sexta-feira, 29 de março de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (Como cicatrizes silenciosas)

O Beija flor é ave símbolo do Espírito Santo
O TEMPO, esse tempo que não nos dá tempo, que nos tira o tempo, nada mais é que um urdidor invisível e inveterado. Entrelaça as nossas vidas com fios e cordas de lembranças. Hoje, sentado na cadeira que pertenceu a papai, acomodado na varanda, de frente para a rua, tomando café e comendo pão de queijo, observo o mundo à minha frente e me perco nas tramas do que já foi, ou, talvez, que um dia fui. 

Me lembro como se fosse um domingo de sol dessa rua (naquele tempo) estreita, aberta em chão batido, de terra meio que avermelhada, onde as pedras misturadas ao pó pareciam sussurrar segredos de velhos janeiros devorados pelo esquecimento. As casas antigas (desse meu e do outro lado), com suas janelas de madeira e flores coloridas nos parapeitos, guardavam histórias de amores e desencontros. 

As crianças corriam descalças, rindo alto, enquanto os adultos trocavam olhares cúmplices. Um tempo pastoril e bucólico em que as manhãs se desmanchavam bisonhas, as tardes se quedavam longas e o sol, como um menino grandioso (por precisar se esconder) se acanhava devagar, tímido e assustadiço por sinalizar que “estava indo dormir e somente num porvir, horas depois, se faria de novo majestoso e magnífico’. 

E, de fato, assim acontecia. Num repente, ele tingia todo o firmamento de tons alaranjados. As conversas com os domiciliados aconteciam sem pressa. Os abraços se formavam apertados, como se quisessem conter o tempo. Entretanto, o tempo, esse implacável viajante, não nunca se deteve por aqui. Aliás, sequer alguma vez procrastinou. 

Como nos velhos janeiros, seguiu avançando, deixando para trás as risadas, os sonhos, as tardes alegres, as cadeiras postas ao longo das calçadas em frente aos portões. Mesma pancada, as efusividades dos abraços e também, em igual norte, as mãos dadas, os namoros românticos, as barrigas de nove meses, os olhares atentos de pais e mães preocupados com as novas vidas que logo se fariam estupendas. 

As moradias deixaram de ser simples casas. São agora vivendas "dinastiadas" por ocupantes esquisitos e pomposos. Gente fina, de dinheiro nos bolsos e nos bancos. Essas mansões ostentam janelas envidraçadas e portas soberbas cheias de “não me toquem.” As pedras, o pó e o barro avermelhado deram lugar ao asfalto. As crianças que brincavam (com as minhas), cresceram e se espalharam pelo mundo. 

Hoje, a minha antiga rua estreita é apenas um mimo para quem ainda conserva lembranças. Tudo por aqui e não só aqui, em toda a redondeza, as vielas e becos viraram criaturas de peles negras. A maioria ganhou calçadas, árvores e lixeiras espalhadas. A prefeitura plantou em toda a sua extensão, postes, com transformadores e um emaranhado de fios esticados. 

Os rostos (que bem me lembro), se abriam em confraternizações, são apenas sombras difusas bailando no carrossel da minha memória. O passado se dissolveu como as tintas de uma porção de quadros esquecidos num canto ermo de um museu sem registro. Mesmo tapa no rosto, do bonito chamativo e da luminosidade de seus pintores, restaram apenas os contornos borrados em paredes senilizadas. 

Apesar desses entraves, ainda vejo, juro por Deus, ainda enxergo com meus olhos esbugalhados cansados, existir algo de mágico do antigo passado. Verdade. Falo sério! Ele nos envolve como um cobertor quente nas noites frias. Nos mata a sede como a água geladinha guardadas em moringas. As lembranças nos acariciam trazendo em suas bagagens cheiros, sabores, falas e choros, gritos e sensações. 

Por um instante, saio do meu chão e sou transportado de volta à àquela longínqua rua de concepção estreita. Como num passe de mágica, me vejo envolvido nas risadas e nos abraços. Talvez o passado não seja apenas o que ficou no ontem, ou se degringolou no para “não sei onde.” Quem sabe, ele seja um lugar longe da terra, onde eu possa (como agora) regredir, recuar, retroceder sempre que quiser. 

Uma espécie de “refúgio-amparo,” um “abrigo-proteção,” uma “hospedaria-quartel,’ onde, quiçá, as minhas histórias ganhem vida e os semblantes enrugados e decrepitados de uma  existência inteira  (tanto os que se foram, como os que ainda agradecem pelo ar que respiram) se rejuvenesçam e se iluminam novamente. 

Assim, sentado na varanda, em minha cadeira de balanço (presente de papai), tomando meu café e comendo meu pão de queijo, deixo o tempo fluir. Sei que ele leva consigo o que não posso segurar. Todavia, apesar dos contratempos, me homenageia com o deslumbramento da saudade –, essa doce companheira que não me larga nem vai embora. Afinal, o passado não está apenas nas pedras, no pó, ou no barro dessa rua de terra, ou pior, no oco dos pisos sujos das casas “outrorais.” 

Na verdade, ele se faz pulsante em mim. Se condensa, se espalha, se agarra de unhas e dentes, fundido, britado, entupigaitado (confuso) em cada gota das “dádivas-brindes,” e dos “assentamentos-regalados” que fazem parte do meu todo como ser humano. Esse passado. Ah, esse passado!... por tudo quanto é sagrado. Ele vai um pouco aquém: se materializa a cada minuto num turbilhão de “cédulas-presentes,” 

Jorra do profundo mais divorciado do meu âmago e, “em contínuo.” Alimenta com esperanças fartas e abundantes, os elanguescidos fios de Ariadne espalhados por todos os desvãos e reentrâncias dos meus olhos. É o “segredo-pecúlio,” a fórmula que me mantem vivo, como uma reserva benfazeja que tenho avivada dento de mim. Sem falar na plena convicção, que perdurará enquanto o Criador me deixar vivo e em sintonia meridiana com as complacências que transbordam de suas poderosas mãos divinas.

Fonte>Texto enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Chove chuva)


(samba, 1963) 
Jorge Ben Jor

Chove chuva, 
chove sem parar,
chove chuva, 
chove sem parar
Pois eu vou fazer uma prece 
pra Deus nosso senhor,
Pra chuva parar de molhar 
o meu divino amor
Que é muito lindo, 
é mais que o infinito,
é puro e belo inocente como a flor

Por favor chuva ruim, 
não molhe mais 
o meu amor assim
Por  favor chuva ruim, 
não molhe mais 
o meu amor assim
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A Prece Amorosa de Jorge Ben Jor em 'Chove Chuva'

A canção 'Chove Chuva', composta e interpretada por Jorge Ben Jor, é um clássico da música brasileira que mistura elementos do samba com influências do jazz e do soul, criando um estilo único que se tornou marca registrada do artista. A letra da música expressa um desejo simples, mas profundo: a vontade de que a chuva pare de cair para que o amor do eu lírico não seja afetado.

A chuva, neste contexto, pode ser interpretada tanto literalmente quanto metaforicamente. Literalmente, a chuva é um fenômeno natural que pode trazer desconforto e impedir encontros. Metaforicamente, a chuva pode representar as adversidades e desafios que caem sobre um relacionamento, ameaçando a pureza e a beleza do amor descrito como 'mais que o infinito' e 'inocente como a flor'. A prece a Deus para que a chuva cesse reflete a esperança de superar essas dificuldades e proteger algo valioso e delicado.

Além disso, a música incorpora elementos da cultura afro-brasileira, como é evidente na parte que cita palavras como 'sacundim', 'sacundém', 'imboró', 'congá', 'dombim', 'dombém', 'agouê' e 'obá'. Essas expressões remetem a rituais e cantos de origem africana, trazendo uma dimensão espiritual e cultural à canção, e reforçando a ideia de uma prece ou invocação para que a chuva pare e o amor seja preservado.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 108

Verão calorento, verão úmido, verão chuvoso.

Chuvas inconstantes.  Ceus azuizinhos, de repente o horizonte aparece escuro, cinzento, medonho.

Trovoadas.  Chuva?  Mais uma das várias da tarde.

E vem com o condão das veraneiras - silenciosa, sem alarde,  sem alarme.  Bom tê-la, bom vê-la, bom senti-la.  A delícia dos ventinhos serenos, embaixo duma árvore frondosa a balançar molemente,  molhando os costados, borrifando pingos. Emanações em bonança, sortilégios do viver.

Momentos amalgamados de doçura!

Fonte>Texto enviado pelo autor 

quinta-feira, 28 de março de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 38

 

Monsenhor Orivaldo Robles (A mãe do padre)

No anedotário esportivo todo árbitro de futebol tem duas mães: a que fica em casa e a que entra com ele em campo. Ele nem botou ainda o pé no gramado, basta apontar no túnel com a bola na mão e já as duas torcidas homenageiam sua genitora. Ninguém dá a mínima para seu nome ou currículo, se ele é principiante ou faz parte do quadro da FIFA. Mas sobre sua mãe todos têm opinião formada.

Felizmente, não é meu caso, nem o dos colegas. O povo ignora se padre tem mãe. Nem dela faz a mínima ideia. Cá entre nós, se é para lembrá-la como a do juiz de futebol, melhor mesmo que a esqueça. Pode parecer estranho, mas há pessoas que levam um susto quando descobrem que padre também nasce de uma mulher igual às outras.

Dizem que mães são todas iguais, só muda o endereço. Não sei se vale para mães de padres. Elas parecem diferentes. Amam o filho, preocupam-se com ele. Mas cada uma a seu modo. Há as (poucas) que só falta brigarem com o bispo por não dar ao filhinho querido um posto à altura de suas “extraordinárias” qualidades. Outras não falam, mas esperam que o filho seja transferido para mais perto delas. A maioria, contudo, compõe-se de mulheres humildes, piedosas, desinteressadas. Mesmo que não aprovem, não palpitam sobre o trabalho do filho. E até de longe, acompanham, como toda mãe, o que o filho faz. Não adianta falar que não: mãe de padre sente um pouco (ou muito) de pena da vida que ele leva. Já comentei sobre uma querida amiga, que confidenciou, há tempo: “Ah, padre, eu rezo para que Deus não escolha nenhum de meus filhos para padre”. Ante minha cara de surpresa, explicou: “Não desejo para eles a vida sacrificada que o senhor leva”.

Muita gente elogia a mãe no seu dia. Diz coisas lindas, preciosas até. Baboseiras também, que nem valem a pena lembrar.

Nesta semana li um texto espanhol sobre a mãe do padre. Nele reencontrei um pouco da minha história. Falava das preocupações que consomem o coração das nossas mães. Da minha e das dos colegas. Porque somos solteiros e vivemos sozinhos, elas sofrem inquietações de que só mães são capazes. Recordei facetas da minha, que faleceu não faz quatro anos. Durante quase 50, ela acompanhou minha vida de padre. Até morrer, com mais de 94 anos, preocupava-se em saber quem limpava minha casa, quem cozinhava para mim, lavava minha roupa, me socorria em caso de doença… Eu ria das providências que sua mente inventava. Como pretender que o pai me fizesse companhia no meu regresso a Paranacity, onde eu trabalhava no início dos anos 70. Eu vinha vê-lo toda semana, porque ele era doente. Na hora de voltar ela queria, por vezes, que ele me acompanhasse. Eu me divertia questionando se ela não me achava capaz de, com 29 anos e saúde de ferro, voltar sozinho para casa. Que ajuda poderia eu receber, se precisasse, de alguém que às vezes passava semanas de cama? Só mãe mesmo para pensar assim.

À minha não preciso explicar mais nada. A alguma ansiosa mãe de colega quero garantir: pode expulsar do coração seus sobressaltos. Se o seu filho se doa por inteiro à comunidade em que ele atua, nada lhe vai faltar. Nem atenção nem cuidado não de uma, mas de muitas mães.

Fonte> Portal do Rigon. 17 maio 2014

Gislaine Canales (Devaneios Poéticos)


AMO 
 
Amo com toda a força do meu ser.  
Amo a beleza, a arte, uma canção. 
Amo o eterno desejo de vencer. 
Amo os versos que vêm do coração. 
 
Amo as flores, é grande meu querer. 
Amo essa amarga e triste solidão. 
Amo os sonhos que estou sempre a tecer. 
Amo o infinito em sua imensidão. 
 
Amo também a morte, dura e fria. 
Amo na morte, toda a ausência e dor. 
Amo meu mundo em meio à fantasia. 
 
Amo a tristeza, e mais, amo a alegria. 
Amo a vida e esse mundo encantador. 
Amo o amor, amo a paz, amo a poesia.
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DESPEDIDA 

O mais duro de todos os momentos, 
que magoa fortemente o coração, 
é quando o pranto escorre com emoção 
cheio de dor, cheio de desalentos! 

A despedida é mais que uma agressão, 
que chega destruindo os sentimentos, 
numa tempestade de fortes ventos, 
como se fosse o adeus, uma explosão! 

Roubando, assim, toda a felicidade, 
sinto no peito, essa cruel verdade: 
As despedidas são violações! 

Dizer adeus é algo que angustia, 
como um mar negro, pleno de agonia, 
onde se afogam tantas emoções!
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EMOÇÕES

Chega a noite sozinha e tão escura, 
e ao se encontrar com minha solidão, 
renasce, de repente, uma ternura, 
que envolve por completo o coração! 

E num sentir bem doce e sem censura, 
traz o calor de uma forte paixão, 
na tepidez de uma amizade pura, 
qual mecanismo de sublimação! 

E a solidão e a noite se abraçando, 
vão, passados amores, recordando 
nesses instantes de divagações! 

Mesclando, assim, tristeza e alegria, 
nasce do pranto e riso, uma poesia, 
que as musas intitulam: emoções! 
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MEU COMPUTADOR TEM CORAÇÃO!

Sim, sou a favor da tecnologia,
pois ela traz, em si, muita emoção,
não é só somente uma máquina fria...
O meu computador tem coração!!!

Ele me traz mensagens de alegria
que dão, a mim, grande satisfação,
termina a solidão e a nostalgia,
verdadeiro Dom Juan, de sedução!

Muitas horas felizes eu passei,
num doce navegar imaterial
que trouxe inspiração a estes meus versos!

Verdadeiros amigos encontrei,
e esse bonito amor virtual-real,
que uniu, então, os nossos universos!
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MEU MAR, MEU PARAÍSO...

Águas azuis, areia, praia, mar
e um lindo sol, surgindo no infinito,
que docemente as águas vem dourar,
deixam meu paraíso, mais bonito!

Feliz, eu lanço ao mar, em meu sonhar,
um barco de esperanças, quase um mito,
e, então, consigo vê-lo navegar,
num pranto de emoção, e alegre, o fito!

Vibra meu coração descompassado,
a boiar nesse mar só de alegria,
onde todo o ruim, foi afastado!

Esse mar, ora azul, ora dourado 
serviu de inspiração a esta poesia
e em seus versos ficou eternizado!
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NOITE TRISTE

Como disse o Poeta, eu poderia,
nesta noite imensa, de tristeza,
fazer um verso triste, sem magia,
sem métrica, sem rima, sem beleza!

Faz-se tão grande, a noite, que angustia
com esta solidão, e esta incerteza,
e eu procuro refúgio na poesia,
querendo embriagar-me de pureza!

Sinto bater mais forte, o coração,
aquecendo meu sangue, antes gelado,
numa tão breve e suave inspiração.

Vejo voltar, a mim, o sonho amado,
inundando minha alma de afeição,
transmutando esta noite em emoção!
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OLHAR DE POETA 

Sei que o olhar do Poeta é fascinante, 
tem o brilho do Sol, tem seu calor; 
possui uma alegria cativante, 
em verdade, é um imenso mar de amor! 

Esse olhar tem um “quê”, de embriagante, 
tem perfume, beleza e tem frescor, 
parece com o olhar quente de amante, 
que, em momentos, se faz conquistador! 

Nasce o poema no seu coração, 
aflora livre no seu pensamento, 
em ondas e mais ondas de emoção! 

Pelas estradas todas do Universo 
o Poeta verseja o sentimento 
poetizando tudo com seu verso!
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PEDIDO

Peço aos irmãos, aos filhos e aos amigos,
que, quando a morte venha me levar,
não coloquem meu corpo nos abrigos
cimentados, gelados e sem ar!

E nem me ponham em belos jazigos! 
Nesses lugares, eu não quero estar!
Tristeza e solidão são os perigos.
Minha alma quer seguir a navegar!

Por isso eu peço a quem me queira bem,
leve meu corpo longe ... até o mar!
Onde haja céu! Onde vente também!

Nesse lugar azul só de beleza,
lancem ao mar o que de mim restar,
quero ser parte dessa natureza!
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Fonte: Enviado pela poetisa.

Contos das Mil e Uma Noites (O cego que se fazia esbofetear)

Desde a minha infância, ó Comandante dos Fiéis, fui condutor de camelos. E graças à minha perseverança, comprei oitenta camelos que alugava para negócios ou peregrinação, aumentando constantemente meu capital. Só tinha um sonho: tornar-me o homem mais rico de minha profissão em todo o Iraque. Um dia, voltando com meus animais de Basra após despachar mercadorias destinadas à Índia, parei perto de um poço para permitir a meus camelos refrescarem-se e pastarem. Enquanto estava lá, vi um dervixe aproximar-se de mim. Cumprimentamo-nos e convidei-o a partilhar comigo o pão e a água, conforme as tradições do deserto. E ficamos a conversar, e falei-lhe de meu sonho. Após ouvir-me sem me interromper, disse: 

“Ó Baba-Abdala, trabalhas e labutas visando a um resultado modesto, quando o destino pode num piscar dos olhos tornar-te não somente mais rico que todos os condutores de camelos do Iraque, como o homem mais rico do planeta. Nunca ouviste falar dos tesouros escondidos embaixo do solo?” 

Respondi que estava a par dessas coisas e sabia que certos dervixes possuíam segredos que podiam fazer do mais pobre o  homem mais rico. O dervixe parou de mexer com a areia e disse: 

“Ó Baba-Abdala, ao me encontrar hoje, encontraste o próprio destino.” 

- Se for assim, estou pronto a aceitar-lhe as dádivas com um coração reconhecido. 

- Então, levanta-te e segue-me. 

Levantei-me e andei atrás dele através de vales e planícies até que chegamos ao sopé de uma montanha íngreme. 

“Este é o lugar”, disse o dervixe, parando diante de um grande rochedo. Acendeu um pequeno fogo, jogou nele incenso, pronunciou palavras que não entendi. E logo, uma coluna de fumaça se elevou no ar e o rochedo abriu-se ao meio, dando passagem a uma caverna. Entramos e achamo-nos numa grande sala repleta de montões de moedas de ouro e de joias. Seguindo o conselho do dervixe, desprezei as moedas de ouro, que dariam uma carga muito pesada, e enchi os sacos com joias, mais leves e mais preciosas, lamentando apenas possuir oitenta camelos em vez de oito mil. 

O dervixe apanhou um pequeno vaso de ouro que continha, ao que me disse, uma pomada para os olhos. Saímos da gruta, e outras palavras incompreensíveis fizeram a rocha fechar-se e retomar seu aspecto normal. 

“Baba-Abdala,” disse o dervixe, “voltaremos agora ao lugar onde nos encontramos e lá partilharemos essas riquezas na amizade e na igualdade.” 

Enquanto andávamos, a ganância fez seu trabalho em minha cabeça: “Com que direito esse dervixe ficará com a metade do tesouro que talvez estivesse escrito em meu nome, e só pudesse ser aberto na minha presença?” raciocinei comigo mesmo. “E com que direito ficaria com quarenta de meus camelos?” 

Quando o momento da partilha chegou, disse ao dervixe: “Ó santo homem, que vais fazer com quarenta camelos e suas cargas, já que tua vida é consagrada a Alá? Não estarás cobrando um preço alto demais por me ter indicado o tesouro?” 

O dervixe não se zangou, mas respondeu num tom ameno: “O que estou levando não é para mim, mas para distribuir aos indigentes e necessitados. Quanto ao que chamas de preço cobrado, esqueces que um centésimo do que te dei faria de ti o homem mais rico de Bagdá?” 

Assim mesmo, aceitou ficar apenas com vinte camelos. Mas mal tínhamos iniciado nossos caminhos, eu para Bagdá e ele para Basra, a inveja e a ingratidão voltaram a apossar-se de mim. Corri atrás dele e convenci-o a ficar apenas com dez camelos. Assim mesmo, não me dei por satisfeito. Minha avidez crescia em vez de diminuir. Voltei a argumentar e solicitar e me humilhar e ameaçar, a fim de convencê-lo a ceder-me todos os camelos. No fim, ele desistiu de qualquer participação e disse-me: 

“Meu irmão, faze bom uso das riquezas que Alá te concedeu e lembra-te, às vezes, do dervixe que encontraste no ponto em que teu destino mudou.” 

Mas em vez de me regozijar por ter ficado com todo o tesouro, fui dominado mais uma vez pela avareza, e me convenci de que o pequeno vaso de ouro com a pomada também me pertencia, pois o dervixe poderia obter tantos vasos iguais quantos quisesse. Usei novamente minhas manhas e solicitações, e mais uma vez o dervixe cedeu. Quis também que ele me revelasse a utilidade da pomada e o modo de usá-la, pensando: “Se ele recusar, sou mais forte que ele, saberei como subjugá-lo e, se for necessário, matá-lo.” 

Mas ele atendeu-me com um sorriso, dizendo: “Se passares esta pomada no teu olho esquerdo, verás todos os tesouros escondidos no mundo e o lugar onde estão escondidos. Mas se a passares no teu olho direito, ficarás cego dos dois olhos.” 

Pedi-lhe aplicar a pomada no meu olho esquerdo para que eu aprendesse como usá-la. E ele, sempre calmo e agradável, atendeu. Depois, disse-me: “Agora, fecha o olho direito e abre o esquerdo.” 

Todas as coisas habituais desapareceram e vi grutas subterrâneas e marinhas, troncos de árvores gigantes com buracos cheios de ouro e mil outros esconderijos transbordando de pedras preciosas, ouro, prata e tudo mais. Fiquei encantado, mas minha natureza perversa prevaleceu sobre mim mais uma vez. Pensei: “Será possível que a mesma pomada aplicada num ou noutro olho possa produzir efeitos opostos? Não será que o dervixe me está enganando? Não será que, aplicada no olho direito, a pomada me permitirá conquistar todos os tesouros que vi com o olho esquerdo?” 

Pedi ao dervixe como último favor que aplicasse a pomada no meu olho direito. Ele teve um movimento de impaciência e disse-me: “Baba-Abdala, não sejas o inimigo de ti mesmo. Se insistires, arrepender-te-ás por toda a tua vida. Separemo-nos antes como amigos, e que cada um siga seu caminho.” 

Mas na minha teimosia e desconfiança, ameacei-o. Ele tornou-se pálido e disse-me num tom duro que não lhe conhecia: “Ficarás cego pelas próprias mãos.” 
 
E aplicou a pomada no meu olho direito. E, de fato, tornei-me imediatamente cego. Estendi as mãos, suplicando: “Salva-me, salva-me, meu irmão.” Mas não houve resposta. Ouvi-o juntar os oitenta camelos, conduzi-los e ir embora. 

Caí no chão, e teria morrido lá de remorso e aflição, não fosse por uma caravana que, tendo pena de mim, trouxe-me até Bagdá. Desde então, eu, que tive nas mãos as riquezas da terra, vivo mendigando o pão de cada dia. Meu arrependimento por ter sido tão ávido, avaro, ingrato e estúpido e por ter estragado assim as dádivas de Alá penetrou profundamente no meu coração. E, para me castigar, jurei que, cada vez que recebo uma esmola, pedirei à mão caridosa dar-me uma bofetada. 

-Ó Baba-Abdala, disse o califa, teu crime foi grande, mas a compaixão de Alá é maior para os que se arrependem. Não te atormentes mais. E para te evitar esta vida de mendicância, mandarei o vizir dar-te uma esmola de quatro dracmas por dia, até o fim de tua vida.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Samba em prelúdio)


(samba, 1963) 

Baden Powell e Vinícius de Moraes

Eu sem você 
não tenho porquê
Porque sem você 
não sei nem chorar

Sou chama sem luz, 
jardim sem luar
Luar sem amor, 
amor sem se dar

E eu sem você 
sou só desamor
Um barco sem mar, 
um campo sem flor

Tristeza que vai, 
tristeza que vem
Sem você, meu amor, 
eu não sou ninguém

Ai que saudade, 
que vontade de ver renascer nossa vida
Volta querida, 
os teus braços precisam dos meus
Meus abraços precisam dos teus

Estou tão sozinho, 
tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém
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A canção 'Samba em Prelúdio', é uma expressão lírica da saudade e da incompletude que o eu-lírico sente na ausência do ser amado. A letra utiliza uma série de metáforas para descrever o vazio deixado pela falta do amor, como 'chama sem luz', 'jardim sem luar' e 'barco sem mar', que evocam imagens de algo que perdeu seu propósito ou beleza essencial.

A repetição do verso 'Eu sem você' enfatiza a dependência emocional do eu-lírico em relação ao seu amor, sugerindo que a vida sem a presença do outro perde seu significado. A música transmite uma sensação de tristeza profunda e um desejo ardente pelo retorno do amado, como se apenas essa volta pudesse restaurar a alegria e o sentido da existência do eu-lírico.

A música também reflete a habilidade do poeta em capturar a essência do sentimento humano através de sua poesia e música. 'Samba em Prelúdio' não é apenas uma canção de amor, mas um retrato da alma apaixonada que se encontra em desalento pela separação, clamando por um reencontro que traga de volta a luz e a cor para a vida que agora se apresenta desbotada e sem direção. 
(https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/49283/significado.html)

Jaqueline Machado (“Macbeth”, de William Shakespeare)


Numa floresta misteriosa, três irmãs, uma espécie de bruxas ou pitonisas estranhas, ao ver Macbeth passar fazem reverência e o chamam de rei.

Nessa ocasião, ele acabara de sair vitorioso de uma guerra. Ele, junto de seu amigo, Banquo, pararam para ouvi-las. E elas revelaram ao guerreiro que ele seria o futuro rei da Escócia. E que Banquo seria pai de reis.

O protagonista fica ansioso com a possibilidade de se tornar um grande rei. E começa a pensar como agilizar o processo. Enquanto continua em viagem, decide escrever uma carta à esposa, Lady Macbeth, que é o próprio espírito da ambição em forma humana. Melhor dizendo, sem humanidade alguma, pois logo incorpora à mente do marido, que ele deve matar o rei. E direcionar a culpa para os empregados de casa. 

O marido fica na dúvida, mas sua mulher tenta persuadi-lo e mexer com suas emoções dizendo- lhe coisas do tipo: - Você não é homem suficiente?

Pois mesmo rica, cercada de luxos, tudo o que ela queria era se tornar rainha da Escócia.

O rei Duncan, que também estava em viagem, logo resolve passar a noite na casa dos Macbeth, e é assassinado por seu guerreiro. 

Eles tinham um grau de parentesco e se davam bem. Mas depois da decisão tomada, nada disso serviu de motivo para desistir do crime.

Ao ver o rei ensanguentado, Lady Macbeth imerge na realidade sombria do fato e diz a famosa frase da obra: “Quem diria que o velho tem tanto sangue?...” E a partir daí ela começa a lavar as mãos compulsivamente e perambular sonâmbula pelo castelo.

A ambição era tanta, que não pararam para pensar que o rei tinha filhos, mas estes, fugiram, e o assassino era o que ficou na linha de sucessão. 

Então, até este momento o plano deu certo. Mas Macbeth lembra que as bruxas disseram que Banquo seria pai de reis, então ele também mata o melhor amigo.  

O novo rei dá um banquete. E o fantasma de Banquo aparece para o amigo. e ele se descontrola perante os convidados, que não entendem o que está acontecendo.

Macbeth procura as bruxas em busca de ajuda. Elas enxergam um bebê com manchas de sangue e dizem: “– Ninguém que é parido de mulher será capaz de te matar.”

E ele pensa: “Todo mundo é nascido de mulher. Ninguém vai me matar.“

Depois elas veem uma criança coroada com um raminho na mão. E traduzem o significado da mensagem: - Você vai ser o rei até que a floresta em frente ao castelo esteja caminhando em direção a você.

Ao retornar para casa ele recebe a notícia de que a esposa, que havia enlouquecido, estava morta. 

A obra não esclarece o tipo de morte que deu fim à mulher.

Os outros senhores da guerra, desconfiados, atacam o castelo. Nesse momento, Macbeth começa a enxergar a floresta se mover.

É morto por MacDuff, que nasceu de cesariana. Foi tirado da barriga da mãe por um homem.

Um dos filhos de Banquo vira sucessor, e mais para frente, na linha de sucessão, os netos e bisnetos do antigo rei.  

De que adiantou tanta sede por poder, se o casal não aproveitou nada? Eis a pequena prova Shakespeariana de que o poder pode, além de emburrecer, cegar e enlouquecer. 

Fonte> Enviado por Jaqueline.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Filemon Martins (Aquarela de Trovas) 31

 

Lançamento do E-almanaque “Baú de Trovas”, organizado por José Feldman


Em suas 38 páginas:

– Trovas de hoje e de ontem, de recantos do Brasil, Portugal e países de língua hispânica.

– Na Tertúlia da Saudade, o médico curitibano Maurício Friedrich, trovas e biografia.

– Trov’Humor, com algumas trovas humorísticas da magnífica trovadora Therezinha Brisolla.

– Primeira parte da Didática da Trova, de autoria de Nilton Manoel, que faleceu recentemente.

- 2 Concursos com inscrições abertas.

Foi distribuído por email a 201 trovadores e não trovadores, que possuía contato. 

Ou baixe para seu computador no link a seguir:

Arthur Thomaz (Ponteiros centenários)

Um magnífico carrilhão no canto de vetusto salão no casarão da tradicional família paulistana entoa seu maravilhoso som, informando as horas. 

Os ponteiros entreolharam-se. “O das horas” diz ao outro que hoje completavam 100 anos de existência e que está muito cansado.

O “ponteiro dos minutos” retrucou, afirmando que ele se movimentava 60 vezes, enquanto o outro fazia isso somente uma vez, e que por causa disso, estava muito mais extenuado.

Ambos concordaram que devido a esses fatos mereciam um descanso, e resolveram parar sua centenária labuta.

Sem a percepção do porquê, instalou-se o caos na residência. A cozinheira atrasou o almoço, consequentemente o marido chegou tarde ao escritório de sua empresa.

A esposa deparou-se com os portões da escola fechados ao levar os filhos para as aulas, e assim não pôde ir trabalhar.

O filho adolescente nem notou a alteração de horário porque nunca ia à aula na USP. Assim, continuou entretido em seu videogame.

Ao retornar, a família procurou entender a razão desta repentina e inesperada alteração do cotidiano.

Todos os olhares voltaram-se ao lindo e esquecido relógio, e então, perceberam que, inconscientemente, todos eles se guiavam pelo som emitido nas horas, sempre com a precisão suíça, sem sequer dirigir o olhar para ele.

Talvez, pela primeira vez, tenham entendido o valor do carrilhão em suas atarefadas existências.

Nesta mesma noite, os ponteiros entreolharam-se novamente e um deles disse que havia valido a pena parar, pois além do merecido descanso após tantos anos, haviam recebido um afago do dono ao acertar as horas.

Quinze para as três da madrugada, um observador atento poderia identificar um largo sorriso no mostrador do relógio.

A partir desse acontecimento, quase todos na casa passaram a olhar com mais atenção e puderam então apreciar a beleza do esplendoroso relógio, o que envaideceu os diligentes ponteiros.

A exceção fica por conta do jovem aluno da USP que nada notou e continuou absorto em seu videogame.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor

Cassiano Ricardo (Poemas Escolhidos) = 4


BERIMBAU

Três anjos desceram do teto
da igreja e vieram indagar
o que se passou entre nós
dois.

E como eu os repreendesse
me jogaram pedras depois.

Em vão duas borboletas, tímidas,
no meu ombro pousaram, brancas,
movendo duas douradas vírgulas:
por que não nos contas o que houve,
esta manhã, entre vocês
dois?

Porém, nada lhes contei eu;
antes, me escondi nas palavras.
Tive medo do meu segredo;
pois

há certas coisas tão bonitas
que mesmo as borboletas brancas
não deverão saber depois.

Nem as gentis damas da noite.
Nem os lírios nascidos entre
bois.

Ciganas que me procurais,
maliciosas, cantarolando,
é inútil! Porque há certas graças,
tão puras, por serem secretas,
que perdem o encanto, depois.
E que dignas de saber não
sois.

Ah, nem Deus saberá, jamais,
o que se passou entre nós
dois.
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CANÇÃO PARA PODER VIVER

Dou-lhe tudo do que como,
e ela me exige o último gomo.

Dou-lhe a roupa com que me visto
e ela me interroga: só isto?

Se ela se fere num espinho,
O meu sangue é que é o seu vinho.

Se ela tem sede eu é que choro,
no deserto, para lhe dar água:

E ela mata a sua sede,
já no copo de minha mágoa

Dou-lhe o meu canto louco; faço
um pouco mais do que ser louco.

E ela me exige bis, "ao palco"!
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CANÇÃO PLUVIAL

O vento canta como um pião de brejaúva
(quando se desenrola no ar a fieira branca e lépida de chuva)

Surdas goteiras cá por dentro
que batem
que batem-batem
num fundo canoro de lata
os seus contínuos, dolorosos zé-pereiras,
estão tocando agora a música simbólica
de uma enfadonha serenata.

Meus soldadinhos de papel, vestidos de amarelo
estão marchando muito longe...coitadinhos!
(minha saudade, a ouvir o canto das goteiras
batendo batendo batendo no fundo de lata
parece que ouve ainda muito longe muito longe
um tamborzinho de prata).

As madrugadas coloridas
as tardes polichinelos
embrulharam-se bem nas nevoentas vapotas*
e foram se esconder lá no fundo das grotas...

O dia de cara suja
suja com a cinza dos poentes de brasa
parece uma enorme coruja
que está pousada há três dias
no teto da minha casa.
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* vapotas = vapores
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CANTILENA, EM AGUDO

No fim da estrada está quem quero,
Alguém que espera por mim.
Mas como pode chegar ao meu fim,
Quando um pássaro canta assim?

A única coisa que não cansa
já se cansou – a esperança.
Esperança, não de esperar,
mas de procurar algum fim.

É a hora em que ouço, lá longe,
o canto agudo do “sem-fim”,
feito de suor e de flautim.
O canto que é cantar por mim.

A voz do não sei de onde vim
Me pergunta, mais pontiaguda
do que a ponta de um florim,
para onde vou, qual o meu fim.

Ah, eu não sei de onde vim
— gota de esmeralda ou sal —
se dos olhos de uma medusa,
se de um chim*, de um espadachim.

Dizem que a maior dor de todas
é a de quando um bem começa
e já de nos ferir não cessa
a certeza do seu fim.

Para mim, a maior não é essa.
É o não Ter fim, quando se pede
que a manhã, olhar de clarim,
nos traga uma solução, enfim.
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* chim = chinês.
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CATEGIRÓ

1
Santo António do Categiró*
na igreja de Nossa Senhora do Ó
Faça com que os homens
se entendam
dentro de um mundo só.

E que gorjeiem, todos,
numa língua só.
E que cada palavra tenha
um sentido só,
para todos.
E que todos sejam um só.

Só assim, boca no pó,
céu comum, chão comum,
ninguém estará só.
Dentro de um mundo só.

2
Santo António do Categiró
na igreja de Nossa Senhora do O
(santo preto, e só
por ser preto)
faça da estrela dalva
um amor só.
Não pela cor do rosto
mas pela do sangue
(rubra)
nas mesmas feridas, 
rosas feridas.

Nem orgulho, nem dó, 
mas uma coisa só.
Nem Agá Kan*, nem Jó,
mas uma coisa só. 
Ó Santo António do Categiró,
na igreja do Ó

3
Canário e noitibó**
cantarão juntos, mas só
quando a manhã for uma
só.

Ninguém se achará só
dentro de um mundo só.

Santo António do Categiró.
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* Agá Kan (Agacão) = título hereditário tipo Comandante em chefe, na Pérsia.
* Noitibó = Pássaro caprimulgídeo de plumagem castanho-ruiva, que à noite caça insetos voando com o bico de todo aberto; curiango.
* Santo António do Categiró = António de Categiró foi um escravo que se tornou santo. Nasceu na Cirenáica, uma região do norte da África, no fim do século XV. Na terra natal praticou a religião chamada Islamismo, que foi fundada por Maomé. Depois, capturado como escravo, foi levado para a ilha da Sicília, sul da Itália. Aí foi vendido para um senhor cristão. Naquele tempo o escravo era comprado por um valor equivalente ao valor de dois cavalos. Muito bom e humilde, Antônio era chamado de Tio António. Foi instruído pelos patrões sobre a vida e a missão de Jesus Cristo. Tornou-se cristão. Não foi, porém um cristão comum, muito menos, um cristão relaxado. Praticava a lei de Deus com todo o fervor. Amava a Deus, procurando estar sempre com Ele por meio da oração. Procurava conhecer também a palavra de Deus na Bíblia. Orava muito, até durante a noite. Sempre se confessava. Como a vontade de Deus é amemos também nossos irmãos, ele amava realmente o próximo.

Era muito trabalhador, cumprindo sempre as ordens de seu patrão, que o encarregou de cuidar das ovelhas. Depois, tinha amor pelos pobres. Pedia ao povo da cidade onde morava, a cidade de Noto, esmolas, e distribuía pelos pobres, alimento e roupas. Ajudava aos pobres também distribuindo leite e queijo das ovelhas. Uma vez o patrão o proibiu de dar leite e queijo para os pobres. António obedeceu. Então a produção diminuiu bastante. O patrão viu que ia tomar prejuízo. Mandou então que António continuasse a atender os pobres. E as ovelhas continuaram a produzir como antes, para alegria do patrão. Deus deu a António o dom de fazer milagres, de modo especial de curar pessoas. Muitos o procuravam para alcançar a saúde. António humilde, dizia que ele não passava de um simples escravo, só Deus tem poder de curar. Impunha as mãos aos enfermos, rezava e Deus curava. Depois de sua morte continuou a fazer muitos milagres. Até hoje temos testemunhas de muitas pessoas que alcançaram grandes graças por intercessão de Santo António de Categeró.  (http://www.paulinas.org.br)
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Fonte> Cassiano Ricardo. Vida e Obra. Disponível em https://www.fccr.sp.gov.br/portalcassianoricardo/#