentos...

O vigário arregalou os olhos, apavorado.

— Propaganda dos sacramentos?!

Charleston ficou gozando a estupefação do outro.

— Mas isto é incrível!

— Não há nada de incrível.

E explicou:

— O que eu quero, padre Estêvão, é me casar na semana que vem. 

O vigário compreendeu a manha do preto. E voltou à pachorra anterior.

Tudo combinado, o camelô despediu-se. Na porta ainda se lembrou.

— Olha. Se a coisa for boa, vou fazer reclame dos sacramentos na rua, hein?

— !!

— Não se assuste, padre. Eu não cobro nada, não. 

Casou-se de verdade.

Meses depois, era pai. Bem me lembro, agora, com que orgulho, nas conversas do Café Colares, Charleston me contava as graças do pequerrucho.

— É um encanto, seu doutor. Acredite. É um encanto...

Veio o carnaval. A cidade acordou ao toque mágico da folia. Espraiou-se, nas ruas, o desvario coletivo.

Dias antes, passara Charleston a fazer propaganda dos produtos carnavalescos. Supus que, dentro de si, restava apenas lugar para o “Vlan” e o “Rodo”, a serpentina e o confete, tal era a compenetração sua em apontar as superioridades de uma ou outra marca.

No segundo dia, percebi que o camelô trazia os olhos fundos.

— Ressaca braba! (pensei)

O preto, porém, não mais parecia o mesmo. Perdera o entusiasmo contagiante da véspera. Quando nos cruzamos, ele vinha atravessando a multidão, em silêncio.

— O que é isso, Charleston? Cansado, já?

O preto levou um susto.

— Ah!

Empinou o busto, meio encabulado.

— Não. Qu’esperança!

E continuou o pregão gracioso:

— Foliões de todas as pátrias! O Rodo metálico apresenta-se...

No último dia, o corso atingiu o auge. A Rua Quinze era um só aglomerado de doidos. Charleston apontou na esquina, cara lambuzada, carapinha borrada de confetes, dois enormes tubos na mão.

— Foliões de todas as pátrias...

Súbito, parou, ferido de mau pressentimento.

Voltou os passos. O bonde não tardou. Estava atopetado o veículo! E o pessoal fazia uma algazarra dos demônios. Charleston foi recebido com estrépito. Caiu-lhe na cabeça uma chuva de confetes.

— Alô, negro! Negrinho do coração!...

Não respondeu. Queria só que o bonde caminhasse depressa.

Qual nada! O movimento desusado a cada instante obrigava o motorneiro a trancar a manivela...

Um popular imitou-o em falsete:

— Foliões de todas as pátrias...

Ficou tonto com as gargalhadas intempestivas. Contraiu o rosto, angustiado.

Chegou, por fim, a sua vez. Desceu.

— Arre!

Enveredou, correndo, por uma viela mal cuidada. Alcançou a moradia em quatro minutos. Estacou na porta, com o coração aos pulos.

— Maria!

A mulher, ouvindo a voz tão sua conhecida, aumentou o pranto. Charleston avançou num ímpeto. E caiu soluçando sobre o catre. 

O confete de sua carapinha começou então a sujar o rosto frio do garoto.
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Publicado originalmente Correio dos Ferroviários. Curitiba, janeiro de 1936

Fonte: Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

Luciano Dídimo (Nas águas da poesia)



A LUZ

A luz da Estrela Azul, que é tão brilhante
Adoça a roxa fé como um licor,
Abrindo os nossos olhos para a cor
Que apaga o tempo cinza já distante:

Do tão avermelhado Sol do Amor,
Do verde da esperança ali adiante.
A luz que resplandece radiante
Nos mostra um novo mundo e seu primor.

As águas cor de prata descem rio,
Varrendo a negra cor da noite escura
E dissipando a dor com cortesia.

A luz clareia tudo o que é sombrio,
Fazendo a paz mostrar sua brancura
E rebrilhar o ouro da poesia!
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A SAUDADE AZUL

A tal saudade, adolescente cruz,
No peito pesa e a trajetória segue,
E faz que assim, no escurecer, eu cegue.
Eu não entendo o derramar do pus.

Mas para que eu, desse pesar, segregue,
Um brilho azul, na escuridão, reluz.
Contemplo, assim, a incandescente luz,
Fazendo, pois, que a confiança, eu regue.

O nosso amor, por conseguinte, entorna,
Feliz presença, de repente, torna,
Mandando a ausência, eternamente, embora.

Na grande Estrela, eu buscarei, faminto,
E o seu abraço, encontrarei, pressinto,
Na luz azul, que resplandece, agora!
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A TEMPESTADE

Densas trevas cobriram nossas vidas
Enchendo-as de um silêncio que ensurdece
As almas temerosas e perdidas
Na tempestade elevam sua prece

As virtudes então adormecidas
Se mostram ao irmão que reconhece
Que as mãos no mesmo barco estão unidas
E a força da remada se engrandece

Ponhamos no farol a confiança
Na cruz também está nossa esperança
Sozinhos não podemos nos salvar

Precisamos seguir a mesma rota
Cada um contribui com a sua cota
Um dia as águas hão de se acalmar
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CASA DOS CONTOS

Nesta casa que o conto nasce e cresce
A arte vem pelo aroma das panelas
A narrativa sai pelas janelas
E a criatividade é o alicerce

As palavras se juntam no telhado
E as técnicas de escrita são paredes
Personagens dormindo em suas redes
Aguardam que o escritor use o teclado

Toda vez que um autor acende a brasa
A trama passa pela encanação
E aquece do leitor seu coração

Mas a imaginação: louca da casa
Não deixa ficar nada no lugar
Para que o texto possa se inovar
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RAMOS E ESPINHOS

Vou entrar na cidade, abram caminho
Vou armado com flores para a guerra
Vou em busca de paz para esta terra
Eu vou chegar montando um jumentinho

Derramo as minhas lágrimas sozinho
Pois eu sei muito bem o que me espera
Os ramos que me jogam em fé sincera
Trançarão a coroa com os espinhos

Recebo humilde os ramos e o chicote
Sou aclamado Rei, depois bandido
E por fim condenado à pior sorte

No amor todo o pecado é redimido
Pois na ressurreição eu venço a morte
Renovo em cada vida seu sentido
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VIDA NOVA

Vamos arar a terra para o plantio
Às vezes é nas trevas que se semeia
O amor na noite escura melhor permeia
Faz brotar a semente em cada vazio

O perdão sempre acaba com todo estio
Multiplicando paz como grão de areia
Já que a misericórdia desencandeia
Fazendo que o doente fique sadio

Do escuro se distingue melhor a luz
É preciso que a água seja fervida
É preciso que a prata seja fundida

O alívio é privilégio de quem tem cruz
Na fé a nossa dor será arrefecida
Da semente que morre é que nasce a vida

João da Câmara (O baile dos velhos)


Houve esta noite, festa rija em casa dos padeiros.

Casados há cinquenta anos, festejaram com estrondo o aniversário do casamento. E não pensem que por não haver lá gente moça a festa desmereceu. Isso sim! Das oito à meia noite, nem o Bento das mãos largou a guitarra, nem faltaram pares no meio da casa.

Ficou logo combinado, mal o Antônio Pataco falou naquilo: — Quem não foi convidado para a boda, também não dançou naquela noite, nem comeu os leitões assados. Então é que se viu como as mulheres se atiram pela velhice afora com alma e coragem; eram doze nem mais nem menos, e os homens apenas seis, todos muito atrapalhados, (tanto mais que o Prior não contava) tendo que atender a tanta senhora, não querendo escandalizar nenhuma.

A casa, segundo contam, estava um brinco. Começava logo pela iluminação. Das vigas do teto pendiam sete candeias e, como reforço, ardiam quatro velas sobre as mesas dos cantos. Ao redor da casa, no friso caiado, tinham disposto a louça branca e na chaminé um grande tronco de azinho ardia, rodeado de piorno (planta leguminosa), fazendo passar clarões vermelhos na bateria de cobre, disposta, como um troféu, do outro lado da casa.

Quando um homem pensa que, além daquela riqueza, o Antonio Pataco tinha mais do que outro tanto em serviço na cozinha, e que tudo aquilo não é nada em comparação com o muito que nós sabemos que ele tem, haverá rapaz na aldeia que mereça a linda neta tão branquinha e tão rica, fechada provisoriamente naquela noite num dos quartos do sótão da casa?

O prior velho foi quem presidiu a festa como é de ver. Está cego de todo, coitado; mas, apesar disso e de andar algo tanto acabrunhado desde que não pode ler no missal, atendendo a ter sido quem os casara, lá se arrastou conforme pode, e não foi talvez dos que menos se divertiram. Abordoado á grossa bengala de castãozinho de prata, amarelada pelo uso, tremendo na mão dele, assistiu à toda a festa, até de madrugada, sacudindo com ar de aprovação a cabeça muito calva, onde apenas meia dúzia de cabelos brancos muito compridos, esvoaçavam, tenuíssimos, no ar agitado.

Até a meia noite não se fez outra coisa senão dançar e mais dançar. O Bento não se cansou de tocar na guitarra, apresentando, como pretexto para não se mexer o tamanho do ventre, que vai tomando com a idade proporções medonhas. Alguns quiseram insinuar que eram as pernas que lhe começavam a enfraquecer, mas logo desarmou a intriga, atirando um pontapé, que acertou, como por acaso, nas canelas do mestre-escola.

A pobre guitarra, velha também, rachada e fanhosa, não se lembrou senão de fandangos antigos, e era de ver como aqueles bons velhos, talvez enganados pelo som daquelas cordas que os transportava cinquenta annos para trás, ouvindo aquela música alegre, que lhes trazia recordações risonhas da mocidade, criaram novas forças e, cheios de animação, dançaram, no meio dos bravos, ligeiros como arvelas (velhacos), sorrindo-se como se ainda se namorassem, como, havia meio século, se sorriam e namoravam.

Quem abriu o baile foi o padeiro, dançando com a mulher.

— Aí, rapaz! – gritou-lhe o Bento.

Mas era lá preciso que o animassem! Com o seu belo calção de briche* fino, o colete verde de botões de vidro, as boas polainas espanholas, parecia ter voltado aos trinta anos, bem aprumado, de cabeça erguida, arqueando o peito, balançando os braços, fazendo estalar os dedos.

A mulher custou-lhe mais por causa do reumatismo; mas, apesar de muito dobrada, lá se animou. Levando aquilo muito a sério, dançou perto de um quarto de hora, diante do marido, que sapateava, tentando recordar as habilidades, que noutros tempos o tornaram falado por todas aquelas aldeias.

E só a ideia daquela saiazinha amarela, remexendo-se, trêmula, por toda a casa, perseguida por aquele velho cheio de cabelos brancos e de rugas, fazia rir ás gargalhadas estrondosas o Prior, que não via nada e lançava o olhar incerto, ora para um lado, ora para o outro, num menear constante de cabeça.

— Está sédulo (diligente) e meio dançando. - disse o mestre escola com a gravidade do ofício.

— E muitos pozinhos, e muitos pozinhos! - acrescentou o Prior, continuando a rir.

Todos aplaudiam. O Bento na guitarra apressava o andamento.

— Não posso, não posso mais! — declarou a velhinha deixando-se cair esfalfada (fatigada) num tropeço, ao pé da lareira.

— Quem vem então? — perguntou o Antônio, limpando o suor.

E ficou parado no meio da casa, de mãos na cintura, olhar altivo, esticando a perna, com um sorriso orgulhoso.

Muito se dançou naquela noite, em casa dos padeiros!

Mas o melhor foi a ceia.

O Bento esteve famoso. De mais a mais o Antônio, muito naturalmente de propósito, sentou-o logo entre a Mariana Coxa e a Maria do Rosário. Imaginem!

Todos se lembravam ainda de quando elas, à volta da fonte, se arranharam, por detrás do moinho, no meio dos cacos das bilhas partidas. Agora, muito trêmulas, muito engelhadas, de um lado e outro daquele coração de bronze, mastigavam lentamente, enchendo as bochechas, de beiços muito recolhidos, tocando quase com as barbas para cima nos narizes para baixo.

Enquanto se tomou a canja, houve um silêncio quase geral, apenas interrompido pelos recados do padeiro à velha criada Matilde ou pelos convites aos assistentes.

— O canjirão*. Vai já deitando. Começa aqui pelo Sr. prior. Mais uma colherinha de canja, tia Inês?

E os velhos, todos em volta, sopravam longamente com as colheres ao pé da boca e sorviam depois o caldo, com uns apitozinhos gulosos, fechando os olhos; alguns amoleciam na canja as côdeas de pão, e o padeiro, de pé, observando, com a concha metida na enorme terrina, lançava em redor um olhar atento de bom dono de casa, pronto para dar mais a quem pedisse.

— Senta-te e come! — disse-lhe a mulher. — Que aflição!

— Sente-se e coma! Isso mesmo! Entre rapazes não há cerimônias. Quem quiser mais peça por boca!! — gritou o Bento, estendendo o prato.

Mas já então a Matilde vinha trazendo os assados.

Os convidados limpavam os beiços à toalha e os homens despejavam os copos para abrir o apetite. Então começou tudo a falar. Só o professor é que não tomou parte nas discussões, para não perder a gravidade. Chamando a si uma travessa, onde um magnífico peru ostentava a opulência das carnes aloiradas, espetou-lhes o garfo e, pondo as lunetas redondas na ponta do nariz afiladíssimo, depois de atentamente ter examinado o fio da faca, principiou, cheio de sua perícia, a trinchar, seguindo com olhares gulosos os bocados, que iam caindo.

O canjirão já voltara por três vezes à cozinha, quando a padeira começou a servir o pato bravo. E da pinha enorme de arroz, que tremia na colher, iam caindo os baguinhos na toalha.

O Bento repetia todos os pratos e desabotoava os botões do colete.

Foi então que, depois dum segredo, que o Antônio Pataco lhe disse ao ouvido com ar de muito mistério, a Matilde saiu, entrando pouco depois com os leitões e trazendo debaixo dos braços umas poucas garrafas, que pôs sobre a mesa defronte do padeiro.

— Sabem, meus senhores? Garrafas lacradas por mim no dia do meu casamento. Os seus copos, façam favor… Ora adeus! O que é isso, Sr. professor? O copo maior… Então? O vinho é o sangue dos velhos.

O sangue não sei, a língua é com certeza. Instantes depois a algazarra subira de tom a tal ponto, que o professor, de pé, examinando à luz a transparência da ametista enorme que lhe refulgia no copo, teve de pedir auxílio ao dono da casa para impor silêncio à velharada.

— Meus senhores… — começou.

Mas as velhas não se continham; haviam de palrar por força. Mal o mestre-escola, com ar choroso, começou falando de tantos que faltavam àquela festa, puseram-se elas a gritar.

— Basta! Basta! Não queremos tristezas!

Deus me perdoe, mas está-me parecendo que o vinho lhes subira às cabecinhas brancas. Não sei se o professor também desconfiou da coisa. Muito ofendido, todo vermelho, sem poder dominar com a sua fanhosa voz de falsete a imensa berraria, pousou o copo sobre a mesa e começou a atacar o queijo, resmungando.

O Bento é que teve as honras da noite, contando histórias de sua mocidade.

Rapaz perfeito, dono de três moinhos, era mais a mim, mais a mim, todas o queriam.

— E mal sabes tu, Antônio, uma coisa. A tua Josefa também me esperava à porta, quando eu passava, atirando-me cada olhadela!

— Que é lá isso? — perguntou o Antônio, erguendo-se, entornando o copo sobre a mesa e deixando correr em dois fios pelas rugas do queixo o bochecho que tinha na boca.

Como o Antônio tem mau gênio, a questão esteve por um triz a azedar-se.

— Ainda tu acreditas naquele traste! — disse Josefa levantando a mão e como que ameaçando o Bento com uma tremenda bofetada.

— É verdade, sim senhores, é verdade! — teimava o Bento, estirado por cima da mesa, de colete já todo desabotoado.

Os outros velhos protestavam, rindo muito. O prior serenava o Antônio. Ele bem devia ver que tudo aquilo era troça e que o Bento estava a brincar.

— E quem sabe? — continuou este. – Talvez que você não festejasse hoje o aniversário do seu casamento, se eu nesse tempo não andasse meio parvo por causa ali da tia Domingas.

— Ah? — perguntou a tia Domingas, aproximando da orelha o côncavo da mão.

— Que andou meio parvo por vosmecê. — explicou o prior a berrar.

A tia Domingas, um pouquinho tonta, engoliu com muito esforço um grande bocado de leitão, que ruminava havia um bom quarto de hora, e disse toda comovida:

— Não me fale nesse tempo, Sr. Bento, não me fale nesse tempo!

E durante toda a ceia houve sempre alegria, menos na cara do mestre-escola.

— Que tem, Sr. Mateus? – perguntou-lhe o prior. — Há muito que lhe não ouço a voz.

— Vossa Reverência bem sabe que nunca fui…

— Sei, sei. — interrompeu o prior. — Aqui a Sra. Bernarda que diga o que vosmecê foi. Pela madrugada, quando já as cotovias cantavam pelos campos e as figas das janelas luziam como fios de cristal, levantaram-se todos para sair.

O prior cabeceava havia um bocado, e o Bento, depois de muito contar e muito mentir, assentara sobre o peitilho* bordado à segunda barba rubicunda, olhando por baixo, com olhar acarneirado, cheio de meiguice avinhada e de sono mal combatido.

Havia longos silêncios e bocejos profundos.

Então as velhas lembraram-se de, como havia 50 anos, acompanhar a Josefa ao quarto. E pelo corredor a Josefa, com a sua saiazinha amarela, bordada, com largas fitas de veludo preto, muito envergonhada, era seguida pelo Antônio, que, por brincadeira, queria impedir que os amigos viessem, dizendo que não era costume.

Pararam todos à porta.

Pela janela entreaberta a luz fria da manhã entrava no quarto, enchendo-o duma serena meia claridade.

O quarto estava na mesma: o oratório defronte da porta sobre a cômoda de pau santo, à direita o baú encourado, tapado com uma chita de ramagens, ao fundo o leito antigo, muito alto, coberto com uma colcha escarlate e onde, uma ao lado da outra, muito chegadas, duas almofadas bordadas, pequeninas, alvejavam na penumbra.

Havia 50 anos!
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* VOCABULÁRIO
BRICHE = tecido de lã castanho-escuro, felpudo e grosseiro, us. na confecção de roupas masculinas.
CANJIRÃO = Vaso grande com asa, para vinho ou líquidos em geral.
PEITILHO = Peça do vestuário que cobre ou reveste o peito. Peitilho da camisa, a parte da camisa que assenta sobre o peito.

Fonte: Disponível em Domínio Público. João da Câmara. Contos. Lisboa: Guimrães, Libânio & Cia, 1900. Atualizado para o português brasileiro por J. Feldman

Clarisse Cristal (Solar)

Das vagas memórias que tenho da minha não muito distante infância, das mais abissais, das mais alvaresianas, é uma breve ida para a praia em família, que assombra. Apesar de viver em uma cidade praia de veraneio, posso confessar que a minha família não era e ainda não é até hoje de aproveitar o sol à beira mar. Mas voltando aos vestígios de uma lembrança amarga que não deveria nunca sair da fossa abissal do meu palácio das memórias. 

Conto em especial, de um dia tragicômico, sim uma tragédia cômica, se é que isto é possível. E como uma simples ida à praia em família pode ser uma roleta russa. Pois então só para situar as coisas, eu sou filha natural e legítima de um casal inter-racial. E isto por si só gera embaraços no cotidiano. 

Onde vivo, em alguns ciclos, ter pai branco e mãe negra, é sinceramente uma tragédia em si. E talvez o próprio casamento seja em si uma tragédia em algumas ocasiões. O verdadeiro drama é o lugar aonde vivemos, e coloca muito aonde nisso aí, pois ser um ser deslocado no tempo e no espaço não é nada fácil, onde as pessoas parecem viver na idade das trevas. 

Pois voltemos ao que interessa, a ida à praia, em um dia forte de sol de verão. Para mim, o fato de viver defronte a um enorme oceano por si só é uma tragédia. Pois lá está a imensidão oceânica sem fim e todos os dias na tua cara para dizer o quanto eu sou pequena. 

Sim, saímos nós, uma pequena família, a pé de casa e cruzamos a avenida hiper movimentada. Eu saí correndo, depois de me desvencilhar do meu pai e quase causar múltiplos acidentes de trânsito. Na beira-mar, mais uma vez eu saí correndo depois de me desvencilhar dos cuidados materno e paternos e pôr os meus pequenos pés na areia escaldante, e descobrir como aquilo é quente. 

Pois bem, amigos e amigas, lá estava eu com o meu maiô infantil floral. Uma peça única, muito cafona, feita em poliamida e elastano. Com as duas alças finas e reguláveis, babadinho azul marinho, no busto e atrás, e com uma estampa mais que exclusiva. Nossa que coisa horrível, eu poder lembrar de detalhes exatos, pois a minha orgulhosa mãe simplesmente mostra até hoje uma fotografia minha, vestindo o trágico traje de banho para as amigas, parentes e quem quer que seja. 

Mas estou dispersa hoje, o que importa é lembrar que o meu pai protetor veio em meu socorro, ele veio correndo socorrer a garotinha dele que gritava sentindo as areias escaldantes a queimarem seus frágeis e pequenos pezinhos. E a minha mais que querida mãe? Se bem me lembro, estava mais ocupada que nunca, vendo um guarda da esquina dar uma dura em um motorista de um carro utilitário, que estacionou no quarteirão. Ora, um veículo com placa de outra cidade e sem alvará para vender bugigangas e alimentos variados, de origem duvidosa na beira mar não pode mesmo. 

Mas deixemos o aparato repressivo do estado para lá, eu sã e salva nos braços fortes do meu pai herói, ato embalado aos estridentes sons das ondas que quebravam na orla da praia, gaivotas gorjeando no céu azul e muito barulho mecânico ao redor. 

Gritos e mais gritos, altos que suplantaram os demais sons da natureza geológica, mecânica e do reino animal. Era uma jovem mãe, que aos prantos chorava pelo seu filho. Estava morto jogado no chão, na areia úmida da praia, tinha três salva-vidas ao redor que só olhavam o menino morto. E, até hoje, não sei se foi um ataque de tubarões ou afogamento puro e simples. 

Quanto a minha bela família? O meu protetor pai colocava as mãos nos meus ouvidos e virava a minha cabeça para o lado oposto da cena terrível. Enquanto isso a minha mãe que procurava e acabou encontrando um lugar na areia da praia, queria pegar um pouco de sol.

Fonte: Enviado por Samuel da Costa

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 1

Escrever um roteiro para um curta-metragem, um filme ou uma série de TV é uma ótima forma de exercitar a criatividade. Comece com uma boa premissa e uma trama que coloque os seus personagens em aventuras transformadoras. Trabalhe duro e formate corretamente o texto. Em alguns meses, você terá um roteiro todinho seu!

CRIANDO UM UNIVERSO
1
Pense em um tema e um conflito que você queira abordar. 
Para bolar a ideia central do seu roteiro, comece se perguntando “E se?”. Busque inspiração no mundo em que você vive. Tente imaginar como a realidade seria afetada por um personagem ou acontecimento. Outra opção é partir de um tema mais amplo, como o amor, a família ou a amizade, para deixar o roteiro mais coeso.

Por exemplo: “E se um adolescente viajasse no tempo e conhecesse os pais ainda jovens?” é a premissa central de De volta para o futuro ao passo que Shrek se pergunta o que aconteceria se uma princesa fosse resgatada por um monstro em vez de um príncipe encantado.

Ande sempre com um caderninho para anotar as suas ideias.

2
Escolha um gênero para a sua história. 
Os gêneros são importantes dispositivos narrativos que dizem aos leitores que tipo de história eles devem esperar. Preste atenção nos seus filmes e seriados favoritos e tente escrever um roteiro mais ou menos no mesmo estilo.

Misture dois ou mais gêneros para criar uma obra única. Você pode, por exemplo, criar um faroeste no espaço ou um romance com elementos de horror.

Escolhendo um gênero

– Caso goste de cenários faraônicos e explosões, que tal escrever um filme de ação.
– Já se for mais chegado em assustar os outros, invista em um roteiro de horror.
– Arrisque uma drama ou uma comédia romântica se quiser contar a história de um relacionamento.
– A ficção científica por sua vez, é perfeita para os fãs de efeitos especiais e para quem gosta de se perguntar o que vai acontecer no futuro.

3
Escolha um cenário para a história. 
Lembre-se de que o cenário deve se encaixar bem na narrativa ou combinar com o tema do roteiro. Faça uma lista de, no mínimo, três ou quatro locais diferentes para as aventuras dos seus personagens. As mudanças de locação vão deixar o roteiro mais dinâmico.

Caso um dos seus temas seja o isolamento, por exemplo, experimente usar uma casa abandonada como locação.

O gênero da história também vai influenciar a escolha do cenário. É praticamente impossível fazer uma aventura de faroeste em Nova York, por exemplo.

4
Crie um protagonista interessante. 
O personagem principal precisa de um objetivo que ele deve tentar alcançar ao longo da história e de uma falha de caráter para se tornar um protagonista mais interessante. Faça dele um mentiroso ou um egoísta, por exemplo. Ao fim do roteiro, o personagem deve completar um arco e sofrer algum tipo de transformação. Pense bastante em que tipo de pessoa o seu protagonista vai ser no começo e em como os acontecimentos da história vão mudá-lo.

Não se esqueça de dar um nome memorável para o personagem!

5
Crie um antagonista que se oponha ao protagonista. 
O antagonista serve para dificultar a vida do personagem principal. Ele deve ter uma personalidade parecida com a do protagonista, mas enxergar as coisas de um jeito diferente. Caso o seu herói queira salvar o mundo, por exemplo, crie um antagonista que ache que o mundo só pode ser salvo por meio da destruição.

Em uma história de horror, o antagonista pode ser um monstro ou um assassino mascarado.

Já numa comédia romântica, o antagonista pode ser a pessoa que o personagem principal está tentando conquistar.

6
Escreva uma sinopse de, no máximo, duas linhas para resumir a trama. 
Uma sinopse é um resuminho dos acontecimentos principais de um filme. Para escrever uma boa sinopse, seja bem descritivo. Assim, todo mundo vai ser capaz de entender a parte central da sua história. Não se esqueça de incluir o conflito da trama!

O filme Um lugar silencioso poderia ser descrito da seguinte forma: “Uma família é atacada por monstros”. Porém, essa sinopse deixa todos os detalhes de fora. O ideal seria dizer: “Uma família precisa viver silenciosamente para não ser capturada por monstros com audição hipersensível”. Assim, todo mundo que ler a sinopse será capaz de entender os pontos centrais da história.
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continua…